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Processo n.º 901/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
  
 
             1 – A., melhor identificado nos autos, reclama, ao abrigo do 
 disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, do 
 despacho do relator – fls. 1018 a 1021 – na parte em que se decidiu delimitar o 
 recurso interposto pelo Recorrente A. à questão da fiscalização da 
 constitucionalidade do artigo 111.º do Código Penal, na interpretação «que o 
 considerou aplicável como consequência da prática dos factos integrantes do 
 
 “crime de abuso de informação”, por que o recorrente foi condenado, previsto e 
 punível, em 25 de Janeiro de 2000, “pelo artigo 666.º, n.º 1, alínea a), com 
 referência aos nºs 4 e 5 do Código dos Valores Mobiliários e (…) [após 1 de 
 Março de 2000] pelo artigo 378.º, n.º 1, com referência ao n.º 4, do Código dos 
 Valores Mobiliários», por violação do disposto no artigo 29.º da Constituição da 
 República Portuguesa.
 
  
 
             2 – O despacho reclamado estribou-se na seguinte fundamentação:
 
             
 
          “(...)
 
          Perscrutado o cumprimento dos requisitos fundamentais para que o 
 Tribunal Constitucional possa conhecer do objecto dos recursos, constata-se que 
 os pressupostos estabelecidos na alínea b) do artigo 70º, n.º 1, da LTC, não se 
 verificam em relação ao recurso interposto por A., na parte em que visa a 
 apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 358.º e 359.º do Código 
 de Processo Penal, «na interpretação (…) [de] imputar ao recorrente a qualidade 
 de “accionista” do “emitente” B. e por esta via julgar “preenchida (…) a 
 qualidade de agente do ilícito”, assim se admitindo a alteração, na sentença, 
 dos factos constantes da acusação», por violação do disposto no artigo 32.º, nºs 
 
 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
 
          Na verdade, é manifesto que tal questão – ressalvada uma análise 
 formalista estritamente radicada num plano semântico-gramatical – não corporiza 
 uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa, antes remetendo o 
 Tribunal Constitucional a um controlo do mérito da decisão judicial que, em face 
 da factualidade constante dos autos, concluiu não haver qualquer “alteração dos 
 factos constantes da acusação.
 
          Ora, como refere Carlos Lopes do Rego («O objecto idóneo dos recursos 
 de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas 
 sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, n.º 
 
 3, pp. 8 e ss.), “não basta, porém, que a parte tenha, de um ponto de vista 
 formal, equacionado uma questão de inconstitucionalidade de normas (não se 
 limitando a impugnar directamente a constitucionalidade de decisões judiciais e 
 indicando ou especificando o sentido ou interpretação com que considera ter sido 
 tomado e aplicado o preceito alegadamente violador da Constituição), já que (…) 
 importa prevenir os casos de abuso ou ficção do conceito de interpretação 
 normativa, apenas com o objectivo de forjar artificiosamente uma norma 
 sindicável pelo Tribunal Constitucional”.
 
          Assim será, indubitavelmente, quando o recorrente pretenda controverter 
 a concreta e casuística valoração do julgador das especificidades de cada caso, 
 principaliter quando se conteste, como sucede no caso dos autos, que a decisão 
 recorrida adoptou uma interpretação contraditória com a norma legal aplicável 
 por não lhe haver subsumido uma determinada realidade.
 
          Posto este entendimento, logo se compreende que, in casu, o Recorrente 
 coloca este Tribunal perante a questão de saber se houve, ou não, uma alteração 
 substancial dos factos, para só a posteriori e a partir da conclusão aí 
 alcançada se pronunciar sobre o mérito da aplicação realizada pelo Tribunal a 
 quo. 
 
          Tal perspectiva é confirmada pelo Recorrente que contesta 
 especificamente «a interpretação (…) [de] imputar ao recorrente a qualidade de 
 
 “accionista” do “emitente” B. e por esta via julgar “preenchida (…) a qualidade 
 de agente do ilícito”», assumindo, contra o juízo do Tribunal a quo, que houve 
 uma “alteração, na sentença, dos factos constantes da acusação”.
 
          Em todo o caso, mesmo que assim não fosse – e a admitir-se 
 academicamente que a questão de constitucionalidade suscitada se referia 
 efectivamente a uma “norma” –, seria manifesto que o resultado do seu julgamento 
 não lograria abalar a decisão recorrida que assenta a sua ratio decidendi num 
 fundamento autónomo em relação ao que vem controvertido pelo Recorrente.
 
          De facto, o Tribunal da Relação considerou, entre o mais, que 
 independentemente da sua qualidade de accionista, o facto de exercer funções 
 como membro do Conselho Superior do B., tendo acesso à informação em causa nos 
 autos, o colocaria sob a alçada subjectiva do ilícito pelo qual foi condenado.
 
          (...)”.
 
  
 
             3 – A presente reclamação vem apoiada nos seguintes fundamentos:
 
  
 
                         “(...)
 
 1
 O recorrente, ora reclamante, interpôs recurso para este Tribunal 
 Constitucional, em Secção, em ordem à apreciação da inconstitucionalidade 
 material das normas constantes dos artºs. 358º e 359º do Código de Processo 
 Penal, por violação do disposto no art. 32º, 1 e 5, da Constituição da República 
 Portuguesa, e do art. 111º do Código Penal, por ofensa do preceituado no art. 
 
 29º também da Constituição, na interpretação e aplicação que delas fez o acórdão 
 do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. (datado de 20 de Abril de 2005).
 
 2
 No que respeita ao recurso para apreciação da inconstitucionalidade das normas 
 dos artºs 358º e 359º do Código de Processo Penal, o reclamante interpô-lo, 
 considerando que foram alterados os factos constantes da acusação.
 Na verdade,
 
 3
 Para enquadrar a conduta do reclamante na previsão do art. 666º, 1, a), do 
 Código dos Valores Mobiliários (aprovado pelo Decreto-Lei nº 142-A/91, de 10 de 
 Abril), e actualmente no art. 378º, 1, do Código dos Valores Mobiliários 
 
 (aprovado pelo art. 1º do Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de Novembro), necessário 
 era
 que ele fosse «titular de uma participação no respectivo capital» - «accionista» 
 do B.
 ou que tivesse «a qualidade de titular de um órgão de administração ou de 
 fiscalização» do B..
 
 4
 Nenhum destes factos, porém, se encontra descrito na acusação.
 
 5
 Para a acusação.[fls. 79 a 96 (I volume)] - maxime, artºs. 8º, 9º, 10º, 33º, 
 
 34º, 35º, 38, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 46º, 47º, 48º, 99º, 106º e 107º - 
 o arguido ora reclamante dispôs da «informação privilegiada»a que os autos se 
 referem, «devido à sua qualidade de» membro do Conselho Superior do Banco B. 
 
 (B.):
 
 «em razão das suas funções de membro do Conselho Superior do B.» [art. 99º, fls. 
 
 93 (I volume)]; no exercício das (…) funções» (de membro do Conselho Superior do 
 B.) [art. 107º, fls. 94 (I volume)].
 
 6
 O Conselho Superior do B. é um «corpo social», assim designado [artºs. 9º, 2 e 
 
 3, 28º-A, 28º-B e 28º-C do contrato social (fls. 232, 242 e 243 do Apenso A/II 
 volume)], constituindo uma categoria sem consagração na lei, não constante das 
 modalidades de estruturação da administração e fiscalização das sociedades, à 
 margem portanto do modelo organizativo legalmente consagrado no art. 278º do 
 Código das Sociedades Comerciais, que não faz - não pode fazer - parte dos 
 
 «órgãos sociais» das sociedades.
 
 7
 O Conselho Superior do B. não é susceptível de qualificar-se como «órgão de 
 administração e fiscalização»,
 assim não se podendo integrar a conduta atribuída ao reclamante na previsão do 
 art. 666º, 1, a), do Código dos Valores Mobiliários (aprovado pelo Decreto-Lei 
 nº 142-A/91, de Abril), e actualmente, do art. 378º, 1, do Código soa Valores 
 Mobiliários (aprovado pelo art. 1º do Decreto-Lei nº 486/99 de 13 de Novembro) – 
 crime de abuso de informação.
 
 8
 Da acusação não consta, pois, o que quer que seja passível de legitimar a 
 conclusão de que, na época a que os factos a que se reportam ou em qualquer 
 outra, o reclamante fosse
 
 * accionista do B.
 
 – ou –
 
 * membro do seu «órgão de administração» ou do «de fiscalização» do B..
 
 9
 Na sentença da 1ª instância, foi considerado resultar provado da «discussão da 
 causa» [fls. 347 (II volume)] que 
 o reclamante «é accionista do B.
 e por via disso
 membro do Conselho Superior do B.»
 
 [fls. 358, in medio (II volume); sublinhado nosso].
 
 10
 Por seu turno, para o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. --- 
 
 (datado de 20 de Abril de 2005),
 
 «o Conselho Superior faz parte dos “órgãos e corpos sociais” do B.» (fls. 37 do 
 acórdão, linhas 2 e 3; o destaque corresponde a itálico no original; o 
 sublinhado á nosso).
 
 11
 O mesmo acórdão da Relação, de fls. ---, dá por adquirido que 
 O reclamante «é (…) accionista do B.»
 
 (fls. 37 do acórdão, (linha 10), acrescentando, em nota [(4)], que, «[n]os 
 termos do disposto no art. 28-A [por evidente lapso, foi escrito “2º”] nº 3 do 
 Contrato Social (…), [tal qualidade é] condição para a eleição para tal órgão [o 
 Conselho Superior], sendo certo que parece transparecer até dos autos que é 
 mesmo “um accionista importante” e até “fundador subscritor do capital do 
 Banco”…».
 
 12
 Segundo o estipulado no contrato social do B. [art. 28º-A, 2 e 3 (fls. 242 do 
 Apenso A/II volume)]:
 
 «1 – (…).
 
 «2 – São, por inerência, membros do Conselho o presidente da Mesa da Assembleia 
 Geral, o presidente do Conselho de Administração e o presidente do Conselho 
 Fiscal.
 
 «3 – Os restantes membros do Conselho Superior serão accionistas, eleitos em 
 Assembleia Geral por períodos de três anos, e reelegíveis uma ou mais vezes, 
 podendo também o próprio Conselho Superior, sob proposta do Conselho de 
 Administração, cooptar novos membros, nos casos de vacatura ou de deliberação de 
 alargamento da sua própria composição, aplicando-se para o efeito o disposto no 
 nº 2 do artigo 9º-A e ficando a cooptação sujeita a ratificação na assembleia 
 geral seguinte.
 
 «4 – (…).
 
 «5 – (…).
 
 «6 – (…)».
 
 13
 Tal tendo presente que nada impedia que «accionista» não fosse o reclamante, mas 
 sim uma sociedade em representação da qual ele exercesse as funções de membro do 
 Conselho Superior [no caso, a sociedade então denominada A. & Cª, L.DA (cfr. 
 fls-.35 a o I volume)].
 
 14
 Neste contexto,
 mencionar que «o Conselho Superior faz parte dos “órgãos e corpos sociais' do 
 B.» (fls. 37 do acórdão, linhas 2 e 3; o destaque corresponde a itálico no 
 original; o sublinhado é nosso), para, na sequência, sugerir que esse Conselho é 
 um «órgão social» e, dentro desta categoria, «de administração ou de 
 fiscalização» da sociedade,
 
 - e –
 considerar que o reclamante «é (...)accionista do B.» (fls. 37 do acórdão, linha 
 
 10),
 implica um acrescento à acusação, consubstanciando uma «alteração substancial 
 dos factos», sobre que não foi dada ao arguido, ora reclamante, oportunidade de 
 se pronunciar - portanto, ofensiva das garantias de defesa e dos princípios do 
 acusatório e do contraditório.
 
 15
 
 É neste quadro que se situa a inconformação do reclamante e que se origina o 
 recurso do acórdão da Relação, visando a impugnação, não desse acto, por si só – 
 do acto de julgamento em si –, mas do sentido decisório dele, referido à 
 interpretação desconforme à Constituição que contém.
 
 16
 Socorrendo-se, com a devida vénia, das palavras do acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 674/99 [processo nº 24/97 – 2ª; relator: Juiz‑Conselheiro Luís 
 Nunes de Almeida], in www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia, o reclamante 
 declara que visa obter, pela via do recurso interposto do acórdão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa, de fls ---  (datado de 20 de Abril de 2005), uma
 decisão deste tribunal sobre se 
 os art.ºs 358º e 359º do Código de Processo Penal,
 
 «quando interpretados no sentido de se não entender como alteração dos factos - 
 substancial ou não substancial - a consideração», no acórdão recorrido,.«de 
 factos atinentes» aos elementos essenciais, típicos, do crime imputado ao 
 reclamante, «não especificamente enunciados, descritos ou discriminados no texto 
 da (...) acusação (...),
 serão conformes com as garantias de defesa em processo penal
 e com os princípios do acusatório e do contraditório,
 de acordo com o que se preceitua no artigo 32º da Constituição da República».
 
 17
 
 É esta dimensão normativa que o ora reclamante pretende ver apreciada.
 
 18
 Assim, salvo o devido respeito – e muito é –, este tribunal deve conhecer do 
 objecto do recurso, na parte em que o mesmo se refere à inconstitucionalidade 
 material das normas dos art.ºs 358º e 359º do Código de Processo Penal, por 
 violação do disposto no art. 32º, 1 e 5, da Constituição da República 
 Portuguesa”.
 
  
 
             4 – O Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, em 
 resposta, concluiu pela manifesta improcedência da reclamação, dizendo que «a 
 argumentação expendida pelo reclamante apenas vem confirmar que o mesmo não 
 suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de 
 integrar o objecto idóneo da fiscalização concreta cometida ao Tribunal 
 Constitucional - apenas questionando o estrito momento subsuntivo, na sua 
 conexão com a matéria de facto, com a titularidade de participação no capital 
 social e com a integração do conceito de 'órgãos sociais' da sociedade em 
 causa».
 
  
 
  
 
             Cumpre agora decidir.
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
  
 
             5 – Na decisão reclamada entendeu-se que o Recorrente não havia 
 equacionado um verdadeiro problema de constitucionalidade normativa e que a 
 decisão recorrida fazia assentar a sua ratio decidendi num fundamento autónomo 
 em relação ao controvertido pelo Recorrente.
 
             Para uma perspectivação mais apurada destes alicerces, importa 
 lembrar os termos em que a questão de “constitucionalidade” foi suscitada pelo 
 ora Reclamante e o juízo que o Tribunal a quo proferiu sobre a matéria.
 
  
 
             5.1 – Nas suas alegações para o Tribunal da Relação, o Reclamante 
 sustentou, em síntese, que:
 
 «1ª O Recorrente foi acusado pelo MºPº da «prática, em co-autoria, de um crime 
 de abuso de informação» p.p. «à data (25/01/00) pelo art. 666º nº 1 al. a), com 
 referência aos nºs 4 e 5 do CVM e actualmente pelo art. 378º nº 1, com 
 referência ao nº 4 do CVM»
 
 2ª É elemento essencial, típico, do crime imputado ao recorrente a qualidade do 
 agente, de membro de órgão de administração ou de fiscalização ou de titular de 
 participação no capital social de sociedade emitente de valores mobiliários ou 
 de trabalhador ou prestador de serviços, profissional ou funcionário público com 
 acesso a informação privilegiada, por via do exercício das suas funções.
 
 3ª A acusação (fls. 79 a 96) - maxime nos artºs  8º a 10º, 33º a 35º, 38º, 40º a 
 
 44º, 46º a 48º, 99º, 106º e 107º - alega que o recorrente dispôs da «informação 
 privilegiada» a que os autos se referem «devido à sua qualidade de» membro do 
 Conselho Superior do Banco B. («em razão das suas funções de membro do Conselho 
 Superior do B.» - art. 99º, fls. 93; «no exercício das (...) funções (de membro 
 do Cons. Superior do B.)» (art. 107º, fls. 94).
 
 4ª O Conselho Superior do B. não é órgão da respectiva sociedade (artºs 9º 1 a), 
 b) e c), 28-A a C do contrato social (fls. 232 242 do Ap. A - 1 vol.); muito 
 menos de «administração», que esse é o Conselho de Administração (artºs 390 do 
 CSC e 9.1 a), e 20º a 24º do contrato social (fls. 232 e 238 a 241 do Apenso «A» 
 
 -I vol.) ou de «fiscalização», que é o Conselho Fiscal (artºs 413º do CSC e 9º, 
 
 1 c) e 25º a 28º também do contrato social (fls. 232 e 241 e 242 do Ap. A-I 
 vol.).
 
 5ª Além do preenchimento dos demais elementos essenciais típicos da infracção, a 
 atribuição ao recorrente da qualidade de «membro de órgão de administração ou de 
 fiscalização» do B. ou de «titular de participação no capital social» era 
 absolutamente decisiva para a caracterização da sua conduta como crime de abuso 
 de informação privilegiada.
 
 6ª A sentença sub censura considerou resultar provado da «discussão da causa» 
 que o recorrente «é accionista do B. e por via disso membro do Conselho Superior 
 do B.».
 
 7ª Em parte alguma da acusação consta que, na época a que os factos a que ela se 
 reporta ou em qualquer outra, o recorrente fosse accionista do B..
 
 8ª A consideração de semelhante facto modificou a base factual do processo, 
 transformou a factualidade imputada ao arguido, tornou incriminável uma conduta 
 que, antes de tal acrescento, não o era, através da qualificação como crime de 
 um comportamento que, tal como se encontrava descrito na acusação, não integrava 
 tipo legal algum.
 
 9ª Consubstanciou uma «alteração substancial dos factos», sobre que não foi dada 
 ao arguido oportunidade de se pronunciar - portanto, ofensiva das garantias de 
 defesa e dos princípios do acusatório e do contraditório.
 
 10ª Por expressamente não se referir às normas dos artºs 358º e 359º do CPP, a 
 sentença sob censura ou as ignorou, considerando-as irrelevantes no transe e, 
 por via disso, inaplicáveis, ou as interpretou no sentido de a previsão sobre as 
 alterações dos factos - «não substancial» ou «substancial», qualquer que seja o 
 entendimento - a que se referem, não quadrar à concreta situação dos autos.
 
 11ª A sentença sob censura violou as normas dos artºs 283º 3 b), 358º e 359º do 
 CPP.
 
 12ª Condenando «por factos diversos dos descritos na acusação», em caso e em 
 condições não previstos nos artºs 358º e 359º do CPP, a sentença de fls. 343 a 
 
 374 é nula, nos termos do disposto no art. 379º 1 b) do CPP, por ofensa do 
 estatuído nos artºs 283º 3 b), 358º e 359º também do CPP e no art. 32º 1 e 5 da 
 CRP.
 
 13º A sentença sub censura, imputando ao arguido um facto absolutamente novo, 
 estranho ao objecto do processo, tal como este resulta da acusação, extravasou 
 os limites que esta assinara ao julgamento e à decisão nele a proferir.
 
 14ª Violou os princípios do acusatório, da vinculação temática do tribunal (da 
 correlação entre a acusação e a sentença) e da identidade do objecto do 
 processo.
 
 15ª A ter considerado relevantes as normas dos artºs 358º e 359º do CPP, então a 
 sentença sub censura interpretou-as no sentido de a previsão sobre as alterações 
 dos factos - não substancial e substancial - a que se referem, não quadrar à 
 concreta situação dos autos.
 
 16ª Assim interpretadas - no sentido de não se verificar uma alteração dos 
 factos - não se conformam com o preceituado na Constituição em matéria de 
 garantias de defesa e de observância do acusatório e do contraditório.
 
 17ª Padecem de inconstitucionalidade material por violação do disposto no art. 
 
 32º, 1 e 5 da CRP.
 
 (...)».
 
  
 
             5.2 – Quanto a esta questão, considerou-se no acórdão recorrido que:
 
  
 
  «(...) O fundamento da nulidade, diz o Recorrente, baseia-se no facto de, para 
 preencher a previsão do crime de abuso de informação privilegiada p.p. no então 
 art. 666º nº 1 al. a) do CMVM, aprovado pelo então Dec.Lei 142-A/91, de 19/04 - 
 e actualmente também no art. 378º nºs 1 e 4 do CVM, aprovado pelo Dec.Lei 
 
 486/99, de 13/11- constituir 'elemento essencial... a qualidade, do agente, de 
 membro de órgão de administração ou de fiscalização ou de titular de 
 participação no capital social de sociedade emitente de valores mobiliários ou 
 de trabalhador ou prestador de serviços, profissional ou funcionário público com 
 acesso a informação privilegiada, por via do exercício das suas funções'.
 Constando da acusação que o arguido dispôs de tal informação 'devido à sua 
 qualidade de membro do Conselho Superior do B.' e não sendo este um 'órgão da 
 respectiva sociedade...muito menos de administração... ou de fiscalização', e 
 constando da 'sentença sub censura...que o recorrente é accionista do B. e por 
 via disso membro do Conselho Superior do B.”, o que 'em parte alguma da acusação 
 consta', tal consubstancia uma alteração substancial, dos factos relativamente à 
 qual 'não foi dada ao arguido uma oportunidade de se pronunciar', deste modo se 
 mostrando violadas 'as garantias de defesa e os princípios do acusatório e do 
 contraditório'. Adianta depois que o tribunal, 'a ter considerado relevantes as 
 normas dos artºs 358º e 359º do CPP, então...interpretou-as no sentido de... não 
 quadrar à concreta situação dos autos' e 'não se conformam com o preceituado na 
 Constituição em matéria de garantias de defesa e de observância dos princípios 
 do acusatório e do contraditório', padecendo assim de 'inconstitucionalidade 
 material, por violação do disposto no art. 32º, 1 e 5 da CRP'.
 Que dizer?
 
  
 
 [1-] Desde logo, que é de todo redutora a posição defendida pelo Recorrente 
 nesta matéria.
 Com efeito, se é verdade que o nº 1 do citado art. 378º nº 1 do CVM, aprovado 
 pelo Dec.Lei 486/99, de 13/11 - tal como o anteriormente vigente art. 666º nº 1 
 do CMVM [aprovado pelo Dec-Lei 142-Al91, de 10/04] - tipifica como agentes do 
 crime de 'abuso de informação' o 'titular de um órgão de administração ou de 
 fiscalização de um emitente', é contudo bem mais ampla a sua abrangência, ali se 
 incluindo também e ainda o 'titular de uma participação no respectivo capital”, 
 
 'quem disponha de informação privilegiada em razão do trabalho ou serviço que 
 preste, com carácter permanente ou ocasional, a essa ou outra entidade ou em 
 virtude de profissão ou função pública que exerça' – nº 2.
 Acresce ainda que, de acordo com o nº 3 seguinte, abrangida está também 
 
 'qualquer pessoa não abrangida pelos números anteriores que, tendo conhecimento 
 de uma informação privilegiada cuja fonte seja alguma das pessoas referidas nos 
 nºs 1 e 2'.
 Em tudo idêntico, dispunha já também o 'velho' art. 524º nºs 1, 2 e 4 do Cód. 
 das Sociedades Comerciais e no mesmo sentido dispunha ainda a Directiva 
 
 89/592/CEE, de 13/11/89, em cujo art. 2º nº 1 eram abrangidas as '...pessoas 
 que:
 
 - devido à sua qualidade de membros dos órgãos administrativos, directivos ou de 
 fiscalização do emitente,
 
 - devido à sua participação no capital do emitente, ou
 
 - porque têm acesso a essa informação devido ao desempenho do seu trabalho, da 
 sua profissão ou das suas funções'.
 O art. 4º seguinte desta Directiva Comunitária adiantava também que 'cada 
 Estado-membro imporá igualmente a proibição prevista no artigo 2º a qualquer 
 pessoa, além das referidas nesse mesmo artigo 2º que, com conhecimento de causa, 
 esteja na posse de uma informação privilegiada cuja fonte directa ou indirecta 
 só possa ser uma pessoa referida no artigo 2º”.
 
 É hoje também o sentido da actual Directiva 2003/06/CE, do Parlamento Europeu e 
 do Conselho, de 28/01/03, cujo art. 2º a manda aplicar 'a qualquer pessoa que 
 detenha a informação em questão:
 a) Em virtude da sua qualidade de membro dos órgãos de administração, de gestão 
 ou de fiscalização do emitente;
 b) Em virtude da sua participação no capital do emitente;
 c) Em virtude do acesso a essa informação privilegiada por força do exercício da 
 sua actividade, da sua profissão ou das suas funções; ou
 d) Em virtude das suas actividades criminosas' [Jornal Oficial da UE L 96/16, de 
 
 12/04/03. Ainda no mesmo sentido, tendo em conta o disposto no art. 180º do 
 decreto legislativo italiano, de 24/02/98, vd Elisa Ragni, L 'abuso di 
 informazioni privilegiate in www.diritto.it].
 E, diremos nós, compreende-se até que assim seja, já que em causa está 'a 
 regularidade e a eficiência de um sector do sistema financeiro reconhecido 
 constitucionalmente'  [Frederico L. da Costa Pinto, O Novo Regime dos Crimes e 
 Contra-ordenações no CVM, pág. 17, Almedina] pelo art. 101º da CRP.
 
  
 Ora,
 
  
 
 [2-] Contrariamente ao que o Recorrente refere, o Conselho Superior faz parte 
 dos 'órgãos e corpos sociais' do B., nos termos expressamente previstos no art. 
 
 9º nºs 2 e 3 do respectivo contrato social, sendo a sua composição, competência 
 e modo de funcionamento definidos pelos artºs. 28ºs-A a -C seguintes, como 
 facilmente se constará de fls. 229 e sgs. do Ap. A, I vol.
 De acordo com o disposto no art. 28º-B nº 2 al. i) seguinte, era até 
 
 'obrigatória' a 'apreciação' pelo referido Conselho Superior relativamente ao 
 
 'projecto de fusão' aqui em causa.
 Por outro lado, é o ora Recorrente accionista do B.[nos termos do disposto no 
 art. 2º n.º 3 do Contrato Social referido, condição para a eleição para tal 
 
 órgão, sendo certo que parece transparecer até dos autos que é mesmo 'um 
 accionista importante' e até 'fundador subscritor do capital do Banco'...] desde 
 há muito participando nas suas reuniões, concretamente - como não põe em causa - 
 na que teve lugar em 25/01/00, que aqui releva, como se constata da respectiva 
 
 'Acta N 37' – fls. 174 do Ap. A- I vol.
 Ainda que assim não fosse - mas que é - sempre se diria - porque até o não nega 
 também - que o ora Recorrente, no exercício das suas funções de membro do 
 Conselho Superior referido, teve conhecimento da informação aqui em causa.
 Dúvidas não temos assim que preenchida está, desde logo, a qualidade de agente 
 do ilícito em causa.
 
  
 
 [3-] Por outro lado, e de novo contrariamente ao que se diz - o que não deixa de 
 se estranhar também - sempre tais factos constam dos nºs 8º a 10º da douta 
 acusação e como tal foram dados por provados na douta sentença, como facilmente 
 se constatará, quase ipsis verbis.
 Assim sendo, e presente que é a noção de alteração substancial dos factos dada 
 pelo art. 1º al. f) do CPP, confessamos não vislumbrar, minimamente que seja, 
 que tal aqui ocorra. 
 
  
 
 [4-] Consequentemente, e também, nenhuma inconstitucionalidade se vislumbra 
 ocorrer em sede dos também citados artºs 358º e 359º».
 
  
 
  
 
 6 – Cumpre lembrar, em face do exposto pelo reclamante, que este Tribunal não 
 detém competência para proceder à apreciação da matéria fáctica ou para proceder 
 
 à apreciação da sua qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal a quo, 
 nem tão-pouco determinar se ocorreu, ou não, uma alteração substancial dos 
 factos ou uma alteração não substancial dos factos.
 Nessa medida, é insindicável pelo Tribunal Constitucional a aplicação normativa 
 que é feita “à concreta situação dos autos” e, bem assim, quanto ao juízo que 
 concluiu pela inexistência de qualquer alteração da base fáctica constante da 
 acusação.
 Tal é, na verdade, o que resulta do facto de não existir, no sistema 
 jurídico-constitucional português, um processo de «queixa constitucional» 
 
 (Verfassungsbeschwerde, staatsrechtliche Beschwerde, recurso de amparo) que 
 permita uma sindicância do mérito das decisões judiciais qua tale em confronto 
 com os parâmetros constitucionais.
 Assim, o objecto do recurso de constitucionalidade há-de ser sempre 
 materialmente constituído por uma norma ou por uma dimensão normativa de um 
 preceito, aprioristicamente individualizada em face da casuística valoração que 
 o julgador faz das especificidades do problema concreto.
 
  
 
             Projectado este critério no caso sub judicio, é manifesto que a 
 suscitada questão de “constitucionalidade” que o Reclamante trouxe a este 
 Tribunal, insurgindo-se contra o resultado da aplicação concreta, sem 
 controverter o critério normativo que permitiu ao Tribunal alcançar esse 
 resultado, traduz-se na sindicância material da própria decisão recorrida, que 
 vem precisamente posta em crise na parte em que, subsuntivamente, considera o 
 Conselho Superior do B. como elemento integrante dos seus “órgãos e corpos 
 sociais” e refere o Reclamante, enquanto membro desse órgão, como accionista.
 
             Em rectas contas, é a própria argumentação aduzida pelo Reclamante 
 que acaba por confirmar que este apenas se insurge contra o juízo que determinou 
 a integração dos factos descritos na acusação na hipótese delimitada pela norma 
 incriminadora, dando por preenchido o tipo na medida em que se considera o 
 Reclamante como membro de um “órgão ou corpo social” [e] que obteve conhecimento 
 da informação em causa nos autos em virtude das suas funções no referido 
 
 “Conselho Superior”. 
 
  
 
 É certo que o Reclamante diz agora que a dimensão normativa que pretende ver 
 apreciada recai sobre os artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal 
 quando interpretados no sentido de se não entender como alteração dos factos – 
 substancial ou não substancial – a consideração (...) de factos atinentes aos 
 elementos essenciais, típicos, do crime imputado ao reclamante, não 
 especificamente enunciados descritos ou discriminados no texto da acusação.
 Contudo, para além de tal norma não ter sido aplicada com esse sentido pela 
 decisão recorrida – posto que, segundo o Tribunal, a sua qualidade de membro do 
 Conselho Superior do B. e, consequentemente, de accionista, sempre constou dos 
 autos –, é patente que não foi este o objecto do recurso definido no 
 requerimento de interposição. 
 De facto, nesse requerimento o Reclamante apenas se referiu, sem mais, à 
 interpretação e aplicação das referidas normas no sentido de “imputar (...) a 
 qualidade de ‘accionista’ do ‘emitente’ B. e por esta via julgar ‘preenchida 
 
 (...) a qualidade do agente do ilícito”.
 Ora, nessa formulação nada se refere quanto ao critério ou dimensão normativa 
 que permitiram tal imputação além de que, sendo irrelevante, na perspectiva do 
 recurso de constitucionalidade, a valoração fáctico-casuística do julgador no 
 preenchimento de um determinado tipo legal de crime, fica-se sem saber qual o 
 critério normativo, inferido do artigo 358.º e 359.º do Código de Processo 
 Penal, que permitiu ao Tribunal a quo alcançar a conclusão controvertida pelo 
 Reclamante. 
 
  
 
             7 – Por outro lado, mantém total validade o que se disse na decisão 
 reclamada sobre a existência de um fundamento autónomo em relação ao juízo 
 contestado pelo Reclamante e que não está abrangido pela delimitação do objecto 
 do recurso constante do respectivo requerimento de interposição, pelo que, mesmo 
 a conhecer-se do recurso na parte em que contesta a qualidade de accionista, 
 sempre se manteria o juízo de imputação subjectiva com base no facto do 
 Reclamante ser membro do Conselho Superior do B. e de ter acesso, em razão do 
 exercício das suas funções, à informação em causa no processo, não havendo, por 
 isso, em face das rationes decidendi fundamentantes do acórdão recorrido e não 
 controvertidas no recurso de constitucionalidade, utilidade no conhecimento da 
 questão colocada pelo Recorrente.
 
  
 
  
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             8 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide 
 indeferir a presente reclamação.
 
  
 
  
 
             Custas pelo Reclamante com 20 (vinte) UCs. de taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 31 de Janeiro de 2006
 
  
 Benjamim Rodrigues
 
  
 Maria Fernanda Palma
 
  
 Rui Manuel Moura Ramos