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Processo n.º 253/03 
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 Acordam no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
 1.      Em acórdão proferido em 6 de Junho de 2002, a Relação de Lisboa graduou 
 os créditos reclamados no apenso à execução de sentença para pagamento de 
 quantia certa movida por A. contra B., SA., e contra C. E MULHER – no qual D. E 
 OUTROS, na qualidade de promitentes compradores de determinadas fracções 
 autónomas de um prédio penhorado e o correspondente direito de retenção, 
 reclamaram créditos –, da seguinte forma:
 
  
 
 '[...] 
 Tendo a sentença de fls. 276 graduado os créditos dos apelantes em quarto lugar, 
 desconsiderando o direito de retenção pelos mesmos invocado sobre o imóvel 
 penhorado, a questão única e essencial posta pelo recurso em apreço consiste em 
 determinar se aquele direito tem potencialidade para provocar a alteração da 
 graduação efectuada e impor a prolação de uma outra que acolha a posição que os 
 recorrentes pretendem ver consagrada. Assente que os reclamantes, ora 
 recorrentes, têm os seus créditos sobre a executada declarados por sentença 
 transitada, que lhes reconhece o direito de retenção sobre as fracções H, I, L e 
 M do imóvel descrito na C.R.P. de Loures sob o n.º 26569, importa ter presente a 
 estatuição do art. 759° do Código Civil: do n.º 1 resulta que o possuidor da 
 coisa imóvel com base no direito de retenção pode fazer-se pagar, quanto ao 
 direito de crédito que tenha relativamente ao dono, pelo valor dela, com 
 preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio creditório 
 imobiliário, incluindo o credor hipotecário a que alude o n.º 1 do art. 686° 
 daquele Código.
 Estatui o n.º 2 do aludido art. 759° que 'o direito de retenção prevalece neste 
 caso sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente'.
 Este preceito tem plena aplicação ao caso sub judice, pois é certo que o crédito 
 reclamado pela Caixa J. deriva de contrato garantido por hipoteca, datado de 13 
 de Julho de 1981; assim, a prevalência do direito de retenção sobre esta 
 hipoteca mostra-se indiscutível, já que foi constituída após 18 de Julho de 1980 
 
 - cfr. art., 2°, e 3°, do Dec.-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho.
 A graduação de fls. 276 não teve em devida conta a previsão constante do 
 referido n.º 2 do art. 759° do Código Civil.
 A jurisprudência é unânime no sentido de que concorrendo sobre o mesmo imóvel um 
 privilégio creditório imobiliário, um direito de retenção, e um direito de 
 hipoteca, será esta a ordem de preferência a ter em conta na graduação a 
 efectuar.
 Em face do exposto, impõe-se concluir pela ilegalidade do quarto lugar conferido 
 aos apelantes, na dita graduação de fls. 276, daí decorrendo que a mesma deve 
 ser reformulada.
 Ressalvando os créditos da Fazenda Nacional e do Centro Regional de Segurança 
 Social de Lisboa, deve esta apelação proceder, nomeadamente, na parte em que 
 sustenta ter havido violação do disposto no n.º 2 do citado art. 759°, e defende 
 que os créditos dos apelantes são de graduar 'em primeiro lugar, relativamente 
 ao produto das fracções sobre que respectivamente gozam do direito de retenção' 
 
 - cfr, conclusão 10ª.
 Manda o douto acórdão do S.T.J de 15 de Janeiro de 2002, que, efectuado o 
 julgamento deste recurso de apelação se extraiam, 'se for caso disso, as 
 consequências que se mostrarem, eventualmente, devidas no tocante à graduação' 
 que neste acórdão se fez.
 Dando cumprimento ao assim determinado, graduam-se os créditos reclamados pela 
 forma seguinte:
 
 1º: Custas da execução e demais despesas da justiça;
 
 2°: Crédito da Fazenda Nacional - fls. 284 -, apenas pelo produto da venda dos 
 imóveis a que respeitam;
 
 3°.:Crédito do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa - fls., 291 e 302 - 
 e da Caixa de Previdência - fls.,11 ;
 
 4°.: Os créditos dos reclamantes D., E., F. e G., declarados por sentença 
 transitada que lhes reconhece o direito de retenção sobre as fracções H, I, L e 
 M, respectivamente, sobre o prédio n.º 26569; bem como os créditos dos 
 reclamantes H. e I. - fls, 330 -, pelo produto da venda dos imóveis sobre os 
 quais incidem os seus direitos de retenção;
 
 5°.: Os créditos da Caixa J., garantidos por hipoteca;
 
 6°.: O crédito exequendo;
 
 7°.: O crédito da 'K., S,A,' - fls., 117;
 
 8°.: Os créditos dos reclamantes titulares do direito de retenção, na parte não 
 satisfeita pelo produto da venda das fracções objecto desse direito.[...] '
 
  
 
  
 Inconformada, a CAIXA J. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Todavia, 
 por acórdão de 18 de Fevereiro de 2003, o Supremo Tribunal de Justiça negou a 
 revista. Após remeter para a matéria de facto “assente na decisão recorrida” e 
 transcrever a graduação de créditos ali efectuada, considerando-a correctamente 
 fundamentada no artigo 759º do Código Civil, o Supremo Tribunal de Justiça  
 decidiu o seguinte:
 
  
 
 '[...] 
 Acentua-se em tal decisão que tal preceito tem plena aplicação ao caso 
 
 'sub-judice', pois o crédito da recorrente deriva de contrato garantido por 
 hipoteca, datado de 13 de Julho de 1981, e, assim, a prevalência do direito de 
 retenção sobre esta hipoteca mostra-se indiscutível, já que foi constituído após 
 
 18 de Julho de 1980 - cfr . art. 2 e 3 do DL 236/80 de 18/7.
 Esta é a questão fulcral e única a decidir no presente recurso, sendo também 
 sabido que os recursos se não destinam a decidir questões novas nos termos 
 pretendidos por aquela.
 Centrando-nos, portanto, em tal questão diremos que a recorrente carece de 
 razão, já que a nova lei ao definir em abstracto um novo caso de direito de 
 retenção, não está a ofender um direito anterior do credor que, no momento da 
 constituição da garantia hipotecária, estivesse seguro da impossibilidade de 
 nenhum outro direito prioritário (cfr . Ac. STJ de15/5/90, BMJ 397/478).
 Tal significa que se não verifica a inconstitucionalidade material do n.º2 do 
 art. 442º C.Civ, na redacção dada pelo DL 236/80 de 18/7, e da al. f) do art. 
 
 755° do mesmo Código, invocada pela recorrente.
 O regime jurídico legal assim consagrado não perturba os princípios básicos do 
 Estado de Direito, particularmente os da confiança e segurança jurídica (art. 2º 
 CRP).
 Não se vê, portanto, qualquer inconstitucionalidade orgânica dos DL 236/80 de 
 
 18/7 e 379/86 de 11/11 nos termos alegados pela recorrente, sucedendo que a 
 matéria contemplada em tais diplomas legais não é das abrangidas pelo art. 168° 
 n.º1 b) CRP (hoje 165 n.º 1 b) - v. Ac. R. Porto de 2/12/99, C.J. XXIV, V, 213).
 Tudo a mostrar que a graduação de créditos efectuada pelo acórdão recorrido não 
 merece qualquer censura, já que nos termos expostos o direito de retenção 
 prevalece sobre a hipoteca ainda que esta tenha sido registada anteriormente 
 
 (art. 759 n.º2 C.Civ) - v. Ac. STJ de 26/6/01, Proc. 1843/01 desta 6ª Secção, 
 C.J. IX, II, pág. 137).
 Improcedem, pois, as conclusões das alegações da recorrente, sendo de manter o 
 decidido no acórdão recorrido, que não violou quaisquer preceitos legais, 
 
 'maxime' os referidos pela recorrente.[...]'
 
  
 
 2.          Novamente inconformada, a CAIXA J. recorreu para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 
 nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), nos seguintes termos:
 
             
 a) O douto acórdão do STJ não tomou em consideração, no que respeita à graduação 
 do crédito da Fazenda Nacional, o Acórdão n.º 362/2002 do Tribunal 
 Constitucional (publicado no Diário da República, n.º 239, 1.ª Série, de 16 de 
 Outubro de 2002), que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória 
 geral, da norma constante, na versão primitiva, do artigo 104.º do Código do 
 Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 
 
 442-A/88, de 30 de Novembro, e, hoje, na numeração resultante do Decreto-Lei n.º 
 
 198/2001, de 02 de Julho, do seu artigo 111.º, na interpretação segundo o qual o 
 privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Nacional prefere à 
 hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil, questão de direito e de 
 conhecimento oficioso, como é a da inconstitucionalidade, e em obediência ao 
 comando fundamental do artigo 204.º da CRP: 'Nos feitos submetidos a julgamento 
 não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição 
 ou os princípios nela consignados (cfr. Acórdão do STJ de 2002.02.05, Processo 
 n.º 3613/01-1);
 b) Igualmente não considerou, quanto à graduação do crédito da Segurança Social, 
 o Acórdão n.º 363/2002 do Tribunal Constitucional (publicado no Diário da 
 República, n.º 239, 1.ª Série, de 16 de Outubro de 2002), que declarou a 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do 
 artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 09 de Maio, e do artigo 2.º do 
 Decreto-Lei n.º 512/76, de 03 de Julho, na interpretação segundo o qual o 
 privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à 
 hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil, questão de direito e de 
 conhecimento oficioso, como é a da inconstitucionalidade, e em obediência ao 
 comando fundamental do artigo 204.º da CRP: 'Nos feitos submetidos a julgamento 
 não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição 
 ou os princípios nela consignados (cfr. Acórdão do STJ de 2002.02.05, Processo 
 n.º 3613/01-1);
 c) Finalmente, na inconstitucionalidade material do n.º 2 do artigo 442.º e da 
 alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º, ambos do Código Civil (CC), por violadores 
 dos direitos patrimoniais do credor, titular de uma hipoteca existente 
 anteriormente ao reconhecimento do eventual direito de retenção e, ainda, com 
 fundamento em igual inconstitucionalidade, agora orgânica, porquanto os diplomas 
 legais que alteraram e introduziram as retro indicadas normas do Código Civil, 
 nomeadamente os Decretos-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho e 379/86, de 11 de 
 Novembro, embora tratando de matéria contida na área dos direitos e garantias 
 patrimoniais, não foram precedidos da necessária lei de autorização legislativa, 
 atenta a competência legislativa atribuída ao Governo.
 A inconstitucionalidade dos citados preceitos, bem como dos diplomas que os 
 introduziram no nosso sistema jurídico, foi invocada nas alegações para o 
 Supremo Tribunal de Justiça, aquando da interposição do recurso de revista, na 
 sequência do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou procedente a 
 apelação interposta pelos Recorridos, graduando os créditos da Caixa J. após os 
 direitos de retenção dos reclamantes D., E., F. e G. sobre as fracções A, I, L e 
 M, respectivamente, sobre o prédio n.º 26569, como garantia dos seus créditos 
 sobre a sociedade Executada.
 Assim sendo, deverá ser revogado o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 
 que negou a revista, atentas as alegadas e suscitadas inconstitucionalidades, 
 materiais e orgânicas, das normas que estiveram na base da sua decisão, devendo 
 esse Acórdão ser substituído por outro em que as questões de direito subjacentes 
 sejam decididas com base na certeza e segurança do comércio jurídico, fazendo-se 
 assim jus à rainha das garantias reais, ou seja, a hipoteca.
 Termos em que se requer a admissão do presente recurso, nos precisos termos do 
 artigo 76.º, da Lei n.º 28/82, de 15.11, seguindo-se os demais trâmites até 
 final.
 
  
 O recurso foi admitido. 
 Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as respectivas alegações, que 
 a recorrente concluiu da seguinte forma:
 
  
 I - O acórdão recorrido enferma de várias inconstitucionalidades, ao fazer, na 
 situação dos autos, uma interpretação e aplicação da lei em desconformidade com 
 princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa, afectando desse 
 modo direitos e interesses legítimos da Recorrente;
 II - O douto acórdão do STJ não tomou em consideração, no que respeita à 
 graduação do crédito da Fazenda Nacional, o Acórdão n.º 362/2002 do Tribunal 
 Constitucional (publicado no Diário da República, n.º 239, 1.ª Série, de 16 de 
 Outubro de 2002), que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória 
 geral, da norma constante, na versão primitiva, do artigo 104º do Código do 
 Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 
 
 442-A/88, de 30 de Novembro, e, hoje, na numeração resultante do Decreto-lei n.º 
 
 198/2001, de 02 de Julho, do seu artigo 111º na interpretação segundo o qual o 
 privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Nacional prefere à 
 hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil, questão de direito e de 
 conhecimento oficioso, como é a da inconstitucionalidade, e em obediência ao 
 comando fundamental do artigo 204.º da CRP: 'Nos feitos submetidos a julgamento 
 não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição 
 ou os princípios nela consignados (cfr. Acórdão do STJ de 2002.02.05, Processo 
 n.º 3613/01-1);
 III- O acórdão do STJ também não considerou, quanto à graduação do crédito do 
 Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, o Acórdão n.º 363/2002 do 
 Tribunal Constitucional (publicado no Diário da República, n.º 239, 1.ª Série, 
 de 16 de Outubro de 2002), que declarou a inconstitucionalidade, com força 
 obrigatória geral, das normas constantes do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 
 
 103/80, de 09 de Maio e do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 512/76, de 03 de Julho, 
 na interpretação segundo o qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à 
 segurança social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil, 
 questão de direito e de conhecimento oficioso, como é a da 
 inconstitucionalidade, e em obediência ao comando fundamental do artigo 204.º da 
 CRP: 'Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas 
 que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (cfr. 
 Acórdão do STJ de 2002.02.05, Processo n.º 3613/01-1);
 IV - O artigo 755.º, n.º 1, alínea f) do Código Civil confere ao 
 promitente-comprador, que obteve a tradição da coisa, um direito de retenção 
 sobre o bem imóvel;
 V - O direito de crédito do promitente-comprador, resultante do incumprimento 
 pelo promitente vendedor, do respectivo contrato-promessa, prevalece sobre o 
 crédito hipotecário, ainda que a hipoteca apresente registo anterior;
 VI - Tal direito de retenção não é objecto de registo, logo, é um direito que 
 não é publicitado;
 VII - No caso dos autos, vê-se a Recorrente confrontada com um direito real de 
 garantia, não sujeito a registo, com o qual não contava;
 VIII - Esse direito de retenção sobrepõe-se à hipoteca constituída e registada 
 em momento anterior, relegando-a para um segundo plano;
 IX - O legislador ao querer proteger e defender os interesses de uma das partes 
 na relação jurídica emergente do contrato-promessa, não poderia ter criado 
 normas que sacrificam, efectivamente, da forma injusta e ilegítima, os 
 interesses patrimoniais de terceiros não intervenientes e completamente alheios, 
 por causa que não lhes é imputável, ao contrato-promessa;
 X- Proteger-se, por esta forma, um direito que não é publicitado é permitir que 
 
 'ónus ocultos' afectem a posição jurídica do sujeito que levou o seu acto a 
 registo;
 XI - Está, assim, posto em causa o próprio princípio da segurança do comércio 
 jurídico imobiliário;
 XII - À certeza e segurança do direito repugnam os direitos reais de garantia 
 
 'ocultos', isto é, que não são levados a registo;
 XIII - Tem o registo predial por finalidade a segurança e protecção dos 
 intervenientes no mercado imobiliário, evitando-se assim os 'ónus ocultos' que 
 dificultem o exercício de direitos legitimamente constituídos e registados sobre 
 imóveis;
 XIV - Através da via registral evita-se que a segurança do comércio jurídico 
 imobiliário possa vir a ser afectada.
 XV - A Recorrente, credora hipotecária, vê frustrada a confiança no comércio 
 jurídico imobiliário;
 XVI - O regime jurídico do direito de retenção concedido ao promitente comprador 
 por força das citadas normas, tudo isto ignora, dado que frustra a legítima 
 confiança que o credor hipotecário deposita no Estado enquanto garante dos seus 
 direitos fundamentais;
 XVII - Por força da sentença de graduação de créditos confirmada pelo Tribunal 
 Recorrido vão ser pagos os créditos dos promitentes-compradores com preferência 
 sobre o crédito da Recorrente;
 XVIII - É uma injustiça para o credor hipotecário sofrer a ofensa dos seus 
 interesses e direitos patrimoniais legitimamente constituídos e registados 
 anteriormente à constituição e invocação do direito de retenção;
 XIX- Na sentença dos presentes autos, graduando o crédito do promitente 
 comprador com preferência sobre o crédito da Recorrente, verifica-se a 
 existência da violação do princípio da confiança do comércio jurídico, princípio 
 constitucional ínsito no artigo 2.º da CRP;
 XX- As normas dos artigos 442.º, n.º 2 e 755.º, n.º 1, alínea f), ambos do 
 Código Civil, interpretadas e aplicadas no sentido de que o direito de retenção 
 tem preferência sobre a hipoteca registada anteriormente, são materialmente 
 inconstitucionais por violadoras dos princípios da proporcionalidade, da 
 protecção, da confiança e segurança jurídicas no comércio jurídico imobiliário 
 
 ínsito no artigo 2.º da CRP;
 XXI - Os Decretos-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho e n.º 379/86, de 11 de 
 Novembro, são inconstitucionais por regularem matéria respeitante a direitos e 
 garantias patrimoniais da competência exclusiva da Assembleia da República;
 XXII - Para que o Governo pudesse legislar sobre tal matéria necessitava de 
 autorização do ente legislativo competente;
 XXIII - Não foi concedida a devida autorização;
 XXIV - Ao fazer inovações sobre essa matéria, sem que para tal estivesse 
 autorizado, houve violação da esfera de competência de outro órgão;
 XXV - Verifica-se haver inconstitucionalidade orgânica;
 XXVI - Sendo inconstitucionais tais diplomas, as normas que deles emanam não 
 podem ser invocadas e aplicadas em qualquer procedimento judicial.
 Nestes termos deve ser dado provimento ao presente recurso e ser reconhecida a 
 inconstitucionalidade das normas constantes, na versão primitiva, do artigo 
 
 104.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado 
 pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, e, hoje, na numeração 
 resultante do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 02 de Julho, do seu artigo 111.º, do 
 artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 09 de Maio, da norma do artigo 2.º do 
 Decreto-Lei n.º 512/76, de 03 de Julho; ser declarada a inconstitucionalidade 
 material dos artigos 442.º, n.º 2 e 755.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código 
 Civil, por na sua interpretação e aplicação nos presentes autos ter sido violado 
 o artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e, ainda, declarada a 
 inconstitucionalidade orgânica dos Decretos-Lei n.º 236/80, de 18/07 e 379/86, 
 de 11/11, devendo em consequência ser revogada a sentença de graduação de 
 créditos que confere preferência aos créditos da Fazenda Nacional, do Centro 
 Regional de Segurança Social de Lisboa e dos promitentes-compradores, titulares 
 de direitos de retenção sobre os créditos da Recorrente, esta com hipoteca a seu 
 favor registada anteriormente, por tais normas legais e os diplomas de onde 
 emanam enfermarem de inconstitucionalidade, assim se fazendo Justiça!
 
  
 Quanto aos recorridos, concluíram a sua alegação deste modo:
 
  
 
 1. Os decretos 236/80 e 379/86, limitam-se a criar um direito de indemnização a 
 favor de promitentes compradores que promitentes vendedores, deixando de cumprir 
 um contrato validamente celebrado, espoliavam impunemente.
 
 2. Os referidos decretos não retiram ou eliminaram qualquer direito de 
 propriedade; limitaram-se a instituir um direito e a hierarquizá-lo.
 
 3. O art. 62º da CRP consigna apenas um principio de regime político que garante 
 a existência ou possibilidade de existência do direito de propriedade privada.
 
 4. A criação de direitos e a hierarquização na sua satisfação (por ex. uma 
 indemnização por violação de contratos) feita pelos dec. 236/80 e 379/86 não 
 está submetida à reserva relativa de competência estabelecida na alínea b) do 
 n.º1 do art. 165 CRP.
 
 5. O acórdão do STJ, negando provimento ao recurso da recorrente, não violou 
 qualquer disposição da Constituição Portuguesa.
 Pelo que, Exmos. Juizes Conselheiros, negando provimento ao recurso, se fará 
 inteira e habitual Justiça!
 
  
 
 3.        Admitindo a hipótese de não conhecer de parte do objecto do recurso, o 
 relator notificou as partes do seguinte despacho:
 
  
 
 'A CAIXA J. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça  de 18 de Fevereiro de 2003, proferido no 
 
 âmbito do apenso à execução de sentença para pagamento de quantia certa movida 
 por A. contra B., SA., e C. e mulher, que confirmou a graduação dos créditos 
 reclamados. 
 
 É, todavia, plausível que o Tribunal Constitucional não possa conhecer das 
 questões de constitucionalidade colocadas nas alíneas a) e b) do requerimento de 
 interposição de recurso, por respeitarem a normas que não foram aplicadas no 
 acórdão recorrido.
 O Supremo Tribunal de Justiça sublinhou, com efeito, no referido acórdão, que a 
 
 “questão fulcral e única” a decidir, uma vez que os recursos se “não destinam a 
 decidir questões novas nos termos pretendidos pela Caixa J.”, era a questão da 
 
 “prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca” detida pela recorrente. Em 
 consequência, o Supremo Tribunal de Justiça não conheceu da graduação dos 
 créditos reclamados pela Fazenda Nacional e pelo Centro Regional de Segurança 
 Social de Lisboa, por entender tratar-se de matéria não abrangida pelo recurso 
 de revista. Não aplicou, portanto, as normas indicadas nas referidas alíneas a) 
 e b) do requerimento de interposição de recurso, o que impede que o Tribunal 
 Constitucional se pronuncie sobre as questões ali colocadas (cfr. a alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70º e o artigo 79º-C da LTC), já que o julgamento seria inútil, 
 por não poder implicar qualquer reformulação da decisão recorrida.
 Igual observação merece a invocação da declaração de inconstitucionalidade com 
 força obrigatória geral de normas, relevantes para a causa, mas que não são 
 relevantes para a decisão de que foi interposto o recurso de 
 inconstitucionalidade.
 Relativamente às questões suscitadas na alínea c) do requerimento de 
 interposição de recurso, há igualmente duas advertências a fazer.
 Em primeiro lugar, a de que não resulta do n.º 2 do artigo 442º do Código Civil 
 a atribuição de nenhum direito de retenção ao promitente comprador, pelo que, 
 não se repercutindo na causa, seria também inútil que o Tribunal Constitucional 
 se pronunciasse sobre qualquer norma contida no preceito.
 Para além disso, a eventual prevalência do crédito garantido pelo direito de 
 retenção em causa neste recurso sobre o direito do credor hipotecário não 
 resulta de nenhum dos preceitos incluídos pela recorrente no âmbito deste 
 recurso, pois está previsto no n.º 2 do artigo 759º do Código Civil, como 
 expressamente se refere no acórdão recorrido.
 Assim, é de admitir que o Tribunal Constitucional não possa conhecer da questão 
 da prevalência que a recorrente coloca, mas, apenas, a relacionada com a 
 existência de direito de retenção atribuído pela alínea f) do n. 1 do artigo 
 
 755º do Código Civil, no que à inconstitucionalidade material respeita.
 Em consequência do exposto, entendo que deve ser concedida às partes 
 oportunidade  para se pronunciarem sobre esta matéria, no prazo de 10 dias.'
 
  
 Não houve resposta.
 
  
 
 4.      Cumpre começar por fixar o objecto do recurso, o qual, pelas razões 
 constantes do incontestado despacho do relator, acima transcrito, se restringe à 
 apreciação da alegada inconstitucionalidade orgânica dos Decretos-Lei n.º 
 
 236/80, de 18 de Julho e n.º 379/86, de 11 de Novembro e da 
 inconstitucionalidade material da norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 755º do 
 Código Civil, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 379/86, de 11 de 
 Novembro, enquanto confere ao promitente comprador de um imóvel, caso tenha 
 havido tradição, direito de retenção sobre o mesmo imóvel, por créditos 
 resultantes de incumprimento pelo promitente vendedor.
 
  
 
 5.         Acontece que o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se 
 pronunciar sobre as questões suscitadas no âmbito deste recurso.
 Assim, e no que toca à inconstitucionalidade orgânica, nos seus acórdãos n.ºs 
 
 374/2003, 594/2003 e 356/2004 (publicados no Diário da República, II série, 
 respectivamente, de 3 de Novembro de 2003, de 10 de Fevereiro de 2005 e de 28 de 
 Junho de 2004) e 22/2004 – disponível em www.tribunalconstitucional.pt – o 
 Tribunal Constitucional julgou no sentido da não inconstitucionalidade, como se 
 pode ler, por exemplo, no acórdão n.º 594/2003:
 
  
 
 ' [...]
 
 7.         Comecemos por indagar se os Decretos-Leis n.ºs 236/80, de 18 de 
 Julho, e 379/86, de 11 de Novembro, que foram editados pelo Governo, no uso da 
 sua competência própria, invadiram a reserva legislativa da Assembleia da 
 República.
 A recorrente considera que tais diplomas estão afectados de 
 inconstitucionalidade orgânica, na medida em que vieram permitir ao 
 promitente-comprador de prédio urbano ou de uma sua fracção autónoma, desde que 
 tenha havido tradição da coisa objecto do contrato prometido, invocar o direito 
 de retenção, mesmo perante o credor hipotecário, com direito anteriormente 
 inscrito no registo. No entender da recorrente, as alterações legislativas 
 introduzidas pelos diplomas questionados foram completamente inovadoras e 
 respeitam a direitos e garantias patrimoniais incluídas na reserva de 
 competência legislativa do Parlamento, pelo que, tendo tais diplomas sido 
 editados pelo Governo, sem autorização parlamentar, violariam o artigo 168º, n.º 
 
 1, alínea b), da Constituição (hoje, o artigo 165º, n.º 1, alínea b)).
 Torna-se necessário analisar sucintamente o conteúdo dos diplomas e das 
 alterações introduzidas no regime jurídico do contrato-promessa.
 
 7.1.      O Decreto-Lei n.º 236/80, de 18 de Julho, alterou os artigos 410º, 
 
 442º e 830º do Código Civil, relativos ao contrato-promessa. 
 Relativamente ao artigo 410º do Código Civil, o diploma em apreço acrescentou um 
 n.º 3 respeitante às exigências formais do contrato-promessa de compra e venda 
 de prédio urbano, ou de sua fracção autónoma, já construído, em construção ou a 
 construir (reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes e 
 certificação notarial da existência de licença de utilização ou de construção).
 A alteração do artigo 442º do Código Civil consistiu no aditamento de dois 
 números (n.ºs 2 e 3): quanto ao n.º 2, a inovação consistiu em estabelecer a 
 favor de quem constitui o sinal e contra aquele que o recebeu uma dupla sanção 
 como alternativa à restituição em dobro, se tiver havido entrega antecipada do 
 objecto do contrato prometido: o pagamento do valor da coisa ao tempo do 
 incumprimento ou a execução especifica do contrato; quanto ao n.º 3, dispôs-se 
 então que, em caso de incumprimento, e tendo havido tradição da coisa objecto do 
 contrato prometido, o promitente-comprador goza do direito de retenção sobre ela 
 pelo crédito resultante do incumprimento pelo promitente-vendedor.
 
  
 Foram ainda introduzidas diversas alterações no artigo 830º do Código Civil, que 
 regula a execução específica, sem directo relevo para a questão agora em apreço.
 
 7.2.      O Decreto-Lei n.º 379/86, de 11 de Novembro, por sua vez, veio alterar 
 a redacção dos artigos 410º, 412º, 413º, 421º, 442º, 755º e 830º, todos do 
 Código Civil.
 Nos pontos 2 e 3 do preâmbulo do diploma dá-se conta das alterações introduzidas 
 no regime do contrato-promessa, quer no seu contexto geral, quer quanto à 
 execução específica. 
 No ponto 4 do mesmo preâmbulo, justificam-se as modificações introduzidas 
 relativamente ao direito de retenção atribuído ao promitente-comprador. É este o 
 aspecto que aqui interessa sobretudo considerar, pelo que se transcreve a parte 
 relevante:
 
  
 
 “O legislador de 1980, para o caso de tradição antecipada da coisa objecto do 
 contrato definitivo, concedeu ao beneficiário da promessa o direito de retenção 
 sobre a mesma, pelo crédito resultante do não cumprimento (artigo 442º, n.º 3). 
 Pensou-se directamente no contrato-promessa de compra e venda de edifícios ou de 
 fracções autónomas deles. Nenhum motivo justifica, todavia, que o instituto se 
 confine a tão estreitos limites.
 A existência do direito de retenção nesse quadro não repugna à sua índole. 
 Repare-se que, em diversas previsões do artigo 755º, n.º 1, do Código Civil, 
 desaparece ou dilui-se a conexão objectiva que o precedente artigo 754º 
 pressupõe, em termos gerais, entre a coisa e o crédito. Mas será uma garantia 
 oportuna no contrato-promessa e, por isso, de conservar? A análise da questão 
 conduziu a uma resposta afirmativa.
 Tem de reconhecer-se que, na maioria dos casos, a entrega da coisa ao adquirente 
 apenas se verifica com o contrato definitivo. E, quando se produza antes, não há 
 dúvida que se cria legitimamente, ao beneficiário da promessa, uma confiança 
 mais forte na estabilidade ou concretização do negócio. 
 A boa fé sugere, portanto, que lhe corresponda um acréscimo de segurança.
 O problema só levanta particulares motivos de reflexão precisamente em face da 
 realidade que levou a conceder essa garantia: a da promessa de venda de 
 edifícios ou de fracções autónomas destes, sobretudo destinados a habitação, por 
 empresas construtoras, que, via de regra, recorrem a empréstimos, maxime tomados 
 de instituições de crédito. Ora, o direito de retenção prevalece sobre a 
 hipoteca, ainda que anteriormente registada (artigo 759º, n. º 2, do Código 
 Civil). Logo, não faltarão situações em que a preferência dos beneficiários de 
 promessas de venda prejudique o reembolso de tais empréstimos.
 Neste conflito de interesses, afigura-se razoável atribuir prioridade à tutela 
 dos particulares. Vem na lógica da defesa do consumidor. Não que se desconheçam 
 ou esqueçam a protecção devida aos legítimos direitos das instituições de 
 crédito e o estímulo que merecem como elementos de enorme importância na 
 dinamização da actividade económico-financeira. Porém, no caso, estas 
 instituições, como profissionais, podem precaver-se, por exemplo, através de 
 critérios ponderados de selectividade do crédito, mais facilmente do que o comum 
 dos particulares a respeito das deficiências e da solvência das empresas 
 construtoras.
 Persiste, em suma, o direito de retenção que funciona desde 1980. No entanto, 
 corrigem-se inadvertências terminológicas e desloca-se essa norma para lugar 
 mais adequado, incluindo-a entre os restantes casos de direito de retenção 
 
 [artigo 755º, n.º 1, alínea f)].”
 
  
 A alteração essencial decorrente deste diploma, para o que aqui releva, foi a 
 inclusão do direito de retenção, criado pelo Decreto-Lei n.º 236/80, como nova 
 alínea f), no elenco constante do artigo 755º, n.º 1, do Código Civil. 
 
 8.         No que diz respeito à questão de constitucionalidade suscitada no 
 processo a propósito dos diplomas mencionados, sublinhe-se que apenas podem ser 
 apreciadas no âmbito do presente recurso as normas neles contidas que alteraram 
 o regime do Código Civil, consagrando o direito de retenção em favor do 
 beneficiário da promessa que tenha obtido a tradição do imóvel objecto do 
 contrato a realizar, pois só essas normas foram aplicadas na decisão recorrida e 
 só quanto a elas pode ser entendida a censura de desconformidade constitucional 
 formulada pela recorrente. 
 
  A inconstitucionalidade apontada pela recorrente resultaria de em tais diplomas 
 se dispor, sem credencial parlamentar, sobre direitos e garantias patrimoniais, 
 matéria incluída na reserva legislativa da Assembleia da República (artigo 168º, 
 n.º 1, alínea b), da Constituição; actualmente, artigo 165º, n.º 1, alínea b)).
 Para fundamentar a inclusão da matéria em análise no âmbito dos direitos, 
 liberdades e garantias e, por isso, no domínio da reserva legislativa da 
 Assembleia da República, a recorrente alega que os diplomas em questão 
 procederam à criação de “um direito de crédito” que é “análogo ao direito de 
 propriedade” (cfr. texto das alegações, a fls. 530).
 Cumpre, portanto, analisar se o direito instituído pelos diplomas questionados 
 se inscreve no âmbito dos direitos, liberdades e garantias a que se reporta a 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 168º da Constituição, na versão anterior à actual.
 
 “O direito de retenção consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de 
 a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a 
 que está adstrito para com aquele” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil 
 Anotado, vol. I, 4ª ed., Coimbra, 1987, anotação ao artigo 754º, p. 772).
 O direito de retenção a favor do promitente-comprador não constava do Código 
 Civil de 1966. Tal direito foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 236/80, com 
 vista a estabelecer um “verdadeiro equilíbrio entre os outorgantes (o que passa 
 pela mais eficiente tutela do promitente-comprador)” (cfr. preâmbulo do 
 Decreto-Lei n.º 236/80, ponto 1). 
 O direito de retenção foi reconhecido no caso de ter havido tradição da coisa, e 
 respeitando ao crédito resultante do incumprimento pelo promitente-vendedor 
 
 (artigo 442º, n.º 3, do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pelo 
 Decreto-Lei n.º 236/80).
 Com o Decreto-Lei n.º 379/86, manteve-se o direito de retenção conferido ao 
 promitente-comprador, tendo o mesmo sido inserido no local próprio – o artigo 
 
 755º do Código Civil – através do aditamento ao n.º 1 de uma nova alínea, a 
 alínea f), que veio acrescentar a hipótese em questão aos outros casos, já ali 
 elencados, de titulares do direito de retenção.
 O Código não utilizou, nas diversas situações em que reconhece a existência de 
 um direito de retenção, o mesmo critério: com efeito, ao reconhecer o direito de 
 retenção, com carácter genérico, no artigo 754º do Código Civil, a lei liga o 
 crédito do detentor da coisa a despesas feitas por causa dela ou em resultado de 
 danos por ela causados. Nos casos especiais do artigo 755º do Código Civil 
 
 (versão primitiva), não pode afirmar-se inteiramente tal conexão, embora existam 
 outros tipos de conexão, como decorre das diferentes alíneas incluídas no artigo 
 
 755º.
 Segundo Antunes Varela (“Emendas ao regime do contrato-promessa”, Revista de 
 Legislação e de Jurisprudência, Ano 119º, n.ºs 3749 ss, p. 226 ss; Ano 120º, 
 n.ºs 3755 ss, p. 35 ss), “o direito de retenção deixou declaradamente de ser, 
 com o Código Civil de 1966, um puro meio de coerção (ou uma simples causa de 
 preferência especial indirecta, para usar a terminologia expressiva de Paulo 
 Cunha) e passou abertamente a revestir a natureza jurídica de um perfeito 
 direito real de garantia, dotado até de eficácia excepcional, mercê das 
 especiais raízes em que mergulha a sua origem” (loc. cit., n.º 3763, p. 290 s).
 O direito de retenção, tal como está configurado na nossa lei, reveste uma forma 
 especial de auto-tutela dos interesses da pessoa a favor de quem é conferido, 
 permitindo ao seu titular não abrir mão da coisa retida enquanto não obtiver 
 satisfação do seu direito. 
 Coloca-se então a questão de saber se, tendo o direito de retenção a natureza de 
 direito real de garantia, deve o mesmo inscrever-se dentro do âmbito da reserva 
 de competência legislativa da Assembleia da República, por se tratar de um 
 direito que se inclui no direito de propriedade, e, por conseguinte, susceptível 
 de ser tratado como direito análogo ao direito de propriedade e abrangido pelo 
 regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias. 
 O artigo 62º da Constituição garante a todos o direito à propriedade privada e à 
 sua transmissão em vida e por morte, “nos termos da Constituição”, isto é, 
 dentro dos limites e nos termos definidos noutras normas da Lei Fundamental, 
 competindo ao legislador infra-constitucional definir o conteúdo e limites do 
 direito de propriedade privada. 
 Como se escreveu no Acórdão n.º 329/99 deste Tribunal (publicado no Diário da 
 República, II Série, n.º 167, de 20 de Julho de 1999, p. 6 ss):
 
  
 
 “[...] apesar de o direito de propriedade privada ser um direito de natureza 
 análoga aos direitos, liberdades e garantias, nem toda a legislação que lhe diga 
 respeito se inscreve na reserva parlamentar atinente a esse direitos, liberdades 
 e garantias. Desta reserva fazem apenas parte as normas relativas à dimensão do 
 direito de propriedade que tiver essa natureza análoga aos direitos, liberdades 
 e garantias.”
 
  
 Pode, assim, afirmar-se que cabem na reserva legislativa parlamentar relativa as 
 intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos direitos 
 análogos, por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que 
 justificam a actuação legislativa parlamentar no tocante aos direitos, 
 liberdades e garantias.
 Ora, no que diz respeito ao direito de propriedade, dessa dimensão essencial que 
 tem natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, faz, indubitavelmente, 
 parte o direito de cada um a não ser arbitrariamente privado da sua propriedade, 
 e, na hipótese de expropriação por utilidade pública, a receber uma justa 
 indemnização (cfr. artigo 62º, n.ºs 1 e 2, da Constituição). 
 Já quanto ao direito de retenção, entendido como direito real de garantia das 
 obrigações (tal como a hipoteca – artigo 686º do Código Civil), isto é, como 
 
 “direito sobre um direito”, ele não integra o núcleo essencial do direito de 
 propriedade.
 Com efeito, tal direito – ainda que esteja em causa a transmissão ou 
 constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele e, 
 portanto, estreitamente relacionado com o direito de propriedade privada – 
 apenas confere ao seu titular, por um lado, a faculdade de não cumprir enquanto 
 não vir satisfeito o seu crédito, e, por outro lado, a garantia de realização 
 preferencial do seu crédito.
 Assim sendo, não pode dizer-se que estejam em causa faculdades inerentes ao 
 direito de propriedade, isto é, faculdades que façam sempre parte da essência do 
 direito de propriedade, tal como ele é garantido pela Constituição. 
 Não integrando o direito de retenção o âmbito da reserva legislativa parlamentar 
 dos direitos, liberdades e garantias, podia o Governo legislar sobre a matéria 
 sem necessidade de autorização parlamentar, pelo que as normas que estabelecem 
 tal direito, constantes dos Decretos-Leis n.ºs 236/80, de 18 de Julho, e 379/86, 
 de 11 de Novembro, não estão afectadas de inconstitucionalidade orgânica.
 Neste sentido decidiu entretanto o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 374/03 
 
 (publicado no Diário da República, II Série, n.º 254, de 3 de Novembro de 2003, 
 p. 16552 ss), em que era igualmente recorrente a ora recorrente. [...] '
 
             
 
 É este julgamento de não inconstitucionalidade que novamente se reitera.
 
  
 
  
 
 6.      Resta tratar da questão da invocada inconstitucionalidade material da 
 norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 755º do Código Civil, na redacção 
 resultante do Decreto-Lei n.º 379/86. O preceito apresenta o seguinte teor:
 
  
 Artigo 755º
 
 (Casos especiais)
 
  
 
 1.  Gozam ainda do direito de retenção:
 
 (...)
 f) O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que 
 obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa 
 coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos 
 termos do artigo 442º.
 
  
 O acórdão n.º 594/2003 (doutrina posteriormente reiterada no acórdão n.º 
 
 22/2004) também já se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade desta 
 norma. Ali se diz:
 
  
 
 '[...] 
 O legislador veio, assim, em 1980 e depois em 1986, invocando a “lógica da 
 defesa do consumidor”, atribuir ao beneficiário da promessa de transmissão ou 
 constituição de direito real, que obteve tradição da coisa a que se refere o 
 contrato prometido, o direito de retenção sobre essa coisa, pelo crédito 
 resultante do não cumprimento imputável à outra parte.
 Será esta uma norma desproporcionada e violadora do princípio da confiança e 
 segurança jurídica ?
 
 11.1.    Analisemos antes de mais a questão da eventual violação do princípio da 
 proporcionalidade.
 Sobre a actuação do princípio da proporcionalidade no domínio das relações 
 jurídico-privadas e sobre o papel que este princípio pode assumir como 
 inspirador de soluções adoptadas pela lei no âmbito do direito privado, disse o 
 Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 302/01 (publicado no Diário da República, 
 II Série, n.º 257, de 6 de Novembro de 2001, p. 18309 ss): 
 
  
 
 “[...]
 Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 153), “o princípio da proporcionalidade 
 
 (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três 
 subprincípios: (a) princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas 
 legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos 
 fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens 
 constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade, ou seja, as 
 medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se 
 exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros 
 meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias); (c) princípio 
 da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais 
 restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se 
 a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em 
 relação aos fins obtidos”. 
 Entre nós, a consagração constitucional do princípio da proporcionalidade não 
 merece contestação, pelo menos desde 1982. Com efeito, a Constituição da 
 República Portuguesa, desde a primeira revisão constitucional, consagra no seu 
 artigo 2º o Estado de direito democrático, sendo certo que o princípio da 
 proporcionalidade se encontra ínsito nesse conceito político-jurídico, do qual 
 constitui uma necessária decorrência.
 O mesmo princípio da proporcionalidade aflora, aliás, em várias disposições 
 constitucionais relevantes: no artigo 18º, n.º 2, relativo às restrições aos 
 direitos, liberdades e garantias; no artigo 19º, n.º 4, impondo expressamente o 
 respeito pelo princípio da proporcionalidade na opção pelo estado de sítio ou 
 pelo estado de emergência, bem como nas respectivas declaração e execução; no 
 artigo 19º, n.º 8, no que concerne às providências a tomar pelas autoridades com 
 vista ao restabelecimento da normalidade constitucional; no artigo 28º, n.º 2, 
 relativo à prisão preventiva; no artigo 30º, n.º 5, prevendo as limitações a 
 direitos fundamentais que decorram das exigências próprias da execução de penas 
 ou medidas de segurança ou inerentes ao sentido da condenação; no artigo 266º, 
 n.º 2, que consagra expressamente a subordinação dos órgãos e agentes 
 administrativos ao princípio da proporcionalidade; no artigo 270º, relativo às 
 restrições ao exercício de direitos dos militares e agentes militarizados, bem 
 como dos agentes  dos serviços e forças de segurança; no artigo 272º, n.º 2, 
 referente às medidas de polícia.
 De resto, o Tribunal Constitucional tem sucessivamente reconhecido o valor 
 constitucional do princípio da proporcionalidade (cfr., entre muitos outros: 
 Acórdão n.º 25/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2º vol., p. 7; Acórdão 
 n.º 85/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., p. 245: Acórdão n.º 
 
 64/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., p. 319; Acórdão n.º 
 
 349/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19º vol., p. 507; Acórdão n.º 
 
 363/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19º vol., p. 79; Acórdão n.º 
 
 152/93, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º vol., p. 323; Acórdão n.º 
 
 634/93, Acórdãos do Tribunal Constitucional,  26º vol., p. 205; Acórdão n.º 
 
 370/94, Diário da República, II Série, de 7 de Setembro de 1994; Acórdão n.º 
 
 494/94, Diário da República, II Série, de 17 de Dezembro de 1994; Acórdão n.º 
 
 59/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p. 79; Acórdão n.º 572/95, 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32º vol., p. 381; Acórdão n.º 758/95, 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32º vol., p. 803; Acórdão n.º 958/96, 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 34º vol., p. 397; Acórdão n.º 1182/96, 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35º vol., p. 447). 
 
 É assim possível encarar o princípio da proporcionalidade como um princípio 
 objectivo da ordem jurídica. E, se é certo que a aplicação do princípio da 
 proporcionalidade se viu inicialmente restrita à conformação dos actos dos 
 poderes públicos e à protecção dos direitos fundamentais, há que reconhecer que 
 foi admitido o posterior e progressivo alargamento da relevância de tal 
 princípio a outras realidades jurídicas, não se detectando verdadeiros 
 obstáculos à sua actuação no domínio das relações jurídico-privadas.
 Não se contesta portanto que o princípio da proporcionalidade seja princípio 
 geral de direito, conformador não apenas dos actos do poder público mas também, 
 pelo menos em certa medida, dos actos de entidades privadas e inspirador de 
 soluções adoptadas pela própria lei no domínio do direito privado.
 
 [...].”
 
  
 A ideia geral unificadora do princípio da proporcionalidade é a de que o meio 
 utilizado para atingir certo objectivo deve estar numa determinada relação com 
 esse objectivo. A avaliação a que há que proceder para aferir da 
 proporcionalidade incide sobre um meio, que é dirigido a um certo fim, e implica 
 a apreciação da respectiva idoneidade, necessidade e racionalidade à prossecução 
 do fim em vista. 
 No caso dos autos, trata-se de saber se é desproporcionada ou excessiva a norma 
 que consagra o direito de retenção em favor do promitente-comprador, que obtém a 
 tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, pelo crédito do 
 incumprimento imputável à outra parte.
 A resposta não pode deixar de ser negativa. [...] 
 
 11.2.    Vejamos agora se a norma questionada, enquanto concede o direito de 
 retenção ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito 
 real, que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, viola 
 o princípio da confiança e segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de 
 direito democrático, constante do artigo 2º da Constituição.
 Na sua vertente de Estado de direito, o princípio do Estado de direito 
 democrático – nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, cit., p. 63) – “mais do que constitutivo de 
 preceitos jurídicos, é sobretudo englobador e integrador de um amplo conjunto de 
 regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia 
 da sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos 
 liberdade, igualdade e segurança”.
 De acordo com a jurisprudência da Comissão Constitucional, o princípio do Estado 
 de direito democrático “garante seguramente um mínimo de certeza nos direitos 
 das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a 
 confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica” (Parecer n.º 14/82, 
 Pareceres da Comissão Constitucional, 19º vol., p. 183 ss).
 Por sua vez, o princípio da segurança jurídica, implicado no princípio do Estado 
 de direito democrático, abrange duas ideias nucleares (Gomes Canotilho, Direito 
 Constitucional, 6ª ed., Coimbra, 1993, p. 380): a de estabilidade, no sentido de 
 que as decisões estaduais, incluindo as leis, “não devem poder ser 
 arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável a alteração das mesmas quando 
 ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes”; e a de 
 previsibilidade, “que, fundamentalmente, se reconduz à exigência de certeza e 
 calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos 
 actos normativos”. 
 A realização do princípio do Estado de direito, no quadro da Constituição, exige 
 portanto que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade 
 dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, ou seja, exige a garantia da 
 confiança na actuação dos entes públicos. 
 Assim, o princípio da protecção da confiança e segurança jurídica pressupõe um 
 mínimo de previsibilidade em relação aos actos do poder, de modo que cada pessoa 
 possa ver garantida a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos 
 jurídicos dos actos que pratica. Nestes termos, e em regra, as pessoas têm o 
 direito de poder confiar que as decisões sobre os seus direitos ou relações 
 jurídicas tenham os efeitos previstos nas normas que os regulam.
 No caso em apreço, a norma questionada não contende com tais princípios.
 A solução adoptada na alínea f) do n.º 1 do artigo 755º do Código Civil não pode 
 surpreender, na medida em que corresponde apenas a uma mais correcta localização 
 da matéria na orgânica da sistematização legislativa. A atribuição do direito de 
 retenção ao promitente-comprador que tivesse obtido a tradição da coisa objecto 
 do contrato prometido foi aprovada e estava em vigor há muito tempo: como se 
 viu, o regime legal em questão existia desde 1980, tendo sido reafirmado em 
 
 1986, através de mera alteração na inserção sistemática da norma (que passou do 
 artigo 442º, n.º 3, do Código Civil para o artigo 755º, n.º 1, alínea f), do 
 mesmo Código).
 De todo o modo, a norma que define, em abstracto, um novo caso de direito de 
 retenção não pode ser vista, em si mesma, como ofensiva dos direitos de outros 
 credores do devedor. Uma eventual ofensa de tais direitos – a existir – 
 decorreria da norma que estabelece a hierarquia entre os direitos dos diversos 
 credores. 
 
 12.      Conclui-se, assim, que não existe qualquer violação, quer do princípio 
 da proporcionalidade explicitado no artigo 18º, n.º 2, da Constituição, quer do 
 princípio da confiança e segurança jurídica, decorrente do princípio do Estado 
 de direito democrático consagrado no artigo 2º da Constituição.
 
 [...]'
 
  
 
 É também este julgamento de não inconstitucionalidade que agora novamente se 
 reitera.
 
  
 
 7.       Assim, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando a decisão 
 recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa,  14 de Dezembro de 2005-
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria Helena Brito
 Artur Maurício