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Processo n.º 531/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
  
 
    1 – A., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), pretendendo ver apreciada a 
 inconstitucionalidade da norma constante do artigo 411.º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal (CPP), conjugada com o artigo 4.º do mesmo código e com o artigo 
 
 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), quando interpretada no sentido 
 de que o artigo 411.º, n.º 1, do CPP, “esgota a regulamentação dos prazos dos 
 recursos em matéria penal e de que não existe qualquer lacuna nessa 
 regulamentação, assim se rejeitando a aplicação subsidiária ao processo penal, 
 via artigo 4.º do Código de Processo Penal, do artigo 698.º, n.º 6, do Código de 
 Processo Civil, nos casos em que, havendo prova gravada, existe um recurso em 
 matéria de facto”, por violação do disposto nos artigos 20.º, 32.º, n.º 1, e 
 
 202.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
    2 – Na decisão recorrida – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de 
 Abril de 2005 – consignou-se que:
 
  
 
 “(...)
 
             A competência decisória deferida no art. 432º, do CPP, ao STJ, está 
 fixada em moldes restritos, por forma a respeitar a sua função histórica de 
 tribunal de revista, limitada ao conhecimento da matéria de direito, só 
 excepcionalmente interferindo na reponderação da matéria de facto, para bem 
 decidir a de direito e ao mesmo tempo impedir a sobrecarga a que aquele 
 conhecimento sistemático levaria, com compromisso para aquela função, e 
 cinge-se:
 
 - Às decisões das Relações proferidas em 1ª instância (al. a);
 
 - Às decisões das Relações proferidas em recurso, que não sejam irrecorríveis 
 
 (al. b);
 
 - Aos acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri (al. c);
 
 - Aos acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente 
 o reexame da matéria de direito (al. d); e
 
 - Às decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos antes 
 
 (al. e).
 Bem claro se torna que a decisão recorrida visa o reexame de uma questão 
 condicionante da reapreciação do mérito da causa ainda não incidente sobre a 
 decisão final, entendida, na jurisprudência, com o significado de decisão que 
 põe termo à causa, conhecendo do respectivo mérito.
 Em causa a tempestividade para recorrer-se, de modo que, quando a este aspecto 
 de índole processual, com reflexos materiais, substantivos, o preceito não cobra 
 aplicação nas suas als. a), c), d) e e).
 Residualmente fica de pé a sua al. b), no aspecto em que consente recurso das 
 decisões da Relação para o STJ, se não forem irrecorríveis, à luz do art. 400º, 
 do CPP.
 Com pertinência o disposto no art. 400º, nº 1, c), do CPP, que proíbe levar 
 recurso das decisões que não ponham termo à causa, da Relação para o STJ.
 Decisão que põe termo à causa, para fins do preceito em apreço, é a que tem como 
 consequência o arquivamento do processo, o encerramento do seu objecto.
 Decisão que põe termo à causa, como lapidarmente se escreveu no Ac. deste STJ, 
 de 1.4.2004, no P.º n.º 1261/5ª Sec., acessível em www.dgsi.jstj, nem sempre é 
 uma decisão final, mas uma decisão final é sempre uma decisão pondo fim ao 
 pleito, debruçando-se sobre o seu mérito.
 Decisão que põe termo ao processo é, obviamente, a recorrida porque impede o STJ 
 de apreciar, em recurso, a sua versão.
 O acórdão condenatório foi proferido, em 1ª instância, em 13.4.2004 e, em 
 
 14.4.2004, se procedeu ao seu depósito, nos termos do art. 375º, n.º 2, do CPP e 
 desse acto processual, nos termos do art. 411º, n.º 1, do CPP, se conta o termo 
 inicial do prazo de interposição do recurso.
 Logo no dia 13.4.2004 a arguida requereu que lhe fossem entregues as cassetes 
 com as provas gravadas, as quais, em número de 4, lhe foram confiadas em 
 
 20.4.2004.
 A 26 de Abril, 13 dias sobre a emissão da decisão, a Srª advogada da arguida 
 surge a solicitar a confiança do processo, o que lhe foi deferido, apenas, por 
 dois dias úteis - cfr. despacho de fIs. 1370 -, apresentando-se a arguida a 
 recebê-los no dia 29.4.2004.
 Em 11 de Maio de 2004 a arguida apresentou a motivação de recurso.
 No ensinamento do Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 
 
 201, o despacho de admissão de recurso se vincula o tribunal que o proferiu, já 
 não assim o tribunal “ad quem” que pode e deve modificá-lo “ex officio” (art. 
 
 414º, n.º 3, do CPP), e isto porque se ao tribunal “ad quem” incumbe decidir a 
 questão de mérito, também a ele, por maioria de razão, incumbe decidir sobre as 
 questões prévias que interfiram na espécie, efeito e admissibilidade do recurso.
 Intentando o recorrente impugnar a matéria de facto deverá enumerar pontualmente 
 os factos que julga incorrectamente julgados e as provas que importam uma 
 decisão diversa da recorrida, nos termos do art. 412º nº 3, do CPP, devendo, 
 quando as provas tenham sido gravadas aquelas especificações enunciadas nas als. 
 b) e c), do n.º 3, processar-se por referência às gravações, havendo lugar à 
 transcrição das provas – n.º 4.
 O exercício do direito ao recurso fica amplamente assegurado pela entrega das 
 cassetes ao recorrente, pois a transcrição das provas, a cargo do tribunal, não 
 têm por finalidade proporcionar aquele direito, mas apenas facilitar ao tribunal 
 de recurso o reexame da matéria de facto provada em ordem à sua eventual 
 modificabilidade.
 Com a entrega das cassetes está o recorrente em condições de elaborar o recurso, 
 ouvindo o material probatório gravado, pela referência à cassete e ao pertinente 
 segmento, pelo que não tem que ser coincidente a entrega com a transcrição, 
 operação a que o tribunal, seja, socorrendo-se dos seus recursos humanos, seja 
 pelo recurso a elementos estranhos, se revela incapaz de satisfazer, na 
 generalidade dos casos, naquele contexto de coincidência.
 A mostrar-se essencial ao fim de impugnação no preceito descrito a transcrição 
 ter-se-ia como referencial de suporte a ela e não o conteúdo das cassetes.
 A haver transcrição ela, na generalidade dos casos, só ocorrerá depois de 
 interposição do recurso e, neste, ou seja na sua motivação, já o recorrente 
 deverá ter cumprido o ónus imposto de referência aos suportes magnéticos, a 
 partir da entrega das cassetes -cfr. Ac. deste STJ, de 12.1.2001, CJ, STJ, I, 
 
 201.
 No caso que nos ocupa é inescapável que 7 dias depois da emissão do acórdão 
 foram entregues 4 cassetes com cópia das gravações, dispondo a defesa do arguido 
 de mais 8 dias para elaborar os termos do recurso.
 O prazo de interposição do recurso previsto no art. 411º, n.º 1, do CPP é 
 peremptório e não pode ser alargado para mais 10 dias por aplicação do art. 
 
 698º, n.º 6, do CPC, que não cobra razão de ser. Na verdade o recurso às normas 
 do CPC para integração de lacunas de regulamentação foi limitado ao máximo pelo 
 legislador do CPP de 87, que quis firmar nele um todo normativo capaz de reger 
 de forma global e autónoma a relação processual penal em toda a sua dinâmica e 
 complexidade, sem necessidade de recurso a outro diploma, visível no regime de 
 regulamentação de recursos a quem emprestou particular atenção e normação 
 própria e privativa, afastando de “motu proprio” o regime do CPC, de que se 
 socorria em larga medida o seu predecessor de 1929.
 O alargamento do prazo para mais 10 dias, em caso de gravação das provas, por 
 aplicação analógica do art. 698º, n.º 6, do CPC, tem como pressuposto a 
 existência de um caso omisso, nos termos do art. 4º, do CPP, quando é certo que 
 o art. 411º, n.º 1, do CPP, regulamenta expressamente o prazo de interposição, 
 prevendo-o, desnecessário sendo o recurso à via integrativa para estabelecimento 
 do prazo quando se procede à gravação das provas, havendo lugar à transcrição, 
 porque essa operação em nada contende com a praticabilidade do direito ao 
 recurso.
 Ao recurso à via integrativa do CPC só é de lançar mão quando se mostrem 
 compatíveis os seus princípios com as linhas programáticas que dão corpo ao 
 processo penal.
 A literalidade do art. 411º, n.º 1, do CPP, a filosofia inspiradora do CPP, de 
 realizar a celeridade e eficiência processual, as sucessivas alterações ao CPP 
 abstendo -se de ampliar o prazo de interposição do recurso em caso de gravação 
 da prova, não obstante o legislador não desconhecer a disposição do CPC em 
 alusão, afastando o alargamento do prazo de que os sujeitos processuais, atenta 
 a sua natureza pública, não podem dispor a seu bel-prazer, mostram claramente o 
 propósito do legislador não alargar, em tal hipótese, o prazo normal de 
 interposição recursos em processo penal.
 De resto o CPP apresenta uma válvula de segurança em caso de impossibilidade de 
 interposição do recurso - ou da prática de qualquer outro acto processual - no 
 prazo normal, mediante recurso às regras do justo impedimento consagradas no 
 art. 107º, n.º 5, do CPP, para além do sancionamento pecuniário como condição de 
 validação do acto intempestivo, nem um nem outro sendo o procedimento adoptado 
 pela arguida, a qual, cautelarmente, devia precaver-se, na diversidade de 
 entendimentos, de ter de enfrentar orientação de desfavor.
 A questão, sabemo-lo, não é liquida - o Ac. da Relação do Porto, de 29.10.2003, 
 CJ, 2003, IV, como o da Relação de Évora, de 10.2.2004, in CJ, 2004, I, 263, 
 pronunciaram -se em sentido oposto, ou seja pela alongamento do prazo normal de 
 interposição de recurso, embora com esclarecidos votos de vencido; idem o deste 
 STJ, de 7.5.2003, no Recº n.º 243/03, in www.dgsi.pt; mas em sentido contrário 
 ao da prorrogabilidade do prazo situam-se os da Rel. de Lisboa, in CJ, 2003, V, 
 
 153, acrescendo, ainda, os de 26.6.2002, 2.5.2002, 18.4.2002 e de 25.5.2002, 
 ainda desta Relação, indicados na contramotivação do Exmo. Procurador-Geral 
 Adjunto nesta Relação.
 Neste mesmo sentido, cfr. o Ac. proferido neste STJ, no Recº n.º 3215/2004, 
 desta 3ª Sec., em processo da 2ª Vara Mista de Sintra. 
 Propende este STJ a considerar, num sentido jurisprudencialmente dominante, não 
 haver lugar ao alongamento do prazo de mais 10 dias como a recorrente sustenta, 
 interpretação conforme ao direito constitucional, designadamente ao direito de 
 defesa do arguido, de que o direito ao recurso é um dos seus mais sagrados 
 bastiões, sufragada, de resto, pelo TC, no Ac. n.º 433/2002, in DR II Série, de 
 
 2.1.2003.
 Ao serem entregues as cassetes, dispondo ainda de 8 dias mais a recorrente para 
 estruturar materialmente o recurso, já que mentalmente antes, por certo, o 
 preparara, em nada fica afectado o seu direito de defesa, para mais reduzido 
 como era o número de cassetes a reproduzir.
 Aos sujeitos processuais não é lícito criarem prazos de interposição de 
 recursos, antes devendo sujeitar-se aos termos peremptórios em que aqueles, à 
 face da lei, se balizam.
 Ademais não funda argumento impressionante o facto de o recorrente cível dispor 
 de um acréscimo de mais 10 dias para estruturar o recurso, havendo gravação das 
 provas, atenta a natureza própria do processo civil, que não coincide com a do 
 processo penal, aquele caracterizado por uma autêntica 'comunidade de trabalho', 
 orientado por uma ideia de cooperação inter‑subjectiva, com importantes 
 consequências ao nível das relações entre os sujeitos processuais e o tribunal, 
 obrigando-se aqueles a um 'honeste procedere' (cfr. Prof. Teixeira de Sousa, 
 Estudos sobre o Novo Código Civil, Ed. Lex, 1997, 62); ex-adverso no processo 
 penal é predominante uma ideia de supremacia do Estado na liderança do conflito, 
 cuja solução furta aos particulares, de celeridade processual, forma de 
 objectivar os relevantes interesses públicos que o caracterizam entre os quais o 
 da paz pública, da crença na lei e a segurança dos cidadãos, interesses que se 
 não identificam e, portanto, não legitimam a transposição pura e simples daquela 
 regra do art. 698º, n.º 6, do CPC.
 O direito de defesa em nada é afectado pela incoincidência de prazos de 
 interposição de recursos em caso de provas gravadas no âmbito dos dois ramos do 
 direito, limitando-se o legislador a tratar com desigualdade aquilo que, na 
 matriz, é desigual, nada obrigando o legislador a estabelecer um mesmo prazo.
 Não se subscreve, a fundamentar uma interpretação inconstitucional e o 
 previsível recurso ao TC, a ofensa no caso vertente dos direitos ao recurso e ao 
 acesso ao direito e aos tribunais e, bem assim, a denegação de justiça pelos 
 tribunais, tudo nos termos dos arts. 32º, n.º 1, 20º, n.º 1, e 202º, n.º 2, da 
 CRP, a limitação do prazo de interposição de recurso ao prazo normal, que, 
 outro, mais amplo, se não justificava.
 Ante a evidente omissão de incompletude de regulamentação, que o mesmo é dizer 
 lacuna, obrigando para integração ao CPC, a ausência de ofensa a direitos 
 fundamentais do arguido, entre os quais o de defesa, quando em 10.5.2004 foi 
 interposto recurso, estava exaurido o prazo de interposição desde 29.4.2004, não 
 vinculando este STJ a sua admissão.
 Anote-se que, mesmo reportando-se ao prazo suplementar de 10 dias, a arguida não 
 deixou de apresentar o recurso no último dia dos 25, de que, indevidamente, em 
 mais 10, se lançou mão.
 Confirma-se, inteiramente, o acórdão da Relação, negando-se provimento ao 
 recurso”.
 
  
 
    3 – Admitido o recurso interposto nos termos referidos para o Tribunal 
 Constitucional, a Recorrente, convidada a alegar, concluiu a sua argumentação 
 dizendo:
 
  
 
    “(...)
 
    1 - Com o presente recurso, pretende a Recorrente ver apreciada a 
 inconstitucionalidade da norma constante do artigo 411º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal, efectivamente aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça, 
 conjugada com o artigo 4º do Código de Processo Penal e com o artigo 698º, n.º 
 
 6, do Código de Processo Civil, com a interpretação que resulta do Acórdão ora 
 recorrido e que se descreve no parágrafo seguinte e que, no entender da 
 Recorrente, viola frontalmente a Constituição da República Portuguesa.
 
 2 - De facto, interpretar o primeiro indicado preceito legal (411º, n.º 1) no 
 sentido de que o mesmo esgota a regulamentação dos prazos dos recursos em 
 matéria penal e de que não existe qualquer lacuna nessa regulamentação, assim se 
 rejeitando a aplicação subsidiária ao processo penal, via artigo 4º do Código de 
 Processo Penal, do artigo 698º, n.º 6 do Código de Processo Civil, nos casos em 
 que, havendo prova gravada, existe recurso em matéria de facto, viola o direito 
 de defesa da arguida Recorrente e, de forma directa, os artigos 32º, n.º 1, 20º, 
 n.º 1, e 202º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa.
 
 3 - É a seguinte a tramitação temporal do presente recurso, imprescindível para 
 a compreensão do mesmo:
 
 -        em 13 de Abril de 2004 o Meritíssimo Juiz do Tribunal de 1ª instância 
 procedeu à leitura da sentença condenatória;
 
 -        contactado poucos dias antes pela Arguida, o seu Ilustre actual 
 Defensor compareceu naquela leitura, tomando pela primeira vez contacto com os 
 factos imputados à Arguida e considerados provados;
 
 -        e requerendo a junção aos autos, nesse mesmo dia da leitura da decisão 
 condenatória, de substabelecimento sem reservas subscrito pela anterior 
 mandatária da Arguida, a Exma. Dra. B., a qual assegurou a defesa da Arguida 
 durante todo o julgamento e até àquele dia 13 de Abril de 2004;
 
 -        também nesse mesmo dia e com carácter de urgência, o Ilustre Defensor 
 da Arguida requereu a confiança do duplicado das cassetes áudio que registaram a 
 prova produzida em audiência de julgamento;
 
 -        em 19 de Abril, o Ilustre Defensor da Arguida foi notificado do 
 despacho do Meritíssimo Juiz, proferido em 15 de Abril de 2004, deferindo 'a 
 entrega de cópia após a apresentação das cassetes pela requerente a fim da mesma 
 ser realizada';
 
 -        o Ilustre Defensor da Arguida fez chegar ao Tribunal de 1ª instância as 
 cassetes solicitadas pelo Tribunal, tendo sido efectuada a ordenada duplicação 
 
 áudio;
 
 -        em 10 de Maio de 2004, a Arguida apresentou o seu recurso;
 
 -        em 17 de Maio de 2004 o Meritíssimo Juiz do Tribunal de 1ª instância 
 proferiu despacho no sentido de admitir o recurso, por tempestivo e legal;
 
 -        em 07 de Junho de 2004 o Excelentíssimo Magistrado do Ministério 
 Público apresentou as suas contra-alegações, nada dizendo quanto à questão da 
 tempestividade do recurso;
 
 -        em 18 de Junho de 2004, o Ilustre Defensor da Arguida foi notificado da 
 remissão dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa;
 
 -        em 07 de Janeiro de 2005, o Ilustre Defensor da Arguida foi notificado 
 da decisão (do Tribunal da Relação de Lisboa, em conferência) de rejeitar o 
 recurso, com fundamentação na extemporaneidade do recurso apresentado, 
 entendendo que 'Pese embora este recurso ter sido admitido por tempestivo por 
 douto despacho de 17 de Maio de 2004, a fls. 1402, o mesmo é extemporâneo por 
 não ter aplicação no processo penal o citado artigo 698º, nº 6 do Código de 
 processo civil, pois que não se trata de um caso omisso na regulamentação dos 
 recursos em processo penal (cfr. art. 4 do Código de Processo Penal).';
 
 -        desta decisão recorreu em 21 de Janeiro de 2005 a Recorrente;
 
 -        em 07 de Fevereiro de 2005 a Recorrente foi notificada do despacho de 
 admissão do seu recurso;
 
 -        tendo sido notificada da resposta do Ministério Público em 07 de Março 
 de 2005;
 
 -        finalmente, em 05 de Maio de 2005 a Recorrente foi notificada da 
 decisão da 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça que, reunida em Conferência, 
 confirmou inteiramente o acórdão da Relação, assim negando provimento ao 
 recurso.
 
 4 - É exactamente esta decisão que a Recorrente não pode deixar de submeter à 
 apreciação desse garantístico Tribunal, velador dos mais profundos e absolutos 
 direitos de qualquer cidadão, os quais se vêem, nestes autos e no entender da 
 Arguida Recorrente, seriamente postos em causa, muito resumidamente se dizendo 
 que a questão que ora se coloca é a de saber se, no âmbito do processo penal, 
 ocorre uma lacuna, legitimamente preenchível pelo dispositivo constante do n.º 6 
 do artigo 698º do Código de Processo Civil, por óbvia remissão do artigo 4º do 
 Código de Processo Penal.
 
 5 - Foi exactamente pelo conhecimento que tinha das decisões dos Tribunais 
 Superiores nesse sentido, que então e em consonância com o seu entendimento iam 
 já sendo produzidas que a Recorrente, como vinha fazendo, se fez valer daquele 
 lógico e racional acréscimo de 10 dias e estritamente por estar em causa a 
 penosa tarefa de desgravação das cassetes áudio que registaram a prova ocorrida 
 em audiência de julgamento, praticamente inviável no curto espaço de 15 (ou 8, 
 como adiante se verá) dias...!
 
 6- Tem a Recorrente, à semelhança do que já tem entendido esse Tribunal Superior 
 
 (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Julho de 2002 - Acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Novembro de 2002) bem como o próprio 
 Tribunal da Relação de Lisboa (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10 
 de Maio de 2004), diverso entendimento.
 
 7 - Negando-se a aplicação subsidiária do prazo adicional de 10 dias ao prazo de 
 
 15 dias previsto no n.º 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal, só muito 
 aparentemente (ou nem isso, atenta a tamanha desadequação...) se estará a 
 concretizar, no âmbito penal, a dimensão constitucional das garantias 
 fundamentais de defesa prevista, em especial, no artigo 32º, n.º 1, da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
 8 - Diversos factores ou indicadores depõem no sentido de que semelhante 
 entendimento, seguido por aquelas superiores instancias de recurso, acarreta a 
 violação dos artigos 411º e 412º do Código de Processo Penal e n.º 6 do 698º, do 
 Código de Processo Civil e, mais gravemente, está ferido de 
 inconstitucionalidade.
 
 9 - É desrazoável, ilógico e injusto pretender-se facultar ao Arguido somente o 
 prazo de 15 dias, a contar da leitura da decisão de primeira instância, para 
 interpor e motivar o seu recurso, diga este respeito a matéria de direito apenas 
 e/ou a matéria de facto.
 
 10- Do espírito que terá norteado o legislador penal infere-se que este não 
 excluiu a possibilidade de se dotar o Arguido de um prazo diferente, mais 
 alargado, nas situações em que recorre sobre a matéria de facto.
 
 11 - Deparamo-nos com uma lacuna no ordenamento processual penal que urge 
 preencher, inexistindo norma no respectivo diploma que seja potencialmente 
 aplicável por analogia.
 
 12 - A aplicação da regra constante do n.º 6 do artigo 698º do Código de 
 Processo Civil não fere a natureza do processo penal, sendo com ele 
 perfeitamente harmonizável e até justificável e, neste aspecto, a titulo de nota 
 se dirá que, quanto à critica dirigida no acórdão recorrido à actuação da defesa 
 do Arguido, por não ter cautelarmente lançado mão 'às regras do justo 
 impedimento' ou ao 'sancionamento pecuniário como condição de validação do acto 
 intempestivo', desses expedientes não se lançou mão porque não era, em absoluto, 
 o caso.
 
 13 - A utilização que a defesa da Arguida fez do prazo de 10 dias obedeceu ao 
 entendimento constitucional que tem na matéria, amparado, reforçado e assegurado 
 pela recente jurisprudência que, na altura, ia já inovadoramente surgindo, ainda 
 que agora se veja alterada, não se tendo tratado de circunstâncias que 
 justificassem o recurso ao justo impedimento ou à apresentação do acto com 
 pagamento de multa, motivos pelos quais não se utilizaram tais mecanismos.
 
 14 - O Recorrente civil beneficia de um prazo muito maior do que o Recorrente 
 penal para apresentar a sua motivação de recurso, sendo certo e assente que o 
 processo penal, mexendo com a liberdade de um cidadão, apresenta sempre maior 
 gravidade.
 
 15 - Respondendo-se que o principio da celeridade processual é um dos pilares do 
 processo penal, e que portanto se justificaria a limitação do prazo de recurso, 
 prontamente se terá de aditar que tal facto não anula nem tão pouco suplanta o 
 outro grande pilar desse processo, qual seja o da garantia da defesa do arguido, 
 aliás o mais importante em matéria criminal.
 
 16 - O princípio de celeridade obedece em primeira linha aos próprios interesses 
 do arguido, pretendendo-se assegurar que todo e qualquer cidadão tenha limitado 
 ao mínimo de tempo possível a suspeita que sobre si possa impender a nível 
 criminal, pelo que nada impede que o Arguido decida acolher essa celeridade que 
 lhe é oferecida de modo latente ou, ao invés, dela abra mão, nomeadamente em 
 nome de um direito maior, qual seja o de garantir que a sua defesa seja exercida 
 em pleno.
 
 17 - No mínimo, exige-se uma compatibilização entre os dois referidos 
 princípios, saindo seguramente vencedor, em caso de luta, o principio da 
 garantia de defesa, aliás com assento constitucional no artigo 32º da 
 Constituição da República Portuguesa, o qual encerra e condensa os mais 
 elementares princípios da realidade penal, não podendo jamais a necessidade de 
 uma justiça célere servir de pretexto ao sacrifício das garantias de defesa do 
 Arguido.
 
 18 - Este princípio vencedor da garantia de defesa engloba, exactamente, o 
 direito ao recurso e este pressupõe, naturalmente, que o Arguido disponha de 
 todos os elementos necessários à sua efectivação.
 
 19 - Tratando-se de recurso sobre a matéria de facto, é logicamente 
 imprescindível que o Arguido tenha ao seu dispor o conteúdo da prova produzida 
 em audiência de julgamento, o que só será possível com o acesso ao duplicado das 
 respectivas cassetes áudio, bem como à sua audição.
 
 20 - Ainda que não esteja legalmente obrigado a transcrever a prova produzida, 
 acabará por ter que a fazer, nem que seja em parte, só assim, muitas vezes, 
 conseguindo apresentar um recurso sério e eficaz, só assim ficando assegurado um 
 recurso efectivo em matéria de facto, como seguramente o pretendeu o legislador.
 
 21 - Só com o completo acesso a essa prova poderá o Arguido averiguar e optar 
 pela interposição ou não de recurso - e, neste caso concreto, não se pode deixar 
 de reclamar de V. Exas. especial atenção para o facto de que o Ilustre Advogado 
 que assegurou a defesa da Arguida a partir do recurso da decisão de primeira 
 instância, apenas tomou conhecimento da realidade factual destes autos no dia da 
 leitura da decisão condenatória, 13 de Abril de 2004, e, com mais detalhe, com a 
 audição das cassetes que registaram a prova testemunhal, não se tendo a defesa 
 da Arguida poupado em proceder à audição de todas as respectivas cassetes, sua 
 total desgravação e efectiva transcrição de grandes excertos da prova 
 testemunhal produzida em audiência de julgamento nessas alegações!!
 
 22 - Com a entrega das cassetes não fica o Recorrente em condições de elaborar o 
 recurso, sendo antes os seguintes os passos lógicos de um recurso sobre matéria 
 de facto, obedecendo-se a um rigoroso entendimento do que deve ser o real 
 patrocínio forense: 1-ouvir as cassetes; 2-desgravar as cassetes; 3-analisar o 
 teor dos depoimentos por contraposição à matéria factual dada como provada e não 
 dada como provada; 4-elaborar o recurso com as referências legais e com 
 transcrição dos excertos da prova desgravada que se entender conveniente, por 
 forma a dotar o recurso de maior clareza e força.
 
 23 - É aplicável aos recursos sobre matéria de facto em processo penal, a mesma 
 razão que presidiu à atribuição de um acréscimo de 10 dias, em processo civil, 
 no caso de ser apresentada uma alegação na qual se impugne a decisão sobre 
 matéria de facto: atribuir um maior prazo ao recorrente, tendo-se exactamente em 
 conta o tempo que sempre demora na audiçãoItranscrição da prova gravada, até 
 porque, em processo civil, não obstante o Recorrente não estar já igualmente 
 obrigado a transcrever a prova, bastando-se com as referências ao assinalado na 
 acta, continua a beneficiar daquele acréscimo de 10 dias.
 
 24 - O prazo de 15 dias para interpor e motivar o recurso sempre e 
 necessariamente será amputado de alguns dias, o que, na perspectiva seguida pelo 
 Tribunal recorrido, não é de todo considerado, sendo certo que, por lei, o 
 Tribunal poderá demorar 8 dias até à efectiva entrega do duplicado das cassetes 
 
 áudio que registaram a prova, o que, pelo menos, fará com que o Arguido passe a 
 dispor de uns míseros 7 dias para ouvir a prova gravada, analisar essa prova, 
 decidir sobre o interesse ou conveniência de impugnar a decisão de primeira 
 instancia, interpor e simultaneamente motivar o seu recurso.
 
 25- No presente caso, de facto, e como até se pode ler na decisão recorrida 
 
 '(...) 7 dias depois da emissão do acórdão foram entregues 4 cassetes com cópia 
 das gravações, dispondo a defesa do arguido de mais 8 dias para elaborar os 
 termos do recurso.' ou 'ao serem entregues as cassetes, dispondo ainda de 8 dias 
 mais a recorrente para estruturar materialmente o recurso (...)'.
 
 26- Como é possível poder-se admitir, de animo leve, que 15 dias, ou melhor, no 
 caso dos autos - e de variadíssimos outros com toda a certeza, atendendo ao 
 tempo normal de entrega das cassetes nos nossos tribunais - que 8 dias são 
 suficientes para, de um modo efectivo, real e responsável, se apresentar um 
 válido recurso em matéria de facto? É inadmissível....
 
 27 - Aceitar o conteúdo do Acórdão recorrido significa aceitar que as garantias 
 de defesa da Arguida, neste caso na sua vertente de direito a um recurso 
 efectivo em matéria de facto, sejam drástica, inadmissível e injustificadamente 
 diminuídas, sem que se apresente qualquer princípio ou interesse superior.
 
 28 - Ao rejeitar o recurso por extemporaneidade, na sequência do entendimento de 
 que não existe lacuna na regulamentação dos recursos penais, negando assim o 
 acréscimo de prazo previsto no ordenamento processual civil, o Supremo Tribunal 
 de Justiça, seguindo a incorrecta posição assumida pelo Tribunal da Relação de 
 Lisboa, violou os artigos 4º, 411º e 412º, todos do Código de Processo Penal, 
 bem como o nº 6 do artigo 698º do Código de Processo Civil.
 
 29 - Os indicados artigos 411º e 412º deveriam ter sido entendidos como não 
 esgotantes da regulamentação dos recursos penais, sendo detectada uma lacuna que 
 deveria, por aplicação do artigo 4º, ser preenchida com a norma enunciada no nº 
 
 6 do artigo 698º.
 
 30 - Diferente interpretação apresenta-se inconstitucional, por acarretar a 
 diminuição injustificada do direito ao recurso, direito que é 
 constitucionalmente assegurado a todos os arguidos, nomeadamente nos artigos 32º 
 nº 1 da Constituição da República Portuguesa (o processo criminal assegura todas 
 as garantias de defesa, incluindo o recurso), 20º, n.º 1, da Constituição da 
 República Portuguesa (é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para 
 defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos) e 202º, n.º 2, da 
 Constituição da República Portuguesa (na administração da justiça incumbe aos 
 tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos 
 cidadãos)”.
 
  
 
    4 – Por sua vez, o Ministério Público contra-alegou concluindo que “a não 
 aplicação, em processo penal, do regime contido no artigo 698.º, n.º 6, do 
 Código de Processo Civil não implica violação de qualquer preceito ou princípio 
 constitucional, dada a plena suficiência do prazo previsto no artigo 411.º do 
 Código de Processo Penal [por lapso, escreveu-se “Civil”] para a fundamentação 
 do recurso penal, mesmo nos casos em que se pretenda controverter matéria de 
 facto”.
 
  
 
    Corridos os vistos, cumpre agora julgar.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
  
 
    5 – Nos termos definidos pela Recorrente, o presente recurso tem por objecto 
 a fiscalização da constitucionalidade da norma constante do artigo 411.º, n.º 1, 
 do Código de Processo Penal (CPP), conjugada com o artigo 4.º do mesmo código e 
 com o artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), quando 
 interpretada no sentido de que o artigo 411.º, n.º 1, do CPP, “esgota a 
 regulamentação dos prazos dos recursos em matéria penal e de que não existe 
 qualquer lacuna nessa regulamentação, assim se rejeitando a aplicação 
 subsidiária ao processo penal, via artigo 4.º do Código de Processo Penal, do 
 artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, nos casos em que, havendo 
 prova gravada, existe um recurso em matéria de facto”, por violação do disposto 
 nos artigos 20.º, 32.º, n.º 1, e 202.º, n.º 2, da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
    
 
    6 – Como se compreenderá, a formulação do problema de constitucionalidade 
 trazido a este Tribunal não dispensa uma consideração prévia, suscitada pela 
 inclusão de uma referência concreta ao labor metodológico lavrado pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça que conduziu a um específico resultado interpretativo.
 
    Tem-se em vista, essencialmente, a consideração da interpretação da norma do 
 artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no sentido de “não existir 
 qualquer lacuna nessa regulamentação”.
 
    Ora, incidindo o recurso de constitucionalidade sobre a sindicância de 
 critérios normativos, não cabe a este Tribunal aferir da bondade do percurso 
 estritamente metodológico que conduziu a decisão recorrida a um determinado 
 resultado, mas apenas controlar, sub specie constitutionis, a bondade do sentido 
 jurídico-normativo de uma norma que é desocultado pela actividade metodológica 
 da instância decidente.
 De resto, como é bem patente, o que a Recorrente pretende controverter, sob a 
 formulação que desenvolve, acaba por ser o juízo de não aplicação, em processo 
 penal, do regime vertido no artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, 
 nos recursos que abranjam matéria de facto, estando, assim em causa saber se é 
 inconstitucional a norma constante do artigo 411.º, nºs 1 e 3, do Código de 
 Processo Penal, na interpretação segundo a qual ao prazo de 15 dias aí previsto 
 para a interposição e motivação do recurso não acresce o prazo de 10 dias a que 
 se refere o artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, em  caso de 
 recurso que tenha por objecto a reapreciação de prova gravada, precipitando-se, 
 consequentemente, neste critério normativo o afastamento da aplicação analógica 
 do regime vigente no seio do direito processual civil.
 
    
 
 7 – A questão da (in)aplicabilidade do regime vertido no Código de Processo 
 Civil ao prazo fixado no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não 
 tem colhido resposta unânime por parte da jurisprudência dos nossos tribunais 
 superiores. 
 De facto, enquanto que nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de 
 Julho de 2002, de 13 de Novembro de 2002 e de 27 de Novembro de 2002 se 
 considerou ser “aplicável em processo penal o disposto no artigo 698.º, n.º 6, 
 do CPC”, o mesmo Supremo Tribunal, nos seus Acórdãos de 14 de Março de 2001, de 
 
 10 de Janeiro de 2002, de 30 de Janeiro de 2002, de 20 de Março de 2002, de 21 
 de Abril de 2004, de 23 de Setembro de 2004, de 10 de Novembro de 2004, de 9 de 
 Dezembro de 2004, de 15 de Dezembro de 2004, de 3 de Março de 2005 e de 9 de 
 Março de 2005, perfilhou posição diversa.
 Foi também esta a posição acolhida muito recentemente no recente Acórdão n.º 
 
 9/2005 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República I 
 Série-A, de 6 de Dezembro de 2005, que “fixou” a jurisprudência no sentido de 
 que “quando o recorrente impugne a decisão em matéria de facto e as provas 
 tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de 15 dias, fixado 
 no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não sendo subsidiariamente 
 aplicável em processo penal o disposto no artigo 698.º, n.º 6, do Código de 
 Processo Civil”.
 Mutatis mutandis, este Tribunal – no seu Acórdão n.º 542/04, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt – apreciou, sob a óptica própria do recurso de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade, a norma constante do artigo 411.º, 
 nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual ao prazo 
 de 15 dias aí previsto para a interposição e motivação do recurso não acresce o 
 prazo de 10 dias a que se refere o artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo 
 Civil, em  caso de recurso que tenha por objecto a reapreciação de prova 
 gravada, julgando a dimensão normativa em crise não inconstitucional.
 Os argumentos mobilizados pelo Tribunal foram os seguintes:
 
  
 
           “Embora referida prevalentemente ao prazo de interposição do recurso, 
 pela evidente razão de, afora a situação referida na segunda parte do n.º 3 do 
 art.º 411º do CPP, os momentos de interposição do recurso e da sua motivação 
 coincidirem em processo penal, a dimensão normativa do art.º 411º, n.º 1, do CPP 
 cuja constitucionalidade o recorrente verdadeiramente questiona é a que respeita 
 ao  prazo de 15 dias improrrogáveis para a apresentação da motivação do recurso, 
 tratando-se de saber se é conforme com a Lei Fundamental uma acepção de tal 
 artigo no sentido do não acréscimo de um prazo de 10 dias para o recorrente 
 motivar o recurso quando nele se ponha em causa a decisão da matéria de facto 
 com base numa reapreciação de prova gravada, em termos correspondentes aos 
 previstos no n.º 6 do art.º 698º do CPC. É, de resto, esse o quadro processual 
 em que a questão se coloca: o recorrente interpôs recurso da sentença 
 condenatória penal por declaração na acta, tendo o recurso sido imediatamente 
 admitido, vindo mais tarde a ser rejeitado por a respectiva motivação ter sido 
 apresentada fora do prazo de 15 dias a contar da data da sua interposição na 
 acta da audiência.
 
  
 
             Antes de mais cumpre acentuar que não cabe ao Tribunal 
 Constitucional pronunciar-se sobre qual seja a solução a dar, no plano do 
 direito infraconstitucional, à controvérsia sobre se é supletivamente aplicável, 
 no processo penal, a norma do art.º 698º, n.º 6, do Código de Processo Civil ou 
 seja, se se está perante uma lacuna de regulação da matéria no Código de 
 Processo Penal e se é caso de aplicação do art.º 4º deste compêndio legislativo.
 
             A questão posta cinge-se a saber se a norma acima definida e que foi 
 aplicada à decisão do caso concreto é ou não conforme com os parâmetros 
 constitucionais invocados ou outros, dado que em matéria de parametricidade 
 constitucional não está o Tribunal vinculado ao alegado (cfr. art.º 79º-C da 
 LTC). Nesta medida não há que tomar posição quanto a saber se a solução achada é 
 a que melhor decorre dos instrumentos hermenêuticos de que o intérprete deve 
 socorrer-se para alcançar o sentido da lei ou se ela representa uma boa opção do 
 legislador, desde que tomada dentro dos parâmetros constitucionais. Assim não há 
 que considerar se a diferente natureza do recurso, se relativo a matéria de 
 facto ou se também, ou só, concernente a matéria de direito, não aconselharia, 
 nesse plano, ao estabelecimento de diferentes prazos de apresentação de recurso 
 ou da sua motivação.
 
  
 
             O estabelecimento de prazos de recurso e da sua motivação não pode 
 deixar de considerar-se uma exigência co-natural do estabelecimento de qualquer 
 processo de apreciação e de decisão.
 
  
 
             No seu Acórdão n.º 571/01, publicado no Diário da República, II 
 Série, de 4 de Fevereiro de 2002, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 51º 
 vol., pp. 621, que tinha por pano de fundo a apreciação da conformidade 
 constitucional da norma da alínea c) do art.º 380º do Código de Justiça Militar 
 que estabelecia, quando não fosse entregue no acto de intimação (do libelo), o 
 prazo de cinco dias para a entrega do rol de testemunhas para prova da defesa, 
 escreveu-se sintetizando anteriores posições do Tribunal:
 
  
 
     «Este Tribunal já admitiu, porém, que diferentes ramos processuais possam 
 conter diferentes prazos para actos de natureza semelhante ou idêntica (cfr., 
 v.g., o Acórdão n.º 266/93, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de 
 Agosto de 1993), que no mesmo direito processual existam tais diferenças de 
 prazos (cfr., por ex., o Acórdão n.º 186/92, publicado no Diário da República, 
 II Série, de 18 de Setembro de 1992) e que diferentes sujeitos processuais 
 estejam adstritos a diferentes prazos (cfr., v.g., o Acórdão n.º 524/97, 
 publicado no Diário da República II Série, de 20 de Dezembro de 1994), desde que 
 haja para isso fundamento material bastante. Em todo o caso, não deixou de 
 considerar, mesmo atendendo à especificidade do processo penal militar, que não 
 era admissível – para efeitos de interposição e motivação do recurso – um prazo 
 
 'especial e significativamente mais curto – correspondente a metade – do que o 
 previsto no processo penal comum' (Acórdão n.º 34/96, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 29 de Abril de 1996). O mesmo juízo foi, aliás, 
 reiterado no Acórdão n.º 611/96 (publicado no Diário da República, II Série, de 
 
 6 de Julho de 1996).».
 
  
 No processo criminal, a previsão da existência de prazos de recurso impõe-se 
 desde logo como postulado necessário da garantia concedida na parte final do n.º 
 
 2 do art.º 32º da CRP de que o arguido “deve ser julgado no mais curto prazo 
 compatível com as garantias de defesa”. Todavia, nem este preceito 
 constitucional nem outro (com pertinência ou afinidade sobre a matéria surge o 
 art.º 20º da CRP, mormente o seu n.º 4) definem  ou estabelecem quais devam ser 
 esses prazos, donde resulta que o legislador ordinário disponha nesta matéria de 
 uma ampla discricionariedade normativo-constitutiva. Mas tal não quer dizer que 
 para a Constituição, e mormente em matéria de processo criminal, essa fixação 
 seja indiferente (como paralelamente poderá acontecer em outros tipos de 
 processos especialmente quando estejam em causa direitos fundamentais). Na 
 verdade, se o n.º 2 do art.º 32º da CRP assume como garantia concedida ao 
 arguido o dever de o mesmo ser julgado no mais curto prazo não deixa, também, de 
 balizar esse prazo pela exigência de que o mesmo seja compatível com a 
 efectividade das garantias de defesa.
 
  
 Foi a consideração, essencialmente, de que o prazo previsto não permitia um 
 exercício efectivo das garantias de defesa que levou o Acórdão n.º 41/96, 
 publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., pp. 235 e ss., a 
 concluir pela inconstitucionalidade do 328º do Código de Processo Penal de 1929, 
 na parte em que fixava em cinco dias, contados da notificação da acusação, o 
 prazo para o arguido requerer diligências de instrução contraditória em processo 
 de querela. Disse-se, então, aí:
 
  
 
 «O processo penal de um Estado de Direito há-de “assegurar ao Estado a 
 possibilidade de realizar o seu ius puniendi”; mas há-de também “oferecer aos 
 cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra abusos que possam 
 cometer-se no exercício desse poder punitivo, designadamente contra a 
 possibilidade de uma sentença injusta” (cf. Acórdão n.º 434/87, publicado no 
 Diário da República, II série, de 23 de Janeiro de 1988; e no Boletim do 
 Ministério da Justiça, n.º 371, página 160).
 Tal processo há-de ser, assim, um due process of law, no sentido de que, nele, 
 há-de o arguido poder sempre defender-se. Este, o núcleo essencial do princípio 
 da defesa, que, no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, se proclama.
 A este propósito, escreveu-se no Acórdão n.º 61/88, publicado no Diário da 
 República, II série, de 20 de Agosto de 1988:
 A ideia geral que pode formular-se a este respeito - a ideia geral, em suma, por 
 onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio 
 da defesa, para além das consignadas nos números 2 e seguintes do artigo 32º - 
 será a de que o processo criminal há-de ser um due process of law, devendo 
 considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, 
 quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível 
 das possibilidades de defesa do arguido.
 
 (Cf. também o Acórdão n.º 322/93, publicado no Diário da República, II série, de 
 
 29 de Outubro de 1993).
 Esta cláusula constitucional - que se apresenta com um cunho reassuntivo e 
 residual (relativamente às concretizações que já recebe nos números seguintes do 
 artigo 32º) e que, na sua abertura, acaba por revestir-se de um carácter 
 acentuadamente programático - contém, ao cabo e ao resto, “um eminente conteúdo 
 normativo imediato a que se pode recorrer directamente, em casos limite, para 
 inconstitucionalizar certos preceitos da lei ordinária” (cf. FIGUEIREDO DIAS, in 
 A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais, p. 51). E contém esse 
 conteúdo normativo imediato, justamente, porque aí se proclama o próprio 
 princípio da defesa e, portanto, inevitavelmente, se faz apelo para o seu núcleo 
 essencial, cuja ideia geral é a de que o processo criminal tem de assegurar 
 sempre ao arguido a possibilidade de ele se defender (cf., também o Acórdão n.º 
 
 186/92, publicado no Diário da República, II série, de 18 de Setembro de 1992).
 O princípio das garantias de defesa - afirmou-se no já citado Acórdão n.º 434/87 
 
 - será violado “toda a vez que ao arguido se não assegure, de modo efectivo, a 
 possibilidade de organizar a sua defesa”; ou seja: sempre que se lhe não dê 
 oportunidade real de apresentar as suas próprias razões e de valorar a sua 
 conduta (cf. Acórdão n.º 315/85, publicado no Diário da República, II série, de 
 
 12 de Abril de 1986).».
 
  
 
             Do mesmo passo pode referir-se que foi igualmente a ponderação da 
 impossibilidade de um exercício efectivo das garantias de defesa, 
 consubstanciado na oportunidade de o arguido poder realmente controverter em 
 recurso a matéria de facto fixada pela decisão recorrida, dentro dos prazos 
 legalmente fixados para a interposição do recurso, que conduziu o Tribunal 
 Constitucional a no seu Acórdão n.º 363/00, publicado no Diário da República II 
 Série, de 13 de Novembro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º 
 vol., p. 653, pronunciar-se pela inconstitucionalidade, “por violação do artigo 
 
 32º, n.º 1, da Constituição, dos artigos 107º, n.º 2, do Código de Processo 
 Penal, e 146º, n.º 1, do Código de Processo Civil (quando aplicado 
 subsidiariamente em processo penal) quando interpretados no sentido de que a 
 impossibilidade de consulta das actas de julgamento (quando tenha sido requerida 
 a documentação em acta das declarações orais prestadas em audiência, nos termos 
 do artigo 364º, n.º 1, do Código de Processo Penal), por as mesmas não estarem 
 ainda disponíveis, não constitui justo impedimento para a interposição do 
 recurso da decisão final condenatória em processo penal”, conduzindo assim à 
 solução de o prazo de recurso (e da respectiva motivação, no figurino processual 
 actual) ser acima de 15 dias em tanto tempo quanto durar o justo impedimento.
 
  
 
             E foi também com base em uma idêntica ponderação dos valores em 
 presença – celeridade processual e efectividade da possibilidade de exercício do 
 direito de defesa –, mas em que, ao contrário do que sucedeu no caso anterior, o 
 Tribunal concluiu que, na situação sob análise, a garantia da possibilidade real 
 e efectiva de exercício dos direitos de defesa não saía afectada, que o Acórdão 
 n.º 433/02, publicado no Diário da República II Série, de 2 de Janeiro de 2003, 
 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 54º vol., p. 551, decidiu “não julgar 
 inconstitucional a interpretação do art.º 107º, n.º 2, do Código de Processo 
 Penal segundo a qual, havendo possibilidade de acesso ao suporte material da 
 prova gravada, a impossibilidade de acesso às transcrições das declarações orais 
 prestadas em audiência (quando tenha sido requerida a respectiva gravação), por 
 as mesmas ainda não estarem disponíveis, não constitui justo impedimento para a 
 interposição do recurso da decisão final condenatória”, acabando, deste modo, 
 por manter, numa tal situação, o efeito preclusivo associado ao decurso do prazo 
 de 15 dias estabelecido para a interposição do recurso. 
 
  
 
            Pode, pois, concluir-se, com segurança, com base na jurisprudência 
 anterior do Tribunal Constitucional que a fixação do prazo de interposição de 
 recurso penal e da respectiva motivação estabelecido pelo legislador ordinário, 
 no exercício da sua discricionariedade normativo-constitutiva constitucional, só 
 
 é susceptível de ser censurada sub specie constitucionis se ele for desadequado, 
 irrazoável ou desproporcionado para, de um lado, poder permitir o julgamento do 
 arguido no mais curto prazo e, do outro,  impedir  “um encurtamento inadmissível 
 das possibilidades de defesa do arguido”. 
 
            Ora, a esta luz não poderá considerar-se que o prazo de 15 dias que 
 está estabelecido no n.º 3 do art.º 411º do CPP para o arguido motivar o recurso 
 interposto na acta, e no qual se pretenda a reapreciação da matéria de facto com 
 base em prova gravada em audiência, ofende o princípio das garantias de defesa, 
 tal como este se deixou recortado, numa situação, como é a da hipótese recortada 
 na dimensão normativa que está em causa, em que não se questiona a possibilidade 
 do acesso efectivo, por banda do arguido, às cassetes de gravação da prova 
 dentro do prazo fixado para a motivação do recurso.
 Ao contrário do defendido pelo recorrente, não se afigura que o estabelecimento 
 de um lapso de tempo de 15 dias seja desrazoável ou inadequado para dar 
 cumprimento ao ónus de motivação do recurso – desde que o arguido tenha efectiva 
 disponibilidade desde o dies a quo do cômputo desse prazo das provas gravadas –, 
 conquanto nesta se discuta e pretenda a reapreciação do julgamento da matéria de 
 facto efectuado pela decisão recorrida, bem como o juízo de apreciação e 
 valoração das provas produzidas em audiência, nela efectuado, naquelas se 
 incluindo as provas gravadas, e se tenha nessa motivação de satisfazer os ónus 
 estabelecidos no art.º 412º, n.º 3, alíneas b) e c), e n.º 4, do CPP, e não 
 apenas a apreciação de matéria de direito. Não pode considerar-se que o prazo de 
 
 15 dias contados, no caso, desde a data de admissão do recurso interposto 
 corresponda a lapso de tempo curto que por si implique um encurtamento 
 inadmissível das possibilidades de defesa do arguido, mesmo tendo em conta que o 
 asseguramento efectivo dessas possibilidades de defesa passará pela audição das 
 cassetes e pela preparação, estudo e elaboração da alegação de recurso, com as 
 referidas especificações. E uma tal situação muito menos será susceptível 
 razoavelmente de acontecer numa situação, como é a dos autos, em que são apenas 
 
 4 (quatro) as cassetes a ouvir (como o arguido refere nas suas alegações de 
 recurso para o STJ – fls. 677) e em que o arguido não contesta que tenha tido 
 desde o início do prazo a possibilidade do acesso às gravações. De resto, na 
 ponderação a efectuar sobre se o prazo estabelecido pelo legislador obsta à 
 satisfação das referidas exigências constitucionais não se vê que razoavelmente 
 possa considerar-se, ao contrário do alegado pelo recorrente, que a motivação de 
 um recurso relativo ao julgamento da matéria de facto seja, por regra, mais 
 complexa e que exija maior dispêndio de tempo do que o estudo de questões de 
 direito: como em tudo no que é vida, haverá casos e casos, não tendo a posição 
 do recorrente o valor de qualquer verdade axiomática. Por outro lado, as 
 eventuais divergências que na prática possam acontecer na numeração das voltas 
 das cassetes conforme o equipamento de gravação/reprodução de som que seja 
 utilizado, de que fala o recorrente, não são de ponderar pelo Tribunal 
 Constitucional para ajuizar do respeito pelo alegado parâmetro constitucional do 
 art.º 32º, n.º 1, da CRP, porque têm que ver não com o critério normativo sob 
 sindicância constitucional mas antes com o grau de idoneidade ou fiabilidade 
 técnica daqueles instrumentos poderem garantir, com um total grau de certeza, a 
 realização das prestações que são próprias da sua construção tecnológica.  A 
 avaliação da possibilidade de uma tal deficiência caberá, todavia, ao legislador 
 ordinário dentro da escolha dos meios que faz para prosseguir as finalidades que 
 se propõe, “salvo, obviamente, na estrita medida em que algum ou alguns desses 
 princípios de eficiência e utilidade sejam directamente tutelados pela própria 
 Lei Fundamental, que desta forma os eleva a parâmetro da solução legislativa” 
 
 (cf. Acórdão n.º 236/00, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de 
 Novembro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., pp. 269). 
 Ora, mesmo admitindo que essa divergência possa ainda ter significado dentro da 
 garantia do asseguramento real das garantias de defesa, na estrita medida em que 
 se poderá colocar com base nos elementos de facto constantes de certas voltas 
 das cassetes questões probatórias ao tribunal ad quem, não se vê que o risco de 
 acontecimento de uma eventual divergência de leitura de voltas da cassete não 
 possa ser obviada mediante o recurso a expressões de localização como a citação 
 dos nomes ou a reprodução de parte do discurso ou facto que aí constem, a 
 efectuar no tempo da elaboração da motivação do recurso, donde se poderá 
 concluir não ser o prazo peremptório de 15 dias inadequado ou desproporcionado 
 para permitir todos os meios de defesa ao arguido.
 
  
 
 6 – Sustenta ainda o recorrente que a norma sindicada ofende o princípio da 
 igualdade consagrado no art.º 13º da CRP, porquanto, ao contrário do que sucede 
 no processo penal segundo a interpretação aplicada na decisão recorrida, no 
 processo civil se prevê um acréscimo do prazo estabelecido para alegações em 10 
 dias “se o recurso tiver por objecto a reapreciação de prova gravada”.
 
  
 
 É sabido que o princípio constitucional da igualdade, entendido como limite 
 objectivo da discricionaridade legislativa, não veda à lei a realização de 
 distinções. Proíbe-lhe sim é a adopção de medidas que estabeleçam distinções 
 discriminatórias ou seja, de desigualdades de tratamento materialmente 
 infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação 
 objectiva e racional, como sejam as diferenciações de tratamento fundadas em 
 categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, 
 no n.º 2 do artigo 13º da Lei Fundamental (diferenciações baseadas na 
 ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções 
 políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social). 
 Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio 
 vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (cfr., por 
 todos, o recente Acórdão n.º 232/03, publicado no Diário da República, I-A 
 Série, de 17 de Junho de 2003).
 
  
 Ora, a primeira questão que poderá colocar-se é a de saber se será possível 
 isolar, seccionando-o para confronto com outro, um determinado ponto do regime 
 jurídico dentro do que globalmente regula certa área material do direito. A 
 propósito de um alegado confronto de regimes entre o processo civil e o processo 
 penal (no caso a extensão do dever legal de fundamentação), escreveu-se no 
 Acórdão n.º 422/99, publicado no Diário da República, II Série, de 29 de 
 Novembro:
 
  
 
 «[...] suposto que, como sustenta a recorrente, do princípio do Estado de 
 direito decorra uma “harmonização do sistema jurídico” em termos de levar à 
 consagração de soluções legais idênticas quando exista alguma similitude de 
 situações, isso, certamente, não pode significar que essa harmonização conduza 
 ineludivelmente a que os diversos corpos de leis adjectivos tenham de consagrar 
 soluções iguais, designadamente no que tange ao processo civil e ao processo 
 criminal.
 Na verdade, as prescrições tendentes à adjectivação não podem desligar-se da 
 diversidade de institutos jurídicos de cariz, quantas vezes acentuadamente 
 diferenciado, que pautam, verbi gratia, o direito civil, o direito penal e o 
 direito administrativo, pelo que as soluções decorrentes dessa adjectivação 
 podem, e muitas vezes até devem, ser diferentemente perspectivadas, até tendo em 
 conta preceitos, princípios e garantias que a própria Constituição impõe que 
 sejam observados em determinados ramos de direito. Seria, por exemplo, incurial 
 e contrário à Lei Fundamental que no processo criminal se estabelecessem ónus 
 probatórios a cargo do arguido, provas por confissão, sancionamentos 
 cominatórios penais ou presunções de responsabilidade ou culpabilidade criminal, 
 o mesmo já se não podendo dizer se um tal estabelecimento decorrer da lei 
 processual civil, ao adjectivar as formas de tutela do incumprimento de 
 obrigações civis.».
 
  
 
             Ora, como acima se expôs, decorre do art.º 32º, n.º 2, da CRP, uma 
 garantia de que o arguido “deve ser julgado no mais curto prazo compatível com 
 as garantias de defesa”. O legislador do processo criminal não pode deixar de 
 dar cumprimento a tal injunção constitucional na fixação dos prazos cujo 
 estabelecimento se revele necessária dentro da respectiva tramitação processual 
 cuja conformação está, de resto, subordinada a diversos princípios e garantias 
 constitucionais que integram a denominada “Constituição processual penal”, 
 constante, essencialmente, do art.º 32º da CRP, onde avultam os princípios do 
 asseguramento de todas as garantias de defesa, do contraditório, do acusatório, 
 da jurisdicionalidade de todas as medidas restritivas de direitos fundamentais, 
 da presunção de inocência, etc. A celeridade processual tem, no processo penal, 
 uma fonte e intensidade constitucional diferente da que concerne à defesa de 
 outros direitos, à qual se refere o n.º 4 do art.º 20º da CRP e que foi 
 introduzido na revisão constitucional de 1997 para “dar resposta à necessidade 
 sentida – no âmbito do direito a uma tutela judicial efectiva que se traduz, 
 designadamente, no direito a um processo justo baseado nos princípios da 
 prioridade e da sumariedade – de uma protecção adequada ao exercício de certos 
 direitos (p. ex. o direito de reunião contra uma proibição policial) de modo a 
 impedir que a sua ofensa se torne irreversível (palavras do Acórdão n.º 212/00, 
 publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Outubro de 2000, e Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, 47º, vol. pp. 165).
 
  
 
             Sendo assim, não poderá sustentar-se existir uma situação jurídica 
 igual do ponto de vista material ou substancial que justifique que no processo 
 penal haja de valer o referido acréscimo do prazo previsto no processo civil. A 
 especificidade que vigora no processo penal quanto ao tempo em que o direito do 
 arguido a ser julgado definitivamente deve ser satisfeito constitui fundamento 
 racional bastante para justificar a diferença de regimes.
 
  
 
             7 – Defende, por fim, o recorrente que a interpretação do art.º 
 
 411º, n.º 1 (e n.º 3), do CPP no sentido de não envolver, no prazo aí 
 estabelecido, também o acréscimo de 10 dias contemplado no n.º 6 do art.º 698º 
 do CPC viola o princípio da presunção de inocência, pois dele derivaria que se 
 deveria optar pelo regime mais favorável.
 
  
 
             Desde já importa notar que a colocação da questão tal como é posta 
 pelo recorrente só teria algum sentido, mesmo pressupondo que o princípio da 
 presunção de inocência vale fora do domínio da apreciação das provas, se o 
 acórdão recorrido tivesse fixado a dimensão normativa que aplicou com base na 
 utilização de qualquer instrumento jurídico que determinasse que as dúvidas 
 interpretativas deveriam ser resolvidas em certo sentido. Mas não foi isso o que 
 aconteceu: o acórdão recorrido determinou, bem ou mal não importa aqui 
 considerar, o sentido do preceito que aqui se questiona de forma assertórica, 
 não o inferindo da aplicação de qualquer regime de presunção.
 
  
 
             Mesmo conferindo ao princípio da presunção de inocência afirmado no 
 art.º 32º, n.º 2, da CRP um sentido normativo fundamental situado fora do 
 estrito campo da avaliação das provas em processo penal, este mais 
 impressivamente transportado pelo princípio denominado de in dubio pro reo, - 
 qual seja o de que esse princípio “representa (hoje) sobretudo um acto de fé no 
 valor ético da pessoa, próprio de toda a sociedade livre” e que “esta atitude 
 tem consequências para toda a estrutura do processo penal que, assim, há-de 
 assentar na ideia força de que o processo deve assegurar todas as necessárias 
 garantias práticas de defesa do inocente e não há razão para não considerar 
 inocente quem não foi ainda solene e publicamente julgado culpado por sentença 
 transitada”, donde “resultariam muitas outras consequências, como de que todo o 
 acusado tem o direito de exigir prova da sua culpabilidade no seu caso 
 particular, a comunicação ao acusado, em tempo útil, de todas as provas contra 
 ele reunidas a fim de que possa preparar eficazmente a sua defesa, o dever do 
 Ministério Público de apresentar em tribunal todas as provas de que disponha, 
 etc.(cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 2000, p. 82; 
 vide também Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, pp. 64-68) 
 
 – o certo é que não se poderá dizer, pelas razões já atrás aduzidas, que o prazo 
 peremptório de 15 dias para o recorrente motivar o recurso seja desrazoável ou 
 desporporcionado para o asseguramento real e efectivo das garantias de defesa de 
 uma pessoa tida como inocente, aqui consubstanciadas essencialmente, no 
 exercício do direito de contraditório, em sede de recurso, das provas produzidas 
 em julgamento e do juízo valorativo que sobre elas efectuou o tribunal”.
 
    
 
    Reitera-se aqui esta argumentação, que responde, na sua essência, ao problema 
 de constitucionalidade resultante dos autos.
 
    
 
 8 – Contudo, para além do que vai referido nesse aresto, importa ainda focar 
 dois aspectos complementares.
 
    Alegando a Recorrente que só teve acesso às cassetes passados 7 (sete) dias 
 da decisão do tribunal de 1.ª instância, cumpre apurar se o critério normativo 
 seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça padece, ou não, de 
 inconstitucionalidade por mor da violação do disposto nos artigos 20.º, 32.º e 
 
 202.º da Constituição.
 
    Vejamos.
 Como se deixa transparecer na decisão recorrida, não subsiste qualquer dúvida de 
 que do mesmo passo que aí se considerou peremptório o prazo estabelecido no 
 artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, também se admitiu a existência 
 de “uma válvula de segurança em caso de impossibilidade de interposição do 
 recurso – ou da prática de qualquer outro acto processual – no prazo normal, 
 mediante recurso às regras do justo impedimento consagradas no artigo 107.º, n.º 
 
 5, do CPP (...)” – como, de resto, se ressalva no mencionado Acórdão de 
 uniformização, onde se consigna expressamente que “em caso de demora na 
 disponibilidade das cópias, o interessado sempre disporá da faculdade de invocar 
 justo impedimento”.
 Ora, o resultado decorrente da conjugação destes vectores é suficiente para, no 
 respeito pelas garantias de defesa dos arguidos, assegurar que, apesar do início 
 do curso de um prazo peremptório, fiquem salvaguardadas as situações em que o 
 acesso tardio às gravações possa – ou deva – considerar-se impeditivo da 
 apresentação do recurso no prazo legal, subsistindo assim a possibilidade de 
 suspensão do termo do prazo, desde que, para tal, se invoque e comprove um 
 
 “justo impedimento”.
 E, por esta via, a Recorrente sempre tinha a possibilidade de submeter ao 
 Tribunal uma apreciação dos factos que invocou para concluir que não lhe era 
 exigível o cumprimento do prazo de 15 (quinze) dias fixado pelo artigo 411.º, 
 n.º 1, do Código de Processo Penal.
 
    Em segundo lugar, mesmo sem se considerar a intervenção da figura do justo 
 impedimento, sempre há importa aqui consignar que o prazo de interposição de 
 recurso de 15 (quinze) dias – reduzidos a 8 (oito) na parte relativa a matéria 
 de facto –, atentas as exigências resultantes da motivação a ser apresentada 
 dentro desse prazo, não pode ter-se por violadora do direito de acesso aos 
 tribunais e, particularmente, das garantias de defesa do arguido.
 Na verdade, como diz o Supremo Tribunal de Justiça no aresto supra mencionado, 
 
 “a motivação em processo penal (...) constitui, quando bem interpretada a sua 
 função e finalidade processual, apenas uma delimitação do objecto do recurso e a 
 enunciação dos fundamentos do recurso objecto de intervenções posteriores, seja 
 nas alegações na audiência seja, quando o recorrente o requeira, em alegações 
 escritas”.
 Por outro lado, não pode olvidar-se que quando em 1998, com a reforma do 
 processo penal, se permitiu o recurso em matéria de facto tendo por base o 
 suporte das provas gravadas, foi de 5 (cinco) dias apenas o “acréscimo” do prazo 
 de interposição de recurso constante do artigo 411.º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal.
 Esse alargamento, embora não assuma qualquer significado ao nível da concreta 
 
 “gestão” dos prazos de interposição de recursos, reflecte, a partir do id quod 
 plerumque accidit, uma ponderação legislativa de suficiência em face das 
 exigências do recurso.
 Ora, é claro que, em determinados casos concretos, poderá suceder que o prazo de 
 interposição de recurso seja insuportavelmente curto para que a prática desse 
 esse acto fosse exigível até ao limite dos 15 (quinze) dias, o que, como tal, 
 configura uma situação de justo impedimento. 
 Porém, mesmo em tais circunstâncias, é manifesto que a Constituição não impõe 
 uma aplicação “analógica” do regime constante do Código de Processo Civil, mas 
 tão-só que se tenha por suspenso o termo do prazo peremptório de forma a 
 possibilitar-se a prática do acto.
 
    A isto acresce, por fim, não poder invocar-se um total desconhecimento do 
 material fáctico a controverter em recurso, porquanto, o recorrente tem, desde o 
 início do prazo de interposição, com a notificação da decisão de que pretende 
 recorrer, conhecimento dos factos dados como provados e não provados e a 
 respectiva valoração que lhes está associada, dispondo, a partir do momento em 
 que tem acesso às gravações, de uma margem temporal razoável que pode afectar 
 exclusivamente ao confronto das gravações – constantes, no caso concreto, de 4 
 
 (quatro) cassetes – com o teor de uma decisão que lhe é integralmente conhecida.
 
    Improcede, pois, a violação dos parâmetros constitucionais que o Recorrente 
 imputa à norma sindicanda.
 
  
 C - Decisão
 
  
 
    9 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar 
 provimento ao recurso.
 
  
 
    Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
 
  
 Lisboa, 7 de Fevereiro de 2006
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos