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Processo n.º 274/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
   
 
                Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                1. Relatório
 
                O Ministério Público deduziu acusação, em 21 de Março de 2003, 
 contra A., advogado, imputando‑lhe a autoria de um crime de abuso de confiança, 
 previsto e punido pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), do Código Penal, 
 por, em suma, tendo sido constituído, em 28 de Março de 1995, mandatário da ora 
 assistente B., para a representar na acção cível n.º 2173/97 da 2.ª Secção do 
 
 2.º Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, e tendo comunicado à sua 
 cliente, em Maio de 1998, que os autores dessa acção aceitariam um acordo, 
 mediante o pagamento de uma indemnização no valor de Esc. 6 000 000$00, na 
 sequência do que esta emitiu e entregou ao arguido três cheques totalizando esse 
 valor, destinados a serem entregues aos autores da acção, o arguido não procedeu 
 a essa entrega, fazendo seus os aludidos valores, bem sabendo que não lhe 
 pertenciam, que se destinavam a proceder ao pagamento da indemnização na acção 
 cível e que, com a sua conduta, causava prejuízos à sua proprietária (fls. 182 
 e 183).
 
                A assistente B., nos termos do artigo 284.º do Código de 
 Processo Penal (CPP), aderiu à acusação deduzida pelo Ministério Público (fls. 
 
 191).
 
                A acusação foi notificada ao arguido por via postal simples com 
 prova de depósito, efectuado em 11 de Abril de 2003 (fls. 189 e 190), tendo o 
 arguido, em 3 de Maio de 2003, procedido à consulta do processo na Secção do 
 Departamento de Investigação e Acção Penal do Distrito Judicial de Lisboa, onde 
 o inquérito estava pendente (cf. cota de fls. 198).
 
                Não tendo sido requerida instrução, foram os autos remetidos para 
 distribuição, tendo, por despacho de 14 de Outubro de 2003 do Juiz da 6.ª Vara 
 Criminal de Lisboa, sido designado para julgamento o dia 20 de Janeiro de 2004. 
 Este despacho foi notificado aos diversos intervenientes processuais, sendo ao 
 arguido por via postal simples com prova de depósito (fls. 213‑214) para a 
 morada constante do termo de identidade e residência por ele prestado (Avenida 
 
 …, n.º …, .., .., ….‑… Lisboa – cf. fls. 82) e a defensora oficiosa por via 
 postal registada (fls. 215), ambas expedidas em 16 de Outubro de 2003. 
 Encontra‑se junto aos autos (fls. 224) o talão do depósito da notificação 
 endereçada ao arguido, contendo declaração do distribuidor do serviço postal no 
 sentido de que em 17 de Outubro de 2003 depositara no receptáculo postal 
 domiciliário da referida morada a notificação em causa.
 
                Em 19 de Novembro de 2003, o arguido apresentou contestação (fls. 
 
 235 a 243), subscrita por mandatária então constituída (cf. procuração de fls. 
 
 246), onde, além de outras questões, argui a irregularidade da sua notificação e 
 suscita questão de inconstitucionalidade, nos seguintes termos:
 
  
 
    “Notificação irregular:
 
 1. Do penúltimo parágrafo da notificação enviada ao arguido, por via postal 
 simples, comunicando prazo para apresentar contestação, consta que o prazo se 
 inicia a partir do quinto dia posterior à data do depósito na caixa do correio 
 do destinatário, constante do sobrescrito (artigo 113.º, n.º 3, do CPP), 
 conforme fotocópia que ora se junta como documento n.º 1.
 
    2. Sucede que no sobrescrito depositado na caixa do correio do arguido não 
 foi escrita a data em que ocorreu tal depósito, conforme fotocópia que ora se 
 junta como documento n.º 2.
 
    3. O arguido encontrou a notificação na sua caixa de correio em 12 de 
 Novembro de 2003 e por cautela contesta na presente data, mas fá‑lo com a 
 desvantagem de não saber qual o dia em que efectivamente se iniciou o prazo para 
 contestar e deixando de apresentar de imediato documentos que suportem os factos 
 alegados.
 
    4. Pelo exposto, o arguido argui a nulidade da respectiva notificação, 
 requerendo a V. Ex.a a repetição do acto.
 
    
 Inconstitucionalidade:
 
 5. Por outro lado, o arguido não pode deixar de arguir a inconstitucionalidade 
 das normas do CPP, artigo 113.º, n.ºs 1, alínea c), 3 e 4, na medida em que, 
 preconizando a comunicação da data de julgamento e prazo para contestar por meio 
 de tal modo falível e impessoal, não acautelam devidamente o direito de defesa 
 dos arguidos, violando assim a norma do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da 
 República Portuguesa.
 
 6. No caso dos autos, as normas do CPP, artigo 113.º, n.ºs 1, alínea c), e 3, 
 conduziram a que o arguido elaborasse a sua contestação num momento de incerteza 
 e apreensão quanto à tempestividade da mesma, prejudicando a organização da 
 respectiva defesa.”
 
  
 
                Sobre estas questões recaiu o despacho judicial de 10 de Dezembro 
 de 2003 (fls. 257), do seguinte teor:
 
  
 
    “No respeitante à notificação efectuada com referência ao despacho de fls. 
 
 209 e seguinte e junto agora o sobrescrito de fls. 256, conclui‑se 
 efectivamente que não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 113.º, n.º 3, 
 do Código de Processo Penal, atendendo a que não foi preenchida a declaração de 
 depósito, impedindo, por esse efeito, que tivesse havido desconhecimento 
 
 [ter‑se‑á querido escrever «conhecimento»] do prazo para apresentar 
 contestação, no sentido de se ignorar o dia a partir do qual seria contado.
 
    Em consequência, verifica‑se, em conformidade com os artigos 118.º, n.ºs 1 e 
 
 2, e 123.º do Código de Processo Penal, uma irregularidade, na medida em que 
 afectou a garantia da defesa no âmbito aludido.
 
    Tal irregularidade deve, porém, considerar‑se sanada, mediante a 
 apresentação da contestação ora efectivada, tornando‑se desnecessária, por 
 inútil, a repetição da notificação, ao abrigo do artigo 123.º
 
    Quanto à alegada inconstitucionalidade, dir‑se‑á apenas que a mesma só se 
 verificaria se a pessoa a notificar não dispusesse de meios para reagir a 
 eventual irregularidade que se verifique, em conjugação com as obrigações que 
 impendem sobre a mesma de manter a sua morada actualizada e, mormente, quando 
 tenha a qualidade de arguido em processo criminal.”
 
                
 
                Efectuado o julgamento, com sessões de audiência em 20 de Janeiro 
 e 3 e 20 de Fevereiro de 2004, foi nesta última data proferido o acórdão do 
 Tribunal Colectivo da 6.ª Vara Criminal de Lisboa (fls. 415 a 427), que condenou 
 o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança, 
 previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º s 1 e 4, alínea b), do Código Penal, na 
 pena de 4 anos de prisão, tendo sido logo declarado perdoado um ano de prisão, 
 por força do artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio.
 
                Deste acórdão interpôs o arguido recurso para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa, onde, entre outras questões, suscitou a assim sintetizada 
 nas conclusões 25.ª, 54.ª e 55.ª da respectiva motivação:
 
  
 
 “25.ª – As normas do CPP, artigo 113.º, n.ºs 1, alínea c), e 3, conjugadas com 
 a decisão do Tribunal recorrido de fls. 263, de não ordenar a repetição da 
 notificação para contestar, conduziram a que o arguido elaborasse a sua 
 contestação durante um prazo de incerteza e apreensão quanto à tempestividade 
 da mesma, prejudicando a organização da respectiva defesa. A referida preterição 
 do direito de defesa do arguido implica não só a nulidade da decisão final 
 proferida nos autos, como a nulidade de todos os actos processados após a 
 designação de data para audiência de julgamento.
 
 (...)
 
 54.ª – O facto de o arguido ter sido irregularmente notificado nos termos das 
 normas inconstitucionais do CPP, artigo 113.°, n.ºs 1, alínea c), 3 e 4, sem que 
 o acto fosse devidamente repetido, implica a nulidade de tudo o processado nos 
 autos após a notificação de fls. 213.
 
 55.ª – Deve ser declarada a inconstitucionalidade das normas do CPP, artigo 
 
 113.°, n.ºs 1, alínea c), 3 e 4, na medida em que, preconizando a comunicação 
 da data de julgamento e prazo para contestar por meio de modo falível e 
 impessoal que o arguido pode chegar a não se aperceber da existência de 
 julgamento de um processo contra si instaurado, reduzem os respectivos direitos 
 fundamentais de defesa, violando a norma do artigo 32.°, n.º 1, da Constituição 
 da República Portuguesa.”
 
  
 
                O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 7 de Outubro de 
 
 2004, negou provimento ao recurso, tendo, a propósito da questão da 
 irregularidade da notificação, consignado o seguinte:
 
  
 
 “G – Quanto à invocada inconstitucionalidade do artigo 113.º, n.ºs 3 e 4, do CPP 
 por violação do artigo 32.º da CRP, a notificação por via postal simples é 
 permitida nos termos do disposto no artigos 313.°, n.ºs 2 e 3, do CPP, e vem 
 regulamentada no artigo 113.°, n.ºs 1 alínea c), 3 e 4, do mesmo diploma legal. 
 O regime das notificações por via postal simples responde a premências no que 
 respeita ao regular andamento processual – veja‑se a discussão na Assembleia da 
 República (Diário da Assembleia da República, de 13 de Outubro de 2000), 
 particularmente a exposição do Ministro da Justiça, bem como a exposição de 
 motivos da Proposta de Lei n.° 41/VIII, onde se acentua a consideração de que o 
 arguido tem, obviamente, o direito à defesa, mas não tem o direito de se furtar 
 
 à acusação nem o de impedir o julgamento. Note‑se que o arguido apresentou 
 atempadamente a sua contestação e compareceu em julgamento, pelo que o seu 
 direito de defesa não se mostra coarctado ou diminuído.”
 
                
 
                Indeferida, por acórdão de 25 de Novembro de 2004, arguição de 
 nulidade do anterior acórdão, e desatendido, por acórdão de 20 de Janeiro de 
 
 2005, pedido de aclaração do acórdão de 25 de Novembro de 2004, veio o arguido 
 interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 
 
 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, 
 por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra acórdão que 
 não especifica, “por ocorrer inconstitucionalidade das normas do Código de 
 Processo Civil [sic], artigo 113.º, n.ºs 1, alínea c), 3 e 4, as quais, no seu 
 entender, violam a norma do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República 
 Portuguesa, bem como por, no seu entender, ocorrer interpretação 
 inconstitucional das normas dos artigos 113.º, n.ºs 1, alínea c), 3 e 4, 165.º, 
 n.º 2, 169.º, 315.º, n.º 1, 327.º, 340.º, 374.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, 379.º, 
 n.º 1, alínea c), e 410.º, todos do CPP, artigos 205.º, n.º 1, e 68.º, n.º 1, 
 alínea a), do Código Penal, artigos 624.º e 639.º do CPC e artigo 32.º, n.º 1, 
 da Constituição da República Portuguesa”.
 
                No Tribunal Constitucional, o relator proferiu despacho, nos 
 termos do n.º 6 do artigo 75.º‑A da LTC, convidando o recorrente “a, de forma 
 objectiva e concisa, indicar: a) qual o acórdão proferido pelo Tribunal da 
 Relação de Lisboa de que pretende interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional; b) a peça processual (e especificamente em que parte da mesma) 
 em que suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 113.º, 
 n.ºs 1, alínea c), 3 e 4, do Código de Processo Civil (supõe‑se que terá 
 pretendido escrever Penal); c) qual a interpretação das normas dos artigos 
 
 113.º, n.ºs 1, alínea c), 3 e 4, 165.º, n.º 2, 169.º, 315.º, n.º 1, 327.º, 
 
 340.º, 374.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, 379.º, n.º 1, alínea c), e 410.º do Código 
 de Processo Penal, 205.º, n.º 1, e 68.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, 
 
 624.º e 639.º do Código de Processo Civil e 32.º, n.º 1, da Constituição da 
 República Portuguesa (sic) que reputa inconstitucional; d) quais as normas ou 
 princípios constitucionais violados por essa interpretação; e) qual a decisão 
 que fez aplicação dessa interpretação; e f) em que peça processual (e 
 especificamente em que parte da mesma) foi suscitada a questão da 
 inconstitucionalidade dessa interpretação”.
 
                Em resposta, o recorrente veio indicar que:
 
  
 
    “1.º – O recorrente pretende interpor recurso do acórdão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa de 7 de Outubro de 2004, que negou provimento ao recurso 
 interposto da decisão proferida na primeira instância.
 
    2.º – O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma do 
 artigo 113.º, n.°s 1, alínea c), 3 e 4, do CPP primeiro na contestação, artigos 
 
 5.° e 6.º, depois no recurso interposto da decisão proferida na primeira 
 instância, artigos 4.3 e 7.1, bem como nas conclusões do mesmo (55.ª).
 
    3.º – Por outro lado, o recorrente também entende que, no citado acórdão de 
 
 7 de Outubro de 2004 é inconstitucional a interpretação que o Tribunal da 
 Relação de Lisboa faz:
 
    a) da norma do CPP, artigo 113.°, n.ºs 1, alínea c), 3 e 4, bem como das 
 normas dos artigos 315.º, 374.º, n.° 2, 379.º, n.° 1, alínea c), e CRP, artigo 
 
 32.°, n.º 1, ao entender que quando, apesar de irregularmente notificado, o 
 arguido contesta e comparece na audiência de julgamento, o seu direito de defesa 
 não se mostra coarctado ou diminuído;
 
    b) das normas do CPP, artigos 68.°, n.º 1, alínea a), 165.°, n.° 2, 327.°, 
 
 340.°, 379.º, n.º 1, e 410.°, do Código Penal, artigos 205.º, n.º 1, e do CPC, 
 artigos 624.° e 639.°, quando entende que a oportunidade e necessidade de 
 diligências de prova é insusceptível de ser sindicada pelo tribunal de recurso.
 
    4.º – No entender do recorrente, estas interpretações violam os princípios 
 constitucionais da igualdade, legalidade e direito de defesa, consagrados na 
 Constituição da República Portuguesa, designadamente nos artigos 3.°, 13.º, n.º 
 
 1, e 32.º, n.º 1, foram aplicadas no citado acórdão do TRL de 7 de Outubro de 
 
 2004, e foi suscitada a respectiva inconstitucionalidade no requerimento de 
 arguição de nulidade desse mesmo acórdão.”
 
  
 
                No despacho em que determinou a elaboração de alegações, o 
 relator consignou que as partes se deviam pronunciar, querendo, “sobre a 
 eventualidade de o Tribunal Constitucional não conhecer das questões de 
 inconstitucionalidade referidas nas alíneas a) e b) do n.º 3.º do requerimento 
 que antecede, quer por não terem sido suscitadas, em termos processualmente 
 adequados, perante o tribunal que proferiu a decisão ora recorrida, quer por as 
 correspondentes dimensões normativas não terem sido aplicadas, como rationes 
 decidendi, por essa decisão”.
 
                O recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as 
 seguintes conclusões:
 
  
 
    “A) O recorrente foi notificado para, no prazo de vinte dias, contestar a 
 acusação proferida nos autos, indicar testemunhas e comparecer na audiência de 
 julgamento, mediante notificação por via postal simples com prova de depósito, 
 expedida em 16 de Outubro de 2003 (fls. 213) (nos termos do artigo 113.°, n.º 3, 
 do CPP).
 
    B) O funcionário dos CTT encarregue da distribuição de correspondência na 
 
 área do domicílio do recorrente omitiu a anotação, no sobrescrito, da data em 
 que procedeu ao depósito da sempre (sic) mencionada notificação no receptáculo 
 de correio.
 
    C) A referida notificação chegou ao conhecimento do destinatário apenas no 
 dia 12 de Novembro de 2003 – ou seja, vinte e seis dias depois da data da 
 expedição – e sem data ou referência que lhe permitisse avaliar o prazo de que 
 dispunha para contestar e requerer meios de prova.
 
    D) Apesar da irregularidade imediatamente verificada, o recorrente – 
 apercebendo‑se da data da expedição, 16 de Outubro de 2003, e com o fundado 
 receio de ter o seu prazo a terminar se não terminado já – não deixou de 
 apresentar a sua contestação e indicar testemunhas.
 
    E) Fê‑lo, naturalmente, de forma absolutamente precipitada, sem tempo para 
 elaborar uma contestação cuidada e em clima de incerteza quanto ao tempo de que 
 dispunha para organizar a sua defesa.
 
    F) Não obstante isso, o recorrente desde logo requereu, na sua contestação, 
 a repetição do acto, por irregularidade, suscitando, de igual forma, a 
 inconstitucionalidade do preceituado no artigo 113.°, n.ºs 1, alínea c), e 3.
 
    G) Em resposta às suscitadas irregularidade e inconstitucionalidade, os 
 doutos Tribunais recorridos entenderam inexistir a última, dando a primeira como 
 sanada pela intervenção do recorrente nos autos, intervenção essa ditada pela 
 junção aos autos da referida contestação, omitindo ou desvalorizando as 
 circunstâncias em que essa contestação fora elaborada, particularmente, a 
 manifesta ausência de condições para, em tempo, serem suscitadas e esclarecidas 
 todas as questões que, para a defesa, eram ou poderiam ser determinantes.
 
    H) As decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância e pelo tribunal 
 recorrido sancionaram a fragilização desproporcionada da posição do arguido no 
 processo, derivada da respectiva notificação por via postal simples, mediante 
 depósito no receptáculo do correio, num sobrescrito sem data, não se dignando 
 reconhecer e reparar os danos directamente causados ao recorrente/arguido por 
 este ter sido irregularmente notificado e não ter podido praticar com tempo, 
 normalidade, segurança e fiabilidade os actos adequados à organização da 
 respectiva defesa.
 
    I) A norma do CPC [sic] 113.° n.º 3, na interpretação que da mesma fez o 
 Tribunal recorrido, gera um manifesto clima de instabilidade, insegurança e até 
 desconfiança, junto dos cidadãos e é, por esse motivo, além de lesiva dos 
 direitos pessoais dos cidadãos, gravemente perturbadora da paz pública e do 
 respeito pela justiça.
 
    J) No caso concreto da notificação do arguido, para contestar e organizar os 
 meios de defesa em direito penal, subsiste uma evidente e injustificada 
 discriminação, que consiste na redução desproporcionada das respectivas 
 garantias de defesa.
 
    L) Na verdade, enquanto que no processo penal, como no cível, a notificação 
 de praticamente todos os actos judiciais é realizada por carta registada, para 
 os mandatários, para as testemunhas e para as partes, designadamente em momentos 
 ulteriores do processo – o que acontece em muitas situações de menor 
 responsabilidade – no caso da notificação para contestar e indicar meios de 
 prova, em processo penal, é consagrado um processo de notificação presumida.
 
    M) Sublinha‑se que as notificações em causa consubstanciam um acto que sempre 
 se revestiu de especial formalismo, mas que agora, de um momento para o outro, 
 colocam o destinatário abaixo da condição de testemunha, em sede de garantias 
 processuais, daí a desproporcionada restrição dos direitos de defesa.
 
    N) No sentido do restabelecimento das garantias de defesa dos réus o 
 legislador já reparou idêntica situação no CPC, ao revogar as normas dos 
 artigos 236.º‑A e 238.°‑A, pelo que também por esse motivo se afigura 
 incompreensível que não tenha procedido de igual forma relativamente ás normas 
 do artigo 113.°, n.ºs 1, alínea c), e 3, do CPP.
 
    O) Os direitos de defesa do arguido em processo penal não devem ser encarados 
 
 única e simplesmente com referência à defesa dos direitos individuais dos 
 cidadãos, mas também com referência à realização do interesse colectivo de 
 justiça social, com vista à implementação de valores individuais e colectivos 
 constitucionalmente estabelecidos.
 
    P) A desvalorização da intervenção do arguido no processo penal não conduz 
 apenas ao prejuízo directo do mesmo, enquanto interesse juridicamente 
 reconhecido, mas também é susceptível de pôr em causa a segurança e paz pública 
 inerentes a um Estado de direito.
 
    Q) Ao dificultar a intervenção do arguido no processo penal, tanto a nível 
 da determinação das condições em que este «é convidado a» ou «lhe é concedido o 
 direito de» apresentar a sua contestação, como a nível da organização e 
 desenvolvimento dos meios de prova ao longo do processo, o legislador aumenta o 
 risco de se virem a produzir decisões mal julgadas, que naturalmente afectam a 
 credibilidade e respeitabilidade dos tribunais.
 
    R) Na verdade, o artigo 113.°, n.ºs 1, alínea c), e 3, do Código de Processo 
 Penal, na medida em que, preconizando a comunicação da data de julgamento e 
 prazo para contestar por meio de modo falível e impessoal – de tal forma que o 
 arguido pode chegar a não se aperceber da existência e julgamento de um processo 
 contra si instaurado – reduzem, particularmente quando interpretados no sentido 
 em que o fez o Tribunal recorrido, os respectivos direitos fundamentais de 
 defesa.
 
    S) O Tribunal recorrido, interpretando o artigo 113.°, n.ºs 1, alínea c), e 
 
 3, no sentido de não se mostrar coarctado ou diminuído o direito de defesa do 
 arguido (e em consequência não lhe ter concedido novo prazo para a apresentação 
 dos seus meios de defesa) quando este – apesar de irregularmente notificado 
 nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 312.° e 315.° do referido 
 Código – contesta atempadamente e comparece em julgamento, faz uma interpretação 
 manifestamente inconstitucional e atentatória dos direitos que ao arguido, 
 enquanto tal, assistem e se encontram constitucionalmente consagrados.
 
    Termos em que,
 
    Deverá ser proferida decisão que julgue inaplicável, por violação dos 
 princípios consagrados nos mencionados artigos 18.°, n.º 3, 20.° – proibição da 
 indefesa e processo equitativo – e 32.°, n.º 1, da Constituição da Republica 
 Portuguesa, as normas do artigo 113.°, n.ºs 1, alínea c), e 3, do Código de 
 Processo Penal, interpretadas no sentido segundo o qual não se mostra coarctado 
 ou diminuído o direito de defesa do arguido, quando este, apesar de 
 irregularmente notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 
 
 312.° e 315.° do referido Código, contesta atempadamente e comparece em 
 julgamento, devendo, em consequência, ser anulado o julgamento proferido nos 
 autos e, em conformidade, concedido ao arguido recorrente novo prazo para 
 apresentação da sua contestação e organização da prova a ser por si produzida, 
 assim se fazendo Justiça.”
 
  
 
                O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional 
 contra‑alegou, suscitando a “questão prévia” da “inverificação dos pressupostos 
 do recurso interposto”, nos seguintes termos:
 
  
 
 “O presente recurso vem interposto pelo arguido A. do acórdão condenatório, 
 proferido pela Relação de Lisboa, a fls. 523 e seguintes, tendo o respectivo 
 objecto definido a fls. 622 – sendo certo que, nas conclusões da alegação ora 
 apresentada, se mostra restringido o seu objecto à norma constante do artigo 
 
 113.°, n.ºs 1, alínea a), e 3, do Código de Processo Penal.
 Note‑se que tal questão de constitucionalidade – suscitada pelo recorrente na 
 conclusão 55.ª da motivação do recurso para a Relação (fls. 479) – direccionada 
 contra a insuficiência garantística da forma de notificação prevista naquela 
 disposição legal – está obviamente precludida – como dá nota o acórdão 
 recorrido – pelo facto de o arguido, ao ter contestado e comparecido em 
 julgamento, mostrar que teve efectivo conhecimento do conteúdo daquela 
 notificação.
 Ou seja: carece, em absoluto, do sentido questionar a presumível insuficiência 
 garantística de certa forma menos solene de notificação quando resulta dos autos 
 que a parte exerceu tempestivamente todas as faculdades e cumpriu todos os ónus 
 que emergem da transmissão ou do conhecimento de certo acto ou facto processual, 
 o que naturalmente demonstra que, apesar do menor garantismo que lhe subjaz, 
 chegou ao círculo de conhecimento do destinatário.
 Será pois, inútil tomar posição, em abstracto, sobre a questão de suficiência 
 garantística de certa forma de notificação quando está plenamente demonstrado 
 nos autos que ela chegou ao conhecimento do destinatário, que exerceu 
 integralmente e em tempo todos os direitos, ónus e deveres processuais que 
 dependiam do conhecimento do teor da referida notificação.
 Termos em que, por evidente inutilidade, não deverá conhecer‑se do objecto do 
 recurso, tal como é definido nas conclusões da alegação do recorrente.”
 
  
 
                Também a assistente B. contra‑alegou, concluindo:
 
  
 
    “I. Vem o recorrente interpor recurso para esse douto Tribunal alegando 
 inconstitucionalidade das normas do artigo 113.°, n.ºs 1, alínea c), e 3, do CPP 
 por entender que as mesmas violam o dever de defesa do arguido quando este é 
 notificado nos termos e para os efeitos do artigo 313.° do CPP.
 
    II. O artigo 113.° do CPP, ao invés de todas as normas ínsitas no Código do 
 Processo Penal, relativas à acusação e defesa, que são normas essenciais e 
 garantísticas, é meramente instrumental, é uma regra processual secundária que 
 versa somente sobre a forma de dar conhecimento de certos actos processuais. A 
 notificação é, como o preceitua o artigo 228.°, n.º 2, do CPC, o acto pelo qual 
 se dá conhecimento de um facto ou se chama alguém a juízo, podendo a mesma ser 
 feita nos termos do n.º 1 do artigo 113.°. Quando feita por via postal simples, 
 o legislador foi bastante cuidadoso ao impor uma série de deveres, quer ao 
 funcionário judicial, quer ao funcionário dos serviços de correio, de forma a 
 salvaguardar qualquer eventual lapso que possa ocorrer.
 
    III. Competia ao recorrente diligenciar junto da secretaria judicial para 
 saber do prazo preciso de contestação. Também poderia contestar, mesmo que 
 precludido o prazo, desde que provasse que só naquela data e não noutra teve 
 conhecimento da notificação. A notificação por via postal simples nestes casos é 
 meramente acessória porquanto entre o conhecimento da acusação e aquela 
 notificação há um lapso de tempo relativamente grande que permite ao arguido a 
 preparação da sua defesa com a definição da melhor estratégia, não ficando o seu 
 direito de defesa afectado pelo facto de a notificação para os efeitos dos 
 artigos 313.° e 315.° ser feita por via postal simples.
 
    IV. Sendo o recorrente advogado, sabe perfeitamente que não é em sede de 
 contestação em processo penal que a sua defesa é apresentada. Sabe, igualmente 
 que, ao contrário do processo civil comum, a contestação é facultativa e quando 
 
 é apresentada não assume os formalismos exigidos em cível, o que por si denota a 
 quase total irrelevância desse documento em termos processuais penais. Sabe 
 igualmente o recorrente que não é com a notificação para os efeitos dos artigos 
 
 313.° e 315.° do CPP que tem conhecimento, pela primeira vez, da acusação que 
 sobre si pende. Sabe que a acusação é desde logo notificada ao arguido com o 
 encerramento do inquérito e com a faculdade de requerer‑se a abertura da fase 
 instrutória. Sabe, igualmente, que desde o momento da notificação da acusação, 
 e mesmo sem requerer a abertura de instrução, o recorrente tem toda a 
 possibilidade de iniciar a sua defesa, com diligências, com contactos para 
 testemunhas, com recolha de elementos e de documentação que considere essencial 
 e pertinente. Sabe também que a melhor defesa faz‑se em julgamento, com a 
 possibilidade de junção de documentos, de apresentação de testemunhas, de 
 contraditar oralmente os factos constantes da acusação, de instar as 
 testemunhas da acusação ... portanto de forma alguma a sua posição estava 
 fragilizada!
 
    V. E quanto ao facto de o correio ter sido depositado, ao invés de, como 
 habitualmente, ter sido entregue em mão, sempre se dirá que compete aos 
 titulares do receptáculo verificar com regularidade (diariamente) este mesmo 
 receptáculo. Não é dever do funcionário dos correios entregar o correio simples 
 em mão, só o fazendo por uma questão de comodidade, mas obviamente se alguma 
 carta não é entregue então compete‑lhe colocar no devido receptáculo. Não pode é 
 o recorrente desculpar a sua incúria através de uma pretensa 
 inconstitucionalidade de uma norma processual.
 
    VI. Não pode, portanto, aceitar‑se a pretensão do recorrente ao alegar 
 inconstitucionalidade do artigo 113.°, que, aliás, tal como todo o Código do 
 Processo Penal, foi fiscalizado preventivamente antes da sua aprovação.
 
    VII. O presente recurso é mais um expediente dilatório do recorrente que, 
 gozando do efeito suspensivo do mesmo, vai adiando a execução da pena de prisão 
 em que foi condenado.”
 
  
 
                Notificado da questão prévia suscitada nas contra‑alegações do 
 Ministério Público, o recorrente respondeu:
 
  
 
    “(i) O recorrente pede ao Tribunal Constitucional que profira decisão que 
 julgue inaplicáveis as normas do artigo 113.°, n.ºs 1, alínea c), e 3, do 
 Código de Processo Penal, interpretadas no sentido segundo o qual não se mostra 
 coarctado ou diminuído o direito de defesa do arguido, quando este, apesar de 
 irregularmente notificado, contesta atempadamente e comparece em julgamento.
 
    (ii) O recorrente não se conforma com o entendimento segundo o qual a 
 
 «suficiência garantística» que as decisões recorridas entendem demonstrada, pelo 
 facto de, mais cedo ou mais tarde, a notificação ter chegado ao seu 
 conhecimento e este, em melhores ou piores condições, ter organizado uma defesa 
 e comparecido na audiência de julgamento, assegura os direitos consagrados na 
 Constituição da Republica Portuguesa: artigos 18.°, n.º 3, 20.° e 32.°, n.º 1.
 
    (iii) No entender do recorrente, as normas do artigo 113.°, n.°s 1, alínea 
 c), e 3, do Código de Processo Penal, assim interpretadas, violam os princípios 
 da proibição da indefesa e do processo equitativo.
 
 (iv) Deste modo, a questão ora suscitada não é uma questão prévia, mas sim, ela 
 mesma, o fundo da questão de inconstitucionalidade suscitada no presente 
 recurso.
 Termos em que,
 Deverá ser desatendida a pretensão do Ministério Público e proferida decisão 
 sobre o objecto do recurso, tal como requerido nas alegações do recorrente.”
 
  
 
                Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                2. Fundamentação
 
                2.1. Como resulta do teor da alegação do recorrente e respectivas 
 conclusões, o objecto do presente recurso foi delimitado à questão da 
 inconstitucionalidade reportada ao artigo 113.º, n.ºs 1, alínea c), e 3, do CPP, 
 com abandono das questões ligadas às restantes normas indicadas no requerimento 
 de interposição de recurso e na resposta ao convite do relator para precisão 
 daquele requerimento.
 
                Por outro lado, encontrando‑nos perante recurso previsto na 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o seu objecto há-de coincidir com a 
 dimensão normativa efectivamente aplicada na decisão recorrida, no contexto do 
 caso concreto sobre que recaiu.
 
                Nesta perspectiva, importa sublinhar que, como se consignou no 
 precedente relatório, no presente caso: (i) o recorrente, que é advogado, foi 
 regularmente notificado da acusação contra ele deduzida; (ii) na sequência dessa 
 notificação, procedeu à consulta pessoal do processo no DIAP de Lisboa; (iii) 
 não tendo sido requerida instrução, foi, após distribuição do processo à 6.ª 
 Vara Criminal de Lisboa, proferido, em 14 de Outubro de 2003, despacho a 
 designar o dia 20 de Janeiro de 2004 para início da audiência de julgamento; 
 
 (iv) esse despacho foi notificado à defensora do arguido por via postal 
 registada e ao arguido por via postal simples para a morada constante do termo 
 de identidade e residência por ele prestado; (v) o distribuidor do serviço 
 postal, no talão do depósito da carta junto ao processo, declarou ter procedido 
 a esse depósito em 17 de Outubro de 2003, mas no verso do sobrescrito dessa 
 carta foi omitida a declaração da data da efectivação do depósito; (vi) o 
 arguido apresentou a sua contestação em 19 de Novembro de 2003, mencionando que 
 só encontrou a notificação na sua caixa de correio em 12 de Novembro de 2003, e 
 compareceu pessoalmente na data marcada para a realização da audiência de 
 julgamento.
 
                Na 1.ª instância, entendeu‑se que a omissão, no verso do 
 sobrescrito depositado no receptáculo postal do destinatário, de declaração do 
 distribuidor do serviço postal mencionando a data da efectivação do depósito 
 constituía uma irregularidade (artigos 118.º, n.ºs 1 e 2, e 123.º do CPP), na 
 medida em que, impedindo o conhecimento do início do prazo para apresentação de 
 contestação, era susceptível de afectar a garantia de defesa do arguido, 
 irregularidade que, porém, se considerava sanada mediante a efectiva 
 apresentação da contestação, e que só se verificaria inconstitucionalidade se o 
 notificando não dispusesse de meios para reagir contra essa irregularidade, o 
 que, no caso, não ocorria.
 
                No acórdão ora recorrido, entendeu‑se que não ocorria 
 inconstitucionalidade porque o arguido apresentou atempadamente a sua 
 contestação e compareceu a julgamento, pelo que o seu direito de defesa não se 
 mostrou coarctado ou diminuído.
 
                Neste contexto, o objecto do presente recurso consiste na questão 
 da inconstitucionalidade da norma do artigo 113.º, n.ºs 1, alínea c), e 3, do 
 CPP, interpretado no sentido de que a omissão, no verso do sobrescrito contendo 
 a carta de notificação do despacho de designação de dia para julgamento, 
 depositado no receptáculo postal do arguido, da declaração da data desse 
 depósito pelo distribuidor do serviço postal, constitui mera irregularidade, que 
 se considera sanada se o arguido vem a apresentar atempadamente a sua 
 contestação e a comparecer na audiência de julgamento.
 
  
 
                2.2. A possibilidade de notificação por via postal simples foi 
 introduzida, no processo civil, pelo Decreto‑Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, 
 e, no processo penal, pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro. Para 
 além do dever de o funcionário judicial lavrar uma cota no processo com a 
 indicação da data da expedição da carta e do domicílio (ou sede) para o qual foi 
 enviada (n.º 5 do artigo 236.º‑A do CPC, aditado pelo Decreto‑Lei n.º 183/2000, 
 e primeira parte do n.º 3 do artigo 113.º do CPP, na redacção do Decreto‑Lei n.º 
 
 320‑C/2000), as formulações literais do n.º 6 daquele artigo 236.º‑A (“O 
 distribuidor do serviço postal procede ao depósito da referida carta na caixa 
 de correio do citando e lavra uma declaração indicando a data e confirmando o 
 local exacto desse depósito, remetendo‑a de imediato ao tribunal”) e da segunda 
 parte do referido n.º 3 (“... e o distribuidor do serviço postal deposita a 
 carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data 
 e confirmando o local exacto do depósito, e envia‑a de imediato ao serviço ou 
 tribunal remetente ...”) pareciam apontar no sentido da exigência de uma única 
 declaração do distribuidor do serviço postal, a ser remetida ao tribunal. No 
 entanto, a Portaria n.º 1178‑A/2000, de 15 de Dezembro, publicada ao abrigo da 
 previsão do artigo 5.º do Decreto‑Lei n.º 183/2000, que aprovou os modelos a 
 utilizar, veio clarificar que o distribuidor de serviço postal devia lavrar duas 
 declarações de depósito, com menção da data da sua efectivação e assinadas de 
 forma legível: uma no verso do sobrescrito depositado; outra na denominada 
 
 “prova de depósito”, consistente de um talão a destacar do sobrescrito e a 
 enviar de imediato ao tribunal remetente.
 
                No presente caso, a irregularidade verificada consistiu na 
 omissão da aposição no verso do sobrescrito da declaração de depósito.
 
                Nos termos da parte final do citado n.º 3 do artigo 113.º do CPP, 
 a notificação considera‑se “efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na 
 declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal”, e, nos termos do 
 artigo 315.º, n.º 1, do mesmo Código, “o arguido, em 20 dias a contar da 
 notificação do despacho que designa dia para a audiência, apresenta, querendo, a 
 contestação, acompanhada do rol de testemunhas (...)” (redacção do Decreto‑Lei 
 n.º 317/95, de 28 de Novembro; na redacção originária o prazo para apresentação 
 da contestação era de 7 dias).
 
                No presente caso, o arguido apresentou a sua contestação em 19 de 
 Novembro de 2003, no 7.º dia posterior à data em que, na sua versão, terá 
 encontrado a notificação do despacho de designação do dia para julgamento na sua 
 caixa de correio (12 de Novembro de 2003). As instâncias admitiram essa 
 contestação como válida, mas consideraram que a apontada irregularidade não 
 justificava a repetição da notificação.
 
                A afectação dos direitos de defesa que, na tese do recorrente, 
 lhe advieram por força da apontada irregularidade e que inquinariam de 
 inconstitucionalidade a interpretação normativa acolhida pelas instâncias 
 decorreria de ter de elaborar a contestação “num momento de incerteza e 
 apreensão quanto à tempestividade da mesma”, “deixando de apresentar de imediato 
 documentos que suportem os factos alegados”, possibilitando mesmo que o arguido 
 
 “chegue a não se aperceber da existência de julgamento de um processo contra si 
 instaurado”.
 
                O reconhecido carácter instrumental do recurso de 
 constitucionalidade, do qual deriva que só se justifica o provimento do recurso, 
 com emissão de juízo de inconstitucionalidade, se ele se mostrar susceptível de 
 se repercutir no sentido da decisão recorrida, leva a afastar liminarmente 
 juízos baseados em situações hipotéticas que claramente não se verificam no 
 caso concreto em apreço. No presente caso, o arguido tomou efectivo conhecimento 
 da data do início do seu julgamento (segundo a sua versão, com mais de dois 
 meses de antecedência: terá recebido a notificação em 12 de Novembro de 2003 e 
 o julgamento estava marcado e iniciou‑se efectivamente em 20 de Janeiro de 
 
 2004), e a ele compareceu pessoalmente, pelo que é impertinente o último 
 fundamento da tese de inconstitucionalidade por ele defendida.
 
                Quanto ao mais, cumpre desde logo salientar que o arguido, agindo 
 com a devida diligência, poderia, sem grande onerosidade, informar‑se junto da 
 secretaria judicial da data do termo do prazo para a apresentação da 
 contestação.
 
                Por outro lado, o arguido apresentou efectivamente a sua 
 contestação (com rol de testemunhas) – apresentação que, aliás, é meramente 
 facultativa –, que as instâncias admitiram como tempestiva, e a circunstância 
 de a ter elaborado em 7 dias, em vez de em 20 dias, para além de ser uma opção 
 sua, não se mostra significativamente limitadora das suas garantias de defesa. 
 Ao arguido estava sempre assegurada a possibilidade de alterar e aditar o rol de 
 testemunhas, com o único limite de o adicionamento ou a alteração poder ser 
 comunicado aos outros intervenientes processuais até três dias antes da data 
 fixada para a audiência (n.º 1 do artigo 316.º do CPP). A apresentação da 
 contestação não precludiu o direito de apresentação de documentos e de requerer 
 a produção de prova documental até ao início da audiência de julgamento e mesmo 
 no decurso desta (cf. artigo 340.º do CPP) e o recorrente por diversas requereu 
 a junção de documentos (cf. fls. 270‑299, 309‑339 e 371‑376), o que sempre foi 
 deferido (cf. despachos de fls. 302, 342 e 402). Por último – e decisivamente –, 
 eventual deficiência na elaboração da contestação sempre seria desprovida de 
 qualquer efeito irremediavelmente limitador da possibilidade de defesa do 
 arguido. Nenhuma disposição legal limita às enunciadas na contestação (que, 
 repete‑se, é hoje peça processual facultativa) as questões que o arguido pode 
 submeter ao tribunal, quer como questões prévias e incidentais (artigo 338.º), 
 quer na sua exposição introdutória (artigo 339.º), quer ao longo de toda a 
 audiência, até às alegações finais (artigo 360.º, todos do CPP).
 
                Neste contexto – em que o recorrente tinha pleno conhecimento da 
 pendência do processo (tendo sido regularmente notificado da acusação, na 
 sequência do que consultou pessoalmente os autos), a sua defensora fora 
 notificada por carta registada do despacho ora em causa, e a carta dirigida ao 
 arguido foi efectivamente depositada no receptáculo postal da sua morada, 
 constante do termo de identidade e residência por ele prestado –, o critério 
 normativo seguido pelas instâncias, no sentido de que a irregularidade 
 consistente na falta de aposição, no verso do sobrescrito de notificação de 
 despacho de designação de data para julgamento, de declaração do distribuidor 
 postal com menção da data da efectivação do depósito, se considera “sanada” com 
 a efectiva apresentação de contestação e rol de testemunhas – que foram 
 considerados tempestivos – e com a comparência pessoal do arguido na audiência, 
 não se mostra intoleravelmente diminuidora das garantias de defesa 
 constitucionalmente asseguradas, dado que ao recorrente foi concedida a 
 possibilidade de exercer os seus direitos processuais sem grande onerosidade.
 
  
 
                3. Decisão
 
                Em face do exposto, acordam em:
 
                a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 113.º, n.ºs 1, 
 alínea c), e 3, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que a 
 omissão, no verso do sobrescrito contendo a carta de notificação do despacho de 
 designação de dia para julgamento, depositado no receptáculo postal do arguido, 
 da declaração da data desse depósito pelo distribuidor do serviço postal, 
 constitui mera irregularidade, que se considera sanada se o arguido pôde vir a 
 apresentar atempadamente a sua contestação e a comparecer na audiência de 
 julgamento; e, em consequência,
 
                b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, 
 na parte impugnada.
 
                Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 20 
 
 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 21 de Fevereiro de 2006.
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Silva Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos