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Processo n.º 1051/05
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
  
 Acordam, na 3ª secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I - Relatório
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é 
 recorrente a arguida A., Lda e recorrido o Ministério Público, foi aquela 
 condenada, por decisão do Subinspector-Geral do Ambiente, de 3 de Fevereiro de 
 
 2005, ao pagamento de uma coima de € 5000,00, bem como de € 100,00 de custas. 
 Notificada desta decisão em 21 de Março de 2005 (por carta registada com aviso 
 de recepção, assinado em 23 de Março de 2005), a recorrente pretendeu 
 impugná-la, remetendo a impugnação, via fax, às 23h51 do dia 22 de Abril de 
 
 2005. Por decisão de 20 de Maio de 2005, do 2º Juízo de Pequena Instância 
 Criminal de Loures, foi a impugnação rejeitada, por extemporânea.
 
  
 
 2. Notificada desta decisão, veio a arguida recorrer para o Tribunal da Relação 
 de Lisboa, tendo formulado, para o que agora releva, as seguintes conclusões:
 
 “[...] 2ª O Recorrente entende que da interpretação conjugada dos artigos 41, nº 
 l do RGCOC, art. 107, n.º4 do CPC e 145, n.º 5 e 6 do CPC, se retira que, quando 
 se impugna a decisão que aplica coima, o Recorrente terá mais três dias úteis, 
 além do prazo normal, para apresentar o seu recurso e respectivas alegações 
 desde que seja facultado a possibilidade de pagar a multa aplicável.
 
 [...]
 
 18ª A adopção de uma dimensão normativa diferente da defendida no capítulo 
 anterior implica concluir que a norma que se retira dos artigos 41, nº 1 do 
 RGCO, art.107, n.º 4 do CPC e 145, n.º 5 e 6 do CPC é inconstitucional por 
 violar o princípio da igualdade e o princípio da tutela judicial efectiva.[...]”
 
  
 
 3. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 8 de Novembro de 2005, negou 
 provimento ao recurso. Para concluir dessa forma utilizou a seguinte 
 fundamentação:
 
 “[...] Tal como resulta das conclusões das motivações, o objecto do recurso 
 reconduz-se à apreciação da existência de fundamento para rejeição do recurso de 
 impugnação da decisão da autoridade administrativa, por extemporaneidade e à 
 questão de saber se é aplicável ao caso o disposto no art.145, n.º 5, do CPC.
 
 [...]
 Na vigência do Dec. Lei nº 433/82, de 27-10, na redacção que lhe foi introduzida 
 pelo Dec. Lei n.º356/89, de 17-10, o Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão 
 nº 2/94, de 10-3, fixou Jurisprudência Obrigatória, no sentido de que “não tem 
 natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3, do art.59, do Dec. Lei n.º 
 
 433/82, de 27-10, com a alteração introduzida pelo Dec. Lei n.º356/89, de 
 
 17-10”.
 Daqui se conclui, assim, que se trata de um prazo de natureza administrativa.
 O regime geral das contra-ordenações com a redacção daqueles diplomas, veio a 
 ser alterado pelo Dec. Lei n.º 244/95, de 14-9 e pelo Dec. Lei n.º109/01, de 
 
 24-12, tendo o primeiro destes diplomas alterado os arts.59 e 60, do regime em 
 causa, fixando em 20 dias o prazo para a impugnação judicial (n.º 3, do art.59) 
 e estabelecendo regras de contagem do prazo para impugnação no art.60[].
 Destas alterações não resulta que fosse intenção do legislador alterar a 
 natureza do prazo, razão por que se deve manter válida a jurisprudência fixada 
 pelo citado acórdão nº2/94, no sentido de estarmos perante prazo de natureza 
 administrativa.[] 
 Tratando-se de prazo de natureza administrativa, não é aplicável o disposto nos 
 arts.145, n.º5, do C.P.C. e 107 , n.º 5, do C.P.P., o que é corroborado pelo 
 facto do legislador ter consagrado, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 
 n.º 244/95, um regime especial relativo à contagem do prazo, que não faria 
 sentido caso entendesse ser de aplicável o regime geral do processo penal e do 
 processo civil[].
 Existindo norma especial relativa à contagem do prazo em causa, o art.41, n.º1, 
 do RGCO não permite a aplicação dos citados arts.145, n.º 5, do C.P.C. e 107, 
 n.º 5, do C.P.P.
 
 É certo, como refere a recorrente, que o Assento n.º1/01, de 8Mar.01[], decidiu 
 ser aplicável no processo contra-ordenacional o disposto no art.150, n.º l, do 
 C.P.C., por força do art. 41, n.º1, do RGCO, o que permite a remessa do recurso 
 para a autoridade administrativa, por correio sob registo, valendo como data do 
 acto processual a da efectivação do respectivo registo postal.
 Contudo, as duas situações não podem ser equiparadas. Em relação à entrega e 
 remessa das peças processuais para a autoridade administrativa, nada prevê o 
 RGCO, apenas regulando no art.59, n.º 3, que o recurso será feito por escrito e 
 apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, devendo constar de 
 alegações e conclusões, o que permite compreender que, com base no art.41, n.º 
 
 1, se recorra ao direito subsidiário para saber a forma como pode ser entregue o 
 recurso e, no caso de apresentação pelo correio, qual a data que vale como de 
 apresentação. Ao contrário, no que diz respeito à contagem do prazo e 
 possibilidade de prática do acto após o decurso do mesmo, o art.60, nº 1, prevê 
 a suspensão do mesmo aos sábados, domingos e feriados, prevendo o nº 2, como 
 
 única hipótese de prática do acto para além do decurso do prazo, o caso do mesmo 
 terminar em dia durante o qual não seja possível a apresentação, durante o 
 período normal, situação em que a admite no primeiro dia útil seguinte, não 
 existindo, assim, qualquer lacuna que careça de ser integrada.
 A faculdade de praticar o acto, independentemente de justo impedimento, nos três 
 primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, prevista nos arts.145, n.º 
 
 5, do C.P.C. e 107, n.º 5, do C.P.P., ao contrário do que defende o recorrente, 
 não constitui uma derrogação ao princípio da preclusão e à gravidade da 
 consequência derivada do decurso dos prazos processuais, mas tão só um 
 alargamento do prazo. Se o legislador pretendesse derrogar aquele princípio 
 teria previsto a possibilidade do interessado ser notificado do decurso do prazo 
 e da concessão de prazo suplementar para praticar o acto, o que não acontece, já 
 que o referido prazo suplementar decorrerá sem qualquer interpelação ao 
 interessado, ficando precludido o direito de praticar o acto após o seu decurso, 
 só prevendo o n.º 6, do art.145, do C.P.C. a notificação oficiosa para pagamento 
 da multa, caso o acto tenha sido praticado num daqueles três dias e não tenha 
 sido requerido de imediato o pagamento da multa.
 A razão de ser daquele prazo suplementar tem de ser vista não, apenas, como 
 forma de sanar deslizes dos intervenientes processuais que deixem decorrer por 
 esquecimento um prazo, mas principalmente como reconhecimento pelo legislador da 
 existência de processos tão variados e tão complexos que, em alguns casos, tomam 
 difícil a prática do acto no prazo normal previsto para a generalidade dos 
 casos, razão por que permitiu o alargamento do prazo, contra o pagamento de uma 
 sanção pecuniária.
 Assim, embora este prazo suplementar possa ser aproveitado para sanar deslizes, 
 entendemos que não é essa a sua função principal pois, como referimos, com a 
 fórmula adoptada continua válido o princípio da preclusão e continuam a ser as 
 mesmas as consequências do decurso do prazo, apenas ocorrendo três dias úteis 
 depois.
 A não aplicação do disposto nos arts.145, n.º 5, do C.P.C. e 107, n.º 5, do 
 C.P.P. ao prazo previsto no art.59, do RGCO, não ofende a unidade do sistema 
 jurídico, pois nada impede o legislador de estabelecer prazos diversos para 
 recurso, em função da natureza do processo ou da jurisdição em causa, sendo 
 certo que o prazo fixado naquele art.59 (20 dias, suspendendo-se o prazo aos 
 sábados, domingos e feriados) é superior ao prazo para recurso previsto no 
 Código de Processo Civil (art.685), no Código Processo Penal (art.411), ou no 
 RGCO, para o recurso interposto da decisão judicial (art.74).
 Por outro lado, não será com o referido prazo suplementar de três dias úteis, 
 concedido contra o pagamento de uma sanção pecuniária, que serão perseguidos 
 objectivos como a “desburocratização” da administração e “aproximação entre os 
 serviços e as populações”.
 Não é violado, ainda, o princípio da promoção do acesso à justiça, já que o 
 prazo legalmente concedido apresenta-se razoável para que o interessado tenha 
 condições práticas para impugnar judicialmente a decisão da autoridade 
 administrativa e para que seja possível o conhecimento do mérito do recurso 
 jurisdicional interposto.
 
 [...]
 Ao contrário do que pretende o recorrente, não se justifica o apelo a uma 
 interpretação mais favorável ao arguido, pois o princípio in dubio pro reo não é 
 cânone interpretativo, tratando-se de uma regra referente ao direito probatório, 
 que apenas se reporta a questões de facto, insusceptível de servir de 
 justificação a qualquer solução jurídica [].
 Não é violado, ainda, o princípio da igualdade, o que só pode ocorrer com o 
 tratamento desigual do que é igual, situação que não é a dos autos, pois a 
 impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é o mesmo que a 
 impugnação da sentença que indefere essa impugnação (conclusão 1), tratando a 
 lei de forma diferente as duas situações, desde logo estabelecendo para a 
 primeira hipótese um prazo de 20 dias para recurso e para a segunda um prazo de 
 
 10 dias, contados de forma diferente (cfr. arts.59,60 e 74, do RGCO).
 Em conclusão, o prazo previsto no art.59, do RGCO, não tem natureza de prazo 
 judicial, não sendo aplicável a ele o disposto nos arts.145, n.º 5, do C.P.C. e 
 
 107, n.º 5, do C.P.P., o que não ofende qualquer princípio constitucional, 
 nomeadamente os princípios consagrados nos arts.13, 20 e 268, nº 4, da 
 CRP.[...]”
 
  
 
 4. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 
 
 1 do artigo 70º da LTC, o presente recurso, através do seguinte requerimento:
 
 “[...], notificado do Acórdão de 8 de Novembro de 2005 e com ele não se 
 conformando, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos 
 termos do artigo 280º, número 1, alínea b ), da Constituição da República 
 Portuguesa e do artigo 70°, número 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional), o que faz com fundamento:
 
 (i) na inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 41º, n.º 1 do Regime 
 Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 107.º, n.º 5 do CPP e 145.º, n.º 5 e 6 do 
 CPC, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo – segundo a qual não se 
 considera aplicável o disposto o art. 145.º, n.º 5 e 6 do CPC ao prazo para 
 interposição do recurso de impugnação de contra-ordenação - por violação do 
 princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição e o princípio 
 da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da 
 Constituição da República Portuguesa conforme o invocado de modo adequado nas 
 Motivações e Conclusões de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. 
 páginas 16 a 17 das alegações e 18.ª à 24.ª Conclusão);
 
 (ii) a inconstitucionalidade da norma contida nos artigos 9.º do Código Civil e 
 no art. 60.º, n.º 1 e 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, na 
 interpretação formulada pelo Tribunal a quo - segundo a qual este artigo prevê a 
 
 única hipótese, de prática do acto para além do decurso do prazo em sede de 
 recurso de impugnação de contra-ordenação - por violação do princípio da 
 igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição e o princípio da tutela 
 jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.º e 268.º. n.º 4 da 
 Constituição da República Portuguesa, que só agora se invoca de modo adequado 
 porque a aplicação inconstitucional de tal norma só ocorreu no acórdão recorrido 
 e o referido acórdão não admite qualquer recurso ordinário. [...]”.
 
  
 
 5. Proferiu, então, o relator do processo o seguinte despacho: 
 
 “1. Pretende a recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a 
 constitucionalidade das seguintes normas:
 
 “(i) [...] da norma contida nos artigos 41º, n.º 1 do Regime Geral das 
 Contra-Ordenações e Coimas, 107.º, n.º 5 do CPP e 145.º, n.º 5 e 6 do CPC, na 
 interpretação [...] segundo a qual não se considera aplicável o disposto o art. 
 
 145.º, n.º 5 e 6 do CPC ao prazo para interposição do recurso de impugnação de 
 contra-ordenação, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 
 
 13.º da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado 
 nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa [...];
 
 (ii) [...] da norma contida nos artigos 9.º do Código Civil e no art. 60.º, n.º 
 
 1 e 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, na interpretação [...] 
 segundo a qual este artigo prevê a única hipótese de prática do acto para além 
 do decurso do prazo em sede de recurso de impugnação de contra-ordenação, por 
 violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição e 
 do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.º e 
 
 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa [...]”.
 
 2. Ora, na decisão recorrida, está apenas em causa a questão de saber se existe 
 fundamento para rejeitar, por extemporaneidade, o recurso de impugnação da 
 decisão da autoridade administrativa, que entrou reconhecidamente no dia 
 seguinte ao termo do prazo, por não ser aplicável ao caso o disposto no art.145, 
 n.º 5, do Código de Processo Civil. Questão que o acórdão resolve concluindo que 
 
 “o prazo previsto no art.59, do RGCO, não tem natureza de prazo judicial, não 
 sendo aplicável a ele o disposto nos arts.145, nº 5, do C.P.C. e 107, n.º 5, do 
 C.P.P., o que não ofende qualquer princípio constitucional, nomeadamente os 
 princípios consagrados nos arts.13, 20 e 268, nº 4, da CRP.”
 
 3. Assim sendo, além de se entender que a “norma contida nos artigos 9.º do 
 Código Civil e no art. 60.º, n.º 1 e 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações e 
 Coimas” não constitui ratio decidendi do acórdão recorrido, a verdade é que a 
 questão de constitucionalidade formulada em segundo lugar não tem qualquer 
 autonomia em relação à que a recorrente coloca em primeiro lugar. Com efeito, 
 embora reportada a preceitos diferentes, trata-se ainda aí da recolocação do 
 mesmo problema de constitucionalidade normativa, ou seja: saber se é ou não 
 compatível com a Constituição, designadamente com os princípios invocados pela 
 recorrente, a norma de que resulta que o disposto nos nºs 5 e 6 do artigo 145º 
 do Código de Processo Civil não se aplica ao prazo para impugnação judicial de 
 decisão administrativa que aplique uma coima. Mas, então, esta é a questão que 
 já está colocada em primeiro lugar pela recorrente.
 
 4. Nestes termos, o recurso tem o seguinte objecto: “é a norma, extraída da 
 conjugação dos artigos 41º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e 
 Coimas, 107.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e 145.º, n.º 5 e 6 do Código de 
 Processo Civil, segundo a qual não se considera aplicável o disposto o art. 
 
 145.º, n.º 5 e 6 do CPC ao prazo para interposição do recurso de impugnação de 
 contra-ordenação, inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, 
 consagrado no artigo 13.º da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional 
 efectiva consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República 
 Portuguesa?” 
 
 5. Com esta delimitação, notifique-se para alegações.”
 
  
 
 6. Notificada, a recorrente alegou, juntando súmula de legislação, 
 jurisprudência e doutrina citada, e concluindo do seguinte modo:
 
 “1.ª O princípio da tutela jurisdicional efectiva contempla como seu corolário o 
 
 “princípio da promoção do acesso à justiça” (também denominado princípio pro 
 actione ou princípio do favor do processo), segundo o qual as normas processuais 
 devem ser interpretadas (e também aplicadas) no sentido da validade ou da 
 eficácia dos actos processuais praticados pelo tribunal ou pelas partes (de 
 ambas, demandante e demandado), dos quais dependa o conhecimento do mérito das 
 pretensões formulado junto dos tribunais. [...]
 
 4.ª O acórdão recorrido ao não considerar aplicável o art. 145.º, n.º 5 e 6 do 
 CPC, fixado genericamente pela lei para todos os prazos processuais 
 peremptórios, ao prazo de impugnação judicial de contra-ordenações adoptou uma 
 interpretação normativa contrária à interpretação literal, teleológica e 
 sistemática do art. 9.º, n.º 1 do Código Civil e do art. 41º, n.º 1 do RGCOC, 
 art. 107.º, n.º 4 do CPC e 145.º, n.º 5 e 6 do CPC.
 
 5.ª Ainda que existissem dúvidas quanto ao sentido da aplicação do artigo 41.º 
 do RGCOC, e esta fosse de qualquer modo ambígua, por aplicação do princípio da 
 promoção do acesso à justiça, o sentido a adoptar sempre seria aquele que 
 permitisse concluir pela admissão do recurso no presente processo e pelo 
 conhecimento do mérito do recurso jurisdicional interposto, o qual, aliás, se 
 revela como o mais favorável ao arguido.
 
 6.ª A não aplicação do art. 145.º, n.º 5 e 6 do CPC ao prazo de impugnação de 
 contra-ordenação consubstancia tão-somente um condicionante processual 
 desprovido de qualquer fundamento racional e sem qualquer conteúdo útil, 
 revelando um carácter manifestamente excessivo e desinserido da teleologia 
 própria da tramitação processual e cuja consagração, nessa medida, não prossegue 
 quaisquer interesses dignos de tutela.
 
 7.ª A norma contida nos artigos 41º, n.º 1 do RGCO, art. 107.º, n.º 4 do CPC e 
 
 145.º, n.º 5 e 6 do CPC, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo, é 
 materialmente inconstitucional por violação do princípio da promoção da justiça 
 corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 
 
 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. 
 
 8.ª A interpretação de tais disposições legais assenta no uso da regras gerais 
 de interpretação consagradas no artigo 10.º do Código Civil, adoptando-se ainda 
 um raciocínio em todo análogo à interpretação que é feita do mesmo art. 41.º do 
 RGCOC por parte do assento n.º 1/2001, de 20 de Abril, votado por unanimidade, o 
 qual fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que “como em processo penal, 
 também em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da 
 impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo 
 requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima - artigos 
 
 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, 4.º do Código de 
 Processo Penal e 150.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e Assento do Supremo 
 Tribunal de Justiça n.º 2/2000, de 7 de Fevereiro”
 
 9.ª A interpretação do 41º, n.º 1 do RGCO, levada a cabo pelo Tribunal a quo, 
 inova de uma forma absolutamente surpreendente (face aos textos legais em vigor 
 e face às referida orientações jurisprudencial de carácter obrigatório) e criam 
 para a Recorrente uma interpretação das referidas normas legais com a qual ela 
 não poderia razoavelmente antecipar.
 
 10.ª A norma contida nos artigos 41º, n.º 1 do RGCO, art. 107.º, n.º 4 do CPC e 
 
 145.º, n.º 5 e 6 do CPC, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo, é 
 materialmente inconstitucional por violação do direito a um processo equitativo 
 parte integrante do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos 
 artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa. 
 
 11.ª A Recorrente continua a desconhecer que as razões levaram “o legislador a 
 ser menos rígido” em relação aos demais prazos peremptórios “fixando um prazo 
 suplementar para a sua prática” e a ser mais exigente com o prazo peremptório 
 previsto no art. 59.º do RGCO.
 
 12.ª A Recorrente desconhece por que razão o legislador, a adoptar-se a dimensão 
 normativa alcançada pelo Tribunal a quo, foi mais exigente no âmbito dos 
 processos em que não é exigido o patrocínio judiciário (cfr. art. 59.º, n.º 2 do 
 RGCOC) pois aí não previu qualquer “prazo suplementar para a sua prática com 
 multa” do que no âmbito dos processos em que o patrocínio judiciário é em “regra 
 geral” obrigatória (processo civil, cfr. art. 32.º, do CPC) ou é “sempre” 
 obrigatório (processo penal, cfr. art. 62.º do CPP, processo administrativo, 
 art. 11.º, n.º 1 do CPTA, processo do trabalho, cfr. art. 79.º do CPT e 32.º do 
 CPC).
 
 13.ª Os artigos 41º, n.º 1 do RGCO, art. 107.º, n.º 4 do CPC e 145.º, n.º 5 e 6 
 do CPC, na dimensão normativa adoptada pelo Tribunal a quo vedam à Recorrente a 
 possibilidade de ver acrescido um prazo “excepção ao princípio da preclusão” ou 
 um “prazo válvula de escape contra imprevistos” de três dias úteis.
 
 14.ª Ora, como se demonstrou supra, caso a Recorrente estivesse a recorrer, em 
 situação totalmente idêntica à dos presentes autos de uma Sentença que 
 indeferisse a impugnação judicial veria o prazo normal de recurso dilatado por 
 mais três dias úteis. Isto sucede de igual modo no âmbito de qualquer outro ramo 
 de direito processual e com qualquer outro prazo processual peremptório.
 
 15.ª Tal distinção e a diferença de prazo não se encontra materialmente fundada 
 porque não existem quaisquer motivos que justifiquem que o legislador exclua do 
 prazo a que se alude no art. 59.º do RGCOC a faculdade prevista no artigo 145.º, 
 n.º 5 e 6 do CPC.
 
 16.ª Na verdade, incorrendo sobre o recorrente, em qualquer ramo de direito 
 processual, bem como, nas fases judiciais e administrativas do processo 
 contra-ordenacional, o mesmo ónus de contabilização dos prazos processuais, não 
 existe qualquer razão substancial que justifique a desigualdade de tratamento 
 ajuizada pelo Tribunal a quo.
 
 17.ª A norma contida nos artigos 41º, n.º 1 do RGCO, art. 107.º, n.º 4 do CPC e 
 
 145.º, n.º 5 e 6 do CPC, na interpretação formulada pelo Tribunal a quo, a qual 
 não avança para qualquer justificação material no tratamento de prazos com igual 
 natureza peremptória, é materialmente inconstitucional por violação do princípio 
 da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.”
 
  
 
 7. Notificado para responder, querendo, à alegação da recorrente, disse o 
 Ministério Público, a concluir:
 
 “Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
 
 1 - Não cabendo ao Tribunal Constitucional qualificar juridicamente o prazo de 
 interposição do recurso da decisão sancionatória da autoridade administrativa, 
 previsto no artigo 59°, n.° 3, do RGCO, não viola o princípio da igualdade o 
 estabelecimento pelo legislador, no exercício da sua livre discricionariedade 
 legislativa, de regimes diferenciados para os prazos judiciais e de natureza 
 administrativa.
 
 2 - A interpretação normativa em causa no presente recurso - excludente da 
 aplicabilidade ao acto de interposição do recurso na 'fase administrativa' do 
 processo do mecanismo de prorrogação consentido pelo artigo 145°, n.° 5 do 
 Código de Processo Civil - não restringe desproporcionadamente o acesso ao 
 direito e a efectividade da tutela judicial por parte do arguido.
 
 3 - Configurando-se como adequado e suficiente o prazo de 20 dias para interpor 
 tal recurso - e vigorando ainda, nos termos gerais, o mecanismo do justo 
 impedimento, no caso de ocorrer situação anómala, que - sem culpa da parte - 
 dificulte ou impossibilite a prática atempada do acto.
 
  4- Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
 
  
 Corridos os vistos, cumpre decidir.
 
  
 
  
 II – Fundamentação.
 
  
 
 8. Por decisão não impugnada está o presente recurso limitado à apreciação da 
 inconstitucionalidade da norma que se extrai da conjugação dos artigos 41º, n.º 
 
 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 107.º, n.º 5 do Código de 
 Processo Penal e 145.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, segundo a qual 
 não se considera aplicável o disposto o art. 145.º, n.ºs 5 e 6 do CPC ao prazo 
 para interposição do recurso de impugnação de contra-ordenação, por violação do 
 princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição e do princípio 
 da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
  
 Antes de entrar na análise da constitucionalidade da norma questionada, importa, 
 porém, fazer duas prevenções: a primeira é a de que não compete ao Tribunal 
 Constitucional qualificar juridicamente o prazo de interposição do recurso da 
 decisão sancionatória da autoridade administrativa, previsto no artigo 59°, n.° 
 
 3, do RGCO, nem tão pouco tomar posição sobre a controvérsia respeitante à 
 respectiva natureza, mas apenas confrontar a norma aplicada na decisão recorrida 
 com os preceitos constitucionais – o que, no caso, implica verificar em que 
 medida viola a Constituição a não aplicação do mecanismo processual previsto no 
 n.º 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil ao prazo para interpor recurso 
 de impugnação da contra-ordenação; a segunda é a de que, de nenhum preceito da 
 Constituição da República Portuguesa decorre a obrigatoriedade da existência de 
 um tal mecanismo processual. Isto dito, vejamos, então.
 
  
 
 9. Julgamento do objecto do recurso
 
  
 
 9.1. Da alegada violação do princípio da igualdade
 
  
 O princípio da igualdade postula, na sua formulação mais sintética, que se dê 
 tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento 
 diferente para as situações de facto desiguais (cfr., por todos, os Acórdão n.ºs 
 
 563/96, 319/00 e 232/03, disponíveis na página Internet do Tribunal 
 Constitucional no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), 
 que procederam, cada um deles no seu tempo, a uma síntese da abundante 
 jurisprudência constitucional sobre o tema). Como o Tribunal tem reiteradamente 
 afirmado o princípio da igualdade não proíbe as distinções, mas apenas aquelas 
 que se afigurem destituídas de um fundamento racional. Como se escreveu, por 
 exemplo, no Acórdão n.º 187/01: “como princípio de proibição do arbítrio no 
 estabelecimento da distinção, tolera, pois, o princípio da igualdade a previsão 
 de diferenciações no tratamento jurídico de situações que se afigurem, sob um ou 
 mais pontos de vista, idênticas, desde que, por outro lado, apoiadas numa 
 justificação ou fundamento razoável, sob um ponto de vista que possa ser 
 considerado relevante” Em suma, e no essencial, o que o princípio constante do 
 artigo 13º da Constituição impõe, sobretudo, é uma proibição do arbítrio e da 
 discriminação sem razão atendível.
 
  
 Ora, centrando-nos no caso dos autos, dir-se-á que, na perspectiva do princípio 
 da igualdade, a norma que vem questionada não afronta a Constituição. É que, 
 como é manifesto, nenhum preceito constitucional impõe que os prazos judiciais e 
 os prazos não judiciais tenham de ter idêntico regime, no que se refere à 
 respectiva duração, contagem e carácter mais ou menos peremptório. Isso mesmo 
 resulta da Constituição, da lei e foi já afirmado pelo Tribunal Constitucional, 
 nomeadamente no acórdão n.º 473/01 (também disponível na página Internet do 
 Tribunal), onde se decidiu “não considerar inconstitucional, designadamente por 
 violação do nº 1 do artigo 20º da Constituição, o disposto nos artigos 59º nº 3 
 e 60º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na interpretação de 
 que, terminando em férias judiciais o prazo para a interposição do recurso neles 
 previsto, o mesmo não se transfere para o primeiro dia útil após o termo 
 destas”, como aconteceria se se tratasse de prazo judicial. Nem tão pouco se 
 pode considerar que seja arbitrário, discriminatório ou sem razão atendível o 
 estabelecimento de regimes diversos para prazos qualificáveis como de natureza 
 judicial ou não judicial (administrativa), uma vez que tal diferença de regime 
 
 –aliás, mais ampla e não meramente centrada na aplicabilidade ou não do n.º 5 do 
 artigo 145º do Código de Processo Civil -, colhe o seu fundamento precisamente 
 na diversa natureza dos prazos em questão. Na verdade, como se afirmou no 
 Acórdão n.º 395/2002, “existe um fundamento racional para a diferenciação da 
 forma de contagem de actos que se praticam perante uma autoridade administrativa 
 e actos que se praticam perante um tribunal.” Acresce, finalmente, que, nestes 
 casos, essencial do ponto de vista do princípio da igualdade não será o 
 confronto, em abstracto, entre diferentes tipos de processo, mas antes o 
 confronto entre a posição dos diferentes sujeitos processuais no âmbito do mesmo 
 processo e, desta perspectiva, nada há que apontar à norma que vem questionada.
 
  
 Improcede, por isso, nesta parte, o recurso que vem interposto.
 
  
 
 9.2. Da alegada violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva 
 consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição
 
  
 Invoca ainda o recorrente que a norma questionada “é materialmente 
 inconstitucional por violação do princípio da promoção da justiça corolário do 
 princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20.º e 268.º, 
 n.º 4 da Constituição da República Portuguesa”. Não se vislumbra, porém, como.
 
  
 Na verdade, não postulando a Constituição a necessidade de concessão de qualquer 
 prorrogação de prazos para a apresentação de recursos e tendo o recorrente vinte 
 dias para apresentar o seu recurso perante a autoridade administrativa, - acto 
 praticado na fase administrativa do processo e com um prazo, aliás, mais amplo 
 do que lhe é concedido para recorrer quer em processo civil, quer em processo 
 penal -, não se vê como, para utilizar as palavras do já citado acórdão n.º 
 
 473/2001, transponíveis para este caso, “é que a interpretação normativa que foi 
 adoptada na decisão recorrida, e que supra já identificámos, pode restringir 
 desproporcionadamente o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente 
 garantido.”
 
  
 Improcede, por isso, também nesta parte, a alegação da recorrente.
 
  
 
 10. Assim sendo, há que concluir que a norma que se extrai da conjugação dos 
 artigos 41º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 107.º, n.º 5 
 do Código de Processo Penal e 145.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, 
 segundo a qual não se considera aplicável o disposto o art. 145.º, n.ºs 5 e 6 do 
 CPC ao prazo para interposição do recurso de impugnação de contra-ordenação, não 
 viola normas ou princípios constitucionais, nomeadamente o da igualdade ou o da 
 tutela jurisdicional efectiva. 
 
  
 
  
 
  
 III - Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso.
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) 
 unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 4 de Maio de 2006
 Gil Galvão
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Bravo Serra
 Artur Maurício