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Processo n.º 199/2005
 
 2.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
   
 
  
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente A. e como 
 recorridos o Ministério Público e B., o Supremo Tribunal de Justiça por acórdão 
 de 17 de Fevereiro de 2005, negou provimento ao recurso do acórdão do Tribunal 
 da Relação de Coimbra que havia, por seu turno, negado provimento ao recurso do 
 acórdão do Tribunal Colectivo de Ílhavo que condenou o arguido na pena única de 
 três anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de homicídio, na forma 
 tentada, de um crime de sequestro e de um crime de detenção de arma ilegal.
 O arguido concluiu as alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do 
 seguinte modo:
 
  
 A.  O presente recurso é admissível, uma vez que os Acórdãos recorrido são 
 susceptíveis de recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça.
 B.  As normas das alíneas e) e f) do artigo 400º, n.º 1 do Código de Processo 
 Penal são inconstitucionais por violarem o direito ao recurso consagrado pelo 
 artigo 32° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, se permitirem e forem 
 aplicadas em qualquer das seguintes interpretação:
 a.    na interpretação segundo a qual, perante uma situação de “dupla conforme”, 
 em caso de concurso de infracções apenas devem ser atendidas, para aferir da 
 admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, as penas 
 abstractamente aplicáveis aos singulares crimes em concurso e não a pena 
 abstracta correspondente ao cúmulo jurídico; e
 b.    na interpretação segundo a qual, em caso de recurso interposto apenas pelo 
 arguido, a pena aplicável, para esses efeitos, corresponde à pena concretamente 
 aplicada.
 C.  O douto Acórdão que recaiu sobre os requerimentos formulados pelo Recorrente 
 após o douto Acórdão que manteve a decisão do Tribunal de Circulo de Aveiro 
 padece de nulidade por omissão de pronúncia, sobre os esclarecimentos e 
 correcções pedidos e sobre a requerida admissão de recurso para o Tribunal 
 Constitucional.
 D.  O douto Acórdão que, negando provimento ao recurso da decisão final da 
 primeira Instância, confirmou integralmente tal decisão e condenou o Recorrente 
 em 10 UCs de custas, contém vários erros e lapsos manifestos e diversas 
 obscuridades ou ambiguidades que não permitem a sua cabal compreensão pelos 
 destinatários - desde logo, pelo Recorrente -, fazendo‑o padecer da nulidade 
 prevista nas alíneas a) - por referência ao n° 2 do artigo 374° - e c) do artigo 
 
 379° do Código de Processo Penal, implicando os vícios de que enferma 
 insuficiência ou, mesmo, parcial falta de fundamentação, e omissão de 
 pronúncia.
 E.  Nunca foi pretendido pelo Recorrente que a acta contivesse o resumo da 
 reprodução áudio magnética, mas sim a sua transcrição integral.
 F.  O Recorrente fica sem saber se a douta opinião dos Venerandos Senhores 
 Juízes Desembargadores a quo acerca do nosso processo penal vigente é a de que 
 ele informa, neste particular, de nítidas características medievais e 
 ditatoriais, dúvida que, persistindo, naturalmente o prejudica também na escolha 
 dos termos do recurso ou recursos a interpor do douto Acórdão em causa.
 G.  Quanto à decisão contida, referida, aflorada nos parágrafos 2° e 3° de 
 página 22 do douto Acórdão, fica o Recorrente sem se perceber qual a decisão de 
 que ali se tratar, se a mesma estará completa, se faltará alguma frase ou, 
 talvez mesmo, alguma pagina, que o esclareça.
 H.  O Recorrente também não consegue entender a que alegações os Venerandos 
 Senhores Juízes Desembargadores se referem.
 I.  O afirmado a páginas 22, parágrafo 5°, e a páginas 33, parágrafos 3° e 4°, 
 do Acórdão recorrido parece significar que o recurso foi julgado improcedente, 
 quanto ao ali referido, porque na conclusão K da sua motivação de recurso o 
 Recorrente não teria cumprido os normativos impostos pelo art. 412°, nºs 3 e 4 
 do Código de Processo Penal e porque a conclusão GG seria deficiente, porque 
 estaria insuficientemente fundamentada a ilação, ali extraída pelo Recorrente, 
 de que, pela interpretação dos artigos 50° e 70° do Código Penal seguida no 
 douto Acórdão da primeira instância, se mostrava violado o princípio da 
 presunção de inocência.
 J.  Assim sendo, e tendo o Recurso sido julgado improcedente por essas razões 
 
 (ou, pelo menos, nessas partes, também por essas razões) sem precedência de 
 convite ao Recorrente para aperfeiçoar o seu Recurso ou as Conclusões da 
 respectiva Motivação, o douto Acórdão mostra-se viciado de nulidade, violando o 
 disposto no artigo 690° do Código de Processo Civil, e também a que decorre dos 
 artigos 414°, n° 2, e 420° do Código de Processo Penal (na interpretação 
 conforme à Constituição da República Portuguesa que deles deve ser feita), 
 normativos aqui aplicáveis nos termos do artigo 4° do Código de Processo Penal, 
 por integração analógica e por maioria de razão.
 K.  As normas do artigo 690° do Código de Processo Civil e dos artigos 414°, n° 
 
 2, e 420° do Código de Processo Penal, são aplicáveis não apenas aos casos de 
 não admissão ou de rejeição de recursos, mas também aos casos de julgamento do 
 recurso, impedindo que um recurso possa ser julgado improcedente por falta, 
 deficiência, obscuridade ou complexidade das respectivas conclusões ou por 
 omissão nelas de qualquer outro requisito legal, sem prévio convite ao 
 recorrente para suprir tal falta ou tais vícios.
 L.  O regime legal do julgamento dos recursos em processo penal, maxime o que 
 resulta das normas conjugadas dos artigos 412°, 414°, 417°, n.º 3 e n.º 4, 418°, 
 
 419°, 420°, 421°, 423°, 424° e 425º do Código de Processo Penal e, bem assim, 
 todas e cada uma dessas mesmas normas, sofreriam de inconstitucionalidade 
 manifesta, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, 
 consagrado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, e do direito 
 ao recurso, consagrado no respectivo artigo 32° n.º 1, na acepção de que, face à 
 nossa lei processual, um recurso penal pode ser julgado improcedente por falta, 
 deficiência ou complexidade das respectivas conclusões ou por omissão de 
 qualquer outro requisito legal, sem prévio convite ao recorrente para suprir tal 
 falta ou reparar tais vícios.
 M.  As declarações prestadas oralmente em audiência não poderiam deixar de estar 
 documentadas na acta de audiência de discussão e julgamento, porque o tribunal 
 dispôs efectivamente dos meios técnicos a tanto necessários e porque as mesmas 
 foram efectivamente registadas em suporte áudio magnético.
 N.  Tal falta prejudica seriamente a defesa do ora Recorrente, nomeadamente 
 prejudicando o seu direito ao recurso, e constitui nulidade da acta, por 
 violação do disposto nos artigos 363° e 364° n.ºs 1 e 3 e dos artigos 99° n.º 3 
 e 362° do Código de Processo Penal, e ainda por consubstanciar caso de falsidade 
 da mesma, atento o valor que à acta é conferido pelo artigo 169° do mesmo 
 diploma legal.
 O.  A interpretação do disposto nos artigos citados, maxime nos artigos 363° e 
 
 364° n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Penal, no sentido de tal documentação ser 
 apenas necessária após a interposição do recurso, coloca tais normas em clara 
 violação do direito ao recurso, consagrado no artigo 32° n.º 1 da Constituição 
 da República Portuguesa, ferindo consequentemente tais normas de manifesta 
 inconstitucionalidade.
 P.  Do mesmo modo, e pelas mesmas razões - violação do direito ao recurso 
 consagrado na norma antes indicada da Constituição da República Portuguesa -, 
 são tais normas inconstitucionais na interpretação que delas é feita no Acórdão 
 agora sob recurso, de que tal documentação não é necessária quando a prova 
 estiver gravada e se mostrar transcrita, ainda que tal transcrição não conste da 
 acta de julgamento (como, no caso em apreço, efectivamente não consta).
 Q.  A acta de julgamento é nula e a sua nulidade, atento o valor probatório da 
 mesma, implica a nulidade do próprio julgamento e, por consequência, a nulidade 
 da douta sentença final, sendo fundamento de recurso, nos termos do artigo 410° 
 n.º 3 do Código de Processo Penal.
 R.  Os factos alegados pelo ora Recorrente na sua Contestação e que se deixaram 
 transcritos em 4.3 da Motivação precedente, demonstrativos do seu 
 arrependimento, de que aquando dos factos pensava em se suicidar, de que havia 
 comprado arma para tal, de que nunca anteriormente tinha agredido fisicamente a 
 ofendida, de que agiu da forma por que o fez devido ao seu estado psicológico, 
 alterado, doente e descontrolado, são factos relevantes para a decisão, 
 nomeadamente, para a determinação da medida da pena, não podendo ser 
 desqualificados como meramente instrumentais.
 S.  O arrependimento é relevante para efeitos de determinação em concreto da 
 medida da pena, como resulta das normas gerais do artigo 71° n.º 1 e n.º 2, 
 alínea e) do Código Penal, e é, ainda, relevante para efeitos de atenuação 
 especial da pena, nos termos da alínea c), do n.º 2, do artigo 72° do Código 
 Penal, exactamente quando, como já se disse e resulta evidente e foi julgado 
 provado neste caso, se verifica a reparação integral pelo agente dos danos 
 causados.
 T.  Não se referindo sequer a tais factos, o douto Acórdão da primeira instância 
 padece de nulidade, nos termos das normas das alíneas a) e c) do artigo 379° do 
 Código de Processo Penal, por violação do disposto no artigo 97°, n.º 4, e no 
 artigo 374°, n.º 2, desse diploma, e no artigo 205°, n.º 1 da Constituição da 
 República Portuguesa.
 U.  O artigo 374°, n.º 2 do Código de Processo Penal é inconstitucional, por 
 violação do disposto no n.º 1 do artigo 205° da Constituição República 
 Portuguesa, em qualquer uma das seguintes interpretações:
 a.  na interpretação que permita que na sentença não constem como factos 
 provados ou não provados, factos relevantes para a decisão da causa que tenham 
 sido alegados defesa na contestação;
 b.  na interpretação que permita que se dispense a referência a tais factos 
 reputando os mesmos de meramente instrumentais;
 c.  na interpretação segundo a qual o dever de fundamentação fica satisfeito com 
 a indicação sumária das conclusões contidas na contestação;
 d.  na interpretação que se basta, para cumprimento dessa exigência legal de 
 fundamentação expressa na norma em causa, com “a não enumeração na sentença de 
 factos que estejam em contradição com os factos provados”; e
 e.  na interpretação segundo a qual “interessa e basta a indicação dos meios de 
 prova, analisados criticamente na sua isenção e credibilidade, conjugando-os e 
 harmonizando-os num processo lógico-dedutivo que conduza indubitavelmente, em 
 certeza humana, à factualidade”;
 V.  Não só as normas dos artigos 374° n° 2 e 379° n° 1 alínea c) do Código de 
 Processo Penal, mas ainda todo o próprio regime processual penal dos recursos, 
 maxime, a norma do n° 1 do artigo 410° e a do n° 5 do artigo 423° do mesmo 
 diploma, ficam feridos de inconstitucionalidade por violação do direito ao 
 recurso consagrado no artigo 32° n° 1 da Constituição, quando restritivamente 
 interpretadas no sentido de que o verdadeiro julgamento é o efectuado na 
 primeira instância, onde os princípios da imediação e da oralidade têm toda a 
 pertinência”, ou seja, no sentido de que o julgamento do Tribunal da Relação 
 sobre a matéria de facto não é um julgamento verdadeiro e de que nele não 
 vigoram, ou quando a ele não se aplicam, “inteiramente” as regras ou princípios 
 da imediação e da oralidade.
 
 W.  Uma depressão nervosa, causada pela ruptura de uma relação sentimental, que 
 afecta o arguido de forma profunda, quer do ponto de vista psicológico, quer 
 emocional, e que agrava a debilidade psíquica do arguido, limita sempre, 
 necessariamente, a capacidade de agir da pessoa doente, por ela afectada.
 X.  Considerando o senso comum, as regras da experiência e os conhecimentos 
 actualmente adquiridos sobre a matéria, parece, ser insanavelmente 
 contraditório, dar‑se como assente que o arguido padecia de depressão, causada 
 por ruptura, que o afectava de forma profunda, quer do ponto de vista 
 psicológico, quer emocional - que tinha uma debilidade psíquica, agravada por 
 depressão - e ao mesmo tempo julgar não provado que tal depressão nervosa lhe 
 tivesse limitado a liberdade de agir.
 
 Y.  Considerando a causa da depressão, o rompimento da relação com a namorada, o 
 facto de a depressão o afectar de forma profunda, quer do ponto de vista 
 psicológico, quer emocional, o facto de o crime de homicídio na forma tentada 
 ter como vítima a namorada, o facto de o arguido dizer à vitima: “se não és 
 minha não és de mais ninguém!”, parece resultar certo dos autos que a depressão 
 nervosa limitou a liberdade de agir do Arguido, ao afectá-lo de forma profunda, 
 quer psicológica, quer emocionalmente.
 Z.  Verifica-se, por isso, os vícios referidos nas alíneas b) e c) do no n.º 2 
 do artigo 410° do Código de Processo Penal, constando do texto da decisão 
 recorrida sobre a mesma questão posições antagónicas e inconciliáveis e 
 elementos suficientes para impor, quanto àquele facto - de que a depressão 
 nervosa limitou a liberdade de agir do Arguido - resposta diversa da sufragada 
 pela-primeira instância e confirmada pela Relação.
 AA.  O Acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos 
 da alínea c) do n° 1 do artigo 379° do Código de Processo Penal, por isso e na 
 medida em que não apreciou nem decidiu as questões colocadas pelo Recorrente no 
 sentido de que deveriam ter sido dados como provados, pela douta decisão da 
 primeira instância, os factos que ele enunciou nas diferentes alíneas (a. a e.) 
 da conclusão K.. da Motivação de Recurso.
 BB.  Não se verificam os elementos subjectivos do tipo de crime sequestro, por 
 isso que se não verificou o dolo específico exigido pelo tipo subjectivo, ainda 
 que na forma de dolo eventual, já que o ora Recorrente não quis e nem sequer 
 representou a possibilidade de privar a ofendida da sua liberdade de movimento, 
 a não ser com o objectivo de a matar.
 CC.  Não se verifica, in casu, concurso real entre os crimes de sequestro e de 
 homicídio.
 DD.  A conduta e a punição do arguido devem ser enquadradas apenas na previsão 
 legal do homicídio privilegiado, previsto e punido nos termos dos artigos 133°, 
 
 22° e 23°, do Código Penal.
 EE.  O arguido actuou em estado de desespero por se encontrar sob a influência 
 de um estado de cólera ou de irritação causado por depressão que o afectou de 
 forma profunda sob o ponto de vista psicológico e emocional, verificando-se nexo 
 de causalidade entre o estado de alma do arguido e a acção deste, já que a 
 depressão influenciou de forma decisiva a acção do arguido.
 FF.  É sabido e geralmente aceite que quem se encontra numa situação de 
 desespero não é inteiramente livre e responsável, já que age sob o domínio do 
 circunstancialismo angustiante em que está envolvido, havendo um natural 
 obscurecimento da inteligência e um enfraquecimento da vontade.
 GG.  A culpa do agente deve, deste modo, ter-se por consideravelmente diminuída, 
 por a sua acção ter sido manifestamente influenciada, e de forma determinante, 
 pelo seu estado de doença.
 HH.  O arguido praticou actos demonstrativos do seu arrependimento sincero, 
 razão por que entende que a pena que lhe deve ser aplicada deve ser 
 especialmente atenuada, nos termos do artigo 72° do Código Penal, disposição 
 que a decisão recorrida viola.
 II.  Ainda que o tribunal ad quem entender verificado o concurso real entre os 
 crimes de sequestro e de homicídio, entender não se tratar de homicídio 
 privilegiado na forma tentada e entender não dever a pena ser especialmente 
 atenuada, sempre o disposto no art. 71° do Código Penal impunha a aplicação ao 
 Recorrente de pena menos severa, não superior a 2 anos de prisão, e não 
 privativa de liberdade.
 JJ.  Quanto ao Sequestro e quanto à Detenção de Arma, entende o Recorrente que o 
 tribunal deveria ter começado logo por aplicar ao arguido pena de multa em lugar 
 de pena de prisão, o que se impunha, desde logo face ao disposto no artigo 70° 
 do Código Penal, norma que o Tribunal a quo claramente desatendeu.
 KK.  Considerando a ausência de antecedentes criminais e as condições pessoais 
 do arguido, e o facto de os crimes perpetrados aparecerem como acto isolado na 
 vida do arguido, mostra‑se favorecido o juízo de prognose de rápida 
 ressocialização, tanto mais que o arguido já terá tratado de debelar a sua 
 depressão através de acompanhamento médico e medicamentoso - como foi provado 
 na primeira instância -, pelo que se poderá concluir que a simples censura do 
 facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o arguido da criminalidade.
 LL.  O valor, que ilumina o instituto da suspensão da pena, da socialização em 
 liberdade, não deve neste caso ser afastado pelas necessidades de reprovação e 
 prevenção do crime, que (no dizer do acórdão da primeira instância) sofrem de 
 atenuação devido ao pequeno desvalor do resultado, à falta de antecedentes 
 criminais do arguido, à sua personalidade de pessoa sensível e normalmente 
 pacífica, à inserção social, familiar e profissional do arguido, à sua idade, ao 
 facto de ao tempo o arguido estar sobre o efeito de uma depressão, à reparação 
 dos danos da ofendida” existindo motivo para se pensar que se tratou de um acto 
 tresloucado e isolado na vida do arguido e que por certo jamais esquecerá.
 MM.  As decisões recorridas não fundamentam a opção concreta, para os crimes de 
 Sequestro e de Detenção de Arma, da preferência pela pena privativa de 
 liberdade, o que sempre seria causa da nulidade do Acórdão da primeira 
 instância, por falta de fundamentação para a escolha da pena de prisão naqueles 
 dois casos e por omissão de pronúncia, nos termos das alíneas a) e c), do n.º 1, 
 do artigo 379° do Código de Processo Penal, já antes citado a outro propósito.
 NN.  Além disso, se o Tribunal tivesse seguido o entendimento que ao Recorrente 
 parece mais correcto e tivesse condenado o arguido em penas de multas {ou numa 
 pena unitária de multa) pelos dois referidos crimes, de Sequestro e de Detenção 
 de Arma, e mesmo aceitando como boa a medida da pena que decidiu aplicar ao 
 Homicídio (o que só por cautela de patrocínio se faz), deveria ter aplicado a 
 este último crime pena suspensa, por se não verificarem quaisquer razões que 
 fizessem prevalecer a preferência por pena privativa de liberdade.
 
 00.  Ainda sem prescindir e por outro lado, admitindo aqui (obviamente sem 
 conceder) a possibilidade de se ter efectivamente verificado concurso real entre 
 os três crimes, e designadamente entre os de Sequestro e de Homicídio, sempre 
 se dirá que, no modo de ver do Recorrente, o disposto no artigo 70° do Código 
 Penal aplica-se logo no início do processo de escolha e de medida da pena, 
 devendo o critério imposto por tal norma, da preferência obrigatória às penas 
 não privativas da liberdade, estar na mente dos julgadores mesmo antes de eles 
 definirem a medida da pena e condicionar também essa mesma definição.
 PP.  Os Senhores Juízes da primeira instância deveriam ter optado por não 
 condenar o arguido em pena única superior a 3 anos, precisamente para poderem 
 suspender a execução da mesma; ou, dito de outro modo, para lhe poderem aplicar 
 uma pena de prisão suspensa, uma pena não privativa de liberdade, em detrimento 
 de uma pena que viesse a privar o arguido dessa mesma liberdade.
 QQ.  Não o tendo feito, o Tribunal esqueceu que a PENA DE PRISÃO SUSPENSA NA SUA 
 EXECUÇÃO é uma verdadeira pena, uma “outra pena”, a par da pena de multa, da 
 pena de prisão {efectiva) e das demais previstas no código; uma pena autónoma; 
 e não apenas uma segunda espécie do género pena de prisão.
 RR.  O critério imposto pelo artigo 70° do Código Penal encontra fundamento 
 também no princípio da presunção de inocência. A par, naturalmente, da sua 
 fundamentação no carácter fragmentário e de ultima ratio de todo o Direito 
 Penal e na justificação das penas e da aplicação da própria lei penal em função 
 da sua necessidade.
 SS.  A interpretação dos artigos 50° e 70° do Código Penal seguida no douto 
 Acórdão, no sentido de que a decísão sobre a medida da pena se não encontra 
 subordinada à regra que impõe a preferência por pena não privativa da liberdade, 
 ou de que a mesma é autónoma e prévia a esta, coloca tais normas em violação das 
 garantias de defesa e do princípio da presunção de inocência, consagradas nos 
 n.ºs 1 e 2, do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, ferindo por 
 isso tais normas de clara inconstitucionalidade.
 
  
 
  
 
 2.  O arguido interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão de 17 de 
 Fevereiro de 2005 nos seguintes termos:
 
  
 A., já identificado nos autos, não se podendo conformar com o douto Acórdão que 
 nega provimento ao recurso. vem requerer a Vossas Excelências se dignem 
 admiti‑lo a dele interpor
 Recurso para o Tribunal Constitucional,
 Para ser declarada a inconstitucionalidade das seguintes normas legais:
 A.  Das normas que consagram o regime legal do julgamento dos recursos em 
 processo penal, maxime, as normas dos artigos 412°, 414°,417°, n.º 3 e n.º 4, 
 
 418°, 419°, 420°, 421°, 423°, 424° e 425º do Código de Processo Penal por 
 violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 
 
 20° da Constituição da República Portuguesa, e do direito ao recurso, consagrado 
 no respectivo artigo 32° n.º 1, na acepção de que um recurso penal pode ser 
 julgado improcedente por falta, deficiência ou complexidade das respectivas 
 conclusões ou por omissão de qualquer outro requisito legal, sem prévio convite 
 ao recorrente para suprir tal falta ou reparar tais vícios.
 B.  Das normas dos artigos 363° e 364° n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Penal, 
 na interpretação segundo a qual a documentação ali prevista (a documentação em 
 acta das declarações prestadas em audiência de julgamento) é apenas necessária 
 após a interposição do recurso, por violação do direito ao recurso, consagrado 
 no artigo 32° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
 C.  Das normas dos artigos 363° e 364° n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Penal, 
 na interpretação segundo a qual a documentação ali prevista (a documentação em 
 acta das declarações prestadas em audiência de julgamento) não é necessária 
 quando a prova estiver gravada e se mostrar transcrita, ainda que tal 
 transcrição não conste da acta de julgamento (como, no caso em apreço, 
 efectivamente não consta), por violação do direito ao recurso, consagrado no 
 artigo 32° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
 D.  Da norma do artigo 374°, n.º 2 do Código de Processo Penal, por violação do 
 disposto no n.º 1 do artigo 205° da Constituição República Portuguesa, em 
 qualquer uma das seguintes interpretações:
 a.  na interpretação que permita que na sentença não constem como factos 
 provados ou não provados, factos relevantes para a decisão da causa que tenham 
 sido alegados defesa na contestação;
 b.  na interpretação que permita que se dispense a referência a tais factos 
 reputando os mesmos de meramente instrumentais;
 c.  na interpretação segundo a qual o dever de fundamentação fica satisfeito com 
 a indicação sumária das conclusões contidas na contestação;
 d.  na interpretação que se basta, para cumprimento dessa exigência legal de 
 fundamentação expressa na norma em causa, com “a não enumeração na sentença de 
 factos que estejam em contradição com os factos provados”; e
 e.  na interpretação segundo a qual “interessa e basta a indicação dos meios de 
 prova, analisados criticamente na sua isenção e credibilidade, conjugando-os e 
 harmonizando-os num processo lógico-dedutivo que conduza indubitavelmente, em 
 certeza humana, à factualidade”;
 E.  Das normas dos artigos 374° n° 2 e 379° n° 1 alínea c) do Código de Processo 
 Penal, do próprio regime processual penal dos recursos, maxime, da norma do n° 1 
 do artigo 410º e da norma do n° 5 do artigo 423° do mesmo diploma, ainda por 
 violação do direito ao recurso consagrado no artigo 32° n° 1 da Constituição, 
 quando restritivamente interpretadas no sentido de que o verdadeiro julgamento 
 
 é o efectuado na primeira instância, onde os princípios da imediação e da 
 oralidade têm toda a pertinência”, ou seja, no sentido de que o julgamento do 
 Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não é um julgamento verdadeiro e de 
 que nele não vigoram, ou quando a ele não se aplicam, “inteiramente” as regras 
 ou princípios da imediação e da oralidade.
 F.  Dos artigos 50° e 70° do Código Penal, quando interpretados no sentido de 
 que a decisão sobre a medida da pena se não encontra subordinada à regra que 
 impõe a preferência por pena não privativa da liberdade, ou de que a mesma é 
 autónoma e prévia a esta, por violação das garantias de defesa e do princípio da 
 presunção de inocência, consagradas nos n.ºs 1 e 2, do artigo 32° da 
 Constituição da República Portuguesa.
 Mais requer que o Recurso seja admitido com subida imediata, nos próprios autos 
 e com efeito suspensivo da decisão recorrida.
 
  
 A Relatora proferiu o seguinte Despacho:
 
  
 
 1.  Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente A. e como 
 recorridos o Ministério Público e B., o Supremo Tribunal de Justiça por acórdão 
 de 17 de Dezembro de 2005, negou provimento ao recurso do acórdão do Tribunal da 
 Relação de Coimbra que havia, por seu turno, negado provimento ao recurso do 
 acórdão do Tribunal Colectivo de Ílhavo que condenou o arguido na pena única de 
 três anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de homicídio, na forma 
 tentada, de um crime de sequestro e de um crime de detenção de arma ilegal.
 
  
 
 2.  O recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional as 
 normas dos artigos 412º, 414º, 417º, nºs 3 e 4, 418º, 419º, 420º, 421º, 423º, 
 
 424º e 425º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual um 
 recurso pode ser julgado improcedente por falta, deficiência ou complexidade das 
 respectivas conclusões ou por omissão de qualquer outro requisito legal, sem 
 prévio convite ao recorrente para suprir a falta ou vício.
 Quanto a esta questão, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão recorrido, 
 considerou o seguinte:
 
  
 O recorrente sustenta que o constante de pág. 22, § 5.º, e pág. 33, §s 3.º e 4.º 
 do Acórdão recorrido parece significar que o recurso foi naquela parte julgado 
 improcedente, porque na conclusão K não teria cumprido o disposto no art. 412°, 
 nºs 3 e 4 do CPP e porque a conclusão GG seria deficiente por estar 
 insuficientemente fundamentada a ilação, ali extraída pelo Recorrente, de que, 
 pela interpretação dos art.ºs 50° e 70° do C. Penal seguida no Acórdão da 1.ª 
 instância, se mostrava violado o princípio da presunção de inocência (conclusão 
 I).
 Tendo o recurso sido julgado improcedente por essas razões (ou, pelo menos, 
 nessas partes, também por essas razões) sem precedência de convite para 
 aperfeiçoamento do seu recurso ou das conclusões, o acórdão será nulo por 
 violação do art. 690.º do CPC e dos art.ºs 414°, n° 2, e 420° do CPP (conclusão 
 J), normas aplicáveis também aos casos de julgamento do recurso, impedindo que 
 um recurso possa ser julgado improcedente por falta, deficiência, obscuridade ou 
 complexidade das respectivas conclusões ou por omissão nelas de qualquer outro 
 requisito legal, sem prévio convite a para suprir tal falta ou tais vícios 
 
 (conclusão K).
 O regime legal dos recursos em processo penal (normas conjugadas dos art.ºs 
 
 412°, 414°, 417°, n.º 3 e n.º 4, 418°, 419°, 420°, 421°, 423°, 424° e 425 do 
 CPP) violaria o do direito de acesso ao direito e aos tribunais (art. 20° da 
 Constituição), e do direito ao recurso (art. 32° n.º 1), na acepção de que um 
 recurso penal pode ser julgado improcedente por falta, deficiência ou 
 complexidade das respectivas conclusões ou por omissão de qualquer outro 
 requisito legal, sem prévio convite ao recorrente para suprir tal falta ou 
 reparar tais vícios (conclusão L).
 A jurisprudência do Tribunal Constitucional e, mais recentemente, a deste 
 Supremo Tribunal de Justiça vão no sentido de que não pode deixar de ser 
 conhecido um recurso, por deficiência das conclusões da motivação, sem que ao 
 recorrente seja concedida a possibilidade de corrigir tal deficiência. O mesmo 
 não se aplicando, no entanto, ao próprio texto da motivação que é, por um lado, 
 imodificável e, por outro, o limite à correcção das conclusões.
 Isso mesmo se pode ver das seguintes declarações com força obrigatória geral 
 oriundas do Tribunal Constitucional:
 
 - Acórdão n.º 337/2000, DR-IA, 21.07.2000 - inconstitucionalidade da norma 
 constante dos art.ºs 412.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, do CPP (na redacção anterior 
 
 à Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), quando interpretados no sentido de a falta de 
 concisão das conclusões da motivação implicar a imediata rejeição do recurso, 
 sem que previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tal 
 deficiência;
 
 - Acórdão n.º 320/2002, DR-IA, 07.10.2001 - inconstitucionalidade da norma do 
 art. 412.º, n.º 2, do CPP, interpretada no sentido de que a falta de indicação, 
 nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas al.s a), 
 b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao 
 mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência.
 Não resulta assim, desta jurisprudência, nem da lei, um “direito” do recorrente 
 a ser convidado a corrigir as conclusões da motivação, como parece pretender o 
 recorrente, e que teria sido violado pela decisão recorrida.
 Parte o recorrente para a sua crítica do seguinte trecho do acórdão recorrido: 
 
 «através das muitas prolixas conclusões, que eventualmente mereceriam solução de 
 aperfeiçoamento, questiona o recorrente diversas nulidades, que começaremos por 
 analisar.
 Mas, como se vê de tal trecho e da análise que se lhe segue, a Relação não 
 deixou, apesar da prolixidade das conclusões (que se mantém neste recurso), de 
 conhecer todas as questões que foram suscitadas no recurso. O que vale por dizer 
 que não deixou de ser apreciada qualquer pretensão com base na mencionada 
 prolixidade, não sendo assim atingido o núcleo protegido do direito 
 constitucional ao recurso.
 
  
 Da transcrição realizada resulta de modo manifesto que nos presentes autos não 
 foi aplicada uma qualquer dimensão normativa segundo a qual o recurso penal pode 
 ser julgado improcedente por falta ou vícios das alegações (cfr., ainda, fls. 
 
 418 e ss.).
 Assim, a norma impugnada não foi aplicada pela decisão recorrida. Pelo que 
 qualquer juízo que o Tribunal Constitucional viesse a formular sobre a questão 
 suscitada não teria a virtualidade e alterar o acórdão impugnado, sendo, desse 
 modo, inútil.
 Não se pode, portanto, tomar conhecimento do objecto do recurso quanto a esta 
 questão.
 
  
 
 3.  O recorrente pretende, por outro lado, submeter à apreciação do Tribunal 
 Constitucional as normas dos artigos 363º e 364º, nºs 1 e 3, do Código de 
 Processo Penal, interpretadas no sentido de a documentação em acta das 
 declarações prestadas em audiência de julgamento ser apenas necessária após a 
 interposição do recurso.
 Quanto a esta questão, o Supremo Tribunal de Justiça considerou o seguinte:
 
  
 Refere o recorrente que as declarações orais em audiência tinham de estar 
 documentadas na acta de audiência, porque foram efectivamente registadas em 
 suporte áudio magnético (conclusão M), prejudicando essa falta seriamente a 
 defesa do recorrente, o seu direito ao recurso, o que constitui nulidade da 
 acta, em violação do dos art.ºs 363° e 364° n.ºs 1 e 3, 99°, n.º 3 e 362° do 
 CPP, e é caso de falsidade da mesma, atento o valor que lhe é conferido pelo 
 art. 169° do CPP (conclusão N).
 A interpretação dos art.ºs 363° e 364° n.ºs 1 e 3 do CPP, no sentido de tal 
 documentação ser apenas necessária após a interposição do recurso, violaria o 
 direito ao recurso - art. 32° n.º 1 da Constituição (conclusões O e P).
 A nulidade da acta de julgamento, atento o seu valor probatório, implica a 
 nulidade do próprio julgamento e, por consequência, a nulidade da douta sentença 
 final sendo fundamento de recurso - art. 410.º n.º 3 do CPP (conclusão Q).
 Sobre tal questão escreve-se na decisão recorrida:
 
 «Vemos que o recorrente se insurge, em primeiro lugar, pela falta transcrição na 
 acta dos depoimentos prestados durante a audiência de julgamento.
 Pela acta respectiva, verifica‑se que a prova produzida foi gravada, 
 mostrando‑se transcrita.
 Seria, pois, de ser feita constar da acta?
 Entende‑se que não.
 Com efeito, temos que verificar que a exigência inserta no art.363.º do Cod. 
 Proc. Penal (diploma a que nos reportaremos sempre que se não faça menção de 
 origem) se destina a prevenir a correspondência entre a que é produzida e a que 
 resulta do julgamento; não está no espírito da norma a sistemática redução a 
 escrito das declarações, o que significaria a preterição do princípio da 
 oralidade e seria fonte de delongas processuais que o Código quis evitar. (Ac. 
 STJ de 20/11/90, Proc. n.º 40958/3ª, bem como no mesmo sentido, Ac. Rel. Lisboa, 
 de 18/2/92, CJ.XVII. T.I, pág.179, Ac. do Trib. Constitucional de 5/5/93. STJ, 
 de 1/7/93, BMJ 429-625, de 24/4/94, de 18/10/95, como outros mencionados no Cod. 
 Proc. Penal, de Maia Gonçalves 13.ª ed., em anotação ao art. 363°).
 Aliás, só uma interpretação extremamente literal de tal normativo, poderia 
 conduzir à solução preconizada pelo recorrente.
 Mas há que ponderar que o aí estabelecido está conforme o constante do artigo 
 anterior, onde se menciona o que deve constar da acta da audiência de 
 julgamento.
 E tenha-se em consideração outro argumento, coadjuvante, para se poder aperceber 
 a intenção do legislador: no art. 112°, n° 4 estatui a obrigação de fazer 
 referência aos suportes técnicos, que não são manifestamente, por não revestirem 
 tal carácter, as declarações constantes da acta da audiência de julgamento.
 Veja-se, ainda, que, no sentido de garantia de defesa do arguido é muito mais 
 fiável a transcrição, do que a reprodução em acta, por resumo, do que foi 
 referido.
 A eventual inconstitucionalidade carece totalmente de fundamento, até porque 
 aquilo a que a lei obriga facilita muito mais a defesa do arguido, do que o 
 sistema de transcrição em acta, só por resumo.»
 Deve começar-se por notar que está fixada jurisprudência por este Supremo 
 Tribunal de Justiça (ac. n.º 5/02, DR, IS-A, de 17-07-02) no sentido de que “a 
 não documentação das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, 
 contra o disposto no art. 363.º do CPP, constitui irregularidade, sujeita ao 
 regime estabelecido no art. 123.º do mesmo diploma legal, pelo que, uma vez 
 sanada, o tribunal já dela não pode conhecer”.
 Ora, não tendo sido arguida nos termos previstos no art. 123.º do CPP, tal 
 irregularidade fica sanada e dela, não podendo o tribunal conhecer (n.º 1), a 
 não ser que a mesma possa “afectar o valor do acto praticado” (n.º 2). E se as 
 declarações orais em audiência foram gravadas e transcritas, em nada é afectado 
 o valor da sequência de actos que integram a audiência, nem fica prejudicada a 
 possibilidade de impugnar em recurso a matéria de facto fixada pela 1.ª 
 Instância.
 Isso mesmo decidiu este Supremo Tribunal de Justiça, mesmo no caso em que tais 
 transcrição e gravação não tivera lugar e ficara impedida a análise em recurso 
 das divergências relativamente à decisão sobre pontos concretos da matéria de 
 facto, pois que o direito de recorrer ou a amplitude do exercício desse direito 
 está na disponibilidade dos interessados (como também o está a arguição das 
 irregularidades que considerem praticadas), não se podendo dizer afectado, 
 decisivamente e com reflexos objectivos na regularidade processual, o valor do 
 acto, já que os interessados têm de respeitar as condições fixadas para o 
 exercício dos seus direitos processuais, não podendo invocar eventuais 
 consequências desfavoráveis que resultem de omissões próprias (cfr. o Ac. de 
 
 26-11-03. Acs ST J XI, 3, 236)
 Não tendo sido arguida tempestivamente tal irregularidade, afastada ficava, 
 pois, a possibilidade de o recorrente suscitar tal questão perante a Relação.
 Depois, importa notar que o CPP, ao lado da legitimidade do recorrente, alinha 
 como condição para o conhecimento do recurso, o seu interesse em agir (art. 
 
 401.º, n.º 2: “Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir”).
 Não nos diz aquele diploma legal o que se deve entender por “interesse em agir”, 
 mas de tal já se ocuparam a Jurisprudência e a Doutrina.
 Dentro desse entendimento, que se acompanha, para que o recorrente tenha 
 interesse em agir é necessário que vise qualquer efeito útil que não possa 
 alcançar sem lançar mão do recurso.
 
 «(2) O interesse processual ou interesse em agir é definido, em termos de 
 processo civil, como a necessidade do processo para o demandante em virtude de o 
 seu direito estar carecido de tutela judicial. Há um interesse do demandante não 
 já no objecto do processo (legitimidade) mas no próprio processo. (3) Em termos 
 de recurso em processo penal tem interesse em agir quem tiver necessidade deste 
 meio de impugnação para defender um seu direito» (Ac. do STJ de 7.12.99, proc. 
 n.º 1081/99, Acs STJ VII, 3, 229).
 
 «O interesse em agir é a necessidade concreta de recorrer à intervenção 
 judicial, à acção, ao processo» (Acs. do STJ de 29-03-2000, Acs STJ VIII, 1, 
 
 234, de 9-1-02, Acs STJ X, 1, 160, de 20-3-02, proc. n.º 468/02-3 e de 11-10-01. 
 proc. n° 2130/01-5)
 
 «(1) Como flui explicitamente da lei (art.º 401.º, do CPP), dois dos requisitos 
 de que depende a admissão de um recurso penal são a “legitimidade” e o 
 
 “interesse em agir” de quem lança mão de tal expediente. (2) A “legitimidade” 
 consubstancia‑se na posição de um sujeito processual face a determinada decisão 
 proferida no processo, justificativa da possibilidade de a impugnar através de 
 um dos recursos tipificados na lei. Ou seja: diz‑se parte legítima aquela que 
 pode, segundo o Código, recorrer de uma determinada decisão judicial. Trata-se, 
 portanto, aqui, de uma posição subjectiva perante o processo, que é avaliada “a 
 priori”. (3) Outra coisa diferente é o “interesse em agir”, que consiste na 
 necessidade de apelo aos tribunais para acautelamento de um direito ameaçado que 
 precisa de tutela e só por essa via se logra obtê-la. Portanto, o interesse em 
 agir radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários 
 para assegurar um direito em perigo. Trata-se, portanto, de uma posição 
 objectiva perante o processo, que é ajuizada “a posteriori” (Ac. do STJ de 
 
 18-10-00, proc. n.º 2116/00-3).
 
 «Enquanto pressuposto processual, o interesse em agir (também conhecido por 
 interesse processual) consiste na necessidade de usar o processo, de instaurar 
 ou fazer prosseguir a acção. O recorrente tem interesse processual quando a 
 situação de carência em que se encontra necessita da intervenção dos tribunais» 
 
 (Ac. dos STJ de 16-05-2002, proc. n.º 1672/02-5, subscrito pelos aqui Relator e 
 
 1.º adjunto.
 No mesmo sentido se pronunciaram igualmente Simas Santos e Leal Henriques 
 
 (Código de Processo Penal Anotado, 2.º volume, 2000, 682): «Não basta ter 
 legitimidade para se recorrer de qualquer decisão; necessário se torna também 
 possuir interesse em agir, (...) que se reconduz ao interesse em recorrer ao 
 processo, porque o direito do requerente está necessitado de tutela; não se 
 trata, porém, de uma necessidade estrita nem sequer de um interesse vago, mas de 
 qualquer coisa intermédia: um estado de coisas reputado bastante grave para o 
 demandante, e que, assim, torna legítimo o recurso à arma judiciária; à 
 jurisprudência é deixada a função de avaliar a existência ou inexistência de 
 interesse em agir, a apreciação da legitimidade objectiva é confiada ao 
 intérprete que terá que verificar a medida em que o acto ou procedimento são 
 impugnados em sentido favorável à função que o recorrente desempenha no 
 processo; a necessidade deste requisito é imposta pela consideração de que o 
 tempo e a actividade dos tribunais só devem ser tomadas quando os direitos 
 careçam efectivamente de tutela, para defesa da própria utilidade dessa 
 actividade, e de que é injusto que, sem mais, possa solicitar tutela 
 jurisdicional) (no mesmo sentido o Ac. do STJ de 03‑10‑2002, proc. n.º 
 
 1532/02-5, em que o aqui Relator foi 2.º adjunto).
 Ora, como se pondera na decisão recorrida, não resultou da não documentação em 
 acta das declarações orais prestadas em audiência, pois que foram as mesmas 
 gravadas e transcritas, pelo que com igual ou maior fiabilidade podia o 
 recorrente impugnar a matéria de facto em toda a extensão.
 E sendo assim falece-lhe interesse em agir na impugnação dessas questão, pois 
 que da sua solução a seu favor nenhum efeito útil retiraria, que já não 
 estivesse assegurado pela gravação e transcrição.
 O que significa que não deverá ser conhecido o recurso neste domínio.
 Mas mesmo que assim não fosse, ainda assim não lhe assistia razão à luz da 
 reforma de 1998 do Código de Processo Penal.
 Dispõe o art. 362.º do CPP que (n.º 1) a acta da audiência contém: (a) O lugar, 
 a data e a hora de abertura e de encerramento da audiência e das sessões que a 
 compuseram; (b) O nome dos juízes, dos jurados e do representante do Ministério 
 Público; (c) A identificação do arguido, do defensor, do assistente, das partes 
 civis e dos respectivos advogados; (d) A identificação das testemunhas, dos 
 peritos, dos consultores técnicos e dos intérpretes e a indicação de todas as 
 provas produzidas ou examinadas em audiência; (e) A decisão de exclusão ou 
 restrição da publicidade, nos termos do artigo 321.º; (f) Os requerimentos, 
 decisões e quaisquer outras indicações que, por força da lei, dela devam 
 constar; e (g) A assinatura do presidente e do funcionário de justiça que a 
 lavrar.
 E esclarece o art. 363.º, como princípio geral da documentação de declarações 
 orais (de acordo com a respectiva epígrafe), que as declarações prestadas 
 oralmente na audiência são documentadas na acta quando o tribunal puder dispor 
 de meios estenotípicos, ou estenográficos, ou de outros meios técnicos idóneos a 
 assegurar a reprodução integral daquelas, bem como nos casos em que a lei 
 expressamente o impuser.
 Por sua vez, o art. 364.º dispõe que as declarações prestadas oralmente em 
 audiência que decorrer perante tribunal singular são documentadas na acta, salvo 
 se, até ao início das declarações do arguido previstas no art. 343.º, o 
 Ministério Público, o defensor ou o advogado do assistente ou partes civis, no 
 tocante ao pedido de indemnização civil (n.º 2) declararem unanimemente para a 
 acta que prescindem da documentação (n.º 1). Quando a audiência se realizar na 
 ausência do arguido, as declarações prestadas oralmente são sempre documentadas 
 
 (n.º 3). Não estando à disposição do tribunal meios técnicos idóneos à 
 reprodução integral das declarações, o juiz dita para a acta o que resultar das 
 declarações prestadas (n.º 4).
 Finalmente o art. 412.º prescreve que no recurso em que se impugne a decisão 
 proferida sobre matéria de facto, as especificações ordenadas pelo n.º 3 devem 
 ser feitas por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição. E 
 o art. 389.º prevê que no processo sumário a documentação dos actos de 
 audiência, se requerida, será efectuada por súmula, enquanto que, para o 
 processo abreviado, se prevê a possibilidade de documentação dos actos de 
 audiência, sem especificar os meios.
 Da conjugação deste complexo de normas resulta um sistema de documentação que 
 não se revê na tese do recorrente, como se decidiu no acórdão recorrido.
 Com efeito, a documentação das declarações orais em audiência é efectuada 
 através da súmula (art. 389.º), ou através da gravação áudio magnética, seguida 
 de transcrição (art. 412.º, n.º 3), transcrição que não faria qualquer sentido 
 na tese do recorrente.
 Concepção que é reforçada pela conteúdo atribuído pelo art. 389.º do CPP à acta 
 e que não contempla necessariamente a documentação (que abrange só a 
 documentação por súmula).
 Isso mesmo vem decidindo, sem discrepâncias, este Supremo Tribunal de Justiça.
 Tem entendido, entendimento que se mantém, que a documentação na acta, a que se 
 refere o art. 363.º do CPP, é a própria gravação das declarações prestadas 
 oralmente. A transcrição é coisa diversa e vem regulada no art. 412.º, n.º 4 do 
 referido diploma, para a hipótese de recurso em matéria de facto (neste sentido 
 o Ac. do STJ de 23-10-2002, proc. n.º 1209/02-3, no mesmo sentido, salientando 
 que nenhuma inconstitucionalidade se perfila, o Ac. do ST J de 10-10-02, proc. 
 n.º 1777/02-5).
 E que, tenha o julgamento decorrido ou não perante o tribunal colectivo, as 
 declarações prestadas em audiência deverão, em princípio, obrigatoriamente, ser 
 objecto de gravação magnetofónica sempre que existir a aparelhagem respectiva, 
 constituindo as respectivas cassetes gravadas com genuinidade devidamente 
 assegurada pela supervisão do tribunal, prolongamento da acta, ou, se se 
 preferir, acta em sentido amplo (neste sentido o Ac. de 8-11-01, proc. n.º 
 
 3019/01-5).
 Compulsado o texto da motivação verifica-se que só lhe são dedicados dois 
 parágrafos de fls 482 (§s 5° e 6°) de conteúdo idêntico às conclusões que se 
 citaram e que também não explicam de todo as razões que subjazem ao entendimento 
 do recorrente.
 Pretende também o recorrente que a interpretação designadamente dos art.ºs 363° 
 e 364° n.ºs 1 e 3 do CPP, no sentido de tal documentação das declarações orais 
 ser apenas necessária após a interposição do recurso, viola o direito ao recurso 
 
 - art. 32° n.º 1 da Constituição (conclusão O), como se decidiu o acórdão 
 recorrido que tal documentação não é necessária quando a prova estiver gravada e 
 se mostrar transcrita, ainda que tal transcrição não conste da acta de 
 julgamento (conclusão P).
 Embora se tenha abordado a questão da documentação da acta em jeito de reforço, 
 pois que se afirmou o não conhecimento dela, por razões processuais, sempre se 
 dirá sinteticamente que nenhuma razão assiste ao recorrente.
 Com efeito, como resulta do que foi dito, nenhuma ofensa é feita ao direito ao 
 recurso em matéria de facto, pela interpretação acolhida pela Relação e que 
 garante aquele direito com total amplitude.
 
  
 Da transcrição resulta que o Supremo Tribunal de Justiça considerou não poder 
 conhecer a questão suscitada, já que a mesma, constituindo irregularidade, 
 encontrava‑se sanada, e dado o arguido não ter interesse em agir (cabe sublinhar 
 que não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade reportada ao 
 fundamento normativo de tal entendimento).
 Não obstante, o Supremo Tribunal de Justiça deu resposta aos argumentos do 
 arguido, demonstrando que a dimensão normativa impugnada não tem qualquer 
 relação com as decisões dos autos.
 
 É, pois, manifesto que a dimensão normativa que o recorrente impugna não foi 
 aplicada pelo tribunal a quo como ratio decidendi do acórdão recorrido. Assim, 
 pelas razões constantes do ponto anterior, também não se pode tomar conhecimento 
 desta questão.
 
  
 
 4.  O recorrente autonomiza, ainda, a questão da interpretação dos artigos 
 referidos no número anterior interpretados no sentido segundo o qual a 
 documentação prevista nesses preceitos não é necessária quando a prova estiver 
 gravada e se mostrar transcrita, ainda que tal transcrição não conste da acta de 
 julgamento.
 Ora, a tal questão respondeu o Supremo Tribunal de Justiça na passagem 
 transcrita no número anterior. Trata‑se de questão da qual o tribunal a quo 
 decidiu não tomar conhecimento pelas razões a que se fez referência (falta de 
 interesse em agir e sanação de irregularidade). De resto, a apreciação 
 substancial que o Supremo Tribunal de Justiça fez desta questão constitui, no 
 contexto do acórdão recorrido, mero obiter dictum.
 Mais uma vez, a questão suscitada não se reporta a norma aplicada pela decisão 
 recorrida, pelo que também dela não se pode tomar conhecimento.
 
  
 
 5.  O recorrente suscita a inconstitucionalidade de diversas interpretações do 
 artigo 374º do Código de Processo Penal.
 Quanto a tal questão, o Supremo Tribunal de Justiça afirmou o seguinte:
 
  
 Depois, deve notar-se que este Tribunal já decidiu que o facto de a decisão não 
 conter no relatório o resumo da matéria da contestação em obediência ao disposto 
 no art. 374° nº 1 al. d) do CPP, não constitui nulidade mas mera irregularidade 
 que nem influi na decisão da causa se, como no caso, a decisão, no seu texto, 
 revela que na audiência se atendeu à matéria da contestação [art.s 379°, a) e 
 
 118° e segs do CPP] (Ac. de 31-1-90, proc. n.º 40356, AJ n.º 6, no mesmo sentido 
 os Acs. de 19/12/1991, proc. n.º 42031 e de 16/06/1999, 28/99).
 Invoca o recorrente, a este propósito, a inconstitucionalidade de diversas 
 interpretações do art. 374.º do CPP, que seriam inconstitucionais, mas não 
 indica qual delas foi aplicada pela decisão recorrida, sendo certo que, como se 
 viu, a questão em causa não era de fundamentação mas sim de objecto da discussão 
 e de investigação.
 As inconstitucionalidades indicadas apresentam, pois, como uma forma mais 
 
 “sofisticada” de impugnar a decisão tomada pela Relação, naquele âmbito, mas no 
 domínio do direito ordinário.
 Assim, não há que conhecer delas.
 Pretende o recorrente que é inconstitucional o art. 374.º do CPP na 
 interpretação segundo a qual interessa e basta a indicação dos meios de prova, 
 analisados criticamente na sua isenção e credibilidade, conjugando-os e 
 harmonizando-os num processo lógico-dedutivo que conduza indubitavelmente, em 
 certeza humana, à factualidade” (conclusão U).
 Teve este Supremo Tribunal de Justiça ocasião de lembrar que, se o recorrente 
 invoca a questão da nulidade da decisão por falta de fundamentação suficiente, 
 mas se dispensa de demonstrar essa afirmação, não pode desencadear a pretendida 
 crítica pelo Supremo Tribunal de Justiça que não tem que (nem pode) desencadear 
 uma qualquer expedição tendente a testar todas as modalidades possíveis de 
 incumprimento daquele dever de fundamentação (cfr. ac. de 15/11/2001, proc. n.º 
 
 3258/01-5, do mesmo Relator).
 Mas importa reter que o exame crítico das provas cabia, em primeiro lugar, à 1.ª 
 Instância, que o fez, como também o fez a Relação no espaço que lhe cabia como 
 tribunal de apelação.
 Como melhor se verá, o dever constitucional de fundamentação da sentença 
 basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos 
 motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame 
 crítico das provas que serviram para fundar a decisão (n.º 2 do art. 374.º do 
 CPP) e o exame crítico da prova, exige, como o fez o tribunal colectivo, a 
 indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, 
 também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios 
 lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do 
 Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma 
 os diversos meios de prova apresentados em audiência.
 Ora, a Relação sindicou suficientemente o processo, fundamentou a decisão sobre 
 a improcedência do recurso em matéria de facto acolhendo na íntegra a 
 fundamentação do acórdão do tribunal colectivo que se apresenta como suficiente.
 O que vale por dizer que as Instâncias cumpriam suficientemente esse encargo, 
 sendo que a discordância quanto aos factos apurados não permitem afirmar que o 
 mesmo não foi (ou não foi suficientemente) efectuado o exame crítico pelas 
 instâncias.
 Improcede, assim também, a arguição de nulidade do acórdão recorrido quanto a 
 esse ponto constante da conclusão AA da sua motivação.
 
  
 O art. 205.º da Constituição dispõe que as decisões dos tribunais que não sejam 
 de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei (n.º 1). E deixa 
 perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente 
 imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação 
 verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero 
 expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões 
 deixam de ser fundamentadas “nos termos previstos na lei” para o serem “na forma 
 prevista na lei”. A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de 
 liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.
 A fundamentação das decisões judiciais continua, pois, dependente da lei a que é 
 atribuído o encargo de definir, com maior ou menor latitude, o âmbito do dever 
 de fundamentação, sem que isso signifique total discricionariedade legislativa, 
 
 “uma vez que o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio 
 conceito de Estado de direito democrático ao menos quanto às decisões judiciais 
 que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de 
 ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao 
 recurso. Nestes casos, particularmente, impõe-se a fundamentação ou motivação 
 fáctica dos actos decisórios através da exposição concisa e completa dos motivos 
 de facto, bem como as razões de direito que justificam a decisão” (V. Moreira e 
 G. Canotilho, CRP Anotada, 2.ª Edição, 798-9)
 Foi devolvido ao legislador o seu “preenchimento”, a delimitação do seu âmbito e 
 extensão em termos prudentes evitando correr o risco de estabelecer uma 
 exigência de fundamentação demasiado extensa e, por isso, inapropriada e 
 excessiva. Limitou-se a consagrar o aludido princípio “em termos genéricos”, 
 deixando a sua concretização ao legislador ordinário. (cfr. o ac. n° 310/94 do 
 T. Constitucional - DR IIS de 29.8.94), sem que isso signifique, como se viu, 
 que assiste ao legislador ordinário uma liberdade constitutiva total e absoluta 
 para delimitar o âmbito da obrigatoriedade de fundamentação das decisões dos 
 tribunais, em termos de esvaziar de conteúdo a imposição constitucional.
 Têm sido atribuídas à fundamentação da sentença diversas funções:
 
 - Contribuir para a sua eficácia, através da persuasão dos seus destinatários e 
 da comunidade jurídica em geral;
 
 - Permite, ainda, às partes e aos tribunais de recurso fazer, no processo, pela 
 via do recurso, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz;
 
 - Constitui um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, 
 contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a 
 qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (juris dicere). E, 
 nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da 
 independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões (cfr. citado Ac. 
 
 680/98).
 E a norma, que desenhou o dever de fundamentação no processo penal, cumpre todas 
 estas funções, como vêem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal 
 Constitucional.
 O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a constitucionalidade desta 
 norma, nos seguintes acórdãos:
 
 - nºs 680/98 e 636/99: é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, 
 na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto 
 se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, 
 não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal.
 
 - n° 102/99: não é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, 
 quando interpretado no sentido de que, sendo vários os arguidos que, em 
 co-autoria, praticaram os factos delituosos, o tribunal não tem que fazer uma 
 fundamentação formalmente distinta para cada um deles.
 
 - n° 258/2001: não é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, 
 quando interpretada em termos de não determinar a indicação individualizada dos 
 meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado por assente.
 
 - n° 382/98: não são inconstitucionais as normas do n.º 2 do art. 374.º (art.ºs 
 
 361°, 368°, nº 2), enquanto neste complexo normativo se não prevê a prévia 
 quesitação de factos alegados pela acusação e pela defesa resultantes da 
 discussão da causa e, consequentemente, a sua reclamação.
 Assim, impõe-se a conclusão de que o Ac. do Tribunal Constitucional n° 680/98 de 
 
 2 de Dezembro (D.R. IIS de 5.11.99) que se refere a situação paralela à dos 
 presentes autos, segue, no entanto, em direcção diversa à pretendida pelo 
 recorrente.
 Com efeito, decidiu-se aí «julgar inconstitucional a norma do n° 2 do artigo 
 
 374° do Código de Processo Penal de 1987, na interpretação segundo a qual a 
 fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração 
 dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do 
 processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de 
 fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n° 1 do artigo 205° da 
 Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n° 2 
 do artigo 410° do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no 
 n° 1 do artigo 32°, também da Constituição».
 Ou seja, o T. Constitucional entendeu que foi exactamente a falta de 
 explicitação do processo de formação da convicção do tribunal que determinou a 
 inconstitucionalidade da interpretação então apreciada, elemento que o 
 recorrente sustenta insuficiente.
 A fundamentação desenvolvida no caso permite o exame do processo lógico ou 
 racional subjacente à decisão de facto. E o exame crítico dos meios de prova, 
 designadamente da sua razão de ciência e credibilidade, explicitam o processo de 
 formação da convicção, assim se garantindo que se não tratou de uma ponderação 
 arbitrária das provas ao atribuir ao seu conteúdo uma especial força na formação 
 da convicção do Tribunal. Com efeito, foram explicitados os motivos de facto e 
 de direito que fundamentam a decisão, bem como foi efectuado o exame crítico das 
 provas que serviram para fundar a decisão, pelo que não só não se verifica 
 qualquer nulidade, como não foi feita qualquer interpretação do n.º 2 do art. 
 
 374.º em violação da Constituição.
 
  
 
 É, de novo, manifesto que as dimensões normativas impugnadas pelo recorrente não 
 foram aplicadas pela decisão recorrida. Por um lado, o tribunal entendeu não 
 tomar conhecimento das questões suscitadas. Por outro, foi realizada nos autos a 
 crítica dos meios de prova. 
 Não se pode, portanto, tomar conhecimento de tal questão.
 
  
 
 6.  Por último, o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie as 
 normas dos artigos 50º e 70º do Código Penal, interpretadas no sentido de a 
 decisão sobre a medida da pena não se encontrar subordinada às regras que impõem 
 a preferência por pena não privativa da liberdade, “ou de que a mesma é autónoma 
 e prévia a esta”.
 Quanto a esta questão, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu o seguinte:
 
  
 Constitucionalidade da interpretação dos art.ºs 50° e 70° do C. Penal.
 Refere o recorrente que a interpretação dos art.ºs 50° e 70° do C. Penal do 
 acórdão recorrido de que a decisão sobre a medida da pena se não encontra 
 subordinada à regra que impõe a preferência por pena não privativa da liberdade, 
 ou de que a mesma é autónoma e prévia a esta, coloca tais normas em violação das 
 garantias de defesa e do princípio da presunção de inocência, consagradas nos 
 n.ºs 1 e 2, do art. 32° da Constituição (conclusão SS).
 A 1.ª Instância - defende - deveria ter optado por não condenar o arguido em 
 pena única superior a 3 anos para poderem suspender a sua execução da mesma 
 
 (conclusão PP), ao não o fazer esqueceu que a pena suspensa é uma verdadeira 
 pena autónoma; e não apenas uma segunda espécie do género pena de prisão 
 
 (conclusão QQ), sendo que o «critério imposto pelo artigo 70.º do Código Penal 
 encontra fundamento também no princípio da presunção de inocência. A par, 
 naturalmente, da sua fundamentação no carácter fragmentário e de ultima ratio de 
 todo o Direito Penal e na justificação das penas e da aplicação da própria lei 
 penal em função da sua necessidade» (conclusão RR).
 Sobre tal questão discorreu o acórdão recorrido:
 
 «Pretende, ainda, o recorrente que os art.s 50° e 70° do Cod. Penal são 
 inconstitucionais, na interpretação segundo a qual a decisão sobre a medida da 
 pena se não encontra subordinada à regra que impõe a preferência por pena não 
 privativa da liberdade, ou de que a mesma é autónoma e prévia a esta.
 Tal surge na sequência da questão já antes abordada, mas sem que possamos fazer 
 uma referência ao também requerido pelo recorrente, que se afigura deslocado 
 atento o invocado nesta sede.
 Com efeito, vê-se que entende que os Senhores Juízes de Círculo deveriam ter 
 optado por não condenar o Arguido numa pena única superior a 3 anos, 
 precisamente para poderem suspender a execução da mesma (conclusão DD).
 Daí se afere que o recorrente faz um raciocínio ao contrário do que comanda a 
 lei: primeiro deve-se ver qual a pena a impor, possibilidade da suspensão da sua 
 execução, etc., para, numa fase posterior, se observarem os critérios para a sua 
 determinação, “moldando-os”, talvez, ao objectivo final.
 Se fosse assim, talvez lhe assistisse razão na invocada inconstitucionalidade.
 Mas como os critérios legais são outros e se mostram observados, não se vê em 
 que é que as suas garantias de defesa foram postergadas, já que o tribunal 
 observou aquilo a que está vinculado.
 Por outro lado, não se revela de onde se pode extrair a violação do princípio da 
 presunção de inocência, nem o recorrente o refere, pois mesmo na motivação 
 sustenta tal com o mesmo teor da conclusão - “aparentemente” -, ou seja, não 
 fundamenta essa aparência e acresce que, por isso, a mesma não é uma verdadeira 
 conclusão, como o exige o art. 412°, n° 1 do Cod. Proc. Penal. um resumo do 
 expresso na motivação.
 Até por falta de fundamentação tal invocação careceria de análise.»
 Merece esta posição o nosso acordo.
 Com efeito, dispõe o art. 50.º do C. Penal que o tribunal suspende a execução da 
 pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à 
 personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e 
 posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do 
 facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades 
 da punição (n.°1).
 O que vale por dizer que o Tribunal só perante uma pena de prisão não superior a 
 
 3 anos de prisão, que entende ser de aplicar a um determinado agente pela 
 prática de um crime concreto, é que pode e deve equacionar a suspensão da sua 
 execução, e não antes.
 E compreende-se que a Lei reserve a aplicabilidade daquela pena de substituição 
 para os casos cuja gravidade não ultrapasse determinado patamar, escolhendo a 
 medida concreta da pena a infligir como índice dessa gravidade.
 Como já o decidiu este Tribunal (Ac. de 20/03/03, proc. n.º 504/03-5, do mesmo 
 Relator), o legislador estabeleceu esse requisito (pena não superior a 3 anos de 
 prisão) enquanto índice de gravidade do ilícito merecedor dessa pena de 
 substituição. Ou seja, sabendo-se que a pena concreta traduz sempre o grau de 
 ilicitude e culpa da conduta em apreciação, escolheu-se uma medida limite que 
 traduzisse os limites de gravidade das condutas abrangidas.
 Essa técnica não é, aliás, exemplo isolado no C. Penal. O mesmo sucede com 
 outras penas de substituição, como sucede com os art.ºs 44.º (substituição da 
 pena curta de prisão por multa), 45.º (substituição por prisão por dias livres), 
 
 46.º (substituição pelo regime de semidetenção).
 E não se vê, nem o recorrente o demonstra, que tal solução legal viole a 
 Constituição.
 Por outro lado, o art. 70.º trazido à colação pelo recorrente versa, como melhor 
 se verá a propósito da opção pela pena de prisão nos crimes de violação de 
 domicílio e detenção ilegal de arma, é alheio a esta problemática, pois se 
 destina aos tipos de crimes em que a reacção criminal é, em alternativa, prisão 
 ou multa e em que essa opção não pressupõe a determinação prévia da pena de 
 prisão aplicável, antes antecede, nos termos do referido artigo, essa 
 determinação que pressupõe exactamente a escolha da pena a aplicar: prisão ou 
 multa.
 
  
 
 É, mais uma vez, manifesto que a dimensão normativa indicada não foi aplicada 
 nos autos.
 Desde logo, uma vez que o recorrente pretende a aplicação da suspensão da 
 execução da pena de prisão, não se vislumbra como o Tribunal podia optar por tal 
 solução, já que a pena aplicada é de 3 anos e 6 meses de prisão (cfr. artigo 
 
 50º, nº 1, do Código de Processo Penal – sublinhe‑se que o limite de 3 anos aí 
 referido não foi impugnado na perspectiva da constitucionalidade pelo 
 recorrente).
 Não obstante, e de modo decisivo, em momento algum o Supremo Tribunal de Justiça 
 assumiu que a “decisão sobre a medida da pena se não encontra subordinada à 
 regra que impõe a preferência por pena não privativa da liberdade”. Na verdade, 
 o tribunal a quo entendeu, e demonstrou, fundamentadamente, que no caso não 
 havia que optar por pena não privativa da liberdade (cf., ainda, fls. 563 e 
 ss.), e não compete ao Tribunal Constitucional apreciar a bondade intrínseca 
 dessa específica decisão não sendo, aliás, suscitada pelo recorrente qualquer 
 inconstitucionalidade normativa do critério ponderativo em si mesmo.
 Também não se pode, portanto, tomar conhecimento de tal questão.
 
  
 
 7.  Em face do exposto, notifique‑se o recorrente das questões prévias 
 indicadas, ao abrigo do artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, e para 
 produzir alegações quanto à questão que tem por objecto os artigos 374º, nº 2, 
 
 379º, nº 1, alínea c), 410º, nº 1, e 423º, nº 5, interpretados no sentido 
 segundo o qual “o verdadeiro julgamento é o efectuado em primeira instância”.
 
  
 O recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
 
  
 A.  Quer a Relação, quer o Supremo, adoptaram o entendimento de que o verdadeiro 
 julgamento é o efectuado na 1ª instância, onde os princípios da mediação e da 
 oralidade têm toda a pertinência, entendimento com que prejudicaram o 
 conhecimento de questões essenciais dos recursos ordinários interpostos, 
 nomeadamente, quanto à decisão sobre a matéria de facto, à fundamentação 
 respectiva e ao seu relevo para o cabal exercício do direito de recurso.
 B.  Tal entendimento retira efectivo valor ao recurso da decisão de facto e 
 conduz à efectiva impossibilidade de apreciação pelo Tribunal de Recurso da 
 decisão sobre a matéria de facto.
 C.  É entendimento que esvazia de sentido o direito de recurso.
 D.  Com base em tal entendimento, foi, no caso sob juízo, negada ao Recorrente a 
 apreciação em recurso de várias decisões tomadas pela primeira instância acerca 
 da questão de facto.
 E.  Nessa concepção, entendimento ou interpretação delas, as normas dos artigos 
 
 374° n° 2, 379° n° 1, alínea c), 410° n° 1 e 423° n° 5 do Código de Processo 
 Penal violam o disposto no n° 1 do artigo 32° da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
  
 NESTES TERMOS, SE PEDE A VOSSAS EXCELÊNCIAS
 SEJA DECLARADA A INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS DOS ARTIGOS 374° N° 2, 379° N° 
 
 1, ALÍNEA C), 410° N° 1 E 423° N° 5 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, POR VIOLAÇÃO DO 
 DISPOSTO NO N° 1 DO ARTIGO 32° DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, QUANDO 
 INTERPRETADAS NO SENTIDO DE QUE OS VERDADEIROS JULGAMENTOS SÃO OS DA PRIMEIRA 
 INSTÂNCIA.
 
  
 Por seu turno, o Ministério Público contra‑alegou, concluindo o seguinte:
 
  
 
 1 - Não é inconstitucional uma interpretação das normas conjugadas dos artigos 
 
 374°, n° 2, 379°, n° 1, alínea c), 410°, n° 1 e 423°, n° 5, todos do Código de 
 Processo Penal, segundo a qual o verdadeiro julgamento da causa, em que imperam 
 os princípios da imediação e da oralidade e são produzidas todas as provas e as 
 testemunhas, o arguido e o ofendido são ouvidos em pessoa é o efectuado na 1ª 
 instância.
 
 2 - Tal interpretação não colide com a plena efectividade do julgamento do 
 recurso levado a cabo em segunda instância, designadamente quanto à matéria de 
 facto, consagrado no artigo 32°, n° 1, da Constituição, como uma das garantias 
 de defesa do processo criminal. 
 
 3 - Termos em que deverá improceder o presente recurso.
 
  
 
  
 
  
 
 4.  Entretanto, o recorrente requereu a suspensão da instância com os seguintes 
 fundamentos:
 
  
 A., Recorrente nos autos â margem referenciados, requer a V.Exas. se dignem 
 ordenar a suspensão da instância, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 
 
 276° do Código de Processo Civil, por se encontrar à espera da decisão da 
 Segurança Social acerca de pedido de protecção jurídica requerido para os 
 efeitos do artigo 85° da Lei do Tribunal Constitucional.
 Não obstante o motivo invocado para requerer a presente suspensão não resultar 
 directamente da lei - cfr. artigo 276° do Código de Processo Civil -, o mesmo 
 apresenta‑se como razoável e proporcional ao pedido, uma vez que a apreciação do 
 recurso por parte de V. Exas. originará certamente importantes encargos que o 
 Recorrente não conseguirá comportar, caso o seu pedido de protecção jurídica 
 resulte indeferido por parte da Segurança Social, o que determinará a necessária 
 desistência do recurso objecto dos autos por parte do Recorrente, comprometendo 
 seriamente e irreversivelmente a sua defesa.
 
  
 
  
 O requerimento foi indeferido, por Despacho de 17 de Agosto de 2005, com o 
 seguinte teor:
 
  
 O recorrente vem requerer a suspensão da instância, invocando como fundamento a 
 apresentação do requerimento de apoio judiciário na Segurança Social.
 Não se vislumbra razão para o decretamento da aludida suspensão da instância. 
 Com efeito, o prosseguimento dos autos nenhuma conexão tem com o processo 
 autónomo de concessão de apoio judiciário.
 De resto, o recorrente não apresenta qualquer fundamento plausível da sua 
 pretensão.
 Nessa medida, indefere-se a requerida suspensão da instância.
 
  
 Veio então o recorrente reclamar para a Conferência nos seguintes termos:
 
  
 A., já identificado nos autos, notificado de douta decisão que indefere o seu 
 requerimento para suspensão da instância, vem, nos termos do disposto no artigo 
 
 78°A da Lei n° 28/82 de 15 de Novembro, reclamar para a Conferência desse 
 Tribunal, o que faz com os seguintes fundamentos:
 A presente decisão de indeferimento foi proferida sem precedência de convite ao 
 ora Recorrente para aperfeiçoar a sua pretensão, apresentando detalhadamente as 
 razões que a fundamentam, não obstante Vossa Excelência terem nele expressado 
 
 “Não se vislumbra razão para o decretamento da aludida suspensão da instãncia.”
 Ora,
 Considerando Vossa Excelência que, relativamente à requerida suspensão, o 
 Recorrente não apresentou “(...) fundamento plausível (...)”, entende o 
 Recorrente que deveria ter sido convidado a aperfeiçoar o seu requerimento e 
 que, sem esse convite e a sua resposta a ela. Vossa Excelência não poderia ter 
 indeferido a requerida suspensão da instância.
 Com efeito, parece ao Recorrente ser esse o entendimento do artigo 266°, n° 1 do 
 Código de Processo Civil - aqui aplicável com recurso ao artigo 4° do Código de 
 Processo Penal - que, por integração analógica, faz padecer de nulidade a 
 presente decisão, sem prévio convite ao recorrente para suprir tal falta de 
 
 “(...) fundamento plausível (...)”, e neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal 
 de Justiça de 11.05.1999  “A omissão do despacho de aperfeiçoamento tem 
 consequências distintas consoante a natureza deste for vinculativa ou não 
 vinculativa. No primeiro caso, e porque se tratar de um dever imposto ao juiz, a 
 sua omissão constitui nulidade processual nos termos do artigo 201 ° - código de 
 processo civil - se tal irregularidade for susceptível de influir no exame ou na 
 decisão da causa (...)”
 Termos em que se requer a Vossa Excelência se digne admitir a presente 
 reclamação, dirigida â Conferência desse Tribunal.
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 A)
 Delimitação do objecto do recurso
 
  
 
 5.  O recorrente não se pronuncia sobre as questões prévias constantes dos nºs 
 
 2, 3, 4 e 5 do Despacho de fls. 583 e ss., transcrito supra.
 Nessa medida, pelas razões constantes desse Despacho, não se tomará conhecimento 
 de tais questões.
 
  
 
  
 
 6.  O recorrente responde à questão prévia suscitada a propósito dos artigos 50º 
 e 70º do Código Penal. Afirma o recorrente o seguinte:
 
  
 O Recorrente vai apenas pronunciar-se sobre a decisão de não conhecer a questão 
 da inconstitucionalidade dos artigos 50º e 70° do Código Penal, na 
 interpretação, seguida no Acórdão recorrido, de que a decisão sobre a medida da 
 pena se não encontra subordinada à regra que impõe a preferência por pena não 
 privativa da liberdade, ou de que a mesma é autónoma e prévia a esta.
 Salvo o muito respeito devido, parece ao Recorrente não ter sido devidamente 
 percebido.
 Com efeito, justificando o não conhecimento de tal questão, entendeu a Veneranda 
 Senhora Juíza Conselheira Relatora não se vislumbrar “como o Tribunal podia 
 optar por tal solução (de aplicar pena não privativa de liberdade), já que a 
 pena aplicada é de 3 anos e 6 meses de prisão”, sublinhando que “o limite de 3 
 anos aí referido (no artigo 50° n° 1 do Código Penal) não foi impugnado na 
 perspectiva da constitucionalidade pelo recorrente”.
 Ora, o que o Recorrente pretendia, ao invocar tal questão neste recurso, era 
 exactamente o contrário:
 Não questionando, com efeito, o disposto no artigo 50° n° 1 quanto ao limite de 
 
 3 anos (por aceitar que, do ponto de vista da constitucionalidade, nada impede 
 que se estabeleça um determinado limite), o que o Recorrente pretendia era 
 insurgir‑se contra a autonomização da operação da escolha da pena (entre pena 
 privativa e não privativa) e a operação ou decisão sobre a medida da pena de 
 prisão, feita na primeira instância, com o aplauso da Relação e do Supremo, em 
 termos de considerar (como foi considerado pelos tribunais em causa) que a 
 operação ou decisão sobre a medida da pena de prisão é autónoma e prévia 
 relativamente à operação de escolha entre uma pena privativa e uma pena não 
 privativa.
 
 É que, no entendimento do Recorrente, o disposto no artigo 70° do Código Penal 
 deverá aplicar‑se logo no início desse processo, de escolha e de medida da 
 pena, devendo o critério imposto por tal norma, da preferência obrigatória às 
 penas não privativas da liberdade, estar na mente dos julgadores mesmo antes de 
 eles definirem a medida da pena e condicionar também essa mesma definição.
 Ou seja, no caso concreto sob juízo, o que o Recorrente entende é que os 
 Senhores Juízes da primeira instância - antes de decidirem da medida da pena - 
 deveriam ter optado por não condenar o arguido em pena única superior a 3 anos, 
 precisamente para poderem suspender a execução da mesma; ou, dito de outro 
 modo, para lhe poderem aplicar uma pena de prisão suspensa, uma pena não 
 privativa de liberdade, em detrimento de uma pena que viesse a privar o arguido 
 dessa mesma liberdade.
 Mais entende que, não o tendo feito, aquele tribunal (como a Relação e o 
 Supremo) se esqueceu que a PENA DE PRISÃO SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO é uma 
 verdadeira pena, uma “outra pena”, a par da pena de multa, da pena de prisão 
 
 (efectiva) e das demais previstas no código; uma pena autónoma; e não apenas uma 
 segunda espécie do género pena de prisão.
 Ao que acresce, dado que o critério imposto pelo artigo 70° do Código Penal 
 encontra fundamento também no principio da presunção de inocência - a par da 
 sua fundamentação no carácter fragmentário e de ultima ratio de todo o Direito 
 Penal e na justificação das penas e da aplicação da própria lei penal em função 
 da sua necessidade - que tal interpretação dos artigos 50° e 70° do Código 
 Penal, que veio a ser seguida também no Acórdão recorrido, no sentido de que a 
 decisão sobre a medida da pena se não encontra subordinada à regra que impõe a 
 preferência por pena não privativa da liberdade, ou de que a mesma é autónoma e 
 prévia a esta, coloca tais normas em violação das garantias de defesa e do 
 principio da presunção de inocência, consagradas nos n.ºs 1 e 2, do artigo 32° 
 da Constituição da República Portuguesa, ferindo por isso tais normas de clara 
 inconstitucionalidade.
 Parece, assim, ao Recorrente que tal questão deverá também ser objecto de 
 recurso, pedindo, por isso, lhe seja concedido novo prazo para sobre ela 
 produzir alegações.
 
  
 
  
 
  
 O recorrente afirma não impugnar o limite de 3 anos constante do artigo 50º, nº 
 
 1, do Código Penal, limite para lá do qual não é possível a aplicação da 
 suspensão da execução da pena de prisão.
 Afirma também que a apreciação ou decisão sobre a medida da pena de prisão não 
 deve ser autónoma e prévia relativamente à apreciação da escolha entre uma pena 
 privativa e uma pena não privativa de liberdade.
 Assim, a opção, numa lógica de alternatividade (artigo 70° do Código Penal), 
 entre a pena de prisão e a pena de suspensão da execução da pena de prisão, como 
 o recorrente parece pretender, implicaria a ausência do limite temporal de 3 
 anos.
 Na verdade, implicaria um específico enquadramento da pena de suspensão da 
 execução da pena de prisão, que não corresponde ao previsto no artigo 50° do 
 Código Penal, norma cujo conteúdo (nomeadamente, o limite dos 3 anos), 
 repete-se, o recorrente afirma não impugnar.
 Com efeito, no Código Penal, a pena é determinada de acordo com o disposto nos 
 artigos 70° e ss.. Se se verificarem os pressupostos do artigo 50°, 
 proceder-se-á então à suspensão da pena de prisão. Sustentar que o julgador deve 
 escolher a medida da pena de prisão para poder suspender a sua execução, 
 admitindo, no entanto, o limite de 3 anos do artigo 50° do Código Penal (como 
 faz o recorrente), equivale a sustentar-se que nunca deveria ser aplicada pena 
 superior a 3 anos, para só então se poder colocar a possibilidade de suspensão 
 da sua execução (possibilidade que, na óptica do recorrente, é verdadeiramente 
 uma obrigatoriedade). Trata-se, obviamente, de uma leitura do sistema de penas 
 do Código Penal inadequada que, como questão de constitucionalidade, implicaria 
 a impugnação dos vários preceitos relacionados com esta matéria, nomeadamente o 
 artigo 70°, bem como os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão 
 previstos no artigo 50°, impugnação que, acrescenta-se, sempre seria 
 improcedente.
 Mas importa, previamente, saber se a dimensão normativa que o recorrente impugna 
 foi aplicada pela decisão recorrida.
 O recorrente impugna os artigos 50° e 70° do Código Penal interpretados no 
 sentido de o tribunal não estar obrigado a preferir a pena não privativa à pena 
 privativa da liberdade.
 Ora, em nenhuma passagem do acórdão recorrido é acolhido o entendimento segundo 
 o qual o tribunal não deve preferir a pena não privativa à pena privativa da 
 liberdade, ou antes, em nenhuma passagem se admite que o tribunal não está 
 subordinado à regra do artigo 70° do Código Penal. Questão diferente seria a 
 atinente a uma opção necessária pela pena não privativa da liberdade. Ora, como 
 já se referiu, tal solução tornaria inútil a alternativa entre as penas (o 
 artigo 70° do Código Penal estabelece as condições da preferência pela pena não 
 privativa da liberdade, condições que o recorrente também não impugna no 
 presente recurso). 
 Assim, o acórdão recorrido optou pela pena concreta aplicada em função das 
 várias circunstâncias a que se referem os artigos 70° a 82° do Código Penal. Foi 
 a seguinte a fundamentação do aresto:
 
  
 Medida concreta da pena.
 Defende o recorrente que, ainda que se entenda verificado o concurso real entre 
 os crimes de sequestro e de homicídio não privilegiado na forma tentada sem 
 atenuação especial, sempre o disposto no art. 71º Código Penal impunha a 
 aplicação de pena menos severa, não superior a 2 anos de prisão, e não privativa 
 de liberdade (conclusão II).
 Ponderou o Tribunal da Relação:
 
 «No que respeita à medida da pena deve o julgador ter em conta o disposto no 
 art. 71º do Cód. Penal.
 Aí se diz, no seu n° 1, que a determinação da medida da pena é feita em função 
 da culpa do agente e das exigências de prevenção.
 Visando-se com a aplicação da pena a protecção de bens jurídicos e a 
 reintegração social do agente - art. 40°, n° 1 do Cod. Penal.
 Sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa - art.40°, nº 
 
 2 do Cod. Penal.
 Decorre de tais normativos que a culpa e a prevenção são os parâmetros que 
 importa ter em linha de conta na determinação da medida da pena.
 Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias, 
 que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra 
 ele, art. 71º, nº 2 do Cod. Penal.
 Enunciando-se no seu n° 2 - de modo exemplificativo - as circunstâncias que 
 podem assumir tal função.
 Fazendo valer aqui e agora esses considerandos, a respeito, não descortinamos 
 como possa a moldura penal concreta ser fixada em moldes diferentes do efectuado 
 na decisão recorrida.
 Assim, atentas as molduras penais abstractas com quê as suas condutas são 
 puníveis, 1 ano 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses de prisão, no respeitante 
 ao crime de homicídio, prisão de 1 mês a 3 anos - crime de sequestro - e prisão 
 até 2 anos - crime de detenção de arma ilegal - sendo que a estes dois últimos 
 tipos é possível a punição com pena de multa, não se vê como as penas impostas - 
 
 3 anos, 14 meses e 8 meses de prisão, respectivamente poderiam ser fixadas em 
 limites inferiores.»
 Vejamos, pois, se assiste razão ao recorrente, começando por analisar os poderes 
 de cognição deste Tribunal em matéria de medida concreta da pena. 
 Mostra-se hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de 
 julgar»: um sistema de penas variadas e variáveis, com um acto de 
 individualização judicial da sanção em que à lei cabia, no máximo, o papel de 
 definir a espécie ou espécies de sanções aplicáveis ao facto e os limites dentro 
 dos quais deveria actuar a plena discricionariedade judicial, em cujo processo 
 de individualização interviriam, de resto coeficientes de difícil ou impossível 
 racionalização.
 De acordo com o disposto nos art.ºs 70º a 82º do Código Penal a escolha e a 
 medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é 
 levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, 
 escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se 
 numa autêntica aplicação do direito. Não só o Código de Processo Penal regulou 
 aquele procedimento, de algum modo autonomizando-o da determinação da 
 culpabilidade (cfr. art.ºs 369º a 371º), como o n.º 3 do art. 71º do Código 
 Penal (e antes dele o nº 3 do art. 72º na versão originária) dispõe que «na 
 sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», 
 alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais 
 superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena.
 Mas importa considerar os limites de controlabilidade da determinação da pena em 
 recurso de revista, como é o caso, sendo certo que a questão já passou 
 irrestritamente o arquivo da 2.ª Instância.
 Não oferece dúvidas de que é susceptível de revista a correcção das operações de 
 determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se 
 irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o 
 desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de 
 determinação.
 Tendo sido posto em dúvida que a valoração judicial das questões de justiça ou 
 de oportunidade caibam dentro dos poderes de cognição do tribunal de revista 
 
 (Cfr. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, § 82 II 3.), deve entender-se que a 
 questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, 
 bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já 
 não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para 
 controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação 
 das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada (Neste 
 sentido, Maurach e Zipp, Derecho Penal, § 63 n.º m. 200, Figueiredo Dias, 
 Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 197 e Simas 
 Santos e Correia Ribeiro, Medida Concreta da Pena, Disparidades, pág. 39).
 Ao crime de homicídio simples tentado corresponde a moldura penal abstracta de 1 
 ano 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses de prisão.
 Determinada a moldura penal abstracta, é dentro dessa moldura penal, que 
 funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime 
 deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
 
 - O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas 
 consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);
 
 - A intensidade do dolo ou negligência;
 
 - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o 
 determinaram;
 
 - As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
 
 - A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja 
 destinada a reparar as consequências do crime;
 
 - A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, 
 quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
 Agiu o Arguido com dolo directo e intenso, pois Agiu com a intenção de tirar a 
 vida a B. e persistiu nessa intenção mesmo perante o insucesso da primeira 
 tentativa, tendo disparado duas vezes, a segunda já com a ofendida ferida, só 
 não tendo conseguido atingir os seus objectivos por motivos alheios à sua 
 vontade.
 Mas deve atender-se a que devido à ruptura do namoro com a ofendida o arguido 
 ficou profundamente perturbado psicológica e emocionalmente, com depressão 
 nervosa. 
 
 É elevada a ilicitude da sua conduta, tendo ferido a ofendida na cabeça com uma 
 arma de fogo, sendo relevante a circunstância de a ter indemnizado pelos danos 
 sofridos.
 A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência 
 colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, 
 que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em 
 concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na 
 validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses 
 limites, satisfazem se, quando possível, as necessidades da prevenção especial 
 positiva ou de socialização (Ac. do STJ de 17‑09‑1997, proc. n.º 624/97).
 A medida das penas determina-se, já o dissemos, em função da culpa do arguido e 
 das exigências da prevenção, no caso concreto, atendendo‑se a todas as 
 circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele.
 A esta luz, e atendendo aos poderes de cognição que a este Supremo Tribunal 
 assistem, impõe-se concluir que a pena concreta fixada e que o recorrente 
 contesta, se situa claramente dentro da sub-moldura a que se fez referência e 
 que dentro dela foram sopesados todos aqueles elementos de facto que se 
 salientaram.
 E a pena encontrada de 3 anos de prisão mostra‑se ajustada e conforme às penas 
 que vem este Supremo Tribunal de Justiça aplicando em casos idênticos ou 
 próximos:
 
 - 3 anos, suspensa por 5 anos em caso de homicídio simples, em que se perfilavam 
 muitas circunstâncias atenuantes (Ac. de 6.11.85, BMJ 351-189);
 
 - 3 anos, em caso de homicídio simples (Ac. de 23.4.87, BMJ 366-305);
 
 - 4 anos (BMJ 397-315);
 
 - 3 anos suspensa por 5 anos, em caso de homicídio simples, tendo o jovem 
 delinquente uma incapacidade parcial e tendo decorrido 8 anos decorridos (Ac. de 
 
 30.6.93, proc. n.º 44493);
 
 - 3 anos, suspensa por 5 anos, em caso de homicídio simples ocorrido no meio 
 familiar e relacionado com uma situação de toxicodependência (Ac. de 1.3.00, 
 proc. n.º 1165/99-3, BMJ 495);
 
 - 3 anos e 6 meses, em caso de homicídio qualificado (Ac. de 17.10.91, BMJ 
 
 410-360);
 
 - 4 anos, em caso de homicídio qualificado (Ac. de 28.11.01, proc. n.º 
 
 3127/01-3);
 
 - 4 anos e 6 meses, (Ac. de 6.2.02, proc. n.º 4456/01-3);
 
 - 3 anos, em caso de homicídio simples (Ac. de 13-2-02, proc. n.º 4261/01-3)
 
 - 5 anos, em caso de homicídio qualificado, uxoricídio (Ac. de 15.10.03, proc. 
 n.º 2409/03-3)
 
 - 9 anos, em caso de homicídio qualificado (Ac. de 12.11.03, proc. n.º - 
 
 3257/03-3, crime sem motivo, salvo a nacionalidade da vítima)
 
 - 4 anos e 4 anos e 6 meses - homicídio qualificado tentado (Ac. de 14.10.2004, 
 proc. n.º 3220/04);
 
 - 3 anos (Ac. de 14.10.2004, proc. n.º 3232/04-5) 
 
 - 5 anos e 6 meses (Ac. de 4.11.04, proc. n.º 4502/04-5, sendo extremamente 
 graves as consequências físicas para o ofendido); 
 
 - 3 anos (Ac. de 17.2.05, proc. n.º 4324/04-5, do mesmo Relator).
 Não merece, assim, censura a dosimetria penal exercida pelas instâncias.
 
  
 
  
 Não se vislumbra, pois, em que passagem se pode fundamentar o recorrente para 
 afirmar que o tribunal a quo considerou não ter de dar preferência à pena não 
 privativa de liberdade. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça escolheu a 
 pena e a sua medida em função dos critérios legais aplicáveis ao caso (também o 
 do artigo 70° do Código Penal), nunca se colocando a questão da suspensão da 
 execução da pena de prisão, não por não se considerar obrigado a dar preferência 
 a esta nas circunstâncias em que a lei o impusesse, mas antes por não ser de lhe 
 dar preferência em função da medida da pena. Em momento algum do aresto 
 recorrido se afirma que a suspensão da execução da pena de prisão só não foi 
 aplicada porque a pena concreta é superior a 3 anos.
 Nesta medida, e pelas razões constantes do Despacho de fls. 583 e ss., não se 
 tomará conhecimento da questão reportada aos artigos 50° e 70° do Código Penal.
 
  
 
  
 B)
 Apreciação da questão reportada aos
 artigos 374°, n° 2, 379°, n° 1, alínea c), 410°, n° 1,
 e 423°, n° 5, do Código de Processo Penal
 
  
 
 7.  O recorrente pretende, também, submeter à apreciação do Tribunal 
 Constitucional as normas dos artigos 374°, n° 2, 379°, n° 1, alínea c), 410°, n° 
 
 1, e 423°, n° 5, do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido 
 segundo o qual “o verdadeiro julgamento é o efectuado na primeira instância, 
 onde os princípios da imediação e da oralidade têm toda a pertinência, ou seja, 
 no sentido de que o julgamento do tribunal da relação sobre a matéria de facto 
 não é um julgamento verdadeiro e de que nele não vigoram, ou quanto a ele não se 
 aplicam inteiramente, as regras ou princípios da imediação e da oralidade”.
 Quanto a esta questão, o Supremo Tribunal de Justiça considerou o seguinte:
 
  
 Suscita, depois, o recorrente a seguinte questão de constitucionalidade, a 
 partir de uma afirmação do acórdão recorrido:
 As normas dos art.ºs 374° nº 2 e 379° n° 1 al. c) do CPP (mas ainda todo o 
 próprio regime dos recursos – nº 1 do art. 410.º e nº 5 do art. 423 do CPP) são 
 inconstitucionais por violação do direito ao recurso (art. 32° nº 1 da CRP), 
 quando restritivamente interpretadas no sentido de que o verdadeiro julgamento é 
 o efectuado na primeira instância, onde os princípios da imediação e da 
 oralidade têm toda a pertinência”, ou seja, no sentido de que o julgamento do 
 Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não é um julgamento verdadeiro e de 
 que nele não vigoram, ou quando a ele não se aplicam, “inteiramente” as regras 
 ou princípios da imediação e da oralidade (conclusão V).
 
  
 Deve-se começar por notar que o segmento final desta conclusão da motivação do 
 recorrente (a partir de “ou seja”) é abusiva, na medida que o segmento inicial 
 que retoma uma proposição do acórdão recorrido, mas distorce-o num sentido que 
 não contido (explicita ou implicitamente) na expressão usada.
 O que a decisão recorrida disse (e quis dizer) é que o julgamento é efectuado na 
 
 1.ª Instância: esse é o verdadeiro julgamento da causa, em que imperam os 
 princípios da imediação e da oralidade e são produzidas todas as provas e as 
 testemunhas, o arguido e o ofendido são ouvidos em pessoa.
 O recurso para a Relação, mesmo em matéria de facto, não constitui um novo 
 julgamento em que toda a prova documentada (ou todas as questões abordadas na 
 decisão da 1.ª Instância) é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não 
 tivesse havido o julgamento em 1.ª Instância, estabeleceria os factos provados e 
 não provados e assim indirectamente validaria ou a factualidade anteriormente 
 assente (ou tornaria a decidir as questões suscitadas).
 Antes se deve entender que os recursos são remédios jurídicos que se destinam a 
 despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente 
 indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de 
 prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente 
 indicados, ou com referência à regra de direito respeitante à prova que teria 
 sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com 
 que devia ter sido aplicada.
 O Tribunal Superior procede então à reanálise dos meios de prova concretamente 
 indicados (ou as questões cuja solução foi impugnada) para concluir pela 
 verificação ou não do erro ou vício de apreciação da prova e daí pela alteração 
 ou não da factualidade apurada (ou da solução dada a determinada questão de 
 direito).
 Assim, o julgamento em 2.ª Instância não o é da causa, mas sim do recurso e tão 
 só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da 
 causa, em que estão presentes, face ao Código actual, alguns apontamentos da 
 imediação (somente na renovação da prova, quando pedida e admitida) e da 
 oralidade (através de alegações orais, se não forem pedidas a admitidas 
 alegações escritas).
 Este o entendimento presente na afirmação do acórdão recorrido que constitui um 
 dado adquirido no estádio actual de evolução do processo penal, entre nós, e que 
 não enferma de nenhum pecado constitucional.
 Como vem resulta do seu teor nessa parte:
 
 «Como já expôs o Supremo Tribunal de Justiça, a fundamentação da sentença não 
 tem de ser uma espécie de “assentada” em que o tribunal reproduza os depoimentos 
 dos testemunhos ouvidos, ainda que de forma sintética. O exame crítico das 
 provas deve ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que 
 permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-mental que 
 serviu de suporte ao respectivo conteúdo (STJ 11-10-2000, Proc. n.º 2253/00-3).
 O objectivo do segmento final da norma do art. 374.º n.º 2, do CPP, em que se 
 estatui, o dever de indicação e exame crítico das provas, é o da explicitação e 
 reforço do indiscutivelmente importante dever de fundamentação da decisão de 
 facto. Pretende-se que, de uma forma sucinta, seja tanto quanto possível 
 transparente e explícito o processo lógico-racional que levou a convicção do 
 Tribunal, formado com base no principio da livre apreciação da prova (art. 127° 
 do CPP) em ordem a facilitar o autocontrole da decisão pelo julgador, a 
 viabilizar a exigível sindicabilidade da decisão e a reforçar a sua 
 compreensibilidade pelos destinatários directos e da comunidade em geral, como 
 elemento de relevo para a sua aceitação e legitimação.
 Esse dever de indicação e exame crítico das provas, como elemento da 
 fundamentação da decisão de facto, não exige, naturalmente, a referência 
 específica a cada um dos elementos de prova produzidos e o respectivo exame 
 crítico.
 Trata-se apenas da indicação e exame crítico das provas “que serviram para 
 formar a convicção do tribunal” e não de provas que, insignificativas num ou 
 noutro sentido, não tiveram relevância para essa convicção (STJ: 1-10-2000, 
 Proc. n.º 2437/00-3).
 Ou como refere Marques Ferreira (Jornadas de Direito Processual) “a 
 obrigatoriedade de tal motivação surge em absoluta oposição à prática judicial 
 na vigência do CPP de 1929 e não poderá limitar se a uma genérica remissão para 
 os diversos meios de prova fundamentadores da convicção à semelhança do que 
 tradicionalmente vem sucedendo...
 De facto, o problema da motivação está intimamente conexionado com a concepção 
 democrática ou antidemocrática que insufle um determinado sistema processual, e 
 no que concerne ao nosso processo penal vigente este informa, neste particular, 
 de nítidas características medievais e ditatoriais...
 Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados 
 
 (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que 
 em razão das regras da experiência comum ou de critérios lógicos constituem o 
 substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em 
 determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova 
 apresentados em audiência.”
 Aliás, verifica-se que a Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, veio introduzir ao 
 normativo em causa a exigência do exame critico das provas, de onde se pode 
 retirar que não é suficiente neste momento o referir se aquilo em que o tribunal 
 se baseou, mas torna‑se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da 
 convicção do tribunal.
 No caso presente diremos que a fundamentação é demasiado, na medida em que o 
 pode ser com a constante invocação de inconstitucionalidade, minuciosa, no 
 respeitante aos vectores que levaram à convicção formada.
 Aliás, temos sempre de lembrar que o verdadeiro julgamento é efectuado na lª 
 instância, onde os princípios da imediação e da oralidade têm toda a 
 pertinência.»
 
  
 Ora, interpretando o texto do aresto impugnado, verifica-se que a ratio 
 decidendi do acórdão consiste na dimensão normativa segundo a qual o recurso em 
 matéria de facto decidido pelo Tribunal da Relação implica uma reapreciação da 
 matéria de facto, dentro dos limites inerentes a um recurso, no qual têm 
 aplicação os princípios da imediação e da oralidade.
 Afigura-se evidente (e o recorrente, de resto, não nega), que o “julgamento” a 
 efectuar em 2ª instância está condicionado pela natureza própria do meio de 
 impugnação em causa, isto é, o recurso (nomeadamente, só são apreciadas as 
 questões suscitadas pelo recorrente).
 Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o 
 Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia 
 implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o 
 julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de 
 
 “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal 
 solução e, de resto, o recorrente não a sustenta.
 Assim, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que o julgamento do recurso pelo 
 Tribunal da Relação é “um julgamento verdadeiro” (de um recurso) e que nesse 
 julgamento têm aplicação os princípios da imediação e da oralidade, aplicação 
 que se encontra condicionada à natureza do meio impugnatório (trata-se, 
 repete-se de um recurso), mas que, dentro desse condicionalismo, é plena. Não se 
 fundamenta, pois, a decisão recorrida, numa qualquer dimensão normativa que 
 restrinja a aplicação dos princípios da imediação e da oralidade, para lá das 
 restrições incontornavelmente decorrentes da natureza da fase processual a que o 
 recorrente se reporta. Tal dimensão normativa não viola, pois, qualquer 
 princípio constitucional. Aliás, a Constituição refere o direito de recurso e 
 não o direito a uma repetição do julgamento produzido na primeira instância.
 Improcede, portanto, a questão de constitucionalidade suscitada.
 
  
 
  
 C)
 Reclamação de fls. 617 e 618
 
  
 
 8.  O recorrente afirma que devia ter sido convidado a apresentar 
 
 “detalhadamente as razões que fundamentam” o pedido de suspensão da instância 
 por si apresentado, invocando o artigo 266°, n° 1, do Código de Processo Civil, 
 que consagra o princípio da cooperação.
 O recorrente interpreta o Despacho de fls. 614 no sentido de nele se ter 
 concluído que não foi apresentada fundamentação para o pedido de suspensão da 
 instância.
 Ora, o que se entendeu no Despacho reclamado foi que o fundamento apresentado 
 pelo recorrente não justifica a suspensão da instância. Na verdade, o recorrente 
 apresentou o fundamento da sua pretensão. No entanto, esse fundamento, na 
 perspectiva do Tribunal, não permite a suspensão da instância.
 No mesmo sentido, o recorrente apresentou um fundamento na presente reclamação. 
 Porém, tal fundamento afigura-se manifestamente improcedente.
 Não havia, pois, que proferir qualquer despacho de aperfeiçoamento. Se o 
 recorrente tinha qualquer outro fundamento para apresentar, então sobre si 
 impendia o ónus de o indicar no requerimento que juntou aos autos.
 O princípio da cooperação não determina que, em face de um requerimento 
 apresentado pelo sujeito processual, no qual é deduzida uma pretensão e 
 apresentado um fundamento, o tribunal se assegure sempre que o recorrente 
 mencionou tudo o que pretendia mencionar.
 De resto, a presente reclamação revela uma utilização dos mecanismos processuais 
 que só não é considerada má fé por decorrer de uma deficiente estratégia 
 processual e por não se repercutir no andamento do processo.
 Improcede, portanto, a reclamação.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
 9.  Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 a)  Não tomar conhecimento das questões relativamente às quais foram suscitadas 
 as questões prévias constantes do Despacho de fls. 583 e ss.;
 b)  Não julgar inconstitucional a dimensão normativa dos artigos 374°, 
 n° 2, 379°, n° 1, alínea c), 410°, n° 1, e 423°, n° 5, do Código de Processo 
 Penal, confirmando a decisão recorrida;
 c)  Indeferir a reclamação de fls. 617 e 618, confirmando o Despacho de fls. 
 
 614.
 
  
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em  25  UCs. 
 
  
 
                                    Lisboa, 18 de Janeiro de 2006
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos