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Processo nº 965/2005
 
 2ª Secção
 Relatora.: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figura como recorrente A., SA e como 
 recorrido B., foi proferida a seguinte decisão pelo tribunal a quo:
 
  
 A Requerida A., S. A., reclama do despacho que, com fundamento na falta de 
 alegação da recorrente, não lhe admitiu o recurso de agravo interposto da 
 decisão que julgou procedente a providência requerida por B..
 A Reclamante sustenta que o recurso deve ser admitido porque pela regra do art. 
 
 32° n° 1 do Código de Processo de Trabalho (CPT) aplica-se aos procedimentos 
 cautelares o regime de recursos estabelecido no Código de Processo Civil (CPC), 
 e a interpretação no sentido de as alegações dos recursos interpostos em 
 procedimentos cautelares em processo laboral deverem ser juntas ao requerimento 
 de interposição ou deverem ser entregues no prazo de interposição do recurso, 
 viola os arts. 2º, 20º nºs 1 e 4 e 202° n° 2 da Constituição.
 O despacho reclamado foi mantido.
 A parte contrária respondeu no sentido do indeferimento da reclamação.
 A questão colocada é a de saber se os recursos em procedimento cautelar laboral 
 seguem o regime do CPT, como entendeu o despacho reclamado, ou o regime do CPC, 
 como defende a Requerida.
 Com interesse, os autos mostram:
 
 1. A Requerida foi notificada da decisão proferida no procedimento cautelar por 
 carta expedida em 3/2/2005;
 
 2. Por telecópia expedida em 16/2/2005 a Requerida apresentou um requerimento a 
 interpor recurso de agravo da decisão que decretou a providência, não fazendo 
 acompanhar tal requerimento da respectiva alegação.
 O art. 32° nº 1 do CPT dispõe que aos procedimentos cautelares aplica-se o 
 regime estabelecido no Código de Processo Civil para o procedimento cautelar 
 comum, com as especialidades que a seguir se indicam e entre as quais nenhuma 
 ressalva é feita aos recursos.
 Com o evidente propósito de alcançar uma maior celeridade nos processos do foro 
 laboral, o art. 81° n° 1 do CPT estabelece que o requerimento de interposição de 
 recurso deve conter a alegação do recorrente. Numa interpretação que foge à 
 letra deste preceito - e que, não obstante, se afigura correcta -, a 
 jurisprudência tem entendido que a alegação pode não incorporar o requerimento 
 de interposição, mas, neste deve necessariamente ser apresentada no prazo de 
 interposição do recurso.
 Este art. 81º n° 1 contém uma regra geral em matéria de processamento de 
 recursos no processo laboral: o prazo para apresentar a alegação de recurso 
 coincide com o prazo do próprio recurso. E as excepções a esta regra geral estão 
 expressamente previstas no art. 81° n° 5 do CPT, que dispõe: à interposição e 
 alegação do recurso de revista e de agravo em 2ª instância aplica-se o regime 
 estabelecido no Código de Processo Civil.
 O art. 32° n° 1 manda aplicar aos procedimentos cautelares o regime do CPC para 
 o procedimento cautelar comum no que respeita ao processamento até à decisão. E 
 tanto assim é que, em primeiro lugar, as especialidades previstas no art. 32° n° 
 
 1 findam com a decisão final que “é sucintamente fundamentada e ditada para 
 acta”. Em segundo lugar, no CPC o procedimento cautelar comum não tem um regime 
 de processamento de recursos próprio, pelo que a remessa feita pelo art. 32° n° 
 
 1 nunca poderia abranger a matéria dos recursos.
 E mesmo se diga do art. 47° do CPT, que respeita aos procedimentos cautelares 
 especificados regulados no CPC aplicáveis ao foro laboral, que também não 
 abrange o processamento dos recursos na sua remessa para o regime do CPC. 
 A circunstância de o art. 81° do CPT estar sistematicamente colocado no processo 
 declarativo não significa que o regime de recursos aí estabelecido só se aplica 
 ao processo declarativo laboral. Igualmente o regime geral dos recursos no CPC 
 também está inserido no Título II (do Livro III), sob a epígrafe “DO PROCESSO 
 DECLARATIVO”, que regula o processo declarativo, e nem por isso é defensável que 
 esse regime não se aplique aos recursos dos procedimentos cautelares, estes 
 regulados no Título I do mesmo Livro.
 Portanto, os recursos em procedimento cautelar laboral seguem o regime dos 
 recursos constante do CPT.
 A finalizar, importa dizer que a interpretação do art. 32º n° 1 do CPT aqui 
 defendida não viola qualquer preceito constitucional, nomeadamente, qualquer dos 
 invocados pela Requerida. A concepção constitucional do Estado de direito 
 democrático ou a garantia constitucional do acesso ao direito e tutela 
 jurisdicional efectiva não impedem o poder de conformação do legislador 
 ordinário tendo em atenção os objectivos e características de cada ramo do 
 direito.
 No caso, sendo de 10 dias o prazo para interpor o recurso de agravo (art. 80º n° 
 
 1 do CPT), como a Requerida não apresentou a alegação naquele prazo, o recurso 
 não podia ser admitido, como bem se decidiu.
 Indefere-se, pois, a reclamação.
 
  
 A recorrente interpôs recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do 
 nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação dos 
 artigos 743º, nº 1, do Código de Processo Civil, e 80º, nº 1, 47º, ???º, nº 1 e 
 
 81º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, interpretados no sentido de os 
 recursos, no âmbito do procedimento cautelar em processo laboral, deverem ser 
 interpostos por via de requerimento acompanhado de alegações.
 A recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
 
  
 
 1. O Juiz do Tribunal “a quo” não admitiu o recurso interposto pela ora 
 recorrente, invocando para tal o disposto no art. 80º e 81º do CPT, que 
 determinam que o prazo para apresentar alegações é de 10 dias.
 
 2. O art. 32º do CPT determina que aos procedimentos cautelares se aplica o 
 regime estabelecido no CPT - art. 47º.
 
 3. Assim sendo, o prazo para apresentação das alegações de recurso seria de 15 
 dias após o despacho de admissão do recurso, nos termos do art. 743º, nº 1, do 
 CPC e não o prazo constante dos arts. 80º e 81º do CPT.
 
 4. O Despacho proferido pelo Exmo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa 
 indeferindo a reclamação formulada nos autos pela R. aplicou disposições 
 materialmente inconstitucionais no segmento de interpretação referido a seguir - 
 CPT, arts. 81º, nº 1, 32º, nº 1, 47º, 81º e 80º, nº 1.
 
 5. A não entender-se como se expressou na conclusão 3., os preceitos legais 
 referidos na conclusão 4., são materialmente inconstitucionais no segmento de 
 interpretação: as alegações dos recursos nos procedimentos cautelares em 
 processo laboral devem ser juntas ao requerimento de interposição de recurso (ou 
 dele constarem) ou entregues no prazo de dez dias após a notificação da decisão 
 da qual se recorre e em relação à qual se interpôs recurso.
 
 6. Deve pois atender-se o recurso e conhecer-se da alegada 
 inconstitucionalidade, com os legais efeitos.
 
  
 O recorrido contra‑alegou, concluindo o seguinte:
 
  
 A) A interpretação do art. 32.º do C.P.T. no sentido de que a sua remissão para 
 o C.P.C. em matéria de procedimentos cautelares não determina a aplicação dos 
 art.s 731.º e seguintes do C.P.C. não viola qualquer preceito constitucional;
 B) A remissão do art. 32.º do C.P.T. (e 47.º no caso dos procedimentos 
 cautelares especificados) para o C.P.C. circunscreve-se ao processamento do 
 procedimento cautelar até à prolação da sentença, cessando as especialidades 
 previstas naquele preceito com a prolação da decisão final sucintamente 
 fundamentada e ditada para a acta;
 C) Além disso, o C.P.C. não tem relativamente aos recursos dos procedimentos 
 cautelares, um regime próprio, pelo que, como bem argumenta a decisão da 
 Relação, a remessa feita pelo art. 32.º do C.P.T. nunca poderia abranger a 
 matéria dos recursos;
 D) Acresce ainda que, uma interpretação do art. 32.º do C.P.T. como remetendo 
 para o disposto nos arts. 743.º e seguintes do C.P.C. contraria lei expressa, 
 pois o n.º 3 do art. 1.º do C.P.T. determina que as normas subsidiárias não se 
 aplicam quando forem incompatíveis com a índole do processo regulado neste 
 Código;
 E) Ora, no processo laboral o legislador - tendo em conta que quase 
 invariavelmente os conflitos entre as partes respeitam a direitos básicos e 
 fundamentais como o direito à retribuição, à auto-subsistência, e por 
 conseguinte à dignidade da pessoa humana -, em obediência ao princípio da 
 celeridade, materializou no art. 81º do C.P.T., um regime próprio de 
 interposição de recursos;
 F) E só este regime é compatível com os interesses também aqui em presença (!);
 G) Igualmente, não viola qualquer norma constitucional a interpretação segundo a 
 qual, por força do disposto no art. 81.º do C.P.T., as alegações dos recursos 
 interpostos dos procedimentos cautelares devem ser juntas com o requerimento de 
 interposição;
 I) Não há nada na C.R.P. que impeça que, em face das especialidades e dos 
 interesses prosseguidos em cada ramo de direito, o legislador determine a 
 obrigação de requerer e alegar em simultâneo, sendo que o arto 81.º do C.P.T. 
 constitui uma norma especial determinada pelos princípios de celeridade e 
 prossecução da paz social que norteiam o procedimento laboral.
 Nestes termos e nos demais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve 
 ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, recusado o pedido 
 de declaração da inconstitucionalidade deduzido pela Recorrente.
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
 2.  A questão de constitucionalidade material que constitui objecto do presente 
 recurso já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional. Com efeito, no Acórdão nº 
 
 313/2000, no qual o Tribunal Constitucional apreciou o artigo 76º, nº 1, do 
 Código de Processo do Trabalho de 1988, que consagrava solução idêntica à agora 
 impugnada, entendeu‑se o seguinte:
 
  
 Ora, o Tribunal Constitucional já teve ocasião de se debruçar sobre esta norma, 
 no Acórdão nº 51/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., págs. 597 e 
 segs.) e no Acórdão nº 266/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º vol., 
 págs. 699 e segs.), julgando-a não inconstitucional, em ambos os casos.
 Assim, pode ler-se no primeiro dos Acórdãos citados:
 
  
 Se é certo poder dizer-se que, não obstante a Constituição da República não 
 adiantar expressamente nenhum princípio em matéria de recursos, tal matéria não 
 
 é constitucionalmente neutra, nem significa que a lei possa discipliná-la de 
 forma arbitrária (cfr. acórdão nº 199/86, no Diário da República, 2ª série, de 
 
 25 de Agosto de 1986), a verdade é que não se consegue descortinar, neste caso, 
 qualquer violação do art. 20º, nº 2, da Constituição.
 As alegações são, do ponto de vista lógico, um momento ou fase da marcha dos 
 recursos típicos, cujo momento de apresentação pode, cronologicamente, recair em 
 diferentes fases do processo, consoante as previsões da lei (cf., por todos 
 Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil, III, «Recursos», 1982, pp. 281 
 e segs.). São, por isso, uma das condições necessárias de natureza meramente 
 processual, para que o tribunal de recurso se possa ocupar do objecto deste.
 Ora, como sublinha Castro Mendes (Direito Processual Civil, Recursos, 198, p. 
 
 138, nota 1), «só perante cada regulamentação – dos vários ramos de direito 
 processual – se pode averiguar se as alegações têm ou não de ser apresentadas no 
 requerimento de interposição do recurso». 
 E, conforme acrescenta Armindo Ribeiro Mendes (ob. cit., pp. 103 e 104), a norma 
 de direito processual laboral segundo a qual o requerimento de interposição de 
 recurso deve conter logo as alegações – aliás, à semelhança do que também 
 acontece, nos termos do artigo 259º do Código das Contribuições e Impostos, em 
 direito processual fiscal – é precisamente uma das especialidades do direito 
 processual laboral relativamente ao direito processual civil.
 Mas é evidente que essa especialidade [do regime do direito processual laboral] 
 não coarcta ou elimina, ou sequer dificulta de modo particularmente oneroso, o 
 direito ao recurso que o Código de Processo do Trabalho reconhece, não violando 
 o art. 20º, nº 2, da Constituição, pois que, se o recorrente cumprir a obrigação 
 que a lei lhe impõe de fazer a sua alegação de recurso no requerimento de 
 interposição, o processo seguirá os seus termos.
 
  
 E, no Acórdão nº 266/93, versando sobre situação semelhante à dos presentes 
 autos, afirmou-se ainda:
 
  
 A exigência de a alegação ter de constar do requerimento de interposição de 
 recurso ou, quando muito, de ter de ser apresentada no prazo de interposição do 
 recurso de oito dias, não diminui, por si mesma, as garantias processuais das 
 partes, nem acarreta um cerceamento das possibilidades de defesa dos interesses 
 das partes que se tenha de considerar desproporcionado ou intolerável.
 Na verdade, o legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento 
 das regras sobre recursos em cada ramo processual [...]. Há uma preocupação de 
 maior celeridade e economia processual no domínio das leis regulamentadoras do 
 processo de trabalho, visando no fundamental evitar que as demoras do processo 
 penalizem as partes mais fracas do ponto de vista económico, os trabalhadores, 
 os sinistrados e os seus familiares. Só no caso de não vir a ser admitido o 
 recurso interposto é que as partes se poderão queixar da inutilidade da 
 apresentação de alegações (cfr. art. 77º, nº 1, do Código de Processo de 
 Trabalho), mas tal inconveniente não é susceptível de fundamentar, por si só, um 
 juízo de inconstitucionalidade do art. 76º, nº 1, do mesmo diploma.
 
 [...]
 Por último, e decisivamente, a concessão de um prazo de 8 dias para motivação do 
 recurso de agravo interposto de decisão proferida em segunda instância não se 
 revela passível de censura constitucional, pois tal prazo não pode considerar-se 
 intoleravelmente exíguo, tanto mais que o objecto desta espécie de recurso tem a 
 ver em regra com a impugnação de decisões respeitantes a matérias processuais, 
 de menor complexidade, como decorre da conjugação dos arts. 721º, 722º e 754º, 
 alínea b), do Código de Processo Civil. Não existe, assim, o risco denunciado 
 pelo recorrente, nas suas alegações, de que possa chegar-se a 'uma justiça 
 pronta mas materialmente injusta' [...].
 
  
 Pois bem, é a esta fundamentação que se adere, mantendo-se a orientação fixada 
 nesta jurisprudência, não se vislumbrando quaisquer razões no sentido da sua 
 alteração ou afastamento.
 
  
 Tais considerações, que foram igualmente aceites no Acórdão nº 439/2003, têm 
 plena aplicação nos presentes autos.
 Apenas se acrescenta que a circunstância de se tratar, no presente processo, de 
 um recurso no âmbito de uma providência cautelar reforça a argumentação no 
 sentido da não inconstitucionalidade, já que em tais procedimentos é 
 particularmente evidente a necessidade de celeridade.
 Assim, remete‑se para a fundamentação do Acórdão transcrito supra, concluindo‑se 
 pela não inconstitucionalidade das normas impugnadas.
 
  
 
  
 
 3.  Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao 
 recurso, confirmando, consequentemente, a acórdão recorrido.
 
  
 
  
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs. 
 
  
 
  
 
                                           Lisboa, 2 de Maio de 2006
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos