 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 744/05
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 A.  pretende reclamar, nos termos do  n.º 3 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal 
 Constitucional, da decisão sumária proferida nos presentes autos, pela qual se 
 decidiu ser improcedente o recurso interposto pelo recorrente.   
 A reclamação diz o seguinte: 
 
  
 Versa o presente recurso e no que à utilidade do mesmo respeita, a possibilidade 
 de um arguido em processo penal se poder defender a si próprio rejeitando 
 expressis verbis a possibilidade de ser acompanhado por defensor.
 Mau grado a jurisprudência nacional enunciada na decisão reclamada, a verdade é 
 que, internacionalmente, tal possibilidade constitui regra. 
 O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos reconhece tal direito, o 
 mesmo acontece com a Convenção Americana dos Direitos do Homem, com a Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem e mesmo com o estatuto do Tribunal Penal 
 Internacional.
 Portugal é subscritor de três dos quatro acordos internacionais enunciados no 
 parágrafo anterior.
 E a verdade é que ao contrário das nossas decisões, nas instâncias 
 internacionais que aplicam tais corpos normativos a regra constitui o oposto, ou 
 seja, apenas razões ponderosas poderão levar a que um arguido, a quem é 
 reconhecido o direito de se defender a si próprio, tenha que ser representado 
 por defensor.
 Bastará, talvez, observar que, com fundamento acertado ou não, a verdade é que o 
 Tribunal Internacional que procede ao julgamento dos crimes praticados na antiga 
 Jugoslávia, encontrou como motivo para negar a Slobodan Mi1osevic o direito de 
 este se defender a si próprio, o facto de este se encontrar doente e, por isso, 
 incapaz de assegurar a sua defesa em condições normais e capazes.
 Outro fundamento que foi aplicado no julgamento dos crimes cometidos no Ruanda 
 foi o de um arguido dever ser afastado por conduta imprópria em Tribunal. Nesse 
 caso, passou a ser representado por defensor.
 Verificamos, pois que, salvo o devido respeito e a exemplo do que acontece em 
 tantos outros sectores de actividade, também neste caso nos encontramos em 
 manifesta divergência da communis opinio iuris vigente nos países e organizações 
 em que, paradoxalmente, nos queremos enquadrar.
 Verificamos, pois, também que, e ainda com salvaguarda do devido respeito, a 
 manutenção deste orgulhosamente sós, só poderá conduzir à responsabilidade 
 internacional do Estado Português.
 De facto, contra as decisões do Tribunal Constitucional enunciadas na decisão 
 ora reclamada, o reclamante contrapõe o Acórdão Pobornikoff contra o estado 
 austríaco proferido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
 Convirá, pois, que permitindo que o processo prossiga, o próprio Tribunal 
 Constitucional venha a meditar sobre o peso relativo dos dois entendimentos em 
 confronto e, a final, decida se o Estado português se mantém em desafio da 
 normação internacional a que declarou aderir, ou se, alterando-se a linha 
 jurisprudencial, irá acatar o que resulta da mesma normação.
 Mas, para que tal suceda, é preciso que o recurso seja admitido e o ora 
 reclamante chamado a apresentar as suas alegações, nos termos do art. 79º LTC. A 
 verdade é que esse Tribunal ainda não conheceu – nem tinha ainda de conhecer – 
 as razões que assistem ao reclamante, as quais, por serem dele e não as que 
 informaram as decisões anteriores, hão-de ser, pelo menos em alguns aspectos, 
 diferentes, o que pode bastar para causar outro entendimento.
 Termos em que deve a conferência ordenar seja tomado conhecimento do recurso.
 
  
 Na opinião do representante do Ministério Público neste Tribunal a reclamação é 
 improcedente e a argumentação que apresenta não abala 'a firma corrente 
 jurisprudencial' deste Tribunal sobre a questão suscitada.
 
  
 Vejamos. A decisão reclamada é do seguinte teor: 
 
  
 A. recorre do despacho proferido pelo Vice-Presidente da Relação de Lisboa em 20 
 de Maio de 2005, que indeferiu a reclamação que o mesmo apresentou contra o 
 despacho proferido no 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada que lhe não 
 admitiu o recurso que pretendia interpor para aquela Relação.
 Entendeu-se, na decisão reclamada, que o disposto no artigo 64º n. 1 alínea d) 
 do Código de Processo Penal proíbe que possa ter seguimento recurso ordinário 
 interposto por arguido sem assistência do seu defensor, confirmando a decisão do 
 Tribunal de 1ª Instância de não recebimento de recurso interposto pelo arguido 
 desacompanhado do defensor que lhe fora nomeado ao abrigo do n. 2 do artigo 62º 
 do mesmo diploma.
 Inconformado, recorre ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei n.º 
 
 28/82 de 15 de Novembro (LTC) para este Tribunal, impugnando a aludida norma 
 contida no artigo 64º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Penal, cuja 
 aplicação no caso concreto 'viola as garantias consagradas na Constituição, 
 artigo 32º n.º 1.'
 Regularizada a instância, nos termos determinados pelo artigo 83º n. 1 da LTC, 
 com junção de procuração passada a advogado pelo recorrente, cumpre apreciar.
 O recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC cabe das decisões 
 
 'que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo' e é restrito à questão de inconstitucionalidade (artigo 71º n. 1 da 
 LTC).
 O recorrente impugna a norma contida no já referido artigo 64º n.º 1 alínea d) 
 do Código de Processo Penal, interpretada no sentido em que o foi na decisão 
 recorrida, isto é, no sentido de que não pode ter seguimento recurso ordinário 
 interposto por arguido sem assistência do defensor que lhe fora nomeado, ou de 
 advogado por ele constituído.
 Acontece que o Tribunal Constitucional já se pronunciou diversas vezes sobre 
 esta questão, sobre a qual tem, afinal, jurisprudência firme.
 Fê-lo, por exemplo, no acórdão 578/2001 (DR, 2ª série, de 28 de Fevereiro de 
 
 2002) nos seguintes termos:
 
  
 
 '[...] 
 
  4. De entre as várias garantias postuladas pelo artigo 32º do Diploma Básico, 
 avultam, no caso, as prescrições ínsitas nos seus números 1 e 3 (sendo certo que 
 aquele n.º 3 não deixa, como se assinalou no Acórdão deste Tribunal n.º 512/98, 
 in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 40º Volume, 557 a 564, de se assumir 
 
 “como expressão e concretização das garantias de defesa que o processo criminal 
 deve assegurar”). Assim, mister é saber se a já mencionada interpretação deve 
 ser considerada como postergadora das garantias de defesa em processo criminal, 
 nomeadamente por ofender o direito de livre escolha do defensor por banda do 
 arguido.
 
             Tratando aquele artigo de garantias fundamentais em processo 
 criminal, não poderá deixar de se ter em consideração, na respectiva 
 interpretação, o que se prescreve no n.º 2 do artigo 16º da Constituição. 
 
             Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 138), “o recurso à Declaração, como 
 base interpretativa e integrativa dos preceitos constitucionais e legais 
 relativos aos direitos fundamentais, não dispensa o intérprete e aplicador do 
 direito da necessidade de recurso, em primeiro lugar, de acordo com a regras 
 hermenêuticas, à ordem constitucional dos direitos fundamentais” sendo que “a 
 declaração não assume a natureza de direito constitucional, visto que a 
 Constituição não efectua aqui uma recepção da Declaração enquanto tal, antes 
 remete para ela como parâmetro exterior”, finalizando com a asserção de que 
 
 “[d]e resto, a questão é praticamente irrelevante, pois a Constituição não só 
 consumiu a Declaração - sendo muitas das disposições constitucionais reprodução 
 textual, ou quase textual, de disposições daquela - mas também inclui direitos 
 não referidos na Declaração” (cfr., ainda, Moura Ramos, ob. e local citados e 
 nota 128 a pags. 73). Todavia, não deixa, como é sabido, de haver, na doutrina, 
 divergência sobre o alcance do citado artigo 16º, n.º 2, da Constituição, pois 
 que alguma dela sustenta que existe uma real «constitucionalização» da 
 Declaração Universal dos Direitos do Homem.
 
             De todo o modo, o que se torna inquestionável é que na aludida 
 Declaração se não surpreende qualquer disposição que, directa ou indirectamente, 
 próxima ou remotamente, tenha a ver com a questão da «auto-defesa».
 
             4.1. Não deixa de ser certo, todavia, que na alínea c) do n.º 3 do 
 art.º 6º da Convenção Europeia do Direitos do Homem se estipula que o acusado 
 tem, como mínimo, e entre outros, o direito a [d]efender-se a si próprio ou ter 
 a assistência de um defensor da sua escolha ... .
 
             Comentando aquela alínea, Ireneu Cabral Barreto (in A Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 167 e segs.), refere que as garantias 
 nela oferecidas apresentam-se em três níveis, sendo um deles o da autodefesa do 
 arguido (“Defender-se a si próprio”, nas palavras do anotador), dizendo, em 
 determinada altura (pag. 168) que “[p]or consequência, um acusado que não quer 
 defender-se a si próprio, deve poder recorrer aos serviços de um advogado da sua 
 escolha”.
 
             E, mais adiante:-
 
             “Portanto, só os dois primeiros direitos se apresentam em 
 alternativa, deixados à opção do acusado; poderá esta escolha ser objecto de 
 restrições?
 
             Da leitura do Acórdão no caso Engel e outros, poderia deduzir-se que 
 o acusado que se encontra apto a defender-se por si próprio não terá direito a 
 escolher um defensor; parece preferível, no entanto, entender-se que este 
 direito de escolha de um advogado é deixado à discrição do acusado que, não 
 tendo meios para o remunerar, será assistido por um defensor oficioso.
 
             O direito do acusado de se defender por si próprio não é um direito 
 absoluto, podendo os Estados, pela via legislativa ou por decisão judicial, 
 impor a obrigação de a defesa ser assegurada por um advogado.
 
             Assim, é possível que a representação nas instâncias de recurso seja 
 assegurada por um advogado.
 
             Deixa-se aos Estados a eleição dos meios de defesa do acusado.
 
             Se, podendo fazê-lo, o acusado não assume a sua defesa, o acusado 
 terá, repete-se, o direito à assistência de um advogado da sua escolha.”
 
             
 De outro lado, disposição idêntica à da transcrita parte da alínea c) do n.º 3 
 do art.º 6º se retira da alínea d) do n.º 3 do art.º 14º do Pacto Internacional 
 de Direitos Civis e Políticos, onde se prescreve que qualquer pessoa acusada de 
 infracção penal tem direito a defender-se a si própria (ou ter a assistência de 
 um defensor da sua escolha).
 
             5. Significará isto que os direitos fundamentais consistentes  no 
 asseguramento da totalidade das garantias de defesa em processo penal e na 
 liberdade de escolha de defensor por parte do arguido impõem que este (naquele 
 tipo de processo), ao menos sendo advogado, se o desejar, possa defender-se a si 
 mesmo?
 
             A esta questão responde o Tribunal negativamente.
 
             Efectivamente, a tese do recorrente só seria de aceitar se se 
 partisse de uma posição de harmonia com a qual, sendo o arguido um advogado 
 
 (regularmente inscrito na respectiva Ordem), a sua «auto-representação» no 
 processo criminal contra si instaurado representasse, de modo objectivo, um 
 melhor meio de se alcançar a sua defesa e se a lei processual penal não 
 reconhecesse ao arguido um conjunto de direitos processuais estatuídos, verbi 
 gratia, no art.º 61º no 1 e 63º, n.º 2, quanto a este último avultando o de 
 poder, pelo mesmo arguido. ser retirada eficácia a actos processuais praticados 
 pelo seu defensor em seu nome, se assim o declarar antes da decisão a tomar 
 sobre tal acto.
 
             E é justamente dessa posição que se não pode partir.
 
             Não se nega que, na óptica (naturalmente subjectiva) do recorrente, 
 este possa entender que a sua defesa em processo criminal seria melhor 
 conseguida se fosse prosseguida pelo próprio na qualidade de «advogado de si 
 mesmo», do que se fosse confiada a um outro advogado.
 
             Só que, como este Tribunal já teve oportunidade de salientar (cfr. 
 citado Acórdão n.º 252/97) “«há respeitáveis interesses do próprio interessado, 
 a apontar para a intervenção do advogado, mormente no processo penal», sendo 
 certo que, «mesmo no caso de licenciados em Direito, com reconhecida categoria 
 técnico-jurídica, a sua representação em tribunal através de advogado, em vez da 
 auto-representação, tem a inegável vantagem de permitir que a defesa dos seus 
 interesses seja feita de modo desapaixonada» , ou, como se disse no Acórdão n.º 
 
 497/89 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14º volume, 227 a 
 
 247), “mesmo relativamente aos licenciados em Direito (enquanto parte) se pode 
 afirmar, com Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, p.85), 
 que «às partes faltaria a serenidade desinteressada (fundamento psicológico) 
 
 [...] que se fazem mister à boa condução do pleito»”.
 
             A opção legislativa decorrente da interpretação normativa em causa, 
 que exige que o arguido, mesmo que advogado, seja defendido por um advogado que 
 não ele, não se vê que seja contraditada pela Constituição.
 
             O agir desapaixonado torna-se, desta arte e de modo objectivo, uma 
 garantia mais acrescida no processo criminal, o que só poderá redundar numa mais 
 valia para as garantias que devem ser prosseguidas pelo mesmo processo, sendo 
 certo que, como se viu acima , ao se não poder silenciar a corte de outros 
 direitos consagrados ao arguido pela lei adjectiva criminal, isso redunda na 
 conclusão de que se não descortina uma diminuição constitucionalmente censurável 
 das garantias que o processo criminal deve assegurar.
 
             De outro lado, como resulta da transcrição do acima citado 
 comentador da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o preceituado na alínea 
 c) do n.º 3 do art.º 6º não impede os Estados aderentes de imporem, por via 
 legislativa, a obrigação da representação dos arguidos por intermédio de 
 advogado.
 
             Sequentemente, não se vislumbra que a interpretação normativa em 
 causa seja colidente com qualquer preceito ou princípio constante da lei 
 Fundamental.
 
 [...]'
 
  
 A mesma doutrina fora também acolhida nos acórdãos 497/89 e 252/97.
 Ora, devendo entender-se, em aplicação desta jurisprudência, que não ofende a 
 Constituição a proibição de auto-defesa em processo penal – mesmo no caso de 
 licenciados em direito e de advogados –,  por maioria de razão se há-de entender 
 igualmente inofensiva a norma em causa que proíbe a auto-defesa em recursos 
 penais, quando o arguido interessado não é, sequer, advogado. 
 Improcede, por isso, o recurso.
 Nestes termos, ao abrigo do n. 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se julgar 
 improcedente o recurso interposto por A..
 
  
 Verdadeiramente, o reclamante não contrapõe nenhum argumento com virtualidade 
 para inverter a doutrina que este Tribunal tem perfilhado quanto à conformidade 
 constitucional da norma questionada, sendo certo que essa doutrina não é oposta 
 
 – ao contrário do que afirma o reclamante – à jurisprudência do TEDH. Note-se, 
 todavia, que aquela norma, retirada do artigo 64º n.º 1 alínea d) do Código de 
 Processo Penal, e aplicada com o sentido de que não pode ter seguimento recurso 
 ordinário interposto por arguido sem assistência do defensor que lhe fora 
 nomeado, ou de advogado por ele constituído, tem um alcance normativo bem mais 
 reduzido do que a fórmula que o recorrente invoca na presente reclamação, ao 
 questionar genericamente 'a possibilidade de um arguido em processo penal se 
 poder defender a si próprio rejeitando expressis verbis a possibilidade de ser 
 acompanhado por defensor'. 
 Assim delimitado o âmbito da questão, cumpre reconhecer que a reclamação não 
 abala o entendimento firmado pelo Tribunal, por exemplo, nas decisões já citadas 
 na decisão sumária sob reclamação.
 Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação, confirmando o julgamento de 
 improcedência do recurso interposto. 
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em  20 UC.
 
  
 Lisboa, 13 de Dezembro de 2005
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos