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Processo n° 233/2006 
 
 2ª Secção 
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma 
 
  
 
   
 Acordam, em Conferência, na 2ªSecção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
                  1.  Nos presentes autos foi proferida a seguinte Decisão 
 Sumária: 
 
  
 
 1.  Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, A. foi 
 condenado na pena de quatro anos e dois meses de prisão, pela prática de três 
 crimes de deserção.
 Na sequência da entrada em vigor do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei 
 nº 100/2003, de 15 de Novembro, e depois do trânsito em julgado da decisão 
 condenatória, o recluso requereu a aplicação do regime penal concretamente mais 
 favorável (constante do novo Código), invocando a inconstitucionalidade da norma 
 do nº 4 do artigo 2º do Código Penal, na parte em que excepciona da aplicação 
 retroactiva do regime mais favorável os casos decididos por sentença já 
 transitada em julgado (invocou o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 677/98).
 O Tribunal Criminal de Lisboa, por decisão de 26 de Setembro de 2005, considerou 
 o seguinte:
 
  
 O arguido A. no seu requerimento de fls. 260/2 veio, em síntese, alegar o 
 seguinte:
 Por decisão condenatória transitada em julgado em 17.10.2003, foi condenado na 
 pena de 4 anos e 2 meses de prisão por três crimes de deserção p. e p. pelos 
 arts. 142 e 149 do Cód. de Justiça Militar aprovado pelo Dec. Lei na 141/77, de 
 
 9.4., que estabelecia para estes ilícitos uma moldura penal de 3 a 4 anos de 
 presídio militar.
 Sucede que o cumprimento efectivo desta pena de prisão se iniciou já no âmbito 
 do novo Cód. de Justiça Militar (Lei n° 100/2003, de 15.11), em que para o crime 
 de deserção se consagra agora a pena mínima de 1 ano de prisão. Ora, entende o 
 arguido que a limitação que o trânsito em julgado de uma decisão condenatória 
 impõe ao princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, 
 estabelecida na parte final do art. 2 nº 4 do Cód. Penal, deve ser havida como 
 inconstitucional, invocando em abono da sua posição o Acórdão do Tribunal 
 Constitucional na 677/98, de 2.1.98.
 Devem, assim, ser reformuladas, à luz do novo Cód. de Justiça Militar, as penas 
 aplicadas ao arguido.
 Por outro lado, alega o arguido que a sua extradição de Espanha onde vivia foi 
 concedida apenas para o cumprimento de pena por crimes de furto e que o seu 
 julgamento por crimes militares ocorrido no Tribunal Militar da Marinha violou o 
 princípio da especialidade consagrado no art. 14 da Convenção Europeia de 
 Extradição.
 Acrescenta ainda que a extradição não era admissível relativamente a crimes 
 militares (art. 4 da referida Convenção).
 Por estes motivos, o Tribunal Judicial de Chaves não incluiu as penas referentes 
 a crimes militares no cúmulo jurídico que entretanto efectuou. Pretende, assim, 
 o arguido que se reformule a pena que lhe foi aplicada nos presentes autos por 
 forma a contemplar o novo Código de Justiça Militar, de conteúdo mais favorável.
 O Min. Público pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerido.
 
 *
 Cumpre, então, apreciar e decidir.
 O arguido, nos presentes autos, por acórdão proferido em 2.10.2003, transitado 
 em julgado, foi condenado pela prática de um crime de deserção p. e p. pelos 
 arts. 142 nº 1 al. c) e 149 nº 1 al. a), 2ª parte, do Cód. de Justiça Militar de 
 
 1977, na pena extraordinariamente atenuada de 1 ano e 6 meses de presídio 
 militar e, em cúmulo jurídico desta pena com as que lhe foram impostas no proc. 
 nº 17/99 do Tribunal Militar da Marinha, na pena única de 4 anos e 2 meses de 
 presídio militar .
 Entretanto, em 14.9.2004 entrou em vigor o novo Cód. de Justiça Militar que para 
 os crimes de deserção como o presente estabeleceu a pena mínima de um ano de 
 prisão (cfr. art. 74 nº 2 al.b).
 Dispõe o art. 2 nº 4 do Cód. Penal que «quando as disposições vigentes no 
 momento da prática dos factos forem diferentes das estabelecidas em leis 
 posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais 
 favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença 
 transitada em julgado.»
 Consagra-se aqui o princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais 
 favorável ao arguido, princípio que tem como única limitação o trânsito em 
 julgado da decisão condenatória.
 Ora, no caso “sub judice” em que se encontra transitado em julgado o acórdão 
 proferido em 2.10.2003 (cfr. fls. 122/127), a entrada em vigor, em 14.9.2004, de 
 um regime mais favorável ao arguido no que toca ao crime de deserção nenhum 
 efeito poderá ter, precisamente por força do disposto na parte final do art. 2 
 na 4 do Cód. Penal.
 Porém, o arguido suscita a questão da inconstitucionalidade desta norma, 
 apoiando-se para tal no acórdão do Tribunal Constitucional n° 677/98, de 2.1.98. 
 Neste acórdão julgou-se materialmente inconstitucional, por violação do 
 princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, consagrado no n° 
 
 4 do art. 29 da Constituição, a norma constante do n° 4 do art. 2 do Cód. Penal, 
 na parte em que veda a aplicação da lei penal nova que transforma em crime 
 semi-público um crime público, quando tenha havido desistência da queixa 
 apresentada e trânsito em julgado da sentença condenatória. Contudo, esta 
 situação, em que está em causa uma hipótese de extinção de procedimento criminal 
 por efeito da nova lei, mostra-se bem diversa da que agora se aprecia em que a 
 lei nova, mantendo o crime de deserção, introduz tão somente uma moldura penal 
 mais favorável ao arguido.
 Entendemos, por isso, que, não sendo de transpor para o caso presente o 
 sustentado pelo Tribunal Constitucional no acórdão acabado de mencionar, não se 
 vislumbra que a parte final do n° 4 do art. 2 do Cód. Penal padeça de qualquer 
 inconstitucionalidade, razão pela qual não se poderá acolher o alegado pelo 
 arguido.
 Por outro lado, sustenta também o arguido que o julgamento efectuado nestes 
 autos no dia 2.10.2003 se mostrou ilegal, porque, tendo sido extraditado para 
 cumprimento de pena por crimes de furto ocorridos em Chaves, houve violação do 
 princípio da especialidade estabelecido no art. 14 da Convenção Europeia de 
 Extradição, acrescendo ainda do disposto no art. 4 da mesma Convenção que a 
 extradição é excluída relativamente a infracções militares que, tal como aqui 
 sucede, não constituam infracções de direito comum.
 Face aos elementos que, provenientes do Tribunal Judicial de Chaves, chegaram 
 entretanto ao nosso conhecimento, que confirmam o alegado pelo arguido, não se 
 duvida que audiência de 2.10.2003 não se deveria ter efectuado, mas, por outra 
 parte, também não poderá deixar de se sublinhar que esses elementos, donde 
 resulta que o arguido havia sido extraditado de Espanha para cumprimento de 
 penas por crimes de furto, eram desconhecidos nestes autos no referido dia 
 
 2.10.2003.
 Acontece igualmente que o acórdão então proferido (fls. 122/127) há muito se 
 acha transitado em julgado e, por isso, apesar de se reconhecer a existência da 
 ilegalidade apontada pelo arguido (violação do princípio da especialidade), não 
 poderá este tribunal “anular” por sua própria iniciativa a audiência já 
 efectuada, efectuar um novo julgamento e proferir um novo acórdão.
 Com efeito, contra uma sentença transitada em julgado, o arguido, a nosso ver, 
 só poderá reagir, caso encontre fundamento adequado, através do recurso de 
 revisão previsto nos arts. 449 e segs. do Cód. de Proc. Penal.
 Será, contudo, de referir que o acórdão proferido nos nossos autos abrangeu 
 ainda, em cúmulo jurídico, as penas de 3 anos e 3 anos e 6 meses de presídio 
 militar aplicadas, por crimes de deserção, no âmbito do proc. n° 17/99 do 
 Tribunal Militar da Marinha, sendo o respectivo acórdão de 2.3.2000, data que, 
 embora não se disponha de elementos concludentes quanto a este aspecto, se nos 
 afigura anterior à extradição do arguido de Espanha para Portugal, razão pela 
 qual a ilegalidade apontada ao julgamento e condenação ocorridos em 2.10.2003 
 não se estende a este outro julgamento (fls. 48/52).
 Deste modo face à argumentação que se deixa explanada decide-se indeferir o 
 requerido pelo arguido a fls. 260/2.
 
  
 O recluso interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo do 
 seguinte modo as suas alegações:
 
  
 
 1º - O arguido foi acusado, julgado e condenado, na pena de quatro anos e dois 
 meses de presídio militar, por três crimes de deserção, previstos e punidos 
 pelos artigos 142° e 149º do Código de Justiça Militar aprovado pelo Dec.Lei n.º 
 
 141/77 de 9 de Abril.
 
 2° - A moldura penal para o crime de deserção apresentava um limite mínimo de 
 três e um limite máximo de quatro anos de presídio militar.
 
 3° - No dia 08 de Julho de 2005, o arguido foi detido, tendo a decisão 
 condenatória do Tribunal Militar transitado em julgado a 17 de Outubro de 2003.
 
 4°- Sucede que o cumprimento efectivo desta pena de prisão se iniciou já no 
 
 âmbito do novo C.J.M. (Lei 100/2003, de 15.11), em que para o crime de deserção 
 se consagra agora a pena mínima de um ano de prisão.
 
 5° - No despacho dado pelo Excelentíssimo Tribunal a quo, não foi acatado o 
 vertido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 677/98 de 02/01, que 
 expressamente declara a inconstitucionalidade do número 4 do artigo 2° do 
 C.Penal, em toda a sua extensão e não apenas nos casos de descrimmalização da 
 lei.
 
 6° - O respeito pelo núcleo essencial da garantia afirmada no n.º 4 do artigo 2º 
 da Constituição, implica que o caso julgado da condenação não afaste a aplicação 
 retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável.
 
 7° - Foram violados os artigos 29º n.º 4, 18º n.º 2 e 13° todos da Constituição 
 da República Portuguesa, que consagram, respectivamente, os princípios da 
 aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, da necessidade da pena e da 
 igualdade.
 
 8° - O legislador constitucional expressamente derroga a força do caso julgado 
 sempre que daí resulte uma situação mais desfavorável para o arguido penal, 
 artigo 282 n.º 3 da C.R.P.
 
 9° - Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade do número 4 do artigo 2° 
 do Código Penal.
 Termos em que deve o presente recurso proceder, por provado, e em consequência 
 ser revogado o despacho recorrido, sendo proferida decisão que venha reformular 
 a pena aplicada ao arguido por forma a contemplar o novo Código de Justiça 
 Militar, de conteúdo mais favorável.
 
  
 O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 9 de Fevereiro de 2006, 
 considerou o seguinte:
 
  
 O ora recorrente foi condenado:
 
 1. Por decisão de 2 de Março de 2000 do Tribunal Militar da Marinha, pela 
 prática de um crime de deserção p. e p. pelos anos 142° n° 1 b) e n° 2 e 149° n° 
 
 1 a) 2ª parte, do Código de Justiça Militar na pena de 3 anos de presídio 
 militar e pela prática de um crime de deserção p. e p. pelos artºs 142° n° 1 a) 
 e n° 2 e 149° 2 a) 2ª parte do mesmo Código, na pena de 3 anos e seis meses de 
 presídio militar, 
 
 (sendo-lhe então imposta pena única de quatro anos de presídio militar).
 
 2. Por decisão de 2 de Outubro de 2003 do Tribunal Militar da Marinha, pela 
 prática de um crime de deserção p. e p. pelos artºs 142° n° 1 c) e 149° n° 1 a) 
 
 2ª parte do Código de Justiça Militar, na pena extraordinariamente atenuada de 1 
 ano e 6 meses de presídio militar,
 sendo-lhe então imposta, em cúmulo jurídico desta e das demais penas vindas de 
 referir a pena única de quatro anos e dois meses de presídio militar.
 Esta última decisão transitou em julgado em 17 de Outubro de 2003.
 A moldura penal prevista para o crime de deserção era, à data da prática dos 
 factos a que respeitam as condenações mencionadas - e bem assim das decisões que 
 as impuseram e do seu trânsito em julgado - de 3 a 4 anos de presídio militar .
 Vindo o arguido e recorrente a iniciar o cumprimento de pena efectivo desta pena 
 de prisão quando já estava em vigor e no âmbito do novo Código de Justiça 
 Militar (Lei no 100/2003, de 15.11) no qual é prevista para o crime de deserção 
 pena mínima de 1 ano de prisão (artº 74° nº 2 b) do novo diploma, é sua 
 pretensão que se reformulem as sobreditas penas em que foi condenado pelos 
 crimes de evasão à luz do novo Código de Justiça Militar, desatendendo a 
 limitação imposta pelo trânsito em julgado da decisão estabelecida no n° 4 do 
 artº 2° do CP por, a seu ver, ser inconstitucional tal segmento desse preceito.
 De facto, consagrando o artº 2° n° 4 do Código Penal o princípio da aplicação 
 retroactiva da lei penal mais favorável ao arguido (determinando que “quando as 
 disposições vigentes no momento da prática dos factos forem diferentes das 
 estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente 
 se mostre mais favorável ao agente”), estabelece no entanto excepção para essa 
 aplicação retroactiva: “... salvo se este já tiver sido condenado por sentença 
 transitada em julgado” o que é dizer que, perante o trânsito em julgado, o 
 regime posterior mais favorável não terá qualquer efeito.
 Em vista de tal preceito, transitada em julgado a decisão condenatória em causa 
 nos autos, não poderia ter acolhimento a pretensão do ora recorrente de 
 reformulação das penas impostas à luz do novo Código de Justiça Militar que 
 entrou em vigor em data posterior a tal trânsito. 
 De igual forma não pode ter acolhimento a sua invocação de inconstitucionalidade 
 desse preceito no parte em que estabelece excepção, em razão do trânsito em 
 julgado, à aplicação retroactiva da lei mais favorável.
 Assim desde logo, na medida em que pretende sustentar tal invocação de 
 inconstitucionalidade no decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional de n° 
 
 677/98 de 02/01.
 Efectivamente, como bem se refere na decisão recorrida (e sublinham os ilustres 
 Magistrados do Ministério Público em ambas as instâncias), nesse acórdão 
 
 “julgou-se materialmente inconstitucional, por violação do princípio da 
 aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, consagrado no n° 4 do artº 
 
 29º da Constituição, a norma constante do nº 4 do artº 2 do Código Penal, na 
 parte em que veda a aplicação da lei penal nova que transforma em crime 
 semi-público um crime público, quando tenha havido desistência da queixa 
 apresentada e trânsito em julgado da sentença condenatória, ... situação em que 
 a nova lei abre a possibilidade de extinção de procedimento criminal (assim de 
 alguma forma se perfilando, no que se lhe refere, as mesmas razões que 
 informaram o regime estabelecido para a descriminalização) ... bem diversa da 
 que agora se aprecia em que a lei nova, mantendo a incriminação da deserção, 
 introduz tão somente para tal crime uma moldura penal potencialmente mais 
 favorável ao arguido.
 O considerado naquele acórdão não terá pois, por inadequação à situação ora em 
 causa, muito distinta da nele contemplada, aplicação no presente caso, não se 
 podendo transpor para o mesmo.
 E, nos termos e medida do aqui em apreço, não se vê que haja de considerar 
 inconstitucional o segmento do n° 4 do artº 2 do Cód. Penal que impõe limite ao 
 princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável (este com 
 consagração também no nº 4 do art° 29° da Constituição) em razão do trânsito em 
 julgado da decisão.
 Assim, em causa que está não o desaparecimento da responsabilidade criminal 
 
 (pela descriminalização da conduta ou, indirectamente, pela sua “colocação” na 
 
 área em que é deixada ao critério dos lesados a efectivação dessa 
 responsabilidade, viabilizando a extinção da mesma mediante desistência da 
 queixa nos termos legais - caso considerado no sobredito acórdão), mas tão só 
 modificação da sanção cominada para facto que continua a consubstanciar crime, 
 inserindo nova moldura penal abstracta (com a invocada redução do seu limite 
 mínimo a um ano) não se podem pretender violados os princípios constitucionais 
 invocados (quer o princípio da retroactividade da lei, quer o princípio da 
 necessidade da pena ou da igualdade), sendo patente que o que de tal modificação 
 redunde em colisão ou desvio destes princípios encontra justificação na 
 necessidade de consolidação das decisões dos Tribunais num contexto de 
 definição, certeza e segurança indispensáveis a uma administração da Justiça 
 concretamente de Justiça criminal) credível e eficaz, o que é dizer à 
 viabilização do exercício da função jurisdicional.
 Perante a premência de assegurar eficaz exercício desta função, 
 constitucionalmente consagrada, cedem pois, na medida do estabelecimento do 
 trânsito em julgado - e bem assim da ressalva estabelecida no n° 4 do artº 2° do 
 CP aqui em causa - os princípios referidos.
 Em tal conformidade, não se verifica inconstitucionalidade do preceito em 
 questão nos termos pretendidos pelo recorrente ou em quaisquer outros, nenhuma 
 censura merecendo, em vista do disposto nesse preceito e do circunstancialismo 
 de facto em causa, a decisão recorrida, devendo o recurso improceder.
 
  
 Em consequência, foi negado provimento ao recurso.
 
  
 
 2.  A. interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea g) do nº 1 
 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade 
 
 à Constituição da norma do artigo 2º, nº 4, do Código Penal, invocando como 
 decisão que anteriormente julgou inconstitucional a norma impugnada o Acórdão nº 
 
 677/98.
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
 3.  O recorrente foi condenado pela prática de três crimes de deserção e 
 pretende, após o trânsito em julgado de tal condenação, beneficiar do regime 
 penal mais favorável constante do novo Código de Justiça Militar que entretanto 
 entrou em vigor. Considera ser inconstitucional a norma do artigo 2º, nº 4, do 
 Código Penal, na parte em que excepciona da aplicação retroactiva do regime 
 penal mais favorável os casos decididos por sentença já transitada em julgado e 
 invoca o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 677/98.
 O recurso da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional 
 cabe de decisões que apliquem norma que haja anteriormente sido julgada 
 inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
 O recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a norma 
 do artigo 2º, nº 4, do Código Penal, in fine, no seu sentido literal, isto é, na 
 medida em que não permite a aplicação retroactiva do regime penal mais favorável 
 os casos decididos por sentença já transitada em julgado.
 O Acórdão nº 677/98 (aresto pretexto invocado pelo recorrente) julgou 
 materialmente inconstitucional, por violação do princípio da aplicação 
 retroactiva da lei penal mais favorável, consagrado no nº 4 do artigo 29º da 
 Constituição, a norma constante do nº 4 do artigo 2º do Código Penal, na parte 
 em que veda a aplicação da lei penal nova que transforma em crime semi‑público 
 um crime público, quando tenha havido desistência da queixa apresentada e 
 trânsito em julgado da sentença condenatória
 
 É manifesto que o juízo de inconstitucionalidade constante do Acórdão nº 677/98 
 não tem por objecto toda a extensão do artigo 2º, nº 4, do Código Penal, já que 
 se reporta a uma específica constelação de casos devidamente identificados no 
 aresto.
 De resto, isso mesmo é mencionado nas declarações de voto apostas nesse Acórdão, 
 constituindo a razão de ser das próprias declarações de voto.
 Ora, nos presentes autos, a norma do artigo 2º, nº 4, do Código Penal, foi 
 aplicada no seu sentido literal, ou, para utilizar a expressão das declarações 
 de voto, “em toda a sua extensão”.
 Desse modo, não é possível afirmar que a decisão ora recorrida fez aplicação da 
 norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, já 
 que a dimensão normativa aplicada no acórdão recorrido como sua ratio decidendi 
 não coincide com a específica dimensão normativa julgada inconstitucional pelo 
 Tribunal Constitucional no Acórdão nº 677/98. Na verdade, o recorrente não 
 pretende, nos presentes autos, beneficiar de uma desistência da queixa, 
 apresentada quando o crime praticado era público, na sequência da entrada em 
 vigor de um novo regime penal que qualifica o crime como semipúblico.
 Não se verifica, portanto, o pressuposto processual da alínea g) do nº 1 do 
 artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na aplicação pela 
 decisão recorrida de norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal 
 Constitucional.
 Uma vez que o presente recurso foi apenas interposto ao abrigo da alínea g) do 
 nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional [e não, por hipótese, ao 
 abrigo da alínea b) do mesmo preceito], não se poderá tomar conhecimento do seu 
 objecto.
 
 4.  Em face do exposto, decide‑se não tomar conhecimento do objecto do presente 
 recurso de constitucionalidade.
 
  
 O recorrente vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo 78°‑A, 
 n° 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos: 
 
  
 A., recorrente nos presentes autos, notificado da decisão sumária proferida, que 
 entendeu não se verificar o pressuposto processual da alínea g) do n.° 1 do 
 artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional, consistente na aplicação pela 
 decisão recorrida de norma anteriormente julgada inconstitucional, decidindo 
 assim, não tomar conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade, vem, 
 ao abrigo do disposto no artigo 78°-A, n.° 3 da Lei n° 13°-A/98, reclamar para a 
 conferência nos termos e com os fundamentos seguintes: 
 
 1°- Refere a douta decisão sumária que “O Acórdão n.° 677/98 julgou 
 materialmente inconstitucional, por violação do princípio da aplicação 
 retroactiva da lei penal mais favorável consagrado no n.° 4 do artigo 29° da 
 Constituição a norma constante do número 4 do artigo 2° do C. Penal, na parte em 
 que veda a aplicação da lei penal nova que transforma em crime semi-público um 
 crime público quando tenha havido desistência da queixa apresentada e trânsito 
 em julgado da sentença condenatória”. 
 
 2° Acrescenta que “é manifesto que o juízo de inconstitucionalidade constante no 
 Acórdão 677/98, não tem por objecto toda a extensão do artigo 2° n.° 4 do Código 
 Penal já que se reporta a uma especifica constelação de casos devidamente 
 identificados no aresto.”, alegando ainda que “isso mesmo é mencionado nas 
 declarações de voto apostas nesse Acórdão, constituindo a razão de ser das 
 próprias declarações de voto.” 
 
 3° Com todo o respeito por opinião diversa, da declaração de voto constante no 
 citado Acórdão, emanada pela Juiz Conselheira relatora Maria dos Prazeres 
 Pizarro Beleza, não é esse o entendimento que se extrai. 
 Consta expressamente, “em meu entender, o número 4 do artigo 2° do Código Penal, 
 na parte que impede a aplicação da lei penal mais favorável se tiver transitado 
 em julgado a sentença condenatória, é inconstitucional em toda a sua extensão, e 
 não apenas na dimensão com que foi aplicado neste processo, violando ainda, para 
 além do princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, 
 consagrado no número 4 do artigo 29° da Constituição, os princípios da 
 necessidade da pena (n.° 2 do artigo 18°) e da igualdade (artigo 13°)”. 
 
 4° De toda a declaração de voto aflora a ideia da não confinação da 
 inconstitucionalidade declarada no Acórdão ao caso específico nele vertido. 
 
 5° A decisão ora reclamada entende que a dimensão normativa aplicada no Acórdão 
 recorrido como sua ratio decidendi não coincide com a especifica dimensão 
 normativa julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 
 invocado, uma vez que o recorrente não pretende beneficiar de uma desistência de 
 queixa, apresentada quando o crime praticado era público, na sequência da 
 entrada em vigor de um novo regime penal que qualifica o crime como semipúblico. 
 
 
 
 6° Entende a Juiz Conselheira relatora não poder tomar conhecimento do objecto 
 do recurso, por não se verificar o pressuposto processual da alínea g) do n.° 1 
 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. 
 
 7° Em nosso entender, e com todo o respeito por diversa opinião, o recurso 
 previsto na alínea g) do artigo 70° n.° 1 da Lei do Tribunal Constitucional, tem 
 lugar quando haja contradição entre a decisão recorrida e Acórdão do Tribunal 
 Constitucional que haja declarado uma inconstitucionalidade com força 
 obrigatória geral. 
 
 8° Foi suscitada durante o processo de forma idónea e processualmente adequada, 
 a questão da inconstitucionalidade da norma que veio a ser aplicada na decisão 
 sob recurso. 
 
 9° O presente recurso reporta-se à mesma realidade normativa julgada 
 inconstitucional no Acórdão n.° 677/98 do Tribunal Constitucional, e lhe serviu 
 de suporte legal. 
 
 10º Assim, não se verifica a falta dos respectivos pressupostos processuais, que 
 obstam ao conhecimento do objecto do recurso. 
 
 11° O requerimento de recurso apresentado satisfaz os requisitos de 
 admissibilidade. 
 Nestes termos e nos mais de direito requer-se seja deferida a reclamação contra 
 não admissão do recurso interposto ao abrigo da alínea g), do artigo 70 n.° 1 da 
 Lei do Tribunal Constitucional, por ter sido aplicada norma já declarada 
 inconstitucional, e, consequentemente, se tome conhecimento do objecto do 
 presente recurso de constitucionalidade. 
 
  
 O Ministério Publico pronunciou-se do seguinte modo: 
 
  
 
 1 - A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
 2 - Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da 
 decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do 
 recurso interposto. 
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
  
 
  
 
 2.  Na Decisão Sumária reclamada demonstrou-se que não se verifica no presente 
 recurso de constitucionalidade o pressuposto processual do recurso da alínea g) 
 do n° 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, já que a dimensão 
 normativa impugnada não corresponde à anteriormente julgada inconstitucional 
 pelo Tribunal Constitucional no Acórdão indicado pelo recorrente (Acórdão nº 
 
 677/98). 
 O reclamante discorda, invocando, para fundamentar a sua pretensão, a declaração 
 de voto aposta no Acórdão n° 677/98. 
 Ora, o entendimento constante da declaração de voto não coincide 
 com a decisão que o Tribunal Constitucional proferiu no Acórdão n° 677/98. 
 
 É precisamente por esse entendimento não ter feito vencimento e, 
 consequentemente, não ter sido assumido pelo Tribunal Constitucional, que a 
 Relatora apôs a declaração de voto. 
 Desse modo, as considerações do reclamante em nada afectam os fundamentos da 
 Decisão Sumária. 
 O reclamante afirma, por outro lado, que “o recurso previsto na alínea g) do 
 artigo 70º, n° 1 da Lei do Tribunal Constitucional tem lugar quando haja 
 contradição entre a decisão recorrida e o Acórdão do Tribunal Constitucional que 
 haja declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral”. É manifesta 
 a confusão do reclamante, já que não foi proferida qualquer declaração de 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral e a alínea g) do n° 1 do 
 artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional não exige tal decisão. 
 O reclamante afirma, por último, que suscitou durante o processo a questão de 
 constitucionalidade. Esta asserção é, no entanto, inútil no contexto do recurso 
 interposto, uma vez que não está em causa o recurso da alínea b) do n° 1 do 
 artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional, sendo certo que foi proferido 
 despacho, ao abrigo do artigo 75°-A da Lei do Tribunal Constitucional, dando 
 oportunidade ao reclamante para precisar a alínea ao abrigo da qual interpunha o 
 recurso (fls. 70). 
 
  
 
  
 
 4.  A presente reclamação é, portanto, manifestamente improcedente. 
 
  
 
  
 
 5.  Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente 
 reclamação, confirmando, consequentemente, a Decisão Sumária reclamada. 
 
  
 
  
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
 
  
 Lisboa, 4 de Abril de 2006
 Maria Fernanda Palma
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos