 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 601/06
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é 
 recorrente A. e recorrida a Direcção-Geral de Viação, foi interposto recurso 
 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, 
 alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 23 de Maio de 2006.
 
  
 
 2. Em 27 de Julho de 2006 foi proferida decisão sumária, pela qual se entendeu 
 não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto (artigo 78º-A, nº 1, da 
 LTC), com os seguintes fundamentos:
 
  
 
 “1. Para se poder conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade previsto 
 na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC necessário é que o recorrente tenha 
 suscitado, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade normativa 
 formulada no respectivo requerimento de interposição. E que a tenha suscitado de 
 modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72º, nº 2, 
 da LTC). Conforme jurisprudência reiterada e uniforme do Tribunal Constitucional 
 
 «o cumprimento do ónus a que se refere o artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal 
 Constitucional não se basta (…) com a mera afirmação, perante o tribunal 
 recorrido, de que certa interpretação normativa, não concretizada, é 
 inconstitucional, pois que tal não traduz a invocação de uma verdadeira questão 
 de inconstitucionalidade: o preceito vai mais longe, impondo ao recorrente a 
 delimitação dessa questão, de forma a possibilitar ao tribunal recorrido a sua 
 cabal compreensão e, portanto, a sua efectiva decisão» (Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 361/2006, não publicado).
 Nos presentes autos verifica-se que, durante o processo, a questão de 
 inconstitucionalidade formulada no requerimento de interposição de recurso para 
 este Tribunal não foi suscitada de forma adequada, ou seja, dando cumprimento ao 
 
 ónus a que se refere o nº 2 do artigo 72º da LTC. Com efeito, a recorrente 
 limita-se a remeter para a “interpretação” por si defendida, concluindo que “a 
 adopção de uma dimensão normativa diferente (…) implica concluir que a norma que 
 se retira dos arts. 8º, 288º, nº 3 e 265º, nº 2 do Código de Processo Civil e 
 dos arts. 9º e 10º do Código Civil é inconstitucional” (cf. 17ª conclusão da 
 peça processual indicada pela recorrente); ou, então, a remeter para a “dimensão 
 normativa adoptada pelo Tribunal a quo”:
 
  
 
 «Os artigos 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e dos arts. 
 
 9.° e 10.º do Código Civil, na dimensão normativa adoptada pelo Tribunal a quo 
 vedam à Recorrente a possibilidade de regularização da instância quando falta a 
 personalidade judiciária, situação que é expressamente admitida no caso análogo 
 previsto no art. 8.° do Código de Processo Civil»;
 
 «Por esses motivos, só resta concluir que a norma contida nos artigos 8.°, 
 
 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e nos arts. 9.° e 10.° 
 do Código Civil, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo, é materialmente 
 inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 
 
 13.º da Constituição, e do principio da tutela jurisdicional efectiva, 
 consagrado nos artigos 20.° e 268.°, n.° 4 da Constituição da República 
 Portuguesa»;
 
 «18ª Os artigos 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e dos 
 arts. 9.º e 10.º do Código Civil, na dimensão normativa adoptada pelo Tribunal a 
 quo, vedam à Recorrente a possibilidade de regularização da instância quanto à 
 falta de personalidade judiciária, situação que é expressamente admitida no caso 
 análogo previsto no art. 8.° do Código de Processo Civil»;
 
 «21ª Assim sendo, a norma contida nos artigos 8.°, 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 
 do Código de Processo Civil e dos arts. 9.° e 10.° do Código Civil, na 
 interpretação formulada pelo Tribunal a quo, é materialmente inconstitucional 
 por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da 
 Constituição, e do principio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos 
 artigos 20.° e 268.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa».
 
  
 Não se verifica, por conseguinte, um dos requisitos do recurso de 
 constitucionalidade interposto, o que justifica a prolação da presente decisão 
 
 (artigo 78º-A, nº 1, da LTC).
 
  “Quando se pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação 
 normativa, é indispensável que a parte identifique expressamente essa 
 interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a 
 julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os 
 respectivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que 
 essa norma não pode ser aplicada com tal sentido (…). Não é, deste modo, como 
 vem reiteradamente decidindo o Tribunal Constitucional, forma idónea e adequada 
 de suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa a simples invocação 
 de que seria inconstitucional (…) certa ou certas normas legais na interpretação 
 que a decisão das instâncias lhes conferiu, não suficientemente definida ou 
 precisada pelo recorrente (…), cabendo sempre à parte que pretende suscitar 
 adequadamente uma questão de inconstitucionalidade normativa o ónus de 
 especificar qual é, no seu entendimento, o concreto sentido com que tal norma ou 
 normas foram realmente tomadas no caso concreto pela decisão que se pretende 
 impugnar perante o Tribunal Constitucional (Lopes do Rego “O objecto idóneo dos 
 recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações 
 normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”, Jurisprudência 
 Constitucional, 3, 2004, p. 8).
 
  
 
 2. Ainda que a recorrente tivesse suscitado de forma adequada a questão agora 
 formulada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, 
 independentemente da questão de saber se a reportou às disposições legais 
 efectivamente aplicadas pela decisão recorrida, subsistiria sempre uma outra 
 razão para não conhecer o objecto do recurso interposto – a não aplicação pelo 
 tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é 
 questionada. 
 Com efeito, resulta do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que este não 
 aplicou norma segundo a qual “não é possível a regularização da instância quando 
 falte o pressuposto processual personalidade judiciária”, decorrendo antes que 
 tal é possível “nos casos expressamente previstos na lei”.
 Face à não verificação deste requisito do recurso previsto na alínea b) do nº 1 
 do artigo 70º da LTC, justificar-se-ia sempre, também por esta razão, a prolação 
 da presente decisão”.
 
  
 
 3. Desta decisão vem agora a recorrente reclamar para a conferência, nos termos 
 do artigo 78º-A, nº 3, da LTC, com os fundamentos seguintes:
 
  
 
  
 
 «I – DO OBJECTO E SENTIDO DA DECISÃO SUMÁRIA
 
 1. Por decisão sumária datada de 27 de Julho de 2006, foi decidido não se tomar 
 conhecimento do recurso entendendo-se que:
 a) A Recorrente não suscitou de modo adequado a questão da inconstitucionalidade 
 por, alegadamente, não ter efectuada uma “invocação” da norma “suficientemente 
 definida ou precisada” (cfr. p. 11 da decisão sumária);
 b) A norma cuja inconstitucionalidade a Recorrente suscitou não foi aplicada 
 pelo Tribunal a quo (cfr. p. 12 da decisão sumária).
 
 2. Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que:
 a) não foi feita uma correcta interpretação do texto das alegações e conclusões 
 do recurso de agravo apresentado pela Recorrente;
 b) não foi feita uma correcta interpretação do texto do Acórdão da Relação de 
 Coimbra de 23 de Maio de 2006.
 
 3. Na verdade, a Recorrente entende que a decisão sumária expressou “dúvidas” 
 sobre a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela Recorrente e 
 aplicada pelo Tribunal a quo, as quais não tem razão de ser ou “um mínimo de 
 correspondência” no texto das alegações e conclusões de recurso e no texto do 
 Acórdão da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2006 (cfr. art. 238.° do Código 
 Civil).
 Analisemos em concreto tais documentos.
 
  
 II - DA ALEGADA FALTA DE SUFICIÊNCIA E DE PRECISÃO NA IDENTIFICAÇÃO DA NORMA
 
 4. A decisão sub judice concluiu que a Recorrente não suscitou “durante o 
 processo” de “forma adequada” porque invocou a inconstitucionalidade da norma de 
 forma “não suficientemente definida ou precisada” (cfr. p. 10 e 11 da decisão 
 sumária de fls... .
 
 5. Salvo o devido respeito, a Recorrente não concorda com tal afirmação 
 porquanto considerando:
 a) o texto das alegações e conclusões de recurso para o Tribunal Relação de 
 Lisboa;
 b) o âmbito e alcance da pronúncia levada a cabo pelo acórdão do Tribunal da 
 Relação de Coimbra;
 não é possível defender uma interpretação de tal documento no sentido de que 
 existam quaisquer dúvidas quanto ao âmbito da norma cuja inconstitucionalidade é 
 suscitada;
 
 6. A Recorrente invocou a inconstitucionalidade normativa nas sua alegações e 
 conclusões de recurso de agravo para Tribunal da Relação de Coimbra nos 
 seguintes termos dos quais se destacam em sublinhado e negrito as seguintes 
 expressões:
 
  
 
 «
 
  
 I
 OBJECTO DO RECURSO
 O presente recurso tem por objecto a Sentença de fls. 171 e segs. a qual veio a 
 considerar procedente a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária 
 da Ré, ora Recorrida, ao mesmo tempo que conclui que tal excepção seria 
 insuprível pela intervenção nos presentes autos do Estado Português.
 A Sentença recorrida (...) acabou por concluir que a Direcção-Geral de Viação 
 não é dotada de personalidade judiciária e que, verificando-se tal excepção 
 dilatória, não será de suprir ou regularizar a instância com a intervenção nos 
 presentes autos do Estado Português nos termos que foram requeridos em sede de 
 resposta à Contestação.
 Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que (...), tais premissas ou 
 conclusões de direito, quanto à falta de personalidade judiciária da Recorrida e 
 quanto à natureza insuprível da excepção dilatória, enfermam de erro de 
 julgamento, não tendo sido feita uma correcta interpretação das normas contidas 
 nos artigos 8.°, 20.° 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil 
 
 (CPC) e nos artigos 9.° e 10.° do Código Civil.
 Caso assim não se entenda, invoca-se a título subsidiário – por mero dever de 
 patrocínio e sem conceder – que a Sentença impugnada aplicou norma 
 inconstitucional.
 II
 DO ERROR IN IUDICANDO
 
 (...)
 Nestes termos, caso se considere que a Recorrida não possui personalidade 
 judiciária, apenas há que promover a intervenção do Estado português nos termos 
 e para os efeitos previstos no art 8.° do CPC. aplicável ex vi do artigo 10.º do 
 Código Civil (o que, aliás, foi oportunamente requerido no momento da resposta à 
 contestação).
 O Tribunal a quo ao ter concluído pela impossibilidade de regularização da 
 instância, não obstante se ter requerido a intervenção do Estado Português e a, 
 consequente, ratificação ou repetição do processado, violou o disposto nos arts. 
 
 8.°, 288.°, n.° 3 e 265.°. n.° 2 do Código de Processo Civil e o arts. 9.º e 
 
 10.° do Código Civil.
 III
 DA APLICAÇÃO DE NORMA INCONSTITUCIONAL, A TÍTULO SUBSIDIÁRIO
 A interpretação defendida no capítulo anterior é aliás a única que se conforma 
 com a Constituição.
 A adopção de uma dimensão normativa diferente da defendida no capítulo anterior 
 implica concluir que_a_norma_que se retira dos arts. 8.°. 288.°, n.° 3 e 265.°, 
 n.° 2 do Código de Processo Civil e dos arts. 9.° e 10.° do Código Civil é 
 inconstitucional por violar o princípio da igualdade e o princípio da tutela 
 judicial efectiva.
 O princípio da igualdade veda que seja dado aos cidadãos nacionais um tratamento 
 diferenciado “por motivos subjectivos ou arbitrários”, traduzindo-se “a ideia 
 geral de proibição de arbítrio” (nesse sentido vide, entre outros, os Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional n.° 462/2003 e 213/93, publicado em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 Os artigos 288°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e dos arts. 
 
 9.º e 10.° do Código Civil, na dimensão normativa adoptada pelo Tribunal a quo 
 vedam à Recorrente a possibilidade de regularização da instância quando falta a 
 personalidade judiciária, situação que é expressamente admitida no caso análogo 
 previsto no art. 8.° do Código de Processo Civil.
 Ora, tal distinção não se encontra materialmente fundada porque não existem 
 quaisquer motivos que justifiquem que o legislador exclua a possibilidade de 
 sanação da instância no caso concreto.
 Por outro lado, há que ter presente, como se refere no Acórdão do Tribunal da 
 Relação do Porto de 26.05.1993 (publicado em www.dgsi.pt, que o “princípio do 
 favorecimento do processo” ou o princípio “pro actione” é uma manifestação do 
 princípio jurídico-constitucional do acesso efectivo à justiça e da tutela 
 jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.° 4 da 
 Constituição da República Portuguesa, o qual aponta para uma interpretação e 
 aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao Tribunal.
 O principio da promoção do acesso à justiça (também denominado principio pro 
 actione ou principio do favor do processo) determina que as normas processuais 
 devem ser interpretadas (e também aplicadas) no sentido da validade ou da 
 eficácia dos actos processuais praticados pelo tribunal ou pelas partes (de 
 ambas, demandante e demandado), dos quais dependa o conhecimento do mérito do 
 pedido formulado (nesse sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de 
 Oliveira, Código de Processo dos Tribunais Administrativos (anotado), pp. 146 e 
 
 147).
 O principio da promoção do acesso à justiça “vale ao longo de todo o processo, 
 para todas as normas processuais relativas à constituição, desenvolvimento e 
 extinção da instância. Ou seja, o princípio tem em vista o acesso à justiça 
 final” e “ainda que se trate de normas da lei processual civil convocadas a 
 título supletivo” (nesse sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de 
 Oliveira, Código de Processo dos Tribunais Administrativos (anotado), pp. 146 e 
 
 147).
 Por esses motivos, só resta concluir que a norma contida nos artigos 8.°. 288.°, 
 n.° 3 e 265.°. n.° 2 do Código de Processo Civil e nos arts. 9.° e 10.º do 
 Código Civil, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo, é materialmente 
 inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 
 
 13.° da Constituição, e do principio da tutela jurisdicional efectiva, 
 consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.° 4 da Constituição da República 
 Portuguesa.
 O tribunal ad quem deve desaplicar esta norma em sede de fiscalização concreta 
 nos termos do art. 204.° da Constituição e 70.° n.° 1 al. b) da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 IV
 CONCLUSÕES
 A TÍTULO PRINCIPAL:
 
 1.ª A Sentença recorrida, tendo como único pressuposto de facto um leitura muito 
 superficial do que dispõe a Lei Orgânica da Direcção-Geral de Viação, acabou por 
 concluir que a Recorrida não é dotada de personalidade judiciária e que, 
 verificando-se tal excepção dilatória, não será de suprir ou regularizar a 
 instância com a intervenção nos presentes autos do Estado Português.
 
 (…)
 
 16.ª O Tribunal a quo ao ter concluindo pela insupribilidade do pressuposto 
 invocado e pela impossibilidade de regularização da instância, não obstante se 
 ter requerido a intervenção do Estado Português e a, consequente, ratificação ou 
 repetição do processado, violou os arts. 8.°, 288.º, n.° 3 e 265.°. n.° 2 do 
 Código de Processo Civil e o arts. 9.º e 10.° do Código Civil.
 A TÍTULO SUBSIDIÁRIO:
 
 17.ª A interpretação defendida nas conclusões anteriores é aliás a única que se 
 conforma com a Constituição, na medida em que, a adopção de uma dimensão 
 normativa diferente implica concluir que a norma que se retira dos arts. 8.°, 
 
 288.°. n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e dos arts. 9.º e 10.° 
 do Código Civil é inconstitucional por violar o princípio da igualdade e o 
 principio da tutela Judicial efectiva.
 
 18.ª Os artigos 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e dos 
 arts. 9.º e 10.º do Código Civil, na dimensão normativa adoptada pelo Tribunal a 
 quo, vedam à Recorrente a possibilidade de regularização da instância quanto à 
 falta de personalidade judiciária, situação que é expressamente admitida no caso 
 análogo previsto no art 8.° do Código de Processo Civil.
 
 19ª Tal distinção e a diferença não se encontra materialmente fundada porque não 
 existem quaisquer motivos que justifiquem que o legislador exclua a 
 possibilidade de sanação da instância no caso concreto.
 
 20ª O “princípio do favorecimento do processo” ou o princípio “pro actione” é 
 uma manifestação do princípio jurídico-constitucional do acesso efectivo à 
 justiça e da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.° e 268.°, 
 n.° 4 da Constituição da República Portuguesa, a qual aponta para uma 
 interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer a 
 tutela de mérito.
 
 21.ª Assim sendo. a norma contida nos artigos 8.º, 288.º, n.° 3 e 265.°, n.° 2 
 do Código de Processo Civil e dos arts. 9.º e 10.º do Código Civil, na 
 interpretação formulada pelo Tribunal a quo, é materialmente inconstitucional 
 por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da 
 Constituição, e do principio da tutela Jurisdicional efectiva consagrado nos 
 artigos 20.º e 268.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa.
 
 22.° O tribunal ad quem deve desaplicar esta norma em sede de fiscalização 
 concreta nos termos do art. 204. ° da Constituição e 70.° n.° 1 al. b) da Lei do 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 
 7. A Recorrente interpôs recurso para o tribunal constitucional em requerimento 
 que adoptou os seguintes termos literais dos quais se destacam as seguintes 
 expressões em negrito e sublinhado:
 
  
 
 «
 A. (...) notificado do acórdão de 23 de Maio de 2006 que considerou improcedente 
 o recurso e com ele não se podendo conformar, vem, nos termos do artigo 280.°, 
 número 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e do artigo 70º, 
 número 1, alínea b), da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso do 
 citado acórdão para o Tribunal Constitucional.
 O recurso para o Tribunal Constitucional é interposto com fundamento na 
 inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 8.°, 288.°, n.° 3 e 265.°. 
 n.° 2 do Código de Processo Civil e nos arts. 9.° e 10.° do Código Civil, na 
 interpretação formulada Pelo Tribunal a quo – segunda a qual não é possível a 
 regularização da instância quando falte o pressuposto processual personalidade 
 Judiciária – por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.° 
 da Constituição da República Portuguesa, e do princípio da tutela jurisdicional 
 efectiva, consagrado nos artigos 20.° e 268.°, n.° 4 da Constituição da 
 República Portuguesa, conforme invocado, de modo “funcionalmente adequado”, 
 perante o Tribunal a quo nas alegações do recurso de agravo para o Tribunal da 
 Relação de Coimbra (cfr. capitulo II. intitulado “Da aplicação de norma 
 inconstitucional, a título subsidiário”, das alegações de recurso. páginas 17 a 
 
 19, e a 17ª à 22ª conclusões do recurso, páginas 24 e 25. a fls... nos autos).
 
  
 
 8. Ora, à luz do que fica transcrito dúvidas não restam que a Recorrente literal 
 e sistematicamente invocou em sede de recurso os seguintes dois fundamentos 
 distintos e autónomos de recurso:
 a) um primeiro fundamento, invocado a título principal, no qual se imputa ao 
 Tribunal de primeira instância erro de julgamento (“o error in iundicando”) na 
 interpretação dos arts. 8.°, 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo 
 Civil e o arts. 9.º e 10.° do Código Civil, por se ter concluído, no caso 
 concreto, pela “insupribilidade do pressuposto invocado e pela impossibilidade 
 de regularização da instância, não obstante se ter requerido a intervenção do 
 Estado Português e a, consequente, ratificação ou repetição do processado”;
 b) um segundo fundamento, invocado a título subsidiário (no caso da 
 improcedência do vicio de violação da lei invocado na alínea anterior), no qual 
 se imputa ao Tribunal de primeira instância a aplicação de norma 
 inconstitucional contida nos arts. 8.º, 288.°, n.º 3 e 265.°, n.° 2 do Código de 
 Processo Civil e o arts. 9.º e 10.º do Código Civil, segundo a qual se “veda” no 
 caso concreto, “à Recorrente a possibilidade de regularização da instância 
 quanto à falta de personalidade judiciária” e se requer, em consequência, a sua 
 
 “desaplicação em sede de fiscalização concreta nos termos do art. 204.º da 
 Constituição e 70.° n.° 1 al. b) da Lei do Tribunal Constitucional”.
 
 9. À luz do que fica transcrito, considerando a peça processual no seu conjunto, 
 a letra e a ordenação sistemática adoptada em tal peça, dúvidas não restam que a 
 norma cuja constitutitucionalidade é suscitada é a norma que se retira do “arts. 
 
 8.°, 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e o arts. 9.° e 
 
 10.° do Código Civil” através da qual, tendo em causa os circunstancionalismos 
 concreto em discussão nos referidos autos, se “veda” “à Recorrente a 
 possibilidade de regularização da instância quanto à falta de personalidade 
 judiciária” da Recorrida (cfr. 17.ª Conclusão de recurso).
 
 10. À luz do que fica transcrito, considerando a peça processual no seu 
 conjunto, a letra e a ordenação sistemática adoptada em tal peça, dúvidas não 
 restam que:
 a) Afirmar-se que: “Os artigos 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo 
 Civil e dos arts. 9.° e 10.º do Código Civil, na dimensão normativa adoptada 
 pelo Tribunal a quo vedam à Recorrente a possibilidade de regularização da 
 instância quando falta a personalidade judiciária” (cfr. 17.ª conclusão de 
 recurso), ou;
 b) Afirmar-se que: “inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 8°, 
 
 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 do Código de Processo Civil e nos arts. 9.° e 10.º 
 do Código Civil, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo – segunda a qual 
 não é possível a regularização da instância quando falte o pressuposto 
 processual personalidade judiciária” (requerimento de recurso);
 
 é exactamente a mesma coisa.
 
 11. Aliás, apenas se poderá afirmar que as expressões utilizadas no requerimento 
 de recurso, embora contenham na sua letra o sentido veiculado na 17.ª Conclusão 
 de Recurso, poderão conter um sentido um pouco mais genérico ou mais amplo que a 
 expressão constante na 17.ª Conclusão de recurso, o que é perfeitamente 
 irrelevante porquanto, segundo a jurisprudência reiterada deste tribunal,:
 a) o objecto do recurso por inconstitucionalidade (isto é, a norma cuja 
 inconstitucionalidade é discutida) é fixada pela peça processual onde a questão 
 foi suscitada e não pelo requerimento de recurso que se limita a identificar a 
 norma por referência à peça processual onde a questão é suscitada (cfr. arts. 
 
 70.º, n.° 1, al. b) e 75.°-A , n.° 2 da LOFPTC);
 b) sempre haveria lugar a interpretação restritiva do requerimento de recurso em 
 função do texto das peças processuais para onde se remete nesse requerimento 
 
 (designadamente, em função do que consta da 17.ª Conclusão de recurso), ou 
 ainda;
 c) se quaisquer dúvidas ainda subsistissem quanto à norma suscitada no 
 requerimento de recurso, sempre haveria lugar, a título prévio à prolacção da 
 decisão sumária, ao despacho de aperfeiçoamento previsto nos n.° 6 a 7 do art. 
 
 75-A da LOFPTC, porque a falha, a existir, é do requerimento de interposição de 
 recurso e não da peça processual (alegações e conclusões de recurso) onde se 
 suscitou a aplicação de norma inconstitucional.
 
 12. Porém, dúvidas não há que o verbo “vedar” à Recorrente, utilizado nas 
 alegações e conclusões de recurso, é aqui utilizado no sentido de “impedir o 
 acesso” à “possibilidade de regularização da instância quanto à falta de 
 personalidade judiciária” (cfr. Dicionário Universal de Língua Portuguesa, p. 
 
 1498) e utilizado no mesmo e exacto sentido da expressão “não é possível a 
 regularização da instância quando falte o pressuposto processual personalidade 
 judiciária” utilizada no requerimento de recurso.
 
 13. Na verdade, diga-se:
 
 - que tal norma “vedou” a possibilidade de regularização da instância, ou;
 
 - que tal norma “não possibilitou” a regularização da instância, ou;
 
 - que tal norma “negou” a possibilidade de regularização da instância, ou;
 
 - que tal norma “impossibilitou” a regularização da instância,
 quer-se dizer sempre a mesma coisa.
 
 14. Inclusive, tendo presente os concretos fundamentos da decisão sumária 
 fica-se por saber que dúvidas se suscitam quanto à norma cuja 
 inconstitucionalidade se suscitou e porque razão a mesma não está 
 
 “suficientemente definida ou precisada pelo Recorrente”.
 
 15. A correcta aplicação do dever de fundamentação constitucionalmente 
 consagrado (cfr. art.205.°, n.° 1 da Constituição) implicaria que se afirmasse 
 de modo inequívoco e peremptório;
 a) o que é que, em concreto, falta em termos de suficiência, precisão e 
 definição na invocação constante nas alegações do recurso de agravo para o 
 Tribunal da Relação de Coimbra, mais precisamente o que é que falta no capitulo 
 II, intitulado “Da aplicação de norma inconstitucional, a título subsidiário” 
 das alegações de recurso, páginas 17 a 19, e na 17.ª à 22.ª conclusões do 
 recurso, páginas 24 e 25, a fls... nos autos”, ou;
 b) quais as concretas dúvidas, quais as outras normas que poderiam ser 
 suscitadas com tal texto, qual a polissemia de entendimentos ou os concretos 
 equívocos que suscitam o texto constante nas alegações e conclusões do recurso 
 de agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra.
 
 16. Tal, porém, não é efectuado na fundamentação adoptada na decisão reclamada, 
 ficando a Recorrente por saber em que se traduz concretamente essa falta de 
 definição ou precisão da norma suscitada que vem abstracta, genérica e 
 conclusivamente alegada através de simples remissões para jurisprudência e 
 doutrina onde, naturalmente, não é discutido a concreta peça processual onde é 
 suscitada, no caso sub judice, a inconstitucionalidade normativa.
 
 17. Aliás, o aspecto mais evidente de que a norma cuja inconstitucionalidade foi 
 suscitada nas alegações e conclusões do recurso de agravo foi “suficientemente 
 definida ou precisada pelo Recorrente” é que tal questão foi autónoma e 
 sistematicamente apreciada pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
 
 18. Na verdade, lê-se literalmente no Acórdão da Relação de Coimbra o seguinte, 
 das quais se destacam as seguintes expressões em sublinhado e negrito,:
 
  
 
 «
 
 “Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação 
 
 (...) Tendo em conta tal regime adjectivo, e analisadas as conclusões, Almeja a 
 Agravante pronuncia sobre as seguintes questões:
 
 (...)
 
 4.ª Averiguar se certas normas, na interpretação adoptada na decisão impugnada, 
 padecem de inconstitucionalidade por ofensa aos princípios constitucionais da 
 Igualdade e da tutela judicial efectiva
 
 (...)
 Examinemos, por fim, a 4.ª e última questão.
 As normas dos arts. 8.°, 288.°, n.° 3 e 265.°, n.° 2 estão feridas de 
 inconstitucionalidade material, na interpretação conferida pela decisão 
 recorrida?
 Na sentença impugnada conclui-se, pois pela falta de personalidade judiciária da 
 Ré e insusceptibilidade de suprimento de tal falta. Tal julgamento, na opinião 
 da Agavante, viola o princípio da igualdade previsto no art. 13.° e o da tutela 
 jurisdicional efectiva previsto nos arts. 20.° e 268.°, n.° 4, todos da CRP.
 
 “está materialmente justificada a diferença que obsta à sanação da falta de 
 personalidade Judiciária da Ré. (...)
 Interpretado, pois, o art. 8.º, por forma a excluir da sua previsão a sanação da 
 falta de personalidade judiciária da Ré. não ocorre qualquer violação do 
 principio da igualdade consagrado no art. 13.° da CRP.
 
 (...)
 A decisão impugnada, na dimensão interpretativa dos normativos citados e 
 recusando a regularização da Instância, não ofendeu pois, o principio 
 constitucional da tutela jurisdicional efectiva..
 
 »
 
 19. Portanto, o Tribunal da Relação de Coimbra não teve quaisquer dúvidas quanto 
 
 à norma cuja constitucionalidade foi invocada e não se pronunciou sobre a 
 inconstitucionalidade sobre qualquer outra norma.
 
 20. Dúvidas essas que só agora, não obstante o despacho de admissão do recurso 
 proferido pelo relator do acórdão de 23 de Maio de 2006, vieram suscitadas pela 
 decisão sumária ora reclamada.
 
 21. Isto é, para Tribunal da Relação de Coimbra não existe qualquer dúvida que a 
 norma cuja inconstitucionalidade é suscitada pela Recorrente é aquela que 
 permitiu ao tribunal de primeira instância, em face do circunstancialismo do 
 caso concreto, concluir que não é possível (à Recorrente) a regularização da 
 instância quando falte o pressuposto processual personalidade judiciária”;
 
 22. Assim sendo, tendo o texto das alegações e conclusões da Recorrente cumprido 
 o finalidade que se imputa a este pressuposto processual específico (“a 
 invocação processualmente adequada”), isto é, que a questão de 
 inconstitucionalidade tenha sido de facto e efectivamente apreciada em primeira 
 instância pelo Tribunal a quo, não se compreende como é possível afirmar que não 
 se deu pleno cumprimento às exigências formais e substanciais de tal pressuposto 
 ao nível da “suficiência” na definição e precisão da norma.
 
  
 III - DA ALEGADA NÃO APLICAÇÃO DA NORMA SUSCITADA
 
 23. Por último, é a próprio decisão sumária, com a argumentação que utiliza, a 
 reconhecer expressamente que a Recorrente identificou sem quaisquer dúvidas a 
 norma cuja constitucionallidade questiona, pois, em desespero de causa, 
 afirma-se que a norma cuja inconstitucionalidade se suscitou não foi sequer 
 aplicada pelo Tribunal “a quo”.
 
 24. Segundo a decisão sumária “resulta do acórdão do tribunal da relação de 
 Coimbra que este não aplicou norma segunda a qual “não é possível a 
 regularização da instância quando falte o pressuposto processual personalidade 
 judiciária”, decorrente antes que tal é possível “nos casos expressamente 
 previstos na lei” (cfr. p. 12 da decisão sumária).
 
 25. Salvo devido respeito, tal interpretação contende expressamente com uma 
 correcta interpretação literal e sistemática do texto do Acórdão da Relação de 
 Coimbra.
 
 26. Salvo o devido respeito, resulta da letra do Acórdão da Relação de Coimbra 
 que tal norma, com os referidos contornos, foi assim aplicada.
 
 27. Leia-se com atenção as seguintes expressões em sublinhado e em negrito do 
 citado acórdão:
 
 «
 Na sentença impugnada conclui-se, pois pela falta de personalidade judiciária da 
 Ré e insusceptibilidade de suprimento de tal falta. Tal julgamento, na opinião 
 da Agavante, viola o princípio da igualdade previsto no art. 13.° e o da tutela 
 jurisdicional efectiva previsto nos arts. 20.° e 268.º, n.° 4, todos da CRP.
 
 “está materialmente justificada a diferença que obsta à sanação da falta de 
 personalidade judiciária da Ré. (...)
 Interpretado, pois, o art. 8.º, por forma a excluir da sua previsão a sanação da 
 falta de personalidade judiciária da Ré. não ocorre qualquer violação do 
 principio da igualdade consagrado no art. 13. °da CRP.
 
 (...)
 A decisão impugnada, na dimensão interpretativa dos normativos citados e 
 recusando a regularização da instância. não ofendeu pois, o principio 
 constitucional da tutela jurisdicional efectiva.
 
 »
 
 28. Portanto, dúvidas não restam que o Tribunal a quo aplicou a norma segundo o 
 qual, no caso concreto devidamente identificado nos autos, “não é possível a 
 regularização da instância quando falte o pressupostos processual personalidade 
 judiciária” e se pronunciou pela sua não inconstitucionalidade por entender que 
 não se infringe com tal normativo o “principio da igualdade” ou “o principio 
 constitucional da tutela jurisdicional efectiva”.
 
 29. A tal conclusão não obsta a circunstância de, em sede de fundamentação e no 
 
 âmbito do seu discurso argumentivo ter também afirmado que seria admissível a 
 regularização da instância “nos casos expressamente previstos na lei”, 
 simplesmente, entendeu-se que o caso dos autos não era um desses casos 
 
 “expressamente previstos na lei” para a partir de tal conclusão afirmar que tal 
 dimensão normativa, atento ao caso concreto em discussão no processo, não seria 
 inconstitucional».
 
  
 O reclamante requereu, ainda, nos termos do artigo 535º e 706º do Código de 
 Processo Civil, que se oficiasse ao «Exmo. Senhor Juiz Relator e [aos] Exmos. 
 Senhores Juízes adjuntos que participaram na elaboração e votação do Acórdão de 
 
 23 de Maio de 2006 do Tribunal da Relação de Coimbra, no sentido de informarem:
 a) Se na elaboração do acórdão e na discussão do acórdão de 23 de Maio de 2006 
 se apreciou a questão inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 8.°, 
 
 288.°, n.° 3 e 265°, n.° 2 do Código de Processo Civil e nos arts. 9° e 10° do 
 Código Civil, na interpretação (...) segunda a qual não é possível a 
 regularização da instância quando falte o pressuposto processual personalidade 
 judiciária”?
 b) Se a norma segundo a qual “não é possível a regularização da instância quando 
 falte o pressupostos processual personalidade judiciária” foi aplicada pelo 
 Acórdão de 23 de Maio de 2006 do Tribunal da Relação de Coimbra?».
 
  
 
 4. Notificada desta reclamação, a recorrida respondeu sustentando o 
 indeferimento da mesma.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. Na decisão sumária agora reclamada entendeu-se que a recorrente não havia 
 suscitado, durante o processo, de modo processualmente adequado perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a 
 dela conhecer (artigo 72º, nº 2, da LTC), a questão de inconstitucionalidade 
 normativa formulada no requerimento de interposição para este Tribunal.
 Com a presente reclamação não são, porém, postas em causa as razões de tal 
 entendimento, já que as expressões destacadas da peça processual indicada pela 
 recorrente, já anteriormente analisadas na decisão sumária, permitem concluir, à 
 semelhança do que sucedeu nesta decisão que:
 
  
 
 «a recorrente limita-se a remeter para a “interpretação” por si defendida, 
 concluindo que “a adopção de uma dimensão normativa diferente (…) implica 
 concluir que a norma que se retira dos arts. 8º, 288º, nº 3 e 265º, nº 2 do 
 Código de Processo Civil e dos arts. 9º e 10º do Código Civil é 
 inconstitucional” (cf. 17ª conclusão da peça processual indicada pela 
 recorrente); ou, então, a remeter para a “dimensão normativa adoptada pelo 
 Tribunal a quo”».
 
  
 Ora, se, por um lado, “enunciar a dimensão que se pretende ver sindicada 
 consiste sempre na definição, pela positiva, do contexto situacional que, na 
 perspectiva seguida, tornará a sua aplicação inconstitucional e não, conforme 
 facilmente se concederá, na indicação da única interpretação tida por 
 constitucionalmente possível, para assim excluir todas as demais” (Acórdão do 
 Tribunal Constitucional nº 509/06, não publicado); por outro, quando “se suscita 
 a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) 
 normas jurídicas, necessário é que se identifique essa interpretação em termos 
 de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na 
 decisão, de modo a que os destinatários delas e os operadores do direito em 
 geral fiquem a saber que essa (ou essas) normas não podem ser aplicadas com um 
 tal sentido” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 106/99, não publicado).
 Justamente porque a questão de inconstitucionalidade não foi suscitada, durante 
 o processo, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra consta apenas, 
 sem identificação da interpretação em causa, em termos de o Tribunal, no caso de 
 a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os 
 destinatários delas e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essas 
 normas não podem ser aplicadas com um tal sentido, que:
 
  
 
 «as normas dos arts. 8°, 288°, n.°3 e 265°, n.°2 estão feridas de 
 inconstitucionalidade material, na interpretação conferida pela decisão 
 recorrida?
 
 (…) Interpretado, pois, o art. 8°, por forma a excluir da sua previsão a sanação 
 da falta de personalidade judiciária da Ré, não ocorre qualquer violação do 
 princípio da igualdade consagrado no art. 13° da CRP.
 Mas a interpretação feita dos arts. 288°, n.°3 e 265°, n.°2 fere o princípio 
 constitucional da tutela jurisdicional efectiva?
 
 (…) A interpretação feita de tais normativos não belisca minimamente todo o 
 complexo de direitos e aspectos que tal princípio fundamental envolve.
 
 (…) A decisão impugnada, na dimensão interpretativa dos normativos citados e 
 recusando a regularização da instância, não ofendeu, pois, o princípio 
 constitucional da tutela jurisdicional efectiva» (itálico aditado).
 
  
 Importa, assim, reiterar que a recorrente, ao não identificar, durante o 
 processo, a interpretação das normas cuja constitucionalidade pretendia 
 questionar não cumpriu o ónus da suscitação prévia, de forma adequada, da 
 questão de inconstitucionalidade normativa que, depois, formulou no requerimento 
 de interposição de recurso para este Tribunal. Com efeito, nesta peça processual 
 já é de admitir que a recorrente tenha identificado a interpretação normativa em 
 causa. Diferentemente do que sucedeu, durante o processo, a recorrente requereu 
 a apreciação da inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 8º, 288º, nº 
 
 3, e 265º, nº 2, do Código de Processo Civil e nos artigos 9º e 10º do Código 
 Civil, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo – segundo a qual não é 
 possível a regularização da instância quando falte o pressuposto processual 
 personalidade judiciária.
 
  
 
 2. Na decisão reclamada entendeu-se, ainda, que o Tribunal da Relação de Coimbra 
 não aplicou, como ratio decidendi, norma contida nos artigos 8º, 288º, nº 3, e 
 
 265º, nº 2, do Código de Processo Civil e nos artigos 9º e 10º do Código Civil, 
 na interpretação formulada pelo Tribunal a quo – segundo a qual não é possível a 
 regularização da instância quando falte o pressuposto processual personalidade 
 judiciária.
 Com efeito, esta formulação genérica não se pode extrair do texto do acórdão 
 recorrido, de onde resulta que há casos em que é possível tal regularização, 
 pelo que jamais poderia ser enunciada tal formulação numa eventual decisão que 
 declarasse a norma inconstitucional. Por outro lado, as passagens que a ora 
 reclamante destaca da decisão recorrida são apenas significativas do resultado 
 de determinada interpretação do artigo 8º do Código de Processo Civil – a não 
 sanação da falta de personalidade judiciária da Ré –, não chegando a ser 
 precisada tal interpretação. São significativas da decisão em si e não da norma 
 que a suporta.
 
  
 
 3. Por manifesta falta de fundamento legal, nomeadamente à luz do disposto nos 
 artigos 535º e 706º do Código de Processo Civil, as “diligências de prova” 
 requeridas a fl. 312 dos presentes autos são de indeferir.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se:
 a) Indeferir as diligências de prova requeridas;
 b) Indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão 
 reclamada.
 
  
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 14 de Novembro de 2006
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício