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Processo n.º 213/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                1. Relatório
 
                A., SA, no âmbito do processo especial de recuperação de empresas 
 por ela requerido, a correr termos no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, 
 reclamou para o juiz, nos termos do artigo 49.°, n.º 1, do Código dos Processos 
 Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 132/93, de 23 de Abril (CPEREF), contra uma deliberação da assembleia de 
 credores, realizada em 30 de Setembro de 2003, que reconheceu à Fazenda Nacional 
 um crédito global de € 959 225,75.
 
                Esta reclamação foi indeferida por despacho de 31 de Outubro de 
 
 2003, contra o qual a reclamante interpôs recurso de agravo para o Tribunal da 
 Relação do Porto.
 
                Este recurso não foi admitido, por despacho de 27 de Novembro de 
 
 2003, por o n.º 3 do citado artigo 49.º expressamente consignar que “a decisão 
 que conheça das reclamações só produz efeitos relativamente à constituição 
 definitiva da assembleia de credores e dela não cabe recurso”.
 
                Contra este despacho foi deduzida reclamação, nos termos do 
 artigo 688.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), para o Presidente do 
 Tribunal da Relação do Porto, aduzindo a reclamante:
 
  
 
    “1.º – No decurso da assembleia de credores (artigos 47.º e 48.º do CPEREF) 
 realizada no passado dia 30 de Setembro [de 2003], no âmbito do processo 
 especial de recuperação de empresas requerido pela reclamante, foi reconhecido à 
 Fazenda Nacional, com o voto favorável do IGFSS, um crédito global de € 959 
 
 225,75.
 
    2.º – Por discordar daquela aprovação, a reclamante deduziu perante o M.mo 
 Juiz a quo a reclamação prevista no artigo 49.°, n.° 1, do CPEREF.
 
    3.º – Nessa peça processual, a reclamante invocou, em síntese, que o crédito 
 da Fazenda Nacional deveria apenas ser reconhecido pelos montantes retratados na 
 sua contabilidade (€ 91 137,23) porquanto, entre o mais, o remanescente 
 correspondia a créditos litigiosos, sujeito a impugnações judiciais 
 susceptíveis de conduzir à sua anulação, não revestindo, por isso, as 
 necessárias características de certeza, liquidez e exigibilidade.
 
    4.º – Para lá de que o facto de a Fazenda Nacional poder participar e votar 
 na assembleia de credores definitiva de acordo com o crédito que lhe tinha sido 
 reconhecido era susceptível de violar o princípio da igualdade entre credores, 
 retirando aos demais credores o direito de, de facto, influenciarem o sentido da 
 decisão a tomar no âmbito do processo de recuperação instaurado pela reclamante.
 
    5.º – Sucede que a referida reclamação veio a ser indeferida nos termos da 
 douta decisão de fls. ....
 
    6.º – Sendo que, naquela decisão, o Tribunal a quo não apreciou, como lhe 
 cumpria, a questão suscitada pela exponente sobre a litigiosidade e incerteza 
 dos créditos da Fazenda Nacional aprovados em sede de assembleia de credores e 
 melhor identificados na reclamação de fls. ....
 
    7.º – Inconformada com a decisão proferida, a reclamante interpôs recurso da 
 mesma a fls. ....
 
    8.º – Por despacho de fls. ..., o recurso não foi admitido, invocando‑se, 
 para tanto, o teor literal do artigo 49.°, n.° 3, do CPEREF.
 
    9.º – É desse despacho de recusa de admissão de recurso que vem interposta a 
 presente reclamação, por se entender, com o devido respeito, que nele não se 
 decidiu em conformidade com a lei ordinária e a lei constitucional.
 
    Vejamos:
 
    10.º – Em primeiro lugar, porque o artigo 49.° – designadamente os seus n.ºs 
 
 2 e 3 – do CPEREF prevê o conhecimento da reclamação e não os casos de omissão 
 de pronúncia (in casu, falta de apreciação da questão suscitada sobre a 
 litigiosidade de uma parte significativa dos créditos reclamados pela Fazenda 
 Nacional, maxime pela incerteza da sua existência, mercê das impugnações 
 graciosas e judiciais deduzidas pela ora recorrente).
 
    11.º – Depois, porque se interpretado o artigo 49.º, n.º 3, do CPEREF no 
 sentido de que no caso dos autos está vedado o direito ao recurso, estamos em 
 presença de uma limitação arbitrária e não materialmente fundada do direito de 
 recorrer, o que, juridicamente qualificado em sede constitucional, configura 
 uma violação do princípio do acesso à justiça consagrado no artigo 20.° da CRP.
 
    12.º – Finalmente, porque tendo sido suscitada na reclamação a violação do 
 princípio da justiça e da igualdade entre os credores, estão coenvolvidos os 
 direitos fundamentais da justiça e da igualdade consagrados nos artigos 1.°, 2.° 
 e 13.° da CRP, cuja violação importa sempre o direito ao recurso ordinário – cf. 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 
 p. 164.
 
    13.º – Argumentos que, de resto, foram expressamente invocados no 
 requerimento de interposição de recurso.”
 
  
 
                Esta reclamação foi indeferida por despacho de 20 de Fevereiro de 
 
 2005 do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, com a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
    “Sem dúvida que o despacho não admite, efectivamente, o recurso, conforme o 
 disposto no artigo 49.º, n.º 3, do CPEREF, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 315/98, 
 de 20 de Outubro. Contudo, na medida em que se trata de uma decisão proferida 
 por juiz e em sede de processo judicial, poder‑se‑ia duvidar da legalidade e 
 constitucionalidade duma tal norma, bem como pela circunstância de se alegar que 
 a decisão consiste na alteração dum crédito, anteriormente reclamado, mas 
 correspondendo‑lhe «créditos litigiosos, sujeitos a impugnações judiciais 
 susceptíveis de conduzir à sua anulação, não revestindo, por isso, as 
 necessárias características de certeza, liquidez e exigibilidade». Além de que 
 se argui, subsidiariamente, a nulidade do despacho, por omissão de pronúncia.
 
    Mas vamos a assentar ideias, por vezes, pormenores, que nos devem orientar 
 nas soluções em concreto. E assim urge assinalar que o normativo é bem expresso 
 nas restrições da irrecorribilidade, destacando qual o sentido da decisão: «... 
 só produz efeitos relativamente à constituição definitiva da assembleia de 
 credores». Daí que perda todo o sentido tudo quanto se invoca quanto à 
 recorribilidade das decisões em geral da ora questionada em particular. Na 
 verdade e em relação ao fundamento essencial da «Reclamação», a alteração ao 
 montante do crédito reclamado não se reflectirá em sede de verificação dos 
 créditos a satisfazer a final, relevando esta alteração apenas para «a 
 constituição definitiva da assembleia de credores».
 
    Enquanto a decisão é proferida em sede de processo de «recuperação de 
 empresas», durante o desenvolvimento de uma «assembleia de credores», em que a 
 intervenção do juiz como tal é de âmbito muito restrito, cuja natureza e fins 
 exige celeridade e simplicidade de procedimentos, o recurso só contrariaria 
 toda esta filosofia.
 
    Daí que não seja de subscrever que a circunstância de a Fazenda Nacional, 
 podendo participar e votar na assembleia de credores definitiva de acordo com o 
 crédito que lhe tinha sido reconhecido, torna susceptível violar‑se o princípio 
 da igualdade entre credores. Não é uma situação de privilégio, em relação aos 
 demais, porque qualquer outro credor pode gozar da idêntica situação, desde que 
 reuna os mesmos dados de facto.
 
    Quando se fundamenta o recurso em que «A decisão do Tribunal não apreciou, 
 como lhe cumpria, a questão suscitada sobre a litigiosidade e incerteza dos 
 créditos da Fazenda Nacional», pretende‑se obter um efeito não consentido por 
 lei, ou seja, que seja admitido o recurso quando a lei o quis afastar e em 
 situações iguais. Na verdade, ao decidir‑se a «reclamação», bem ou mal está a 
 analisar‑se a situação exposta por quem reclama dessa mesma deliberação da 
 Assembleia. Por outro lado, a requerente, com a «reclamação» à deliberação, 
 pretende que seja aqui discutida a litigiosidade do próprio crédito que ocorre 
 na sede própria.
 
    De igual modo, não há fundamento para invocar que «Estamos em presença de 
 uma limitação arbitrária e não materialmente fundada do direito de recorrer», 
 sendo certo que a CRP não confere o «acesso à justiça», consagrado no artigo 
 
 20.º, de forma absoluta e para todos os casos, recordando‑se as restrições do 
 alcance da deliberação em causa.”
 
  
 
                É contra este despacho que, pela reclamante, vem interposto o 
 presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 
 
 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por 
 
 último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), consignando no 
 respectivo requerimento de interposição de recurso que:
 
  
 
    “Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 75.º‑A da LTC, mais se indica 
 expressamente que o presente recurso tem por base a fiscalização concreta da 
 constitucionalidade do artigo 49.°, n.º 3, do CPEREF, tendo em conta a sua 
 aplicabilidade na decisão recorrida.
 
    O artigo 49.º, n.º 3, do CPEREF, ao proibir o recurso da decisão proferida 
 sobre a reclamação, consubstancia uma limitação arbitrária e não materialmente 
 fundada do direito de recorrer, o que, juridicamente qualificado em sede 
 constitucional, configura uma violação do princípio de acesso à justiça 
 consagrado no artigo 20.° da CRP.
 
    Por outro lado, o referido artigo 49.°, n.º 3, ao vedar o recurso da decisão 
 proferida sobre a reclamação, pressupõe o conhecimento das questões que são 
 objecto dessa mesma reclamação. Dito pela negativa, a não admissão de recurso 
 não abarca o vício de omissão de pronúncia de que padeça a decisão da 
 reclamação.
 
    De sorte que a interpretação do citado artigo 49.°, n.º 3, no sentido de que 
 a nulidade da decisão proferida sobre a reclamação decorrente de omissão de 
 pronúncia não é susceptível de recurso, viola também o referido princípio 
 constitucional do acesso à justiça.
 
    Finalmente, porque tendo sido suscitada na reclamação a violação do princípio 
 da justiça e da igualdade entre os credores, estão coenvolvidos os direitos 
 fundamentais da justiça e da igualdade consagrados nos artigos 1.°, 2.° e 13.° 
 da CRP, cuja violação importa sempre o direito ao recurso ordinário, o que, mais 
 uma vez, traduz uma violação do princípio do acesso à justiça consagrado no 
 artigo 20.º da CRP – cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, p. 164.
 
    De igual modo, o presente recurso tem por base a fiscalização concreta da 
 constitucionalidade dos artigos 44.°, 46.°, 47.°, 48.° e 49.° do CPEREF, quando 
 interpretados no sentido de poderem ser reconhecidos e aprovados créditos sobre 
 a empresa que tenham sido objecto de impugnação, quer graciosa, quer judicial – 
 créditos, portanto, litigiosos e incertos quanto à sua existência –, do que 
 decorrerá o direito de os seus putativos detentores, apesar de não ser ainda 
 certo que sejam credores da empresa, participarem na assembleia de credores 
 definitiva e de aí votarem de acordo com o peso específico dos votos 
 correspondentes ao crédito aprovado, o que, nessa interpretação, traduz um 
 tratamento privilegiado daqueles em detrimento dos credores titulares de 
 créditos certos e cuja existência não tenha sido judicialmente questionada, em 
 clara violação dos princípios fundamentais da justiça e da igualdade consagrados 
 no artigo 1.°, 2.° e 13.° da Constituição da República Portuguesa.
 
    As questões de inconstitucionalidade daquelas normas no sentido supra exposto 
 foram já suscitadas, entre o mais, na reclamação contra as deliberações da 
 assembleia de credores apresentada junto do tribunal de 1.ª instância, no 
 requerimento de recurso de fls. ... e na reclamação de fls. ... dirigida a V. 
 Ex.a.”
 
  
 
                No Tribunal Constitucional, a recorrente apresentou alegações, no 
 termo das quais formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
    “1.ª – O processo de recuperação de empresas previsto e regulado no CPEREF 
 foi configurado pelo legislador como um instrumento de recuperação das empresas 
 e, como tal, as soluções nele consagradas devem respeitar aquela sua matriz 
 essencial;
 
    2.ª – No âmbito do processo de recuperação, a assembleia de credores 
 constitui o órgão supremo ao qual está confiada a missão de, num primeiro 
 momento, aprovar ou rejeitar os créditos reclamados e, depois, decidir pela 
 viabilidade ou inviabilidade económica da empresa recuperanda, sendo que o voto 
 de cada credor na assembleia de credores está directamente indexado ao valor do 
 respectivo crédito – cf. artigos 48.° e 50.º do CPEREF;
 
    3.ª – Deste modo, a deliberação da assembleia de credores quanto à aprovação 
 ou rejeição dos créditos prevista no artigo 48.°, da qual resulta (i) a 
 composição do passivo da empresa a ter em conta na avaliação da sua viabilidade 
 e com base no qual são elaboradas as propostas de viabilização a submeter 
 
 àquela assembleia de credores, (ii) a definição de quem pode participar na 
 mesma, (iii) e, por reflexo, a determinação do peso específico do voto atribuído 
 a cada credor, reveste‑se de um carácter de essencialidade na lógica e economia 
 do processo de recuperação;
 
    4.ª – O direito de acesso aos tribunais ou a uma tutela jurisdicional, 
 condensado no artigo 20.°, n.º 1, da Lei Fundamental, implica a garantia de uma 
 protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicia1 efectiva – cf. Acórdão 
 do Tribunal Constitucional, de 20 de Novembro de 1991, Boletim do Ministério da 
 Justiça, proc. n.º 90‑0184;
 
    5.ª – Através do postulado constitucional do direito de acesso à justiça 
 importa, entre o mais, assegurar que seja colocado à disposição de todos 
 aqueles que possam ser afectados por um acto jurisdicional um meio processual 
 que lhes permita reagir contra o mesmo através do recurso da decisão para um 
 tribunal superior, dele se retirando um direito genérico ao recurso – vide 
 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 287/90;
 
    6.ª – Não obstante se poder admitir que o legislador ordinário está 
 investido no direito de conformar, em concreto, o direito ao recurso constante 
 do princípio do acesso ao direito plasmado no artigo 20.° da CRP, não é menos 
 verdade que está, de qualquer modo, impedido de o abolir completamente ou de o 
 afectar de uma forma substancial, sendo que as restrições estabelecidas têm, de 
 qualquer modo, de ser justificadas e não podem ser arbitrárias ou irrazoáveis;
 
    7.ª – O princípio do acesso ao direito estabelecido no artigo 20.° da CRP 
 constitui um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades 
 e garantias, pelo que é‑lhe aplicável o regime do artigo 18.º da CRP – vide 
 artigo 17.º da CRP;
 
    8.ª – Desse modo, as restrições a estabelecer ao direito ao recurso devem 
 respeitar o princípio da proporcionalidade, designadamente na vertente da 
 necessidade, adequação e proibição do excesso, como também devem ter em 
 consideração a proibição do arbítrio e os princípios da justiça, da certeza e da 
 segurança jurídica – cf. artigo 2.° da CRP;
 
    9.ª – Em face do exposto, o artigo 49.°, n.º 3, do CPEREF, ao não admitir 
 recurso da decisão proferida sobre a reclamação apresentada nos termos do artigo 
 
 49.°, n.º 1, do mesmo corpo de leis, que impede a parte de a fazer sindicar por 
 um tribunal superior, é inconstitucional por cercear de forma inadmissível o 
 princípio do acesso ao direito, na vertente do direito ao recurso, mostrando‑se 
 aquela limitação injustificada e excessiva, desproporcionada, inadequada, 
 desnecessária e irrazoável, tendo em conta, entre o mais, a magna importância da 
 questão no desenrolar do processo, a necessária certeza que deverá revestir a 
 determinação do passivo da empresa recuperanda e a seriação dos credores que 
 poderão participar na assembleia de credores, o que tudo deverá prevalecer 
 sobre os objectivos de celeridade e eficácia processual que terão presidido ao 
 afastamento do direito ao recurso daquela decisão;
 
    10.ª – Sendo certo que para alcançar os fins prosseguidos pelo legislador 
 estava ao seu alcance fazer uso de outras soluções menos gravosas para as 
 partes, tal como admitir o recurso, fixando‑lhe ex legis efeito meramente 
 devolutivo, subida imediata e em separado;
 
    11.ª – Tanto mais que, noutras decisões proferidas no âmbito do processo de 
 recuperação, o legislador, deixando de lado aquelas razões pragmáticas, admitiu 
 o recurso das mesmas, o que patenteia um tratamento discriminatório – cf. 
 artigos 25.°, n.º 5, e 56.°, n.ºs 2 e 3;
 
 12.ª – Na decisão proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância não foram apreciadas 
 as questões invocadas na reclamação apresentada quanto à litigiosidade e 
 incerteza dos créditos da Fazenda Nacional aprovados em sede de assembleia de 
 credores;
 
 13.ª – A recorrente suscitou naquela reclamação a violação do princípio da 
 justiça e da igualdade entre os credores, estando aí coenvolvidos os direitos 
 fundamentais da justiça e da igualdade consagrados nos artigos 1.º, 2.° e 13.° 
 da CRP; a sua violação importa sempre o direito ao recurso ordinário, o que, 
 mais uma vez, traduz uma violação do princípio do acesso à justiça consagrado no 
 artigo 20.° da CRP – cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, p. 164; vide também os artigos 1.º e 2.° da CRP e 
 os princípios constitucionais da segurança, certeza e confiança jurídica.
 
 14.ª – A interpretação do artigo 49.°, n.º 3, do CPEREF, no sentido de afastar o 
 recurso mesmo nos casos de omissão de pronúncia e quando seja suscitada a 
 violação dos direitos fundamentais, é violadora do princípio constitucional do 
 acesso à justiça.
 
 15.ª – Em conclusão: o artigo 49.°, n.º 3, do CPEREF, no segmento que nega o 
 direito ao recurso da decisão proferida sobre a reclamação apresentada da 
 deliberação da assembleia de credores, é inconstitucional, por violação dos 
 princípios e normas constitucionais supra citadas.”
 
  
 
                O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional 
 contra‑alegou, argumentando:
 
  
 
    “Na verdade, estipula o n.° 3 [do artigo 49.º do CPEREF] que a decisão 
 judicial que aprecie as reclamações, deduzidas pelos interessados da 
 deliberação da assembleia de credores que aprove ou não certo crédito, é 
 insusceptível de recurso, mas só produzindo tal decisão efeitos «relativamente 
 
 à constituição definitiva da assembleia de credores».
 
    A argumentação da recorrente é manifestamente improcedente, já que não tem na 
 devida conta o entendimento jurisprudencial deste Tribunal Constitucional 
 acerca do âmbito do «direito ao recurso» em matérias de direito privado – não 
 sendo possível inferir do artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa a 
 exigência constitucional de que toda e qualquer decisão do juiz, proferida ao 
 longo do processo, é susceptível de recurso.
 
    No caso dos autos – e como decorre expressamente da lei – a decisão – 
 irrecorrível – do juiz que dirime a reclamação apresentada contra certa 
 deliberação da assembleia de credores tem uma dimensão estritamente 
 procedimental, não conduzindo ao reconhecimento ou denegação de quaisquer 
 direitos dos credores, incidindo apenas sobre a matéria da «constituição 
 definitiva da assembleia de credores».
 
    E é precisamente esta circunstância que afasta decisivamente a invocada 
 violação dos princípios da igualdade e da proibição do excesso, já que tal 
 decisão não conduz ao reconhecimento ou perda de direitos, apenas relevando, de 
 um ponto de vista procedimental, para a definição do modo de constituição e 
 funcionamento da assembleia de credores. E tal irrecorribilidade encontra 
 justificação adequada nas exigências de funcionamento célere e estável da 
 assembleia de credores, obviamente incompatíveis, quer com a dilação que 
 resultaria de uma subida imediata dos recursos interpostos das respectivas 
 deliberações, quer com os efeitos nocivos de uma subida a final, podendo pôr em 
 causa toda a actividade e deliberações entretanto tomadas pela assembleia.
 
    Não pode, pois, comparar‑se – na óptica do princípio da igualdade – a 
 específica situação dos autos e outras hipóteses em que a lei admite o recurso 
 de diferentes decisões judiciais, tomadas no processo, com directa incidência no 
 prosseguimento da própria acção ou na homologação e subsistência do deliberado 
 sobre o meio de recuperação aprovado.
 
    É, por outro lado, inteiramente descabida a invocação de pretensa violação 
 ao princípio da igualdade de credores, já que a limitação à recorribilidade, 
 consagrada na norma ora apreciada, se aplica naturalmente a todos os 
 interessados.”
 
  
 
                No termo dessa contra‑alegação formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
    “1 – A norma constante do artigo 49.°, n.° 3, do CPEREF, ao considerar 
 irrecorrível a decisão judicial que aprecie as reclamações deduzidas quanto a 
 deliberações da assembleia de credores – limitando, porém, a respectiva 
 eficácia à matéria procedimental da constituição definitiva da assembleia – não 
 ofende o direito de acesso à justiça, nem o princípio da igualdade ou outra 
 disposição da Lei Fundamental.
 
    2 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
 
  
 
                Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                2. Fundamentação
 
                2.1. Constitui objecto do presente recurso a questão da 
 constitucionalidade da norma do artigo 49.°, n.º 3, do Código dos Processos 
 Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 132/93, de 23 de Abril (CPEREF), que dispõe que não cabe recurso da decisão 
 judicial que conheça das reclamações das deliberações da assembleia provisória 
 de credores sobre aprovação de créditos, decisão essa que só produz efeitos 
 relativamente à constituição definitiva da assembleia de credores.
 
                Na verdade, foi essa a norma aplicada, como ratio decidendi, na 
 decisão ora recorrida – o despacho de 20 de Fevereiro de 2005 do Presidente do 
 Tribunal da Relação do Porto, que indeferiu reclamação contra não admissão de 
 recurso –, e a ela se cinge a alegação da recorrente, pelo que se consideram 
 irrelevantes as considerações tecidas no requerimento de interposição de recurso 
 de constitucionalidade a propósito da inconstitucionalidade “dos artigos 44.º, 
 
 46.º, 47.º, 48.º e 49.º do CPEREF, quando interpretados no sentido de poderem 
 ser reconhecidos e aprovados créditos sobre a empresa que tenham sido objecto 
 de impugnação, quer graciosa, quer judicial – créditos, portanto, litigiosos e 
 incertos quanto à sua existência –, do que decorrerá o direito de os seus 
 putativos detentores, apesar de não ser ainda certo que sejam credores da 
 empresa, participarem na assembleia de credores definitiva e de aí votarem de 
 acordo com o peso específico dos votos correspondentes ao crédito aprovado, o 
 que, nessa interpretação, traduz um tratamento privilegiado daqueles em 
 detrimento dos credores titulares de créditos certos e cuja existência não tenha 
 sido judicialmente questionada, em clara violação dos princípios fundamentais 
 da justiça e da igualdade consagrados no artigo 1.°, 2.° e 13.° da Constituição 
 da República Portuguesa”. Esta última questão prende‑se com o próprio mérito da 
 decisão de indeferimento da reclamação de aprovação do crédito da Fazenda 
 Nacional, e não com a admissibilidade de recurso dessa decisão, única ora em 
 causa.
 
  
 
                2.2. Na fase comum da tramitação dos processos de recuperação da 
 empresa e de falência, delineada no CPEREF de 1993, ocorrendo despacho judicial 
 de prosseguimento da acção, era convocada a assembleia de credores, na qual, sob 
 a presidência do juiz, participavam, além de outros intervenientes, os credores 
 cujos créditos, impugnados ou não, figurassem na relação provisória de créditos 
 elaborada pelo gestor judicial (artigo 47.º, n.º 1, do CPEREF). A assembleia 
 iniciava os seus trabalhos, como assembleia provisória de credores, com a 
 apreciação dos créditos constantes da referida relação provisória, para o efeito 
 da sua aprovação ou rejeição, de acordo com as seguintes regras: eram admitidos 
 a votar todos os credores cujos créditos, impugnados ou não, figurassem nessa 
 relação, a nenhum deles sendo, porém, permitido votar o seu próprio crédito, a 
 não ser que este tivesse sido reconhecido pelo gestor judicial; o número de 
 votos de cada credor correspondia ao valor em contos do crédito provisoriamente 
 relacionado; e a aprovação dos créditos, para a qual valia a maioria simples de 
 votos dos presentes, só produzia efeitos relativamente à constituição definitiva 
 da assembleia de credores (n.ºs 1, 2, 3 e 8 do artigo 48.º do CPEREF).
 
                É neste contexto que surge a disposição do artigo 49.º do CPEREF, 
 do seguinte teor:
 
  
 
    “1 – Da deliberação da assembleia que aprove ou não o crédito pode qualquer 
 interessado reclamar para o juiz, podendo fazê‑lo oralmente, logo na própria 
 assembleia, ou por escrito, no prazo de sete dias [prazo reduzido a cinco dias, 
 na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 315/98, de 20 de Outubro].
 
    2 – O juiz, realizadas as diligência necessárias, designadamente a audição 
 de credores, de representantes da empresa, do gestor judicial e dos membros da 
 comissão de credores, decidirá as reclamações até ao dia designado para a 
 reunião da assembleia definitiva de credores.
 
    3 – A decisão que conheça das reclamações só produz efeitos relativamente à 
 constituição definitiva da assembleia de credores e dela não cabe recurso.”
 
  
 
                Esta última determinação, no sentido da irrecorribilidade do 
 despacho judicial que decida da reclamação contra a deliberação da assembleia 
 
 (provisória) de credores de aprovação ou de rejeição de determinado crédito, 
 embora esse despacho tivesse a sua eficácia limitada à constituição definitiva 
 da assembleia de credores, constitui uma inovação face ao precedente regime, 
 constante do Decreto‑Lei n.º 177/86, de 2 de Julho, que estabeleceu o processo 
 de recuperação de empresas em situação de falência. Com efeito, dispunha o 
 artigo 15.º desse diploma:
 
  
 
    “1 – Da deliberação da assembleia [provisória de credores] que aprove ou não 
 o crédito pode qualquer interessado reclamar para o juiz no prazo de sete dias; 
 as reclamações apresentadas contra as deliberações da assembleia são apensadas 
 num único processo.
 
    2 – O juiz conhecerá das reclamações apresentadas e do seu despacho cabe 
 recurso nos termos gerais, sempre com efeito meramente devolutivo.
 
    3 – Se vier a ser reconhecido, por decisão judicial transitada em julgado, 
 algum dos créditos que a assembleia haja rejeitado, pode o respectivo titular 
 requerer ao juiz a convocação de nova assembleia de credores em cuja 
 constituição seja atendida a decisão judicial, desde que os créditos aprovados 
 de novo pudessem ter influído na formação da maioria constituída, ou solicitar 
 somente a extensão dos efeitos do meio de protecção adoptado a todos os 
 credores reconhecidos.
 
    4 – No caso de ser atendida reclamação contra a aprovação de algum dos 
 créditos, pode o credor reclamante requerer ao juiz a convocação de nova 
 assembleia, se o crédito eliminado tiver influído na deliberação tomada pela 
 assembleia dos credores, ou limitar‑se a pedir a observância da decisão 
 judicial transitada, relativamente aos efeitos de meio de protecção adoptado.”
 
  
 
                Não se ignora que a apontada inovação não foi isenta de críticas 
 
 (uma das conclusões do Seminário organizado pelo Conselho Distrital do Porto da 
 Ordem dos Advogados, em Novembro de 1992, sobre “Os Processos Especiais de 
 Recuperação de Empresa e de Falência – Nova Legislação”, foi no sentido de que 
 
 “A decisão do juiz sobre a reclamação contra a deliberação da assembleia de 
 credores que aprove ou não um crédito, prevista no n.º 3 do artigo 49.º do 
 projecto, deverá ser recorrível nos termos gerais de direito” – cf. Os Processos 
 Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência – Nova Legislação, Coimbra, 
 
 1993, p. 111) e que não foi mantida no novo Código da Insolvência e da 
 Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, 
 cujo artigo 78.º, n.º 1, prevê a possibilidade de reclamação para o juiz, pelo 
 administrador da insolvência ou por qualquer credor, contra as deliberações da 
 assembleia de credores que forem contrárias ao interesse comum dos credores, 
 reclamação a deduzir, oralmente ou por escrito, no decurso da própria 
 assembleia, dispondo o subsequente n.º 2 que cabe recurso quer da decisão do 
 juiz que dê provimento à reclamação (recurso que pode ser interposto por 
 qualquer dos credores que tenha votado no sentido que fez vencimento), quer da 
 decisão de indeferimento (para o qual apenas o reclamante tem legitimidade) – 
 cf. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação 
 de Empresas Anotado, 2.ª edição, Coimbra, 2005, p. 99.
 
                Porém, não está em causa no presente recurso, por tal não 
 competir ao Tribunal Constitucional enquanto fiscalizador da constitucionalidade 
 normativa, a determinação de qual das apontadas soluções legislativas seria a 
 mais acertada, mas tão‑só apreciar se a solução do n.º 3 do artigo 49.º do 
 CPEREF de 1993 é, ou não, constitucionalmente conforme.
 
  
 
                2.3. Sustenta a recorrente que a norma impugnada viola o direito 
 de acesso ao tribunais, na dimensão de direito ao recurso, e os princípios da 
 justiça e da igualdade.
 
                Quanto à primeira arguição, o Tribunal Constitucional tem 
 afirmado uniforme e repetidamente que não resulta da Constituição, em geral, 
 nenhuma garantia do duplo grau de jurisdição, ou seja, nenhuma garantia genérica 
 de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte 
 integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à 
 justiça, expressamente consagrado no artigo 20.º da CRP.
 
                Como se referiu, designadamente, nos Acórdãos n.ºs 638/98, 202/99 
 e 415/2001 (cf., por último, para uma completa e actualizada exposição da 
 doutrina e jurisprudência constitucionais sobre o direito de acesso aos 
 tribunais e, em especial, o direito de recurso, Jorge Miranda e Rui Medeiros, 
 Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, notas VII e XII ao artigo 20.º, pp. 
 
 186‑189 e 200‑203), o direito, que o artigo 20.º, n.º 1, da CRP, a todos 
 assegura de “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e 
 interesses legalmente protegidos” consiste no direito a ver solucionados os 
 conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de 
 imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em 
 condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos 
 pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos 
 possa prejudicar tal possibilidade). Mas a Constituição não contém preceito 
 expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em 
 processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a 
 revisão constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, passou a 
 incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias 
 de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a 
 esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de 
 jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao 
 recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele 
 artigo 32.º
 
                Para além disso, algumas opiniões têm considerado como 
 constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o 
 direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias 
 constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (cf. declarações de 
 voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respectivamente, nos 
 Acórdãos n.ºs 65/88 e 202/90).
 
                Em relação aos restantes casos, o legislador apenas não poderá 
 suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer. Na verdade, este 
 Tribunal tem entendido, e continua a entender, com Armindo Ribeiro Mendes 
 
 (Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, Lisboa, 1994, pp. 100‑104), que, 
 prevendo a Constituição a existência de tribunais de recurso na ordem dos 
 tribunais judiciais, admite implicitamente um sistema de recursos judiciais, 
 pelo que se impõe, como conclusão, que “o legislador ordinário não pode suprimir 
 em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos”, mas goza, neste 
 domínio, de ampla liberdade de conformação, desde que não vá até ao ponto de 
 limitar de tal modo o direito de recorrer que, na prática, se tivesse de 
 concluir que os recursos tinham sido suprimidos. “Respeitados estes limites – 
 conclui o autor citado (obra citada, p. 102) –, o legislador ordinário poderá 
 ampliar ou restringir os recursos civis, quer através da alteração dos 
 pressupostos de admissibilidade, quer através da mera actualização do valor das 
 alçadas”.
 
                No presente caso, não estando em causa matéria penal, nem 
 tão‑pouco matéria relativa a direitos, liberdades e garantias (com o alcance que 
 a este conceito é dado por quem sufraga a tese acima referida, não bastando para 
 o integrar – contra o que sustenta a recorrente – que se invoque a violação dos 
 princípios da justiça e da igualdade), impõe‑se a conclusão que a Constituição 
 não impõe o duplo grau de jurisdição.
 
                Acresce que para fundamentar a restrição do direito de recurso se 
 pode invocar o interesse – também ele constitucionalmente relevante – da 
 celeridade processual, particularmente premente em processo de natureza urgente 
 como expressamente são qualificados, pelo artigo 10.º, n.º 1, do CPEREF, os 
 processos de recuperação de empresa e de falência. Foi justamente a ponderação 
 deste interesse que, por exemplo, levou o Tribunal Constitucional a, no Acórdão 
 n.º 437/2002, não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 130.º, n.ºs 3 e 
 
 4, e 10.º, n.º 1, do CPEREF, enquanto, por força da aludida preocupação de 
 celeridade, vedam a produção de prova por deprecada.
 
                O CPEREF impõe que, no despacho que ordene o prosseguimento da 
 acção de recuperação de empresa, o juiz convoque imediatamente a assembleia de 
 credores para o termo do período de estudo e observação da empresa (nunca 
 superior a 90 dias), devendo os credores que pretendam intervir na assembleia 
 reclamar os seus créditos no prazo de 14 dias a contar da data da publicação no 
 Diário da República do anúncio convocatório da assembleia, a que se segue 
 idêntico prazo de 14 dias para impugnação dos créditos reclamados (artigos 28.º, 
 alínea d), 44.º, n.º 1, 45.º, n.º 1). Como já se referiu, as reclamações das 
 deliberações da assembleia provisória de credores sobre aprovação, ou não, de 
 créditos têm de ser apresentadas na própria assembleia ou no prazo máximo de 5 
 dias e o juiz tem de decidi-las até ao dia designado para a assembleia 
 definitiva de credores, que deve realizar-se entre o 15.º e o 21.º dia 
 subsequentes ao termo dos trabalhos da assembleia provisória, se não puder 
 prosseguir imediatamente (artigos 49.º, n.ºs 1 e 2, e 50.º, n.º 1).
 
                Atentas as compreensíveis razões de celeridade que a situação de 
 crise da empresa justifica, não surge como intoleravelmente arbitrária a opção 
 de não admitir recurso da decisão judicial que decida as reclamações contra as 
 deliberações da assembleia provisória de credores sobre aprovação de créditos, 
 tendo o legislador tido o cuidado de restringir a eficácia dessa decisão à 
 constituição da assembleia definitiva de credores, o que significa que os 
 credores que discordem da aprovação ou da não aprovação de determinados 
 créditos poderão utilizar os meios comuns para obter decisão judicial definitiva 
 sobre essa impugnação, proferida após mais extensa produção de prova e 
 prolongada ponderação que a apontada decisão “provisória” consentiu.
 
                Esta consideração permite centrar a questão no ponto que é, de 
 facto, crucial para a defesa dos interesses dos credores impugnantes da 
 aprovação ou da rejeição de determinados créditos: a da eficácia que se atribua 
 
 à decisão final dessa impugnação. Como se viu, o artigo 15.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 177/86, que admitia recurso da decisão judicial sobre as reclamações, mas lhe 
 atribuía efeito meramente devolutivo, resolvia a questão desta forma: (i) se 
 viesse a ser reconhecido, por decisão judicial transitada em julgado, algum dos 
 créditos que a assembleia havia rejeitado, podia o respectivo titular requerer 
 ao juiz a convocação de nova assembleia de credores em cuja constituição seria 
 atendida a decisão judicial, desde que os créditos aprovados de novo pudessem 
 ter influído na formação da maioria constituída, ou solicitar somente a 
 extensão dos efeitos do meio de protecção adoptado a todos os credores 
 reconhecidos; (ii) no caso de ser atendida reclamação contra a aprovação de 
 algum dos créditos, podia o credor reclamante requerer ao juiz a convocação de 
 nova assembleia, se o crédito eliminado tivesse influído na deliberação tomada 
 pela assembleia dos credores, ou limitar‑se a pedir a observância da decisão 
 judicial transitada, relativamente aos efeitos de meio de protecção adoptado.
 
                No CPEREF só está expressamente acautelada a primeira situação 
 
 (cf. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código dos Processos Especiais 
 de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado, Lisboa, 1994, p. 147): dispõe, 
 com efeito, o seu artigo 72.º, n.º 1, alínea a), que a concordata pode ser 
 anulada pelo tribunal a requerimento do credor que, por sentença posterior 
 transitada em julgado, prove a existência de crédito anterior à aprovação da 
 concordata e não considerado na assembleia de credores, quando esse crédito 
 pudesse influir na maioria exigida no n.º 1 do artigo 54.º (que exige que as 
 deliberações que tenham por objecto a aprovação de qualquer das providências de 
 recuperação da empresa sejam aprovadas por credores que representem, pelo 
 menos, 75% do valor de todos os créditos aprovados nos termos do artigo 48.º e 
 não tenham a oposição de credores que representem três quartos, ou mais, dos 
 credores directamente atingidos pela providência) e o requerimento seja 
 apresentado nos 30 dias subsequentes ao trânsito da sentença. Idênticas 
 possibilidades de anulação estão previstas para as restantes providências de 
 recuperação da empresa: acordo de credores, reestruturação financeira e gestão 
 controlada (cf. artigos 83.º, 96.º e 117.º). Não cabe, obviamente, no âmbito do 
 presente recurso qualquer tomada de posição quanto às repercussões que, no 
 silêncio da lei, se deverão reconhecer à eventual prolação de sentença que venha 
 a considerar inexistente um crédito que foi considerado na assembleia definitiva 
 de credores e que, pelo seu valor, tenha sido determinante para a aprovação ou 
 rejeição de qualquer deliberação sobre a recuperação da empresa. Mas, face ao 
 exposto, é agora claro que será relativamente à interpretação normativa que, a 
 esse propósito, venha a ser adoptada pelo tribunal – e não face à norma em 
 causa no presente recurso – que, com maior propriedade, se poderá colocar a 
 questão da eventual desprotecção dos credores que se opuseram à aprovação do 
 crédito em causa.
 
                Fechado este parêntesis, resta reafirmar o entendimento de que 
 não viola o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, 
 da CRP, a não admissibilidade de recurso da decisão judicial que, com efeitos 
 limitados à constituição da assembleia definitiva de credores, indefira 
 reclamação da deliberação da assembleia provisória sobre aprovação de créditos, 
 tal como não viola os princípios de justiça e da igualdade, pela razão elementar 
 de que confere idêntico tratamento a todos os credores que se encontrem na mesma 
 situação.
 
  
 
                3. Decisão
 
                Em face do exposto, acordam em:
 
                a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 49.°, n.º 3, do 
 Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, aprovado 
 pelo Decreto‑Lei n.º 132/93, de 23 de Abril (CPEREF), enquanto dispõe que não 
 cabe recurso da decisão judicial que conheça das reclamações das deliberações 
 da assembleia provisória de credores sobre aprovação de créditos; e, 
 consequentemente,
 
                b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, 
 na parte impugnada.
 
                Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 20 
 
 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 7 de Fevereiro de 2006.
 Mário José de Araújo Torres 
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Silva Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos