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Processo n.º 1047/05                             
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
 
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.            A. veio deduzir reclamação da decisão proferida pelo Tribunal da 
 Relação de Lisboa que não admitiu o recurso que pretendia interpor para o 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 
 2.            Resulta dos autos que:
 
  
 
 2.1.         Por sentença de 19 de Novembro de 2004, do Juiz do 4º Juízo 
 Criminal do Tribunal da Comarca de Lisboa, foi o arguido A. condenado, como 
 autor material de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, 
 previsto e punível pelos artigos 105º, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 15/2001, de 5 de 
 Junho, e 30º, n.º 2, e 79º do Código Penal, na pena de 24 meses de prisão. Nos 
 termos conjugados dos artigos 50º do Código Penal e 14º, n.º 1, da referida Lei 
 n.º 15/2001, decidiu-se suspender a execução da pena pelo período de 5 anos, sob 
 condição do pagamento pelo arguido à Administração Fiscal, no mesmo prazo de 5 
 anos, da quantia de 164.983.763$00 (a converter em euros), acrescida de juros 
 legais, de acordo com determinado plano, estabelecido na decisão (fls. 1266 e 
 seguintes do processo principal). 
 
 2.2.         Na motivação do recurso que interpôs para o Tribunal da Relação de 
 Lisboa, concluiu assim o recorrente A. (fls. 1289 e seguintes): 
 
  
 
 “[…]
 
 1° - O recorrente deverá ser absolvido do crime pelo qual foi acusado, pois da 
 prova produzida em audiência resultou que o mesmo tinha delegado várias funções 
 na empresa, sendo os respectivos funcionários que desempenhavam tais funções 
 quem sabia da situação de incumprimento por parte da empresa B. à Administração 
 Fiscal, que a ocultaram ao ora recorrente.
 
  2° - O recorrente não cometeu, no seu entender, qualquer crime de abuso de 
 confiança fiscal por não ter entregue o I.V.A., dado não estar in casu a receber 
 uma quantia «para entrega ao Estado» ou «devida ao Estado» pelo repercutido;
 
 3°- A Mmª Juiz a quo não considerou, em termos de aplicação da medida da pena, 
 várias circunstâncias atenuantes que impunham a aplicação de uma pena inferior à 
 aplicada, inclusive não privativa da liberdade, como também não considerou a 
 circunstância modificativa prevista na norma do art° 10°, n.º 3 do CP.
 
 4° - Pelo exposto, a decisão recorrida erra por violação de lei, ao não ter 
 considerado a legislação vigente, entre o plano das normas e princípios 
 constitucionais e o da aplicação concreta, violando, entre outras do douto 
 suprimento desse Tribunal da Relação, as normas contidas nos art.°s 29°, n.º 4 
 da CRP; 4°, n.º 2, 13°, 15°, 40°, 50°, 70°, 71 ° e 77° do CP; 6°, n.º l, 11º, 
 n.ºs 6 e 7 e 24°, n.ºs 1, 2 e 5 do RJIFNA; 6°, n.º 1 e 105°, n.ºs 1, 2, 4 e 5 do 
 RGIT; 1°, 4°, 14°, 19°, 25°, 26°, 28°, n.º 1, al. b) e e), 35° e 36°, n.ºs 1 e 
 
 2, 40°, n.º 1, al. a), 71° do Código do IVA.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
 2.3.         O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 15 de Junho de 2005 
 
 (fls. 1320 e seguintes), concedeu provimento parcial ao recurso, condenando o 
 arguido A., como autor material do mencionado crime de abuso de confiança 
 fiscal, na forma continuada, na pena de 20 meses de prisão, substituindo, nesta 
 parte, a pena de 24 meses de prisão fixada na sentença recorrida, mantendo-a, 
 quanto ao mais. 
 
  
 
    Relativamente à decisão de suspender a pena e às condições impostas ao 
 arguido, disse o Tribunal da Relação de Lisboa nesse acórdão:
 
  
 
 “[…]
 A previsão do artº 50° do CP, pretende, com o instituto da suspensão da execução 
 da pena, afastar o delinquente, no futuro, da prática de novos crimes. 
 Assim, tem total pertinência a afirmação vertida na sentença recorrida que: «No 
 necessário juízo de prognose, tem-se presente personalidade do arguido, as suas 
 condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as 
 circunstâncias deste mesmo facto, sendo que, no presente caso, o percurso de 
 vida do arguido a par das suas condições pessoais, económicas e sociais denotam 
 um quadro manifestamente positivo de inserção social, de molde a justificar como 
 razoável um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a 
 ameaça da prisão serão suficientes para realizarem de forma adequada e 
 suficiente as finalidades da punição.
 Logo, por força do citado art. 50° do CP e 14° do RGIT (sendo este o regime 
 legal que se mostra mais favorável para o arguido, pois prevê um prazo mais 
 alargado para o pagamento da prestação tributária e legais acréscimos, que é 
 condição legal da suspensão) entende-se que deverá ser suspensa a execução da 
 pena a aplicar ao arguido, pelo período de cinco anos, sob a condição de pagar, 
 nesse prazo de cinco anos, à Administração Fiscal, a quantia de 164.983.763$00, 
 a converter em correspondente montante em Euros, que diz respeito ao montante 
 global das prestações em divida, acrescido de juros legais de 4% (Portaria n.º 
 
 291/03, de 8/4).
 O arguido deverá proceder ao pagamento de metade da referida importância, no 
 prazo de 3 [anos], contados após o trânsito em julgado desta decisão e o 
 remanescente será pago nos restantes 2 anos, em prestações mensais, iguais e 
 sucessivas».
 Acresce que, neste mesmo sentido, no Ac. do STJ de 12/10/2000, Col. de Jur., t. 
 
 3, p. 194, veio a admitir-se, neste tipo de crime, a suspensão de pena, mas de 
 prisão, condicionada ao pagamento de indemnização, considerando respeitados os 
 termos dos arts. 50º, 51º n.ºs 1 al. a) e 2 do C. Penal, ficando a suspensão 
 condicionada ao pagamento dos impostos e acréscimos devidos. 
 Também no Ac. do STJ de 20/6/01, na Col. Jur. do STJ, t. 2, p. 227, se decidiu 
 no mesmo sentido, chegando a admitir-se o prazo máximo da suspensão, que é de 5 
 anos.
 Refere, ainda, o T. Constitucional, no Ac. de 20/6/2000, no D.R. II S. n.º 240, 
 de 17/10/00, p. 16729, se pronunciou já no sentido do crime de abuso de 
 confiança fiscal ser constitucional, face ao princípio de ninguém poder ser 
 privado da liberdade por não cumprir uma obrigação contratual.
 Por fim, o Ac. do STJ, de 05/01/06, publicado no «site» do mesmo, refere: «I - 
 Nas infracções tributárias, a aplicação automática da subordinação da suspensão 
 da execução da pena de prisão ao pagamento da quantia em dívida, mesmo fora dos 
 condicionalismos do art. 51º, n.ºs 1, al. a) e 2, do Código Penal, não viola os 
 princípios da igualdade e da proporcionalidade, constantes dos artigos 13º e 
 
 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, pelo que não é 
 inconstitucional a norma do artigo 14º, n.º 1, do RGIT, quando interpretado 
 desse modo. II - É irrelevante o juízo que se faça agora sobre a (in)capacidade 
 do condenado para satisfazer a condição de suspensão, não só porque a lei não 
 obriga a esse exercício, como nada indica que, no prazo fixado, o mesmo não 
 venha a adquirir bens necessários para tal. III - Por outro lado, no momento em 
 que o recorrente tiver de prestar contas sobre o cumprimento da condição de 
 suspensão, o Tribunal só poderá declarar revogada a suspensão da execução da 
 pena por incumprimento dessa condição se este for culposo. E só o fará depois de 
 ouvir as razões que lhe forem apresentadas pelo arguido, se não resultarem as 
 demais medidas referidas no art. 55º do CP e se forem infringidas grosseira ou 
 repetidamente os deveres impostos (art. 56º, n.º 1, al. a), do CP)».
 Portanto, tem total justificação – legal e casuística – a imposição imposta à 
 suspensão da execução da pena.
 Concluindo, não se vislumbra, com a prolação da sentença recorrida, a violação 
 dos princípios constitucionais, nem a dos […] arts. 29°, n.º 4 da CRP; 4° n.º 2, 
 
 13°, 15°, 40°, 50°, 70°, 71° e 77° do CP; 6°, n.º 1, 11°, n.ºs 6 e 7 e 24°, n.ºs 
 
 1, 2 e 5 do RJIFNA; 6°, n.º 1 e 105°, n.ºs l, 2, 4 e 5 do RGIT; 1°, 4°, 14°, 
 
 19°, 25°, 26°, 28°, n.º 1, al. b) e e), 35° e 36°, n.ºs 1 e 2, 40°, n.º 1, al. 
 a), 71° do Código do IVA.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
 2.4.         A. requereu “a aclaração/reforma” do acórdão, através do 
 requerimento de fls. 1361 e seguintes, em que concluiu:
 
  
 
 “[…] ao condicionar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao 
 arguido ao pagamento da quantia referida, a decisão aclaranda viola as citadas 
 regras de competência dos tribunais e faz uma aplicação/interpretação das normas 
 dos art.ºs 50º do CP e 14º do RGIT que colide com as normas constantes nos 
 art.ºs 209º, nº 1, al. b) e 212º, n.º 3 da CRP e cuja inconstitucionalidade aqui 
 se suscita.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
 2.5.         Tendo o pedido sido indeferido por acórdão de 28 de Setembro de 
 
 2005 (fls. 1367 e seguintes), A. apresentou requerimento do seguinte teor, 
 dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 1381):
 
  
 
 “[…] recorrente nos autos à margem em epígrafe, notificado da douta decisão de 
 fls., porque está em tempo, tem legitimidade e interesse processual; porque do 
 texto do acórdão desse Tribunal da Relação resultam fortes indícios da 
 existência de inconstitucionalidade /ilegalidade da interpretação dada às normas 
 constantes nos art.ºs 50º do CP e 14º do RGIT, por violação do constante nos 
 art.ºs 209º, n.º 1, al. b) e 212º, nº 3 da CRP; porque a questão é actual e 
 
 útil; tendo tal questão sido suscitada na aclaração de fls. e reportando-se a 
 mesma a nulidade insanável nos termos da al. e) do artº 119º do CPP;
 Vem, mui respeitosamente, nos termos da CRP e nos termos da al. b) do n.º 1 do 
 artº 70º da LOFPTC, requerer a apreciação das referidas normas, segundo a 
 interpretação dada no douto acórdão de fls.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
 2.6.         O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, 
 notificado de tal requerimento, pronunciou-se, nos termos seguintes (fls. 1382 e 
 v.º):
 
  
 
 “[…]
 Afigura-se-nos que a questão da inconstitucionalidade apenas foi suscitada no 
 requerimento de aclaração, o que porventura não obedecerá aos requisitos do art. 
 
 75º, n.º 2, da LTC;
 Contudo, verifica-se tempestividade – cfr. n.º 1 do art. 75º da LTC, embora o 
 requerimento de recurso se nos afigure erradamente dirigido;
 Contudo, afigura-se-nos que a decisão sobre a respectiva admissibilidade caberá 
 ao Tribunal Constitucional e não a esta Relação.”.
 
  
 
 2.7.         O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu, em 16 de Novembro de 
 
 2005, o seguinte acórdão (fls. 1384 e seguinte):
 
  
 
 “[…]
 O recorrente, A., após a prolação do acórdão de fls. 1367 a 1374, que indeferiu 
 a aclaração do acórdão de fls. 1320 a 1342, veio requere[r] a apreciação da 
 inconstitucionalidade/ilegalidade da interpretação de normas jurídicas do RGIT, 
 por violação de preceitos constitucionais.
 A questão da inconstitucionalidade foi, apenas, suscitada no requerimento de 
 aclaração, não o tendo sido nas conclusões da motivação do recurso. Portanto, a 
 mesma é, pois, alheia ao objecto do presente recurso.
 A apreciação de inconstitucionalidade, através de meio próprio, tempestivamente, 
 e por quem possua legitimidade, compete, não ao Tribunal da Relação, mas sim, ao 
 Tribunal Constitucional, nos termos dos arts. 69° e ss, da Lei n.º 28/82, de 
 
 15/11.
 III - Decisão
 Em face do exposto, sem necessidade de maiores considerações, acordam em 
 indeferir o requerimento de fls. 1381.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 2.8.         A. veio, ao abrigo do disposto no artigo 76º, n.º 4, da Lei do 
 Tribunal Constitucional, deduzir reclamação do despacho de não admissão do 
 recurso para o Tribunal Constitucional, através do requerimento de fls. 3 e 
 seguintes dos presentes autos de reclamação, em que se lê:
 
  
 
 “[…]
 A decisão ora sob reclamação decide rejeitar o recurso interposto para o TC 
 alegando que «a questão da inconstitucionalidade foi, apenas, suscitada no 
 requerimento de aclaração, não o tendo sido nas conclusões da motivação de 
 recurso, portanto, a mesma é, pois, alheia ao objecto do presente recurso».
 Sucede, porém, que a Lei do Tribunal Constitucional não obriga que a 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada nas conclusões da motivação de 
 recurso, mas «durante o processo». Ou seja, em fase que ainda comporte a 
 apreciação de uma questão de inconstitucionalidade.
 E aqui haverá que atender à particular questão de inconstitucionalidade 
 suscitada.
 Antes de mais deverá ser esclarecido que o reclamante arguiu uma nulidade. A 
 saber, «violação das regras de competência do tribunal» (cfr. al. e) do art° 
 
 119º do CPP). Nulidade a qual, por ser qualificada no nosso ordenamento jurídico 
 como insanável, nem sequer necessita de ser suscitada, devendo mesmo «ser 
 oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento», isto é, até haver 
 decisão com trânsito em julgado.
 Ou seja, quando argui tal nulidade durante as suas alegações orais em sede de 
 audiência de julgamento e, a posteriori, no decurso do prazo do trânsito em 
 julgado, fá-lo atempadamente, pois, a considerar-se verificada tal nulidade pelo 
 tribunal, a mesma deveria ser declarada com todas as consequências à mesma 
 inerentes.
 Mas o Tribunal a quo, distraindo-se, passe a expressão, muito mais com as 
 consequências que acarretaria tal declaração de nulidade – que na óptica do ora 
 reclamante acarretaria a nulidade da condição à qual ficou sujeita a suspensão 
 da pena de prisão em que foi condenado – do que propriamente com a análise da 
 existência ou não da aludida excepção, defende expressamente que não se 
 vislumbra qualquer razão para a dedução da incompetência invocada.
 Sucede que tal questão tem implicações ao nível da Constituição. Ou, dito de 
 outra forma, assim o entende o ora reclamante.
 Significa isto que, a existir oportunidade na arguição da nulidade, como se 
 demonstrou que existe efectivamente, pois sobre a mesma o tribunal a quo se 
 pronunciou, consequentemente, também se deverá considerar oportuna a questão de 
 inconstitucionalidade suscitada, devendo a mesma ser analisada.
 Termos em que deve a presente reclamação ser remetida ao Tribunal Constitucional 
 para ser apreciada, suspendendo-se os termos do processo, e, por via dela, ser o 
 presente recurso admitido, tudo como justiça.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
 2.9.         A Desembargadora Relatora proferiu o despacho que consta de fls. 9 
 e v.º destes autos, do seguinte teor:
 
  
 
 “[…]
 Em nosso entender o requerimento de fls. 1381 não configura um recurso 
 interposto para o Tribunal Constitucional.
 Por essa razão, foi proferido o acórdão de fls. 1384 e 1385.
 Contudo, sempre se dirá que se a pretensão efectiva do recorrente era a de 
 interpor recurso para o Tribunal Constitucional, deveria tê-lo dirigido, 
 redigido e fundamentado, adequada e correctamente, o que não fez (cfr. arts. 
 
 70º, n.º 1, al. b), e n.º 2, 75º, n.º 2, e 75º-A, n.º 2, todos da Lei n.º 28/82, 
 de 15.11.
 Todavia, face ao preceituado nos arts. 76º, n.º 4, e 77º da Lei n.º 28/82, com a 
 finalidade de evitar processado dilatório, deverá a presente reclamação ser 
 remetida ao Tribunal Constitucional para apreciação. Para cabal esclarecimento 
 do processado, os autos principais, aos quais a presente reclamação se encontra 
 apensa, deverão acompanhá-la.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 3.            Notificado para se pronunciar sobre a reclamação, o representante 
 do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional emitiu o seguinte parecer 
 
 (fls. 12 v.º): 
 
  
 
 “É, desde logo, duvidoso que o requerimento apresentado a fls. 1381 corporize, 
 em termos inteligíveis, a manifestação da vontade de interpor um recurso de 
 fiscalização concreta perante este Tribunal Constitucional – sendo, aliás, 
 tratado no Tribunal «a quo» como suscitação de mais um incidente pós-decisório, 
 rejeitado em conferência.
 De qualquer modo, a considerar-se tal requerimento como envolvendo a 
 interposição de um recurso para este Tribunal – e qualificando o acórdão 
 proferido como traduzindo um indeferimento ou rejeição de tal recurso – é 
 manifesta a improcedência da reclamação ora deduzida, por não se mostrar 
 suscitada, em termos procedimentalmente adequados, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base a interposição de um 
 recurso de fiscalização concreta.”. 
 
  
 
    Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II
 
  
 
  
 
 4.            Na decisão aqui reclamada, do Tribunal da Relação de Lisboa, não 
 foi admitido o recurso que o ora reclamante pretendia interpor para o Tribunal 
 Constitucional, por se ter entendido que “a questão da inconstitucionalidade 
 foi, apenas, suscitada no requerimento de aclaração, não o tendo sido nas 
 conclusões da motivação do recurso” (supra, 2.7.). 
 
  
 
    Na reclamação agora deduzida, o reclamante vem sustentar, em síntese (supra, 
 
 2.8.):
 
  
 
    – que “a Lei do Tribunal Constitucional não obriga que a 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada nas conclusões da motivação de 
 recurso, mas «durante o processo». Ou seja, em fase que ainda comporte a 
 apreciação de uma questão de inconstitucionalidade”;
 
    – que “o reclamante arguiu uma nulidade”, a saber, “violação das regras de 
 competência do tribunal”, a qual, “por ser qualificada no nosso ordenamento 
 jurídico como insanável, nem sequer necessita de ser suscitada, devendo mesmo 
 
 «ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento», isto é, até 
 haver decisão com trânsito em julgado”;
 
    – que “o Tribunal a quo […] defende expressamente que não se vislumbra 
 qualquer razão para a dedução da incompetência invocada”,
 
    – que, no entendimento do ora reclamante, “tal questão tem implicações ao 
 nível da Constituição”; 
 
    – que, sendo oportuna a arguição da nulidade, “pois sobre a mesma o tribunal 
 a quo se pronunciou, consequentemente, também se deverá considerar oportuna a 
 questão de inconstitucionalidade suscitada, devendo a mesma ser analisada”.
 
  
 
  
 
 5.            É patente que o recurso que o ora reclamante pretendia interpor 
 não pode ser admitido.
 
    O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional – preceito a que o ora reclamante faz referência no requerimento 
 de fls. 1381 – é o recurso que cabe das decisões dos tribunais “que apliquem 
 norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
 
  
 
    Para que o Tribunal Constitucional possa conhecer de um recurso fundado nessa 
 disposição, exige-se que o recorrente suscite, durante o processo, a 
 inconstitucionalidade da norma (ou interpretação normativa) que pretende que 
 este Tribunal aprecie e que tal norma (ou tal norma, com essa interpretação) 
 seja aplicada no julgamento da causa, não obstante a acusação de 
 inconstitucionalidade que lhe foi dirigida.
 
  
 
    Ora, independentemente da questão de saber se o requerimento de fls. 1381 
 
 (supra, 2.5.) consubstancia um autêntico requerimento de interposição de recurso 
 para o Tribunal Constitucional – tendo sido tratado, no Tribunal da Relação, 
 como um incidente pós-decisório, indeferido em conferência –, decorre claramente 
 dos autos que o ora reclamante não suscitou, durante o processo, qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa. 
 
  
 
    Apenas no requerimento de fls. 1361 e seguintes – através do qual pediu “a 
 aclaração/reforma” do acórdão da Tribunal da Relação de Lisboa, de 15 de Junho 
 de 2005 (supra, 2.4.) –, o ora reclamante afirmou o seguinte: “[…] ao 
 condicionar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido ao 
 pagamento da quantia referida, a decisão aclaranda viola as citadas regras de 
 competência dos tribunais e faz uma aplicação/interpretação das normas dos 
 art.ºs 50º do CP e 14º do RGIT que colide com as normas constantes nos art.ºs 
 
 209º, nº 1, al. b) e 212º, n.º 3 da CRP e cuja inconstitucionalidade aqui se 
 suscita”.
 
  
 
    Nesta afirmação, contida em requerimento onde se requer a aclaração do 
 acórdão anteriormente proferido, não pode todavia ver-se a invocação, em termos 
 processualmente adequados, de uma questão de inconstitucionalidade normativa, 
 como exigem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal 
 Constitucional. 
 
  
 
    Em primeiro lugar, de acordo com a jurisprudência reiterada deste Tribunal, o 
 requerimento em que se pede a aclaração de uma decisão não constitui, em regra, 
 momento adequado para se poder considerar suscitada uma questão de 
 inconstitucionalidade “durante o processo”, uma vez que o poder jurisdicional do 
 tribunal que proferiu a decisão aclaranda se encontra já esgotado – sendo certo 
 que, nas circunstâncias do presente processo, não existe qualquer motivo 
 susceptível de dispensar o ora reclamante de cumprir o ónus a que se referem os 
 citados preceitos da Lei do Tribunal Constitucional. Na verdade, o acórdão da 
 Relação mais não fez do que confirmar, na parte impugnada em recurso, a decisão 
 da 1ª instância, pelo que o ora reclamante teve oportunidade processual de 
 suscitar a questão de inconstitucionalidade na motivação do recurso interposto 
 para a Relação.
 
  
 
    Em segundo lugar, observa-se que, no requerimento em que pediu “a 
 aclaração/reforma” do acórdão da Relação, o ora reclamante se limitou a imputar 
 vícios de ilegalidade e de inconstitucionalidade à própria decisão aclaranda.
 
  
 
    Aliás, nem no requerimento através do qual pretendeu interpor o recurso para 
 o Tribunal Constitucional (supra, 2.5.), nem na reclamação da decisão que não 
 admitiu tal recurso (supra, 2.8.) – que, de todo o modo, não poderiam ser 
 considerados momentos adequados para dar como cumprido o ónus de invocação da 
 questão de inconstitucionalidade “durante o processo” perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida – o ora reclamante identificou com clareza a 
 interpretação normativa perfilhada na decisão recorrida que considera 
 inconstitucional e que pretende submeter ao julgamento deste Tribunal. Por 
 outras palavras, o ora reclamante não chegou sequer a definir o objecto idóneo 
 de um recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade. Limitou-se a 
 referir que “do acórdão desse Tribunal da Relação resultam fortes indícios da 
 existência de inconstitucionalidade/ilegalidade da interpretação dada às normas 
 constantes nos art.ºs 50º do CP e 14º do RGIT” e a invocar certas normas 
 constitucionais que, em sua opinião, teriam sido violadas, o que é 
 substancialmente diferente e insuficiente para dar como verificado o ónus a que 
 se referem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 
    Tanto basta para concluir que o recurso não podia ser admitido e que a 
 presente reclamação tem de ser indeferida.
 
  
 
  
 III
 
  
 
  
 
 6.            Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal 
 Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
 
  
 
    Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades 
 de conta.
 
  
 Lisboa, 8 de Fevereiro de 2006
 Maria Helena Brito
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Rui Manuel Moura Ramos