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Processo nº 1020/04
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 
                                    Acordam na 1ª secção do Tribunal 
 Constitucional
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é 
 recorrente o Município de Oeiras e recorrida a Santa Casa da Misericórdia de 
 Lisboa, foi interposto recurso, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, 
 alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 6 de Outubro de 2004, que 
 reconheceu à ora recorrida isenção do pagamento de tarifa de conservação de 
 esgotos, confirmando sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
 
  
 
 2. A ora recorrida impugnou junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância de 
 Lisboa o «acto de cobrança da tarifa de conservação de esgotos por parte dos 
 Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras», invocando a sua 
 isenção pessoal, ao abrigo do disposto nos artigos 13º, alínea a), do 
 Decreto-Lei nº 40 397, de 24 de Novembro de 1955 e 34º dos Estatutos da Santa 
 Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de 
 Agosto. Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi 
 por este tribunal proferida sentença, em 29 de Março de 2004, que julgou 
 procedente a impugnação e anulou as liquidações impugnadas.
 
  
 
 3. No recurso que interpôs para o Supremo Tribunal Administrativo, peça 
 processual que o recorrente identifica como aquela em que suscitou a questão de 
 inconstitucionalidade (cf. fl. 101), o Município de Oeiras sustentou e concluiu, 
 para o que agora releva, o seguinte:
 
  
 
 «(…) Na sentença recorrida e na esteira do acórdão do S.T.A. de 9.10.2002, foi 
 decidido que a Misericórdia de Lisboa estava isenta do pagamento das tarifas em 
 causa, considerando que o art.º 13.º, alinea a), do Decreto-Lei n.º 40397, de 
 
 24.11.1955, estabelece que a mesma goza de isenção de impostos, contribuições, 
 taxas ou licenças do Estado ou dos corpos administrativos, seja de que natureza 
 forem, e que o art.º 34.º do Estatutos da mesma Misericórdia, aprovados pelo 
 Decreto-Lei n.º 322/91, manteve a favor da mesma instituição todas as isenções 
 que lhe foram concedidas por lei.
 
 4. Ora, a alínea a) do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40397, na parte que isenta 
 a Misericórdia de impostos, contribuições, taxas ou licenças dos corpos 
 administrativos, foi derrogada por força do art.º 293.º, n.º 1, da Constituição 
 de 1976 (texto inicial) uma vez que contrariava os princípios consignados na 
 nova Lei Fundamental, designadamente o princípio da autonomia do poder local 
 consignado no n.º 1 do art.º 6.º e nos art.ºs 237.º e segts.
 Mesmo que assim se não entendesse, o que se admite sem conceder, a referida 
 norma ter-se-á de considerar derrogada pela 1.ª Lei das Finanças Locais (Lei n.º 
 
 1/79, de 2 de Janeiro) que passou a regular tudo o que se refere a receitas 
 municipais. No caso de se sustentar que a Lei n.º 1/79 não se refere a isenções 
 e, consequentemente, continuará em vigor a isenção do Decreto- Lei n.º 40397, 
 essa tese seria afastada pelo Decreto-Lei n.º 98/84, de 29 de Março, feito pelo 
 Governo no uso de autorização legislativa da Assembleia da República, o qual no 
 seu art.º 29.º enumera as entidades isentas do pagamento de “todas as taxas e 
 encargos de mais valia”.
 Assim, estando as isenções fixadas nessa 2.ª Lei das Finanças Locais 
 
 (Decreto-Lei n.º 98/84) deixaram de vigorar as que constavam de diploma do 
 chamado Estado Novo, que, não pode ser olvidado, atentavam contra a autonomia do 
 poder local constitucionalmente consignado.
 
 5. Temos ainda o Decreto-Lei n.º 322/91 que pretende reafirmar a vigência das 
 isenções estabelecidas no diploma de 1955, através do texto do art.º 34.º dos 
 Estatutos que aprovados por aquele diploma.
 Acontece, no entanto, que a constitucionalidade dessa norma, na vertente da sua 
 aplicabilidade às autarquias comuns, não resiste ao mais ligeiro exame.
 Na verdade a Constituição da República Portuguesa, na versão então em vigor, 
 estabelecia no art.º 168.º, n.º 1, alínea s), que era da exclusiva competência 
 da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o 
 estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais.
 O Decreto-Lei n.º 322/91, invoca no seu preâmbulo a competência do Governo 
 referida na alínea a) do n.º 1 do art.º 201.º da Constituição, ou seja, a de 
 
 “fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República”.
 Assim sendo, carecia o Governo de competência para fazer decretos-leis sobre as 
 finanças locais, pelo que o art.º 34.º dos Estatutos aprovados por esse 
 Decreto-Lei não pode reportar-se a quaisquer taxas ou tarifas municipais, sob 
 pena de ostensiva inconstitucionalidade (...).
 
 10. Conclusões:
 a) As isenções de tarifas ou taxas municipais não se presumem e terão de estar 
 determinadas em norma jurídica válida e eficaz.
 b) A alínea a) do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40397, na parte que isenta a 
 Misericórdia de Lisboa de impostos, contribuições, taxas ou licenças municipais, 
 foi derrogada pelo disposto no art.º 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976, na 
 sua versão inicial, uma vez que a mesma contrariava o princípio da autonomia do 
 poder local consignado no n.º 1 do art.º 6.º e nos art.ºs 237.º e segts. da Lei 
 Fundamental.
 c) Mesmo que assim se não entenda, a norma da referida alínea a) do art.º 13.º 
 do Decreto-Lei n.º 40397 foi derrogada pela Lei n.º 1/79, que passou a regular 
 tudo o que respeita a receitas municipais.
 d) Por outro lado, passando as isenções de taxas a estar estabelecidas no art.º 
 
 29.º do Decreto-Lei n.º 98/84 (2.ª Lei das Finanças Locais) deixaram de vigorar 
 todas as isenções que constavam em diplomas anteriores, designadamente as que 
 provinham da legislação do chamado Estado Novo, isto na hipótese de se 
 considerar que a Misericórdia de Lisboa continuava a gozar de isenção.
 e) A interpretação do art.º 34.º dos Estatutos aprovados do Decreto-Lei n.º 
 
 322/91, na parte que pretende abranger as autarquias locais, quando se reafirma 
 a manutenção das isenções previstas no Decreto- Lei n.º 40397, é 
 inconstitucional.
 f) Com efeito, falecia competência ao Governo legislar sobre o regime de 
 finanças locais, porquanto a Constituição, na versão então em vigor, deferia no 
 seu art.º 168.º, n.º 1, alínea s), essa competência à Assembleia da República, 
 que a podia autorizar ao Governo, o que não foi o caso.
 g) Por outro lado, mesmo que se entenda que a Misericórdia goze actualmente das 
 isenções previstas no aludido Decreto-Lei n.º 40397, as tarifas são realidades 
 distintas das taxas, distinção essa que a Lei n.º 1/87, então em vigor, teve a 
 preocupação de evidenciar nos seus art.ºs 11.º, 12.º e 27.º.
 h) Finalmente e na hipótese remota da vigência das isenções consignadas na 
 alínea a) do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40397, a actual interpretação dessa 
 norma terá de ser feita considerando as regras constantes do art.º 9.º do Código 
 Civil, designadamente a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que 
 aquele diploma foi elaborado e as condições especificas do tempo em que é 
 aplicado, o que conduz necessariamente à sua não aplicabilidade às tarifas de 
 conservação de esgotos.
 i) A sentença recorrida não teve em conta o que se acaba de referir , pelo que 
 não poderá ser mantida na ordem jurídica».
 
  
 
 4. O Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, por acórdão de 
 
 6 de Outubro de 2004, que constitui a decisão recorrida no presente recurso de 
 constitucionalidade:
 
  
 
 «(...) Estabelece a alínea a) do art. 13° do Decreto Lei n. 40.397, de 24/11/55, 
 que a Misericórdia de Lisboa goza de isenção de impostos, contribuições, taxas 
 ou licenças do Estado ou corpos administrativos, seja de que natureza forem.
 O recorrente sustenta que a recorrida não goza da isenção que lhe foi 
 inicialmente atribuída por lei, pois, na sua perspectiva, a referida alínea a) 
 do art. 13.º do Decreto Lei n. 40397 foi revogada pela Constituição (art°s. 
 
 293°, 1, da Constituição de 1976), ou, a não se entender assim, pela Lei n. 
 
 1/79, que passou a regular tudo o que respeita a receitas municipais, sendo que 
 o Diploma que substituiu aquele Dec.-Lei n. 40397(o DL 322/91), é 
 inconstitucional, no segmento respeitante a isenções respeitantes às finanças 
 locais, por o Governo não estar provida da necessária credencial passada pela 
 Assembleia da República, pois se estava no domínio reservado desta. Acresce que 
 o art. 29° do DL n. 98/84 (2ª Lei das Finanças Locais) passou a estabelecer 
 quais as entidades isentas de taxas, aí não figurando a recorrida.
 Que dizer?
 Pois bem.
 No tocante a este último aspecto, não é possível dele extrair tal conclusão, 
 pois pelo facto de aí se estabelecer que o Estado e seus institutos e organismos 
 autónomos personalizados (e a Misericórdia de Lisboa era então não um instituto 
 público mas uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública 
 administrativa) estão isentos de taxas não significa que outras entidades não 
 estejam igualmente isentos das referidas taxas. Ponto é que diploma legal 
 apropriado fixe tais isenções para outras entidades.
 Assim sendo, resta-nos a outra tese do recorrente que sustenta que o primitivo 
 diploma (Decreto. Lei n. 40397) foi revogado, seja pela Constituição, seja pela 
 Lei das Finanças Locais, sendo que o Diploma que o substituiu (o DL 322/91) é 
 inconstitucional.
 Que dizer .
 Entendemos que, quer a Constituição quer a Lei das Finanças Locais não revogaram 
 o já citado Decreto. Lei n. 40397, no segmento ora em apreciação.
 Não se vê em que medida tal isenção tenha sido revogada, pois a autonomia do 
 poder local, vazada na lei constitucional, não pode ter como consequência o 
 termo dessas isenções. A menos que o legislador ordinário o declarasse 
 expressamente. O que não aconteceu.
 Defende o recorrente que o art. 34° do Decreto-Lei n. 322/91, de 26/8 é 
 inconstitucional, já que este Diploma, no que contende com as finanças locais é 
 inconstitucional, por não estar o governo provido com a necessária credencial da 
 Assembleia da República para legislar no sentido de isentar a Santa Casa da 
 Misericórdia de Lisboa da tarifa em causa.
 O art. 34° do citado diploma estatui: “mantêm-se a favor da Misericórdia de 
 Lisboa todas as isenções que lhe foram conferidas por lei”. Significa isto desde 
 logo que o legislador ordinário entende que o referido Dec. -Lei n. 40397 estava 
 em vigor, no tocante à referida isenção, ao referir expressamente a palavra 
 
 “mantêm-se”.
 A alegada inconstitucionalidade desta norma, mesmo a verificar-se, não pode ter 
 pois a virtualidade pretendida pelo recorrente.
 Assim, e no tocante à citada isenção, a mesma encontra arrimo legal na já citada 
 alínea a) do art. 13° do Decreto. Lei n. 40397 (…)».
 
  
 
 5. Foi então interposto recurso para este Tribunal. Do teor do requerimento de 
 interposição de recurso, objecto de subsequente aperfeiçoamento, resulta que o 
 recorrente pretende que o Tribunal aprecie:
 
  
 
 «(…) a constitucionalidade das normas constantes da alínea a) do art.º 13.º do 
 Decreto- Lei n.º 40397, de 24 de Novembro de 1995 [1955] e do art.º 34.º dos 
 Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei 
 n.º 322/91, de 26 de Agosto, esta última na: interpretação que lhe foi dada pelo 
 Tribunal a quo no sentido de abranger as taxas e, tarifas cobradas pelas 
 autarquias locais».
 
  
 Sustenta o recorrente que:
 
  
 
 «b.1)    A norma da alínea a) do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40397 viola o 
 disposto no art.º 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976, na sua versão inicial, 
 uma vez que esta disposição normativa revoga aquela.
 Além disso, a referida alínea a) do citado art.º 13.º viola o princípio da 
 autonomia do poder local consignado no n.º 1 do art.º 6.º e nos art.ºs 237.º e 
 seguintes da Lei Fundamental.
 b.2)     A norma do art.º 34.º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de 
 Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 322/91, viola o preceituado na alínea a) 
 do n.º 1 do art.º 201.º da Constituição, uma vez que é da exclusiva competência 
 da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, que não foi concedida, 
 legislar sobre o estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças 
 locais».
 
  
 
 6. O recorrente e a recorrida apresentaram alegações, concluindo o primeiro da 
 seguinte forma:
 
  
 
 «a) A norma constante da alínea a) do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40 397, na 
 parte em que isenta a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de quaisquer 
 impostos, contribuições, taxas ou licenças das autarquias encontra-se derrogada 
 pelo disposto no n.º 1 do art.º 293.º da Constituição de 1976, na sua versão 
 inicial.
 b) Com efeito, essa norma é contrária ao princípio da autonomia das autarquias 
 locais e ao princípio da autonomia financeira das mesmas entidades, consagrados 
 respectivamente nos art.ºs 6.º, n.º 1 e 240.º, n.º 1, da Lei Fundamental, na 
 versão inicial.
 c) O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, ao considerar em vigor a alínea 
 a) do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40397, para fundamentar o sentido da 
 decisão, aplica norma inconstitucional, já que a mesma viola o disposto nos 
 art.ºs 293.º, n.º 1, 6.º, n.º 1 e 240.º, n.º 1, da Constituição de 1976, na sua 
 referida versão inicial.
 d) O art.º 34.º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados 
 pelo Decreto-Lei n.º 322/91 abrange somente as isenções então em vigor, ou seja, 
 as que não respeitassem às autarquias locais.
 e) É inconstitucional a interpretação que foi dada no acórdão recorrido a esse 
 art.º 34.º, já que, a considerar-se que se mantêm as isenções respeitantes às 
 autarquias locais, são violados igualmente os princípios constitucionais da 
 autonomia das autarquias locais e da sua autonomia financeira.
 f) Para além dessa inconstitucionalidade, a norma do art.º 34.º atenta contra o 
 disposto na alínea s) do n.º 1 do art.º 168.º da Constituição, na versão em 
 vigor à data da publicação do Decreto-Lei n.º 322/91.
 g) Na verdade, legislar sobre o regime das finanças locais, onde se integram as 
 isenções de taxas e tarifas, é da exclusiva competência da Assembleia da 
 República, salvo autorização ao Governo.
 h) A Assembleia da República não concedeu ao Governo qualquer autorização para 
 legislar sobre essa matéria.
 i) De resto, o Governo, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 322/91, sublinha que o 
 diploma é feito ao abrigo do disposto na alínea a) do art.º 201.º da 
 Constituição, ou seja, no uso de competência própria.
 Deste modo, o Supremo Tribunal Administrativo aplicou normas inconstitucionais 
 para fundamentar o sentido do acórdão recorrido».
 
  
 
 7. Suscitando-se questões que poderiam obstar ao conhecimento do objecto do 
 recurso – designadamente, a não suscitação, durante o processo, da questão de 
 inconstitucionalidade relativa ao artigo 13º, alínea a), do Decreto-Lei nº 40 
 
 397 e a inutilidade do conhecimento da questão suscitada quanto ao artigo 34º 
 dos Estatutos –, foram as partes notificadas para se pronunciarem, em 
 cumprimento do disposto no artigo 704º, nº 1, do Código de Processo Civil, 
 aplicável por força do artigo 69º da LTC. 
 Respondeu apenas o recorrente, pela forma seguinte:
 
  
 
 «1. O recorrente deu cumprimento ao disposto no n.º 2 do art.º 75.º-A da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, fazendo constar do requerimento de interposição do 
 recurso, designadamente do que resultou do despacho de aperfeiçoamento, “a norma 
 ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça 
 processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou 
 ilegalidade”.
 
 2. Efectivamente, o recorrente indicou como inconstitucionais:
 a)  a norma constante da alínea a) do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40397, de 
 
 24.11.1995 [1955], por violar o disposto no art.º 293.º, n.º 1, da Constituição 
 de 1976 e ainda por violar o princípio da autonomia do poder local, consagrado 
 no n.º 1 do art.º 6.º e nos art.ºs 237.º e seguintes da mesma Lei Fundamental.
 b)  A norma do art.º 34.º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 
 aprovados pelo Decreto-Lei n.º 322/91, de 26 de Agosto, por violação do 
 estatuído na alínea a) do n.º 1 do art.º 201.º da Constituição.
 
 3. Indicou que a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nas alegações do 
 recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo e que foram 
 apresentadas no Supremo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 12 de Maio 
 de 2003.
 
 4. Acontece que, em relação à alínea a) do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40397, 
 no item 4. das referidas alegações, o Município de Oeiras disse textualmente:
 
 “Ora, a alínea a) do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40397; na parte que isenta a 
 Misericórdia de impostos, contribuições, taxas ou licenças dos corpos 
 administrativos, foi derrogada por força do art.º 293.º, n.º 1, da Constituição 
 de 1976 (texto inicial uma vez que contrariava os princípios consignados na nova 
 Lei Fundamental, designadamente o principio da autonomia do poder local 
 consignado no n.º 1 do art.º 6.º e nos art.ºs 237.º e segts.”
 
 5. Deste modo, considera o recorrente que foi suscitada a questão da 
 constitucionalidade da referida norma que, a considerar-se em vigor, como 
 entendeu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e o Supremo Tribunal 
 Administrativo, viola o disposto no art.º 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976 
 e o princípio da autonomia do poder local consagrado no n.º 1 do art.º 6.º e nos 
 art.ºs 237.º e segts. da mesma Lei Fundamental.
 
 6. Quanto à inconstitucionalidade do art.º 34.º dos Estatutos da Santa Casa da 
 Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 322/91, a questão da sua 
 inconstitucionalidade foi abordada no item 5. das aludidas alegações, em termos 
 que não suscitam quaisquer dúvidas no que respeita à exigência contida na alínea 
 b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82.
 
 7. Ao invés que sustenta no despacho em apreço e mesmo que se viesse a 
 considerar que não foi suscitada a inconstitucionalidade da norma da alínea a) 
 do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40397, bastaria a invocação da 
 inconstitucionalidade do art.º 34.º dos citados Estatutos, para que o Venerando 
 Tribunal Constitucional conhecesse dessa situação.
 
 8. Efectivamente e na opinião do recorrente, a declaração da 
 inconstitucionalidade da norma do citado art.º 34.º conduzirá a que seja anulado 
 o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que a 
 declarar-se que é inconstitucional a norma que dispõe que: “Mantém-se, a favor 
 da Misericórdia de Lisboa, todas as isenções que lhe foram conferidas por lei”, 
 deixará a Misericórdia de beneficiar da isenção de tarifas de conservação de 
 esgotos».
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. Resulta do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional que o recorrente pretende a apreciação da norma da alínea a) do 
 artigo 13º do Decreto-Lei nº 40 397 de 1955, por violação do disposto no artigo 
 
 293º, n.º 1, da Constituição de 1976, na sua versão inicial, e do princípio da 
 autonomia do poder local consignado no nº 1 do artigo 6º e nos artigos 237º e 
 seguintes da Lei Fundamental; e da norma do artigo 34º dos Estatutos da Santa 
 Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei nº 322/91, por 
 violação do preceituado na alínea a) do nº 1 do artigo 201º da Constituição.
 Porém, este Tribunal entende que não pode conhecer-se do objecto do recurso, na 
 parte que se refere a esta última norma.
 Como resulta de quanto acima ficou relatado, o tribunal recorrido concluiu, por 
 decisão que não cabe nos poderes de cognição deste Tribunal sindicar, que o 
 artigo 13º, alínea a), do Decreto-Lei nº 40 397 mantém a sua vigência na ordem 
 jurídica, tendo fundado em tal norma a isenção tributária que reconheceu à 
 recorrida. Escreveu-se na decisão recorrida:
 
  
 
 «Entendemos que, quer a Constituição quer a Lei das Finanças Locais não 
 revogaram o já citado Decreto. Lei n. 40397, no segmento ora em apreciação.
 Não se vê em que medida tal isenção tenha sido revogada, pois a autonomia do 
 poder local, vazada na lei constitucional, não pode ter como consequência o 
 termo dessas isenções. A menos que o legislador ordinário o declarasse 
 expressamente. O que não aconteceu.
 Defende o recorrente que o art. 34° do Decreto-Lei n. 322/91, de 26/8 é 
 inconstitucional, já que este Diploma, no que contende com as finanças locais é 
 inconstitucional, por não estar o governo provido com a necessária credencial da 
 Assembleia da República para legislar no sentido de isentar a Santa Casa da 
 Misericórdia de Lisboa da tarifa em causa.
 O art. 34° do citado diploma estatui: “mantêm-se a favor da Misericórdia de 
 Lisboa todas as isenções que lhe foram conferidas por lei”. Significa isto desde 
 logo que o legislador ordinário entende que o referido Dec. -Lei n. 40397 estava 
 em vigor, no tocante à referida isenção, ao referir expressamente a palavra 
 
 “mantêm-se”.
 A alegada inconstitucionalidade desta norma, mesmo a verificar-se, não pode ter 
 pois a virtualidade pretendida pelo recorrente.
 Assim, e no tocante à citada isenção, a mesma encontra arrimo legal na já citada 
 alínea a) do art. 13° do Decreto. Lei n. 40397 (…)» (sublinhado aditado).
 
  
 O acórdão recorrido entendeu ser bastante, para reconhecer a isenção do 
 pagamento da tarifa em causa nos autos, a estatuição constante do diploma de 
 
 1955. A fundamentação da decisão não assenta no teor do artigo 34º dos Estatutos 
 da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, decorrendo antes de tal fundamentação 
 que, para o efeito de reconhecer a isenção, se pode prescindir de tal norma, 
 pois que o resultado decorre da aplicação do artigo 13º, alínea a), do 
 Decreto-Lei nº 40 397.
 Coloca-se, assim, quanto àquela norma dos Estatutos, a questão da utilidade do 
 recurso interposto para o Tribunal Constitucional, que decorre do facto de estar 
 em causa um verdadeiro recurso e não uma mera análise, em abstracto, da 
 conformidade constitucional da norma indicada. A este propósito, concluiu o 
 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 366/96, que «não visando os recursos 
 dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade 
 do recurso de constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o uma mera 
 questão académica sem qualquer interesse processual, pelo que a averiguação 
 deste interesse representa uma condição da admissibilidade do próprio recurso» 
 
 (Diário da República, II Série, de 10 de Maio de 1996).
 A decisão de constitucionalidade apresenta, em sede de fiscalização concreta, 
 uma «função instrumental», ou seja, a decisão da questão de constitucionalidade 
 tem de «influir utilmente na decisão da questão de fundo» (Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 169/92, Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de 
 
 1992). Em consequência do carácter instrumental deste recurso, a respectiva 
 utilidade – ou seja, a susceptibilidade de repercussão do julgamento da questão 
 de constitucionalidade na decisão recorrida – surge como condição do seu 
 conhecimento (neste sentido, Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 366/96, já 
 citado, 463/94, Diário da República, II Série, de 22 de Novembro de 1994, e 
 
 687/2004, não publicado; e Victor Calvete, «Interesse e relevância da questão de 
 constitucionalidade, instrumentalidade e utilidade do recuso de 
 constitucionalidade – quatro faces de uma mesma moeda», Estudos em Homenagem ao 
 Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, p. 424).
 Se assim não sucede, falta utilidade ao recurso. No caso presente, considerado o 
 teor da decisão recorrida, importa concluir que, ainda que o Tribunal 
 Constitucional se pronunciasse pela inconstitucionalidade da norma contida no 
 citado artigo 34º, tal pronúncia não teria a virtualidade de se reflectir 
 utilmente no processo, pois que subsistiria a argumentação efectuada pelo 
 tribunal recorrido quanto à vigência do artigo 13º, alínea a), do Decreto-Lei nº 
 
 40 397 e à sua suficiência para fundamentar a isenção da recorrida. De resto, 
 esta mesma conclusão pode ler-se na decisão do Supremo Tribunal Administrativo, 
 quando conclui:
 
  
 
 «A alegada inconstitucionalidade desta norma [artigo 34º do Decreto-Lei nº 
 
 322/91], mesmo a verificar-se, não pode ter pois a virtualidade pretendida pelo 
 recorrente».
 
  
 Face à estrutura decisória do acórdão recorrido, não pode, pois, acompanhar-se a 
 afirmação do recorrente segundo a qual, na sua opinião, «a declaração da 
 inconstitucionalidade da norma do citado artº 34º conduzirá a que seja anulado o 
 acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que a 
 declarar-se que é inconstitucional a norma que dispõe que: “Mantém-se, a favor 
 da Misericórdia de Lisboa, todas as isenções que lhe foram conferidas por lei”, 
 deixará a Misericórdia de beneficiar da isenção de tarifas de conservação de 
 esgotos».
 Assim, nesta parte, impõe-se concluir pelo não conhecimento do objecto do 
 recurso.
 
  
 
 2. Face à delimitação efectuada, importa apreciar, do ponto de vista 
 jurídico-constitucional, a norma contida no artigo 13º, alínea a), do 
 Decreto-Lei nº 40 397, de 24 de Novembro de 1955. 
 O preceito tem a seguinte redacção:
 
  
 
 «Art. 13.º A Misericórdia goza de isenção de:
 a) Impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou dos corpos 
 administrativos, sejam de que natureza forem;
 
 (...)».
 
  
 
 3. Esta norma integra o direito ordinário anterior à entrada em vigor da 
 Constituição da República Portuguesa (CRP). Sobre a questão de saber, face ao 
 disposto no artigo 290º, nº 2, da CRP, se o Tribunal Constitucional tem 
 competência para conhecer da constitucionalidade daquele direito e, na 
 afirmativa, qual a dimensão dessa competência, «é ponto assente na 
 jurisprudência constitucional (primeiro da CC e, hoje, do TC) que o juízo de 
 inconstitucionalidade tendente a apurar se o direito ordinário 
 pré-constitucional se mantém ou não em vigor está em tudo sujeito ao regime 
 geral da fiscalização da constitucionalidade previsto na Constituição (salvo no 
 que respeita aos efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade, que 
 apenas podem remontar à data da entrada em vigor da Constituição da República 
 Portuguesa, ou seja, 25-4-76)» – Acórdão nº 82/84, Diário da República, II 
 Série, de 31 de Janeiro de 1985. Sobre a sujeição do direito ordinário 
 pré-constitucional ao regime geral de fiscalização da constitucionalidade, podem 
 ver-se, entre outros, os Acórdãos nºs 313/85, Diário da República, II Série, de 
 
 12 de Abril de 1986 e 298/91, Boletim do Ministério da Justiça, nº 409, p. 37.
 Porém, o «confronto a que há que proceder entre o direito ordinário anterior e a 
 Constituição é restrito à questão da compatibilidade material entre o conteúdo 
 do direito anterior e as normas ou princípios constitucionais» (Gomes 
 Canotilho/Vital Moreira Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra 
 Editora, 1993, anotação ao artigo 290º, ponto VI. Neste sentido, entre outros, 
 cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 313/85, não publicado, 201/86 e 
 
 446/91, Diário da República, II Série, de 26 de Agosto de 1986 e de 2 de Abril 
 de 1992).
 
  
 
 4. Nos presentes autos, o recorrente configura a questão de constitucionalidade 
 de um ponto de vista material, sustentando que a norma em apreço viola o 
 disposto no artigo 293º, n.º 1, da Constituição de 1976, na sua versão inicial, 
 e o princípio da autonomia do poder local consignado no nº 1 do artigo 6º e nos 
 artigos 237º e seguintes da Lei Fundamental [também na versão inicial].
 O artigo 6º, nº 1, da CRP, na redacção da Lei Constitucional nº 1/2005, de 12 de 
 Agosto, tem a seguinte redacção:
 
  
 
 «O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime 
 autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das 
 autarquias locais e da descentralização democrática da Administração Pública».
 
  
 Por seu turno, os artigos 235º e seguintes da CRP, na redacção daquela Lei 
 Constitucional, contêm os Princípios gerais do Título relativo ao Poder Local, 
 importando reter, para a questão em apreciação, os seguintes preceitos:
 
  
 
 «Artigo 235º
 
 (Autarquias locais)
 
  
 
 1. (…)
 
 2. As autarquias locais são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos 
 representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações 
 respectivas.
 
  
 Artigo 238º
 
 (Património e finanças locais)
 
  
 
 1. As autarquias locais têm património e finanças próprios.
 
 2. (…)
 
 3. As receitas próprias das autarquias locais incluem obrigatoriamente as 
 provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus 
 serviços.
 
 4. (…)».
 
  
 
 5. Atento o teor do artigo 13º, alínea a), do Decreto-Lei nº 40 397, de 24 de 
 Novembro de 1955, pese embora o recorrente se refira genericamente à autonomia 
 local, importa considerar especificamente a autonomia financeira das autarquias 
 locais – «um pressuposto ou um elemento da autonomia local» –, que o artigo 238º 
 da CRP caracteriza «pela existência de “património e finanças próprias”, 
 incluindo obrigatoriamente nas receitas próprias “(…) as cobradas pela 
 utilização dos seus serviços”» (Artur Maurício, «A garantia constitucional da 
 autonomia local à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional», Estudos em 
 Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, vol. I, Coimbra Editora, 
 
 2003, p. 644 e s.). De facto, a questão que se põe nos presentes autos é a de 
 saber se a autonomia financeira das autarquias locais, assim caracterizada, é 
 ofendida pela norma que isenta a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de taxas 
 
 (no sentido de a tarifa de conservação de esgotos ser uma taxa, cf. Acórdão do 
 Tribunal Constitucional nº 76/88, Diário da República, I Série, de 21 de Abril 
 de 1988).
 Com interesse para a presente decisão pode ler-se no Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 288/2004 (Diário da República, II Série, de 9 de Junho de 
 
 2004) – aresto que apreciou a norma que atribuía à concessionária de serviço 
 público de telecomunicações o direito de ocupação e utilização de vias de 
 comunicação do domínio público, com isenção total de taxas e quaisquer outros 
 encargos, sempre que tal se mostre necessário à implantação das infra-estruturas 
 de telecomunicações ou para a passagem de diferentes partes da instalação ou 
 equipamentos necessários à exploração do objecto da concessão – o seguinte:
 
  
 
 «Também quanto à norma do artigo 29º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 40/95, de 15 
 de Fevereiro, ora em causa, se impõe a conclusão de que ela não viola, nem a 
 autonomia financeira, nem a garantia de obtenção de receitas a partir do 
 património das autarquias locais.
 Importa começar por notar que está em causa a prossecução de uma indiscutível 
 finalidade pública – assegurar a existência de um serviço público de 
 telecomunicações (cfr. o artigo 8º, n.º 1, da citada Lei n.º 91/97, segundo o 
 qual ao Estado incumbe assegurar a existência e disponibilidade de um serviço 
 universal de telecomunicações) – com clara relevância constitucional, e que tem 
 de ser prosseguida a nível nacional.
 Ainda que não expressamente autonomizada como incumbência do Estado – ao 
 contrário do que acontece noutras Constituições (assim, na Lei Fundamental 
 alemã, onde a própria estrutura federal do Estado torna necessária uma norma 
 como o artigo 73º, n.º 7, que atribui à Federação competência exclusiva em 
 matéria de telecomunicações) – a manutenção, ou a criação de condições para a 
 existência, de um serviço público de telecomunicações constitui uma forma de 
 prossecução de objectivos com relevância constitucional (…).
 A existência e a disponibilidade de um serviço público de telecomunicações de 
 
 âmbito nacional corresponde, pois, a um interesse público que transcende o 
 
 âmbito das autarquias locais. Trata-se, também aqui, de uma matéria que respeita 
 
 “ao interesse geral da comunidade constituída em Estado”, e que ultrapassa “o 
 universo dos interesses específicos das comunidades locais, aquele mesmo que se 
 desenvolve num horizonte de proximidade, participação, controlabilidade e 
 auto-responsabilidade e que funda a legitimação democrática do poder local”».
 
  
 Também quanto à norma que importa apreciar nos presentes autos é de afirmar que 
 estão em causa interesses que transcendem o âmbito das autarquias locais, 
 ultrapassando o universo dos interesses específicos das comunidades locais, 
 atendendo aos fins estatutários e ao âmbito territorial da Santa Casa da 
 Misericórdia de Lisboa (artigos 2º e 4º dos Estatutos, aprovados pelo 
 Decreto-Lei nº 322/91). Nomeadamente, por esta pessoa colectiva de utilidade 
 pública administrativa prosseguir humanitária e benemerentemente fins de acção 
 social, prestação de cuidados de saúde, de educação e cultura e de promoção da 
 qualidade de vida, sobretudo em proveito dos mais desprotegidos (artigos 1º, nº 
 
 1, e 2º, nº 1, dos Estatutos), com clara relevância constitucional (cf. artigos 
 
 63º, nº 5, 64º, nº 1, 65º, nº 1, e 73º, nº 1, da CRP e, ainda, Acórdão do 
 Tribunal Constitucional nº 309/2001, Diário da República, II Série, de 19 de 
 Novembro de 2001). 
 Assim sendo, a norma que isenta a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de taxas, 
 contida na alínea a) do artigo 13º do Decreto-Lei nº 40 397, de 24 de Novembro 
 de 1955, não ofende o disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 238º da CRP.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se:
 a) Não tomar conhecimento do objecto do recurso, quanto à norma contida no 
 artigo 34º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo 
 Decreto-Lei n.º 322/91, de 26 de Agosto;
 b) Negar provimento ao recurso, no que se refere ao artigo 13º, alínea a), do 
 Decreto-Lei nº 40 397, de 24 de Novembro de 1955.
 Sem custas, face à isenção do recorrente.
 Lisboa, 3 de Maio de 2006
 Maria João Antunes (vencida quanto ao conhecimento da questão relativa ao artigo 
 
 13.º , alínea a) do Decreto Lei n.º 40397, nos termos da declaração que se 
 junta).
 Carlos Pamplona de Oliveira – vencido quanto ao conhecimento nos termos da 
 declaração da Senhora Conselheira Relatora.
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício
 
  
 Declaração
 
  
 
  
 Votei vencida quanto ao conhecimento da norma constante da alínea a) do artigo 
 
 13º do Decreto-Lei nº 40397, de 24 de Novembro de 1955, por não se verificar um 
 dos requisitos do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da CRP e 
 na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC: a suscitação, durante o processo, da 
 questão de inconstitucionalidade que se pretende que o Tribunal aprecie.
 De facto, resulta dos autos que o recorrente não suscitou, durante o processo, 
 qualquer questão de inconstitucionalidade da norma, o que só veio a fazer no 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Antes 
 deste momento processual, a alegação do recorrente no que respeita à norma em 
 causa prendeu-se sempre (e só) com a questão da respectiva vigência, tendo 
 sustentando, por várias razões, que não se encontrava em vigor, à data da sua 
 aplicação. É o que sucede, designadamente, na peça processual indicada pelo 
 recorrente, em cumprimento do disposto na parte final do nº 2 do artigo 75º-A, 
 da LTC. Ali se escreveu:
 
  
 
 «(…) a alínea a) do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40397, na parte que isenta a 
 Misericórdia de impostos, contribuições, taxas ou licenças dos corpos 
 administrativos, foi derrogada por força do art.º 293.º, n.º 1, da Constituição 
 de 1976 (texto inicial) uma vez que contrariava os princípios consignados na 
 nova Lei Fundamental, designadamente o princípio da autonomia do poder local 
 consignado no n.º 1 do art.º 6.º e nos art.ºs 237.º e segts (…).
 b) A alínea a) do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 40397, na parte que isenta a 
 Misericórdia de Lisboa de impostos, contribuições, taxas ou licenças municipais, 
 foi derrogada pelo disposto no art.º 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976, na 
 sua versão inicial, uma vez que a mesma contrariava o princípio da autonomia do 
 poder local consignado no n.º 1 do art.º 6.º e nos art.ºs 237.º e segts. da Lei 
 Fundamental» (iálico aditado).
 
  
 Durante o processo, a Constituição foi invocada apenas para alicerçar a 
 derrogação da norma e não para sustentar, nos termos exigidos pelos artigos 
 
 280º, nº 1, alínea b), da CRP e 70º, nº 1, alínea b) e 72º, nº 2, da LTC, a 
 respectiva inconstitucionalidade. Disso mesmo é significativo o facto de o 
 recorrente, durante o processo, se ter referido sempre à “Constituição de 1976, 
 na sua versão inicial”. Na verdade, se estivesse em causa um juízo de 
 inconstitucionalidade da norma, só o texto constitucional vigente poderia servir 
 como parâmetro de aferição da constitucionalidade da alínea a) do artigo 13º do 
 Decreto-Lei nº 40 397. Como o recorrente apenas sustentou a derrogação da norma, 
 referiu-se sempre à versão inicial do texto constitucional, aquele que, em seu 
 entender, a teria derrogado.
 O recorrente não chegou, pois, a formular, quanto à norma contida no artigo 13º, 
 alínea a), do Decreto-Lei nº 40 397, uma questão de inconstitucionalidade, não 
 tendo admitido, sequer subsidiariamente, a respectiva vigência para, então, a 
 confrontar com a CRP, já que apenas normas em vigor podem ser – ou não – 
 conformes à Constituição. Não se estranha, por conseguinte, que o tribunal 
 recorrido se tenha limitado, neste tocante, a aferir da vigência da norma, 
 concluindo, por segmento decisório que não cabe a este Tribunal sindicar, que a 
 mesma se mantém em vigor. De facto, não foi suscitada uma questão de 
 inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer 
 
 (nº 2 do artigo 72º da LTC).
 Como já foi dito, foi só no requerimento de interposição de recurso para este 
 Tribunal que o recorrente formulou, pela primeira vez, no que respeita à norma 
 em causa, uma questão de constitucionalidade. Ora, “(…) a inconstitucionalidade 
 de uma norma jurídica só se suscita durante o processo, quando tal questão se 
 coloca perante o tribunal recorrido a tempo de ele a poder decidir e em termos 
 de ficar a saber que tem essa questão para resolver (...). 
 Bem se compreende que assim seja, pois que, se o tribunal recorrido não for 
 confrontado com a questão de constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. 
 E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, 
 em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria 
 conhecer dela ex novo” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 569/94, Diário da 
 República, II Série, de 10 de Janeiro de 1995).
 Cabe, ainda, salientar que, na resposta que apresentou, o recorrente não 
 demonstra o preenchimento do requisito cuja falta foi apontada, limitando-se a 
 reproduzir a peça processual já analisada.
 
  
 Maria João Antunes