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Processo n.º 897/2005
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza 
 
  
 
  
 
  
 Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: 
 
  
 
    1. A. reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa do despacho 
 de fls. 53 que, com fundamento em intempestividade, não admitiu o recurso que, 
 em conjunto com outros, todos habilitados como sucessores do assistente e dos 
 demandantes, interpôs do acórdão proferido no processo comum n.º 358/94.9GCLSB 
 da 6ª Vara do Tribunal Criminal de Lisboa.
 
    Por despacho do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de 
 Agosto de 2005, de fls. 64 e seguintes, a reclamação foi indeferida, sendo 
 confirmado o despacho que não admitiu o recurso, nos seguintes termos:
 
                         'Instruída a reclamação com os necessários elementos, do 
 exame destes resulta o seguinte:
 
                         – O acórdão do tribunal  colectivo a que os autos se 
 reportam foi depositado em 10 de Janeiro de 2005;
 
                         – Em 20 de Janeiro de 2005, o ilustre mandatário da 
 reclamante requereu ao tribunal  esclarecimento sobre a aplicabilidade ao 
 processo penal da norma contida no n.º 6 do artigo 698º do Código de Processo 
 Civil;
 
                         – Sobre tal requerimento incidiu despacho, proferido e 
 notificado em 24 de Janeiro de 2005, nos seguintes termos: 'Fls 1602: 
 informe-se, via fax, que no entender deste tribunal  não é aplicável ao processo 
 penal a norma do Código de Processo Civil aí referida;
 
                         – Em 9 de Fevereiro de 2005, a ora reclamante e outros 
 enviaram por fax, requerimento de interposição de recurso, visando, segundo a 
 respectiva motivação, a modificação da decisão sobre a matéria de facto, pela 
 reapreciação das provas gravadas em audiência;
 
                         – Sobre este último requerimento recaiu o despacho 
 reclamado, que é do seguinte teor:
 
                         '(…) Nestes termos, e ponderando o prazo de recurso 
 previsto no artigo 411º n.º 1 do Código de Processo Penal, é manifesto que o 
 recurso apresentado a fls. 1625 é extemporâneo, razão pela qual não o 
 admito.(…)'
 
                         A questão a resolver, na presente reclamação é, como 
 resulta do quadro que acima ficou delineado, a de saber se, em caso de recurso 
 versando matéria de facto e tendo por objecto a reapreciação da prova gravada, 
 ao prazo de 15 dias estipulado no artigo 411º, n.º 1, do Código de Processo 
 Penal, devem somar-se mais 10 dias, como prevê o n.º 6 do artigo 698º do Código 
 de Processo Civil.
 
    (…) O n.º 6 do artigo 698º do Código de Processo Civil (…) foi introduzido 
 pela revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro.
 Ora, tendo a revisão do Código de Processo Penal ocorrido cerca de dois anos 
 depois da revisão do Código de Processo Civil, em matérias semelhantes, com 
 pormenores de regulamentação tão distintos, não nos parece correcto, com todo o 
 respeito por diferente opinião, o entendimento de que ocorre na lei adjectiva 
 penal uma lacuna, por esquecimento do legislador.
 
    Tendo em atenção as circunstâncias em que foi produzida a revisão do Código 
 de Processo Penal, os princípios orientadores que regem os recursos penais, bem 
 como a patente autonomia da regulamentação do sistema de recursos e de prazos, 
 em relação ao processo civil, que, tem de presumir-se, estiveram presentes no 
 espírito do legislador, assim como tem de presumir-se que, na elaboração do 
 texto resultante da revisão de 1998, o legislador não pode ter deixado de 
 considerar as situações de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, e 
 que, consagrando as soluções mais acertadas e exprimindo o seu pensamento em 
 termos adequados, à luz dos referidos princípios, optou por não outorgar, na lei 
 adjectiva penal, maior prazo para o recurso, em tal caso, deve considerar-se que 
 não existe qualquer lacuna.
 
    E não havendo lacuna, não há que fazer apelo ao regime estabelecido no Código 
 de Processo Civil, que, de resto, como bem se refere no douto despacho, cujos 
 trechos se deixaram acima transcritos, não se harmoniza com o regime estatuído 
 para o processo penal.
 
    No caso, o prazo normal para interposição do recurso terminava, em face o 
 disposto no artigo 411º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no dia 25 de 
 Janeiro de 2005, podendo o direito ser exercido, independentemente de justo 
 impedimento, até 28 do mesmo mês, nos termos das disposições conjugadas dos 
 artigos 107º, n.º 5, daquele Código, e 145º, n.º 5, do Código de processo Civil.
 
    Tendo o recurso sido interposto em 9 de Fevereiro de 2005, bem decidiu o 
 despacho reclamado ao julgá-lo manifestamente extemporâneo.”
 
  
 
    2. Ainda inconformada, veio A. interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional “ao abrigo do disposto no artº 70º, n.ºs 1, al b) e 2 e 3 da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro”, invocando a inconstitucionalidade da 
 
 “interpretação [contra a orientação traçada, além do mais, pelo acórdão desse 
 Tribunal (de resto, tirado por unanimidade e publicitado pela internet) de 
 
 19/05/05] no sentido de afastar a aplicabilidade do n.º 6 do artº 698º CPC ao 
 recurso dos autos visando a reapreciação da prova gravada”. 
 Entende a recorrente que a mencionada interpretação implica “a violação das 
 garantias da efectividade do direito ao recurso visando a reapreciação do 
 julgamento de facto e do direito de defesa, como [a] violação do princípio da 
 igualdade dos cidadãos, previstos pela Constituição da República”.
 
    Convidada a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, ao abrigo 
 do disposto nos artigos 75º-A, n.ºs 1, 2 e 5, e 76º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, conforme despacho de fls. 74, a recorrente veio 
 esclarecer que o recurso visa “a apreciação da eventual desconformidade da tal 
 interpretação do artigo 698º, n.º 6, do CPC seguida pelo despacho do senhor 
 Presidente da Relação de Lisboa em causa, com o disposto no artigo 32º (maxime 
 n.ºs 1 e 7) da Constituição da República”.
 
    O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do 
 artigo 76º da Lei nº 28/82).
 
  
 
    3. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as respectivas 
 alegações.
 A recorrente, após expor a forma como pensa que devem ser interpretadas as 
 diversas disposições legais relevantes para a questão a tratar, quer no âmbito 
 do Processo Penal,  quer no domínio do Processo Civil, e de fazer as comparações 
 que considera pertinentes, formula as seguintes conclusões:
 
 '1. O recurso penal impugnando a matéria de facto gravada, postula o cumprimento 
 do disposto no artº 412º n.ºs 3 e 4 do CPP e, por isso, obriga o recorrente à 
 disponibilidade, audição e eventual transcrição de cópia do suporte técnico 
 envolvido, em regra copiado e disponibilizado depois de vários dias sobre o 
 pedido da respectiva concessão. Com a consequência de que, à data da sua 
 disponibilização, o prazo de recurso do artº 411º n.º 1 do CPP já se achar 
 substancialmente reduzido ou mesmo esgotado e, assim, comprometido ou mesmo 
 completamente aniquilado o direito ao recurso proclamado pelo artº 32º n.º 1 
 CRP. 
 
 2. Resultando dos autos, que o recurso da recorrente visava a impugnação da 
 prova gravada, em face do disposto no artº 412º n.ºs 3 e 4 e da  efectivação da 
 garantia constitucional ao recurso, prevista pelo artº 32º n.º 1 da 
 Constituição, ao prazo de 15 dias previsto pelo artº 411º n.º 1 CPP era de 
 acrescentar, por aplicação do artº 4º CPP e como era postulado pelo acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa de 19.05.05 citado, o prazo de 10 dias previsto 
 pelo artº 698º n.º 6 CPC, sob pena a interpretação das ditas disposições em 
 contrário violar o disposto no artº 32º n.º CPP. Pelo que, a interpretação das 
 ditas disposições, seguida pela decisão impugnada, no sentido de afastamento da 
 aplicabilidade do artº 698º n.º 6 CPC ao processo penal, deve ser tida por 
 contrária à garantia do direito ao recurso previsto pelo artº 32º 1 CRP, além 
 de, no caso, violadora do princípio constitucional da confiança, ínsito no 
 princípio do estado de direito. Sendo, por isso, inconstitucional e devendo-se, 
 por isso, declarar a respectiva inconstitucionalidade, com a consequência de o 
 recurso interposto ser de considerar tempestivo e de admitir a seguir os 
 respectivos termos.'
 
  
 
    Quanto ao Ministério Público, pronunciou-se no sentido de que, 'mesmo que se 
 considere que a questão de constitucionalidade está adequadamente colocada, 
 apesar de referenciada à 'não aplicação' do n.º 6 do artigo 698º do Código de 
 Processo Civil', o recurso não deve proceder pelos fundamentos constantes do 
 acórdão n.º 542/04 deste Tribunal, que julgou não inconstitucional 'a norma 
 constante do artigo 411º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, na 
 interpretação segundo a qual ao prazo de 15 dias aí previsto para a interposição 
 e motivação do recurso não acresce o prazo de 10 dias a que se refere o artigo 
 
 698º , n.º 6, do Código de Processo Civil, em caso de recurso que tenha por 
 objecto a reapreciação da prova gravada'.
 
    Referiu, ainda, que entretanto havia sido aprovado o Acórdão  Uniformizador 
 de Jurisprudência n.º 9/05 (publicado no Diário da República, I série A, de 16 
 de Dezembro de 2005), no qual se decidiu no sentido da não aplicação em processo 
 penal. do prazo previsto no n.º 6 do artigo 698º do Código de Processo Civil.
 
    E concluiu desta forma:
 
    '1 – A norma constante do n.º 6 do artigo 698º do Código de Processo Civil, 
 interpretada em termos de não ser aplicável à interposição e motivação de um 
 recurso penal em que se impugna a valoração da prova gravada ou registada – sem 
 que sobre o arguido recaia o ónus da respectiva transcrição – não viola o 
 princípio constitucional das garantias de defesa.
 
    2 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.'. 
 
  
 
    4. Admitindo a possibilidade de não se poder conhecer do objecto do recurso, 
 foi notificado às partes o despacho de fls. 113, com o seguinte conteúdo: 
 
    «(…) 2. Como resulta da leitura conjugada dos requerimentos de fls. 73 e 76, 
 a ora recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a interpretação 
 do referido n.º 6 do artigo 698º do Código de Processo Civil segundo a qual 'a 
 disposição em causa não teria aplicação em processo penal'.
 Verifica-se, no entanto, que foi com base no disposto no n.º 1 do artigo 411º do 
 Código de Processo Penal que foi proferida a decisão de que foi interposto o 
 recurso de constitucionalidade. 
 
 É, pois, plausível que o Tribunal Constitucional não possa conhecer do presente 
 recurso por não integrar o seu objecto a norma que, como ratio decidendi, 
 determinou o indeferimento da reclamação.
 Assim, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 704º do Código de Processo 
 Civil, convido as partes a pronunciarem-se, querendo, sobre a possibilidade de 
 não conhecimento do recurso.»
 
  
 
    As partes não responderam.
 
  
 
    5. Com efeito, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto do 
 recurso, restringido pela recorrente ao n.º 6 do artigo 698º do Código de 
 Processo Civil, quando interpretado no sentido de não ser aplicável em processo 
 penal. 
 
    Ora não foi com base nessa norma que o recurso interposto para  o Tribunal da 
 Relação de Lisboa não foi admitido, mas com fundamento no disposto no n.º 1 do 
 artigo 411º do Código de Processo Penal, preceito que a recorrente, mesmo depois 
 do convite para completar o requerimento de interposição respectivo, não incluiu 
 no objecto do recurso de constitucionalidade.
 
    Dir-se-á que, a ter sido aplicado o disposto no n.º 6 do artigo 698º do 
 Código de Processo Civil, a decisão teria sido diversa.
 
    A verdade, todavia – como, aliás, se pode verificar pelas alegações 
 apresentadas pela recorrente no Tribunal Constitucional,  alegações que, 
 todavia, não têm a virtualidade, nem de alterar, nem de ampliar o objecto do 
 recurso  – é que, para julgar intempestivo o recurso, a decisão do 
 Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, analisando em globo o sistema 
 de recursos em processo penal, chegou à conclusão de que não havia qualquer 
 lacuna a preencher, nos termos previstos no artigo 4º do Código de Processo 
 Penal, que obrigasse a recorrer ao Código de Processo Civil para determinar qual 
 o prazo para interpor recurso, uma vez que se pretendia impugnar a decisão sobre 
 a matéria de facto e que havia prova gravada a ter em conta.
 
    Afastada a existência de lacuna quanto a este ponto, a decisão recorrida não 
 se baseou, naturalmente, em nenhuma interpretação de nenhuma norma do Código de 
 Processo Civil para julgar, mas, tão somente, no preceito que, no Código de 
 Processo Penal, define o prazo do recurso: o n.º 1 do artigo 411º.
 
    Isto significa que a controvérsia que a recorrente pretende que o Tribunal 
 Constitucional resolva, tal como a coloca no requerimento de interposição de 
 recurso, se situa apenas no âmbito do direito ordinário, o que exclui a 
 possibilidade de o Tribunal Constitucional sobre ela se pronunciar.
 
    O objecto deste recurso é, assim, diferente daquele que foi julgado no 
 acórdão n.º 542/2004 deste Tribunal, citado pelo Ministério Público e disponível 
 em www.tribunalconstitucional.pt., e que consistia, precisamente, na 'norma 
 constante do artigo 411º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, na 
 interpretação segundo a qual ao prazo de 15 dias aí previsto para a interposição 
 e motivação do recurso não acresce o prazo de 10 dias a que se refere o artigo 
 
 698º, n.º 6, do Código de Processo Civil, em caso de recurso que tenha por 
 objecto a reapreciação da prova gravada'.
 
    Ora o Tribunal Constitucional não pode conhecer senão da norma que a 
 recorrente impugnou, pois que a esta cabe, exclusivamente, a definição do 
 objecto do recurso.
 
  
 
    6. Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
 
    Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 ucs.
 
             Lisboa, 4 de Maio de 2006-06-06
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Vítor Gomes
 Artur Maurício
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
 
 
 
 
 [ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060290.html ]