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Processo n° 1009/2005 
 
 2ª Secção 
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma 
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
 1.  Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade vindos 
 do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrente A. e como 
 recorrida o Banco B., SA, é submetido à apreciação do Tribunal Constitucional a 
 norma do artigo 863° do Código Civil, interpretada no sentido de “sendo a mesma 
 entidade jurídica a tutelar o contrato de trabalho e a reforma (...), o 
 trabalhador ainda assim pode renunciar, na pendência da relação laboral, a 
 créditos salariais no momento em que negoceia as condições da sua reforma”. 
 Junto do Tribunal Constitucional o recorrente apresentou alegações que concluiu 
 do seguinte modo: 
 I) O Recorrente entende que a interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, 
 proferida no Acórdão, ora recorrido, sobre a aplicação da figura da remissão 
 abdicativa, no decurso da relação laboral do Recorrente, é inconstitucional. Com 
 a celebração do acordo de cessação do contrato de trabalho, foi estipulado uma 
 compensação pecuniária que, como se provou, se destinou apenas a compensar a 
 perda de rendimentos advenientes da passagem à reforma. 
 II) Ainda assim, o Tribunal entendeu que os créditos reclamados na presente 
 acção judicial se encontravam remitidos pela quitação incluída no acordo. 
 Contudo, há que ter em atenção que o Recorrente desconhecia a existência dos 
 créditos ora reclamados, e que não pôde alterar qualquer cláusula do acordo, 
 além de que se encontrava numa relação laboral profundamente degradada, e sabia 
 que era a sua entidade patronal quem lhe iria fixar o valor da sua reforma. 
 III) Assim, no caso dos autos, considera-se inconstitucional a aplicação do 
 art.° 863° do Código Civil no decurso da relação laboral, porquanto o Recorrente 
 assinou o referido “acordo” no decurso da sua relação laboral, ou seja, em 28 de 
 Setembro de 2001, para produzir efeitos em 1 de Novembro de 2001 (factos 
 assentes B)), violando, assim, o art. 59°, n° 1 a) da CRP. 
 IV) Conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 2 1/09/2004, supra 
 transcrito. 
 V) Por isso, o Recorrente entende que será sempre, inconstitucional, por 
 violação dos art.°s 59º, nº 3, e nºs 1 e 4 do art.° 63° da Constituição, a 
 interpretação que determina que sendo a mesma entidade jurídica a tutelar o 
 contrato de trabalho e a reforma (discricionária quanto ao momento e montante), 
 o trabalhador ainda assim pode renunciar, na pendência da relação laboral, a 
 créditos salariais no momento em que negoceia as condições da sua reforma, sendo 
 obviamente nulo e de nenhum efeito o acordo em contrário. 
 VI) Ora, a questão fundamental aqui é saber se a cláusula de quitação contida no 
 
 “Acordo” abrangia os créditos reclamados na presente acção. 
 VII) Após alguma divergência entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal da 
 Relação de Lisboa quanto à forma de cessação do contrato de trabalho do ora 
 Recorrente – por caducidade ou por revogação – o Supremo Tribunal de Justiça 
 veio dar razão ao Recorrente, no sentido de considerar que, através do “acordo”, 
 o contrato de trabalho cessou por caducidade. 
 VIII) Contudo, mantém a interpretação que o art.° 8° da LCCT é aplicável ao caso 
 dos autos, integrando, assim, a figura da remissão abdicativa. 
 IX) Ora, cumpre-nos desde já discordar desta interpretação. 
 X) Na realidade, a invalidez reconhecida ao Recorrente resulta do ACTV! 
 XI) A reforma dos bancários é a que resulta do ACTV!!! 
 XII) As condições e o quantum da reforma é questão diversa!!!! 
 XIII) E foi isto que foi objecto do “Acordo” de cessação do contrato.
 XIV) Por isso parece pacífico que o contrato de trabalho terminou por 
 caducidade!!! 
 XV) Aliás, como muito bem é referido no parecer do Prof. Doutor Pedro Romano 
 Martinez, supra transcrito. 
 XVI) Por outro lado, encontra-se provado o seguinte nos presentes autos: 
 
 “SS) Numa reunião da Administração da ré com a Comissão de Quadros e Técnicos 
 Reformados que teve lugar em Maio de 2002, o Presidente do Conselho de 
 Administração da ré, Sr. Dr. C. referiu que os montantes constantes dos Acordos 
 semelhantes ao especificado nas Alínea B) e C) foram para compensar a perda de 
 rendimentos que adviria com a passagem à reforma antes dos 65 anos”. 
 XVII) Ou seja, está provado que os valores atribuídos a título de compensação 
 destinavam-se exclusivamente a compensar a perda de rendimentos adveniente da 
 passagem à reforma antes dos 65 anos. Como se pode, então, afirmar, que nesse 
 valor está também incluído o valor de recalculo da isenção de horário de 
 trabalho? 
 XVIII) Tanto mais que o Recorrente desconhecia a existência do referido crédito, 
 pelo que é impossível dar quitação de algo que desconhece existir, quanto mais 
 não seja, por motivos de boa fé. 
 XIX) Ora, é mais que óbvio que a compensação não inclui o valor peticionado na 
 presente acção, pelo que não pode ser, em caso algum,  procedente a remissão 
 abdicativa alegada pela Recorrida. 
 XX) Como bem se pronunciou o Senhor Professor Doutor Monteiro Fernandes (página 
 
 8 do referido parecer). 
 XXI) Pelo que, não é aceitável a construção elaborada no Acórdão, que considerou 
 estarmos perante uma verdadeira remissão abdicativa. 
 XXII) Caso contrário, o art. 8º n.° 4 da LCCT seria absolutamente 
 inconstitucional, por violação do art. 59º, n.° 3 da Constituição. 
 XXIII) Pois se o trabalhador não tem liberdade para reclamar créditos, porque 
 continua ao serviço da entidade empregadora e estamos perante uma desigualdade 
 entre as partes, onde está a tutela do salário, prevista no art° 59º, 3 da 
 Constituição? 
 XXIV) Por outro lado, no caso dos autos, estamos perante uma relação jurídica 
 
 “sui generis” que não pode ser ignorada e que determina a prevalência de uma das 
 partes sobre a outra. 
 XXV) É a mesma entidade jurídica que tutela a relação laboral e que vem tutelar 
 a relação previdencial, o que permite, desde já, afirmar a posição que não 
 existe liberdade negocial, nem contratual, sendo aberrante aceitar‑se que, no 
 decurso da relação laboral, o trabalhador possa renunciar a créditos salariais. 
 XXVI) Ora, é inconstitucional a posição que admite que o trabalhador, no decurso 
 da relação laboral, pode renunciar a todos e quaisquer créditos laborais. 
 XXVII) Na realidade, quando o A. requereu o depoimento de parte da Administração 
 da Ré, na pessoa do seu Presidente, pretendia, obviamente, que esta fosse 
 confrontada com a afirmação proferida na reunião havida com a Comissão de 
 Quadros e Técnicos Reformados, onde for expressamente declarado que os montantes 
 constantes dos Acordos de Rescisão eram meras compensações pecuniárias face à 
 perda de rendimentos que advém entre a data da “invalidez’ simulada e os 65 
 anos, data efectiva da Reforma, nos termos do ACTV. 
 XXVIII) Aliás, e de acordo com o mui bem elaborado parecer do Prof.° Doutor 
 António Monteiro Fernandes, a fis 10, passa-se a citar: 
 
 “...apesar da Jurisprudência do STJ ter por vezes, considerado que estipulações 
 deste tipo podem integrar a figura da “remissão abdicativa” por parte do 
 trabalhador. Todavia, essa opinião tem assente no pressuposto de se tratar de 
 acordos posteriores à cessação do contrato, o que não sucede no caso sob 
 análise. Cfr., por exemplo, o Ac. do STJ 6/6/94. em Ac. Dout. 396, 1461.” 
 XXIX) E continuando a citar: 
 
 “provou-se nos autos que a chamada “compensação global” teve por finalidade 
 atenuar o prejuízo (a “perda de rendimentos”) resultante de o empregado deixar 
 de receber a sua remuneração para passar a auferir uma “mensalidade de reforma” 
 diminuída pelo facto de não ter atingido a idade da reforma por velhice (65 
 anos)” 
 XXX) E concluindo. 
 
 “A estipulação, no acordo analisado, da “compensação pecuniária de natureza 
 global” a pagar pelo CCP ao seu empregado não é de molde a preencher o substrato 
 factual da presunção estabelecida pelo art.° 8°/4 do DL 64-A/89” 
 XXXI) E, 
 
 “Em consequência, não está o trabalhador impedido de exigir e fazer valer 
 eventuais créditos emergentes do contrato de trabalho a que, com o mencionado 
 acordo, se quis por termo. 
 XXXII) Pelo que não houve remissão abdicativa, e não se encontra extinta a 
 obrigação da Recorrida. 
 XXXIII) Tal como muito doutamente se sustenta no AC RL de 26.02.2003 
 
 (www.dgsi.pt). 
 XXXIV) Atente-se em recente acórdão do Tribunal Constitucional – acórdão 
 
 600/2004, DR n.° 277, de 25 de Novembro de 2004, onde esta questão, similar à 
 dos autos foi tratada de modo claro: 
 
 “... Também não releva o facto de serem eventualmente possíveis outros 
 enquadramentos jurídicos para a situação: assim, «se o credor abdica do seu 
 direito por troca de uma prestação diferente, que recebe no acto da abdicação, 
 não há entre as partes uma remissão, mas uma dação em cumprimento» (pode ler-se 
 em Antunes Varela, Direito das Obrigações, vol. II, 3ª ed., Coimbra, 1981, p. 
 
 216). E, no entender de João Leal Amado (A Protecção do Salário, Coimbra, 1993, 
 pp. 223 e 224), «a remissão (...) pressupõe que o credor conhece o seu direito, 
 tem consciência da sua existência, sabe que ele ainda se encontra insatisfeito, 
 e pressupõe, também, que o credor quer extinguir esse crédito, tem vontade de o 
 abandonar, de dele se demitir (...). Acontece que nada disto se passa, em 
 princípio, com as declarações ora em apreço. Ao contrário: o trabalhador 
 emite-as porque desconhece a existência de qualquer crédito seu ainda por 
 satisfazer – ao declarar nada mais ter a exigir da entidade patronal, ele não 
 pretende extinguir o seu crédito, ele julga que o seu crédito já se encontra 
 extinto (...). Não há aqui, portanto, a mínima intenção de renunciar ao que quer 
 que seja – não estamos, afinal, perante uma declaração de vontade, mas antes 
 perante uma mera declaração de ciência». 
 XXXV) Bem como, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21/09/2004. 
 
 
 XXXVI) Ora, chegamos, agora, ao cerne da questão, ou seja, saber se é 
 inconstitucional a aplicação do art.° 863° do Código Civil no decurso da relação 
 laboral, porquanto o Recorrente assinou o referido “acordo» no decurso da sua 
 relação laboral, ou seja, em 28 de Setembro de 2001, para produzir efeitos em 1 
 de Novembro de 2001 (factos assentes B)), e, consequentemente, se a figura da 
 remissão abdicativa, nos presentes autos, é inconstitucional. 
 XXXVII) Em primeiro lugar, e reafirmando o supra exposto, há que ter em atenção 
 que estamos perante um caso sui generis. 
 XXXVIII) A entidade patronal é a mesma que fixa as condições de reforma. 
 XXXIX) Ou seja, é a mesma entidade patronal que regula a relação laboral, que 
 fixa as condições de reforma e que, como não bastasse, regula a relação 
 previdencial! 
 XL) No mesmo “acordo” em que termina a relação laboral com o trabalhador, mas 
 celebrado, ainda, no decurso da relação laboral, a sua entidade patronal 
 fixou-lhe as condições da reforma!!! 
 XLI) Pelo que, a capacidade de negociação do trabalhador está fortemente 
 diminuída e condicionada. 
 XLII) Em segundo lugar, não estamos a tratar de uma qualquer dívida, mas sim de 
 créditos, salariais, não se podendo obviar a questão de que o salário está 
 relacionado com questões de ordem pública e social. 
 XLIII) Em terceiro e último lugar, ao aplicar o art.° 863° do CC à obrigação da 
 entidade patronal de pagar o salário ao seu trabalhador, violou‑se o disposto no 
 art.° 59°, 1, a) da Constituição – inconstitucionalidade que ora se argúi, com 
 as legais consequências, dado a inexistência de liberdade contratual em face do 
 enquadramento factual aplicável ao caso sub judice. 
 XLIV) Ora, e ainda que se considere – erradamente – que o autor já não se 
 encontrava numa situação de subordinação jurídica psicoloqicamente inibidora da 
 reclamação dos créditos reclamados na presente acção, a verdade é que essa 
 subordinação tanto existia que o “acordo” foi assinado em 28 de Setembro de 
 
 2001, para produzir efeitos em 1 de Novembro de 2001 (factos assentes B)). 
 XLV) No decurso da relação laboral! 
 XLVI) Nestes casos, como se vem ponderando na jurisprudência e na doutrina, 
 nomeadamente no acórdão do STJ, de 24.11.04, disponível em www.stj.pt, supra 
 transcrito. 
 XLVII) Por último se dirá que, relativamente a esta problemática da remissão 
 abdicativa, urge citar o Prof. Vaz Serra, em “Remissão, reconhecimento negativo 
 de dívida e contrato extintivo de relação obrigacional bilateral”, BMJ, n° 43, 
 bem como interessará também citar o mesmo Ilustre Professor, expressamente 
 quanto à quitação, no seu estudo “Do cumprimento como modo de extinção das 
 obrigações”, BMJ, n° 34, pág. 175 e 176. 
 XLVIII) Por outro lado, e em concordância com o acima dito, Francisco Manuel de 
 Brito Pereira Coelho, em “A Renúncia Abdicativa no Direito Civil (algumas notas 
 tendentes à definição do seu regime). 
 XLIX) Assim, os princípios enunciados mostram-se aplicáveis ao caso dos autos, 
 na medida em que nele está em discussão a verificação de créditos que a Ré não 
 reconhece sequer que existam e que, a verificar-se agora, por força da decisão a 
 proferir, que existem, não se vê como pudesse ser o objecto de uma remissão 
 abdicativa numa declaração de quitação, ainda que “genérica” como a do n° 3 da 
 Cláusula Quarta do Acordo. 
 L) Por fim, e de acordo com o supra alegado, o Recorrente tem direito ao 
 recalculo da isenção de horário de trabalho, para que seja integrado na mesma as 
 importâncias auferidas a título de prémios de produtividade e mérito, senhas de 
 gasolina, cartão de crédito para utilização pessoal com plafond anual, uso 
 pessoal do carro de serviço e as comparticipações nos lucros, uma vez que esse 
 direito não se encontra extinto pela percepção da quantia global outorgada com o 
 
 “acordo”, nem pela suposta declaração remissiva contida no mesmo documento. 
 LI) Quer a atribuição de prémios de produtividade e mérito, senhas de gasolina, 
 cartão de crédito para utilização pessoal com plafond anual, uso pessoal do 
 carro de serviço e as comparticipações nos lucros, constitui retribuição, nos 
 termos e para os efeitos do art.° 249° do Código do Trabalho. 
 LII) Assim, e tendo em atenção o prescrito no ACTV, assim como aquilo que consta 
 do Parecer da Inspecção-Geral do Trabalho, a isenção de horário de trabalho tem 
 de ser calculada sobre a remuneração mensal efectiva do trabalhador, e não sobre 
 vencimento base e diuturnidades, pelo que, estando provado o carácter de 
 retribuição das prestações supra referidas, não pode senão entender-se, como fez 
 a sentença do Tribunal de 1ª Instância, que todas aquelas têm de ser incluídas 
 no cálculo da isenção de horário de trabalho. 
 LIII) Assim sendo, as prestações recebidas a título de retribuição integram – 
 obviamente – o conceito de remuneração mensal efectiva. Como bem se pronunciou o 
 Senhor Inspector-Geral do Trabalho, no parecer junto com a petição inicial como 
 documento 1, se a R. liquida o valor da isenção de horário de trabalho com base 
 apenas no vencimento base e diuturnidades, faz os cálculos com base na 
 retribuição mínima mensal, e não com base na retribuição mensal efectiva, o que 
 viola claramente o disposto no ACTV. 
 LIV) Prevendo o ACTV uma forma especial de cálculo da isenção de horário de 
 trabalho, com base na retribuição mensal efectiva, e não com base na retribuição 
 mínima mensal, deve a Recorrida liquidar o valor correspondente à diferença 
 entre o valor efectivamente pago a título de isenção de horário de trabalho e o 
 valor que deveria ter sido liquidado a esse título. 
 LV) Além disso, se o valor pago ao Recorrente, a título de senhas de gasolina 
 para uso pessoal, de cartão de crédito para uso pessoal, prémio de produtividade 
 e mérito, etc., integra o conceito de retribuição, obviamente, passa a ter 
 tutela da lei, dado o seu carácter periódico e constante ao longo dos anos. 
 LVI) Se é retribuição não pode ser retirado e resulta da lei, pelo que, também, 
 com este fundamento deve integrar o cálculo da IHT. 
 LVII) Por fim e quanto à suposta declaração remissiva, atente-se no parecer 
 junto aos autos, e subscrito pelos Senhores Professor Doutor Romano Martinez e 
 Dr. Guilherme Dray (pg. 31). 
 LVIII) No caso dos autos, o “prémio” pago pela Recorrida não teve qualquer 
 ligação com eventuais créditos salariais, sendo apenas e tão só uma compensação 
 pecuniária que visou compensar a perda de rendimentos entre a idade da reforma 
 do Recorrente e os 65 anos, idade legal de reforma, que se operou por força da 
 reforma antecipada do Recorrente. 
 LIX) E se a compensação pecuniária atribuída não tem natureza global, não 
 engloba todos os créditos. Ou seja, a presunção constante do art.° 8º, 4 da LCCT 
 
 (que nem sequer seria de aplicar ao caso, por estarmos perante uma caducidade do 
 contrato, e não uma pura rescisão por mútuo acordo) está plenamente ilidida. 
 LX) Por fim, e contrariamente ao que tem sido entendido pelas várias instâncias 
 judiciais, no presente processo, o Recorrente não teve qualquer outra opção que 
 não fosse a de optar pela reforma. 
 LXI) Aliás, retirar as funções a um trabalhador, e responder-lhe que se não 
 quiser esperar que lhe sejam atribuídas funções pode sempre reformar-se é um 
 claro mobing, até porque não estamos a falar de uma espera de dias ou mesmo 
 semanas – pois tinham passado meses, e a situação parecia não ter resolução num 
 futuro próximo. 
 LXII) Pelo que, e nessa medida, o Recorrente foi, de facto, coagido a assinar o 
 referido “acordo”, nos termos estipulados pela Requerida, sem qualquer 
 possibilidade de negociação. 
 LXIII) Pelo exposto, o Acórdão de que ora se recorre, ao aplicar o art. 863° do 
 CC, violou o disposto no artigo 59°, 1, a) da Constituição. 
 Nestes termos, e nos demais de direito, deve o presente recurso ter provimento, 
 e o art. 863° do Código Civil considerado inconstitucional por violação do art. 
 
 59° n° 1 a) da CRP, se aplicado no decurso das relações laborais e sendo a 
 entidade jurídica que tutela a relação laboral a mesma que, posteriormente, vem 
 a tutelar a relação previdencial, com as legais consequências. 
 
  
 A recorrida contra-alegou, pugnando o não provimento do recurso e juntando três 
 acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa para demonstração da existência de uma 
 declaração de renúncia abdicativa.
 O recorrente, por sua vez, veio, nos termos do artigo 526º do CPC, responder aos 
 referidos documentos, sustentando a sua não aplicação ao caso sub judice.
 A recorrida requereu, então, o desentranhamento do requerimento do recorrente 
 por ser processualmente inadmissível, nos termos dos artigos 517º, nº 2, 542º, 
 
 543º, nº 1 e 554º, nº 1, todos do Código Civil.
 
  
 
 2.  O Tribunal Constitucional já apreciou questão substancialmente idêntica à 
 que constitui o objecto do presente recurso de constitucionalidade. 
 Com efeito, no Acórdão n° 600/2004 o Tribunal Constitucional decidiu não julgar 
 inconstitucional a norma do n.° 1 do artigo 863° do Código Civil, quando 
 aplicada a um acordo de remissão complementar do da cessação de um contrato de 
 trabalho por reforma antecipada do trabalhador, fundada em invalidez. 
 Para tanto, entendeu o Tribunal o seguinte: 
 
  
 
 6. Entende o recorrente que a inconstitucionalidade de tal norma resulta da sua 
 contrariedade ao disposto nos artigos 17.° e 59.º, n.° 1, alínea a), da 
 Constituição, mas apenas na medida em que o contrato de remissão seja celebrado 
 entre um trabalhador e a sua entidade patronal por ocasião da cessação do seu 
 contrato de trabalho. 
 Não se vê, porém, como é que a possibilidade de o credor remitir a dívida por 
 contrato com o devedor, nessas condições (isto é, por ocasião da cessação do 
 contrato, ou, mais precisamente: antes de operar a caducidade do contrato de 
 trabalho mas para produzir efeitos depois desta), possa contender com o direito 
 
 à “retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade”, 
 consagrado na alínea a) do n.° 1 do artigo 59.° da Constituição, mesmo admitindo 
 que, nos termos do igualmente invocado artigo 17.° da Lei Fundamental, o regime 
 de direitos, liberdades e garantias lhe seja aplicável. 
 Aliás, o já referido regime do n.° 4 do artigo 8.° da Lei da Cessação do 
 Contrato de Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 64-A/89, correspondente ao 
 artigo 394°, n.° 4, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.° 99/03, de 27 de 
 Agosto, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003) contém, no que importa, uma 
 estatuição de efeitos semelhantes à que ora está em causa, e nunca foi julgado 
 inconstitucional. Precisando melhor, a recondução da declaração de quitação 
 total (transcrita no n.° 1 do Relatório) ao instituto da remissão abdicativa, 
 afastado que foi o seu enquadramento na compensação pecuniária de natureza 
 global prevista naquele dispositivo, em razão de o contrato de trabalho ter 
 cessado por caducidade (decorrente de invalidez) e não de acordo de cessação do 
 contrato de trabalho por acordo entre trabalhador e entidade patronal, não 
 altera a sua compatibilização constitucional. 
 Ora, só se percebe a imputação de inconstitucionalidade ao regime da remissão 
 desde que se pressuponha uma série de circunstâncias qualificativas desse 
 contrato: que o credor (o trabalhador) tenha direito a importâncias que excedem 
 as que o devedor (a entidade patronal) lhe paga a troco dessa declaração de 
 total quitação, e que a declaração de vontade do credor (trabalhador) não seja 
 plenamente esclarecida quanto aos direitos que lhe assistem, ou, sendo-o, não 
 seja totalmente livre (por ser condicionada pela necessidade ou interesse de 
 receber a parte da dívida que o devedor – a entidade patronal – se dispõe a 
 pagar-lhe). Esse é, aliás, o sentido do parecer junto aos autos, se bem que 
 omisso quanto à desconformidade constitucional de um entendimento diverso. 
 Porém, tirando o facto de, perante estas circunstâncias, a declaração do credor 
 
 (o trabalhador) poder ser anulável por erro ou, mesmo, nos termos do artigo 
 
 282.° do Código Civil, e de, em todo o caso, ser incerto o direito às prestações 
 que o trabalhador se arroga (por o tribunal não ter chegado a avaliá-lo), a 
 eventual lesão a tal direito sempre decorreria da concorrência dessas condições, 
 e não, só por si, da norma a que se pretende imputá-la. 
 
 7. Acresce que a protecção dos direitos do trabalhador, que se invoca para 
 pretender excluir a remissão abdicativa da esfera pós‑relação laboral, impediria 
 que estes formulassem por si o juízo sobre a celebração de tais contratos, sem 
 que se imponha, legal ou constitucionalmente, qualquer presunção de que o seu 
 juízo livre e informado – quando o não seja a ordem jurídica faculta-lhes 
 mecanismos de invalidação de tais contratos – lhes será necessariamente 
 prejudicial, com a concomitante imposição de uma indisponibilidade restritiva da 
 liberdade contratual de ambas as partes. 
 Além disto, como se pressupõe no regime do artigo 8° do Regime Jurídico aprovado 
 pelo Decreto-Lei n.° 64-A/89, e como alega o recorrido, com a dissolução do 
 vínculo laboral (por caducidade, no caso dos autos) tende a dissipar-se a 
 situação de subordinação jurídica e económica que justifica a indisponibilidade 
 de (certos) direitos do trabalhador – como, aliás, demonstra, por exemplo, a 
 solução adoptada na matéria, próxima, da prescrição (só os direitos disponíveis 
 são prescritíveis), a qual não é admissível no decurso do contrato de trabalho, 
 mas se torna possível depois da cessação deste (cf. J. Leal Amado, ob. cit. pp. 
 
 216-217) –, aproximando‑se decisivamente a situação do credor/ex-trabalhador 
 face ao devedor/ex-entidade patronal da situação de outros credores face a 
 outros devedores (em que pode igualmente existir uma diferença fáctica de poder 
 económico). 
 E, obviamente, pelo menos na falta de circunstâncias qualificativas (que não 
 estão aqui em causa), a norma impugnada não é inconstitucional – nem o 
 recorrente pretende que seja – na sua aplicação a todos esses casos de outros 
 credores. 
 Conclui-se, pois, que não subsiste qualquer fundamento para a 
 inconstitucionalidade da interpretação normativa impugnada. 
 
  
 Tais considerações são aplicáveis nos presentes autos. 
 O recorrente desenvolve, porém, argumentos no sentido de demonstrar a 
 inconstitucionalidade do artigo 8°, n° 4, da Lei da Cessação do Contrato de 
 Trabalho. No entanto, uma vez que tal preceito não integra o objecto do presente 
 recurso de constitucionalidade, já que não foi indicado no requerimento de 
 interposição do recurso de constitucionalidade, não pode o Tribunal 
 Constitucional ponderar tais considerações. 
 Por outro lado, a circunstância de a entidade que “tutela a relação laboral” ser 
 a mesma que “tutela a relação previdencial” não influencia o juízo de não 
 inconstitucionalidade a formular, já que de modo algum os termos do acordo 
 celebrado poderão influenciar o exercício do direito à reforma do recorrente. 
 Assim, remete-se para a fundamentação do Acórdão n° 600/2004 
 
 (www.tribunalconstitucional.pt), concluindo-se pela não inconstitucionalidade da 
 norma do artigo 863º do Código Civil interpretada no sentido de ser aplicável a 
 um acordo complementar do da cessação de um contrato de trabalho.
 
  
 
  
 
 3.  Quanto ao pedido de desentranhamento do requerimento do recorrente, 
 afigura‑se inútil, em face do presente julgamento.
 
  
 
  
 
 4.  Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 a)  Negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido;
 b)  Indeferir o requerimento de fls. 1066 e 1067.
 
  
 
  
 Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em  20  UCs
 Lisboa, 2 de Maio de 2006
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos