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Processo n.º 2/06
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira  Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção
 do Tribunal Constitucional:
 
  
 
    1. A fls. 449, foi proferida a seguinte decisão sumária :
 
  
 
    «1. Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa de Lisboa de 
 
 18 de Novembro de 2004, de fls. 228 e seguintes, o Presidente do Conselho de 
 Administração do Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da 
 Agricultura e Pescas (IFADAP) e do Instituto Nacional de Intervenção e Garantia 
 Agrícola (INGA) foi intimado a passar à requerente A., SA, a certidão por esta 
 solicitada.
 
    Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, o 
 qual, por acórdão de 31 de Março de 2005, de fls. 286 e seguintes, negou 
 provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
 
    Afirmou-se, no mencionado acórdão, o seguinte:
 
    “De acordo com o preceituado no artigo  62º nº 3 do CPA, os interessados têm 
 direito a obter certidões dos documentos que constem dos processos a que tenham 
 acesso.
 E o artigo 82º n.º 1 da LPTA impunha às autoridades públicas a passagem de 
 certidões, a requerimento do interessado ou do Ministério Público, no prazo de 
 
 10 dias e a fim de permitir o uso de meios administrativos ou contenciosos, 
 salvo em matérias secretas ou confidenciais.
 
 (…) Não tendo sido alegado, nem provado nos autos, que os documentos cuja 
 certificação fora requerida pela A., SA, revestissem natureza secreta ou 
 confidencial, cabia apenas ao requerido mandar passar a certidão pedida no prazo 
 cominado por lei.
 
    Nada interessava, portanto (ao contrário do que o requerido alega), que igual 
 pedido já tivesse sido formulado e sujeito a juízo, ou que a requerente já 
 tivesse conhecimento dos questionados documentos, pois esses factos não dão 
 origem à litispendência ou caso julgado aduzidos, visto os requerimentos serem 
 diversos, havendo que dar satisfação a cada um deles, se para tanto tiverem as 
 necessárias condições.
 
    Nem tão pouco importa invocar que a requerente não é interessada na 
 certificação pedida pois, como decidiu o STA em 20/4/95 Rec. N.º 37.031), cuja 
 doutrina é geralmente aceite, a entidade requerida não pode recusar a passagem 
 de certidão com fundamento numa por si suposta falta de interesse ou 
 desnecessidade do requerente em obtê-la, já que cabe exclusivamente ao 
 interessado ajuizar desse interesse ou necessidade.
 
    E, mais adiante, mas sempre com o maior interesse:
 
    Os motivos de recusa de emissão de certidão encontram-se taxativamente 
 circunscritos, nos n.ºs 1 e 3 do art. 82º da LPTA, às matérias secretas e 
 confidenciais aí definidas.
 
    (…)
 
    E, diversamente do que alega o requerido, não cabia ao juiz da causa proceder 
 oficiosamente a diligências complementares, que entedia serem no caso 
 absolutamente desnecessárias.”
 
  
 
    Ainda inconformado, o Presidente do Conselho de Administração do IFADAP e do 
 INGA veio, sem êxito e sucessivamente, requerer a aclaração e arguir a nulidade 
 do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (cfr. acórdãos de 2 de Junho 
 de 2005, de fls. 307, e de 27 de Julho de 2005, de fls. 328) e, seguidamente, 
 recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo. O recurso não foi admitido 
 
 (despacho de fls. 354 v.). Reclamou da não admissão para o Presidente do Supremo 
 Tribunal Administrativo, mas a reclamação foi indeferida (despacho de 22 de 
 Novembro de 2005, de fls. 421)
 
  
 
    2. Finalmente, recorreu para o Tribunal Constitucional dos acórdãos do 
 Tribunal Central Administrativo Sul de  31 de Março de 2005, de fls. 286 e 
 seguintes, de 27 de Julho de 2005, de fls. 328 e seguintes, invocando o 
 seguinte:
 
 “O recurso é interposto ao abrigo do art. 280º, n.º 1, b), da Constituição (CRP) 
 e do art. 70º, n.º 1, b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), e visa a 
 apreciação da inconstitucionalidade das normas constantes: a) dos arts 158º, n.º 
 
 1, e 658º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC); b) dos art.s 62º, n.º 
 
 3, do Código de Procedimento Administrativo, e 82º, n.ºs 2 e 3, da Lei de 
 Processo nos Tribunais Administrativos, na interpretação que é dada às referidas 
 normas nos arestos recorridos.
 Entende o recorrente que as referidas interpretações violam: a) o princípio da 
 necessidade de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no art. 205º, 
 n.º 1, da CRP b) o princípio da garantia do caso julgado material, sub-princípio 
 do princípio mais amplo do Estado de Direito consagrado no art. 2º da CRP, 
 aflorando-se também o referido sub-princípio nos art.s 29º, n.º 5, e 283º, n.º 
 
 3, da CRP.
 A inconstitucionalidade da interpretação vertida nos arestos em apreço foi 
 suscitada nas seguintes peças processuais do ora Recorrente:
 
 - Pedido de aclaração do Acórdão de fls. 286 e ss.;
 
 - Requerimento de arguição de nulidades do mesmo Acórdão, apresentado a fls. 315 
 e seguintes;
 
 - Alegações de recurso do Acórdão de fls. 328, apresentado a fls. 336, o qual 
 não foi admitido.”
 
    
 O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do 
 artigo 76º da Lei nº 28/82). 
 
  
 
    3. O recorrente não define as normas que pretende que o Tribunal 
 Constitucional aprecie, como lhe competira fazer. 
 Não basta, para se considerar definido o objecto do  recurso de fiscalização 
 concreta da constitucionalidade normativa, afirmar que uma norma é 
 inconstitucional na interpretação que lhe foi dada pelo tribunal  recorrido, 
 assim transferindo para o Tribunal Constitucional o ónus de identificação 
 daquele objecto. 
 Não se procede, todavia, ao convite previsto no artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 
 
 15 de Novembro porque falta um pressuposto de admissibilidade que é insanával: o 
 recorrente não suscitou, durante o processo (cfr. al b) do n.º 1 do artigo 70º 
 da Lei nº 28/82 e n.º 2 do artigo 72º da mesma Lei), a inconstitucionalidade de 
 nenhuma norma contida nos preceitos que indica no requerimento de interposição 
 de recurso.
 Com efeito, e independentemente de saber se poderia considerar-se, pelo menos em 
 relação a todos esses preceitos, que relevaria uma arguição de 
 inconstitucionalidade feita nas peças indicadas no mesmo requerimento, a verdade 
 
 é que não contêm a arguição de inconstitucionalidade de norma alguma.  Antes 
 revelam a censura que o ora recorrente dirige às próprias decisões recorridas, 
 por entender que não se encontram devidamente fundamentadas e que violam caso 
 julgado. 
 Ora, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas 
 destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas, 
 ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão 
 recorrida e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da 
 Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal 
 
 (cfr., a título de exemplo, os acórdãos n.ºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados 
 no Diário da República, II Série, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 
 
 1995 e 16 de Maio de 1996, respectivamente).
 
  
 
    4. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à emissão da 
 decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de 
 Novembro.
 
  
 Assim, decide-se não tomar conhecer do recurso.
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs. »
 
  
 
 2. Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto 
 no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da decisão 
 sumária.
 Em síntese, sustenta não ser exacto que não tenha suscitado 'durante o processo' 
 a inconstitucionalidade de 'nenhuma norma contida nos preceitos que indica no 
 requerimento de interposição de recurso', como se afirma na decisão reclamada.
 A recorrida, notificada para o efeito, não respondeu.
 
  
 
 3. No requerimento de interposição de recurso, o ora reclamante afirmou que 
 tinha suscitado a inconstitucionalidade das normas que pretendia ver apreciadas 
 no presente recurso nas seguintes peças processuais:
 
 –  Pedido de aclaração do acórdão de fls. 286;
 
 – Requerimento de arguição de nulidade do mesmo acórdão, apresentado a fls. 315;
 
 – Alegações de recurso do acórdão de fls. 328, recurso que não foi admitido.
 Na reclamação, indica ainda o requerimento de interposição de recurso de 
 constitucionalidade para demonstrar que definiu normas como objecto do recurso 
 que interpôs. 
 
  
 
 4. Analisando de novo estas diferentes peças processuais, apenas enquanto se 
 referem aos preceitos indicados no requerimento de interposição de recurso de 
 constitucionalidade, verifica-se, todavia, que o reclamante não tem razão.
 Na primeira, a fls. 298, o reclamante apenas acusa o acórdão cuja aclaração 
 requer de não ter cumprido o dever constitucional e legal de fundamentar as 
 decisões, imposto pelo n.º 1 do artigo 205º da Constituição e pelos artigos 
 
 158º, n.º 1 e 658º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Não aponta qualquer 
 interpretação inconstitucional destes dois últimos preceitos que tenha sido 
 aplicada no referido acórdão. E o mesmo se verifica quanto à acusação que dirige 
 ao mesmo acórdão por não ter justificado o motivo por que não acolheu a 
 invocação de litispendência e de caso julgado anterior. 
 Na segunda, a fls. 315, volta a invocar a violação do dever constitucional e 
 legal de fundamentar as decisões judiciais, bem como a tutela constitucional do 
 caso julgado, sem todavia definir qualquer interpretação inconstitucional de 
 nenhum dos preceitos legais referidos.
 A terceira, a fls. 336, não pode, evidentemente, ser considerada, por não estar 
 em causa nenhum recurso interposto do acórdão de fls. 328, recurso que, como o 
 reclamante indica, não foi admitido.
 Confirma-se, portanto, a afirmação de que, nas peças processuais que indicou no 
 requerimento de interposição de recurso – e, repete-se, sem curar agora de saber 
 se poderia ser considerada oportuna a invocação de uma inconstitucionalidade em 
 qualquer delas, dado o disposto no n.º 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82 – o 
 reclamante não definiu qualquer norma que, contida nos preceitos indicados no 
 requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade para definir o 
 respectivo objecto, pudesse ser apreciada pelo Tribunal Constitucional.
 
 É evidente que o recurso interposto para o Tribunal Constitucional cabe de 
 decisões de outros tribunais; mas o seu objecto é uma (ou mais) normas que estas 
 decisões tenham aplicado, não obstante ter sido suscitada perante o tribunal  
 recorrido (citado n.º 3 do artigo 72º da Lei nº 28/82) a respectiva 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
 5. Como se disse, na reclamação, o reclamante indica ainda o requerimento de 
 interposição de recurso de constitucionalidade para demonstrar que definiu 
 normas como objecto do recurso que interpôs; e que, caso assim se não 
 entendesse, deveria ter-lhe sido conferida a oportunidade de o completar, ao 
 abrigo do disposto no artigo 75º-A da Lei nº 28/82. 
 Sucede, todavia, que, como se afirmou na decisão reclamada, seria inútil 
 proceder ao convite previsto no citado artigo 75º-A, já que, repete-se, não 
 tendo sido cumprido o ónus de suscitar a inconstitucionalidade 'durante o 
 processo', nenhuma utilidade teria tal esclarecimento, por ser insanável o 
 obstáculo apontado.
 
  
 
 6. Finalmente, o ora reclamante afirma que 'litiga com isenção de custas', o que 
 
 é exacto, tendo em conta a data do início do processo de intimação.
 Por esta razão, revoga-se a decisão reclamada no que respeita à condenação em 
 custas.
 
  
 
 7. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não 
 conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 Lisboa, 22 de Março de 2006
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 Artur Maurício