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Processo n.º 904/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                Ao arguido A. foram aplicadas, por acórdão do Tribunal 
 Colectivo do 2.º Juízo Criminal de Viseu, de 11 de Abril de 2005, no proc. n.º 
 
 989/01.2TAVIS (fls. 390 a 393), duas penas únicas:
 
                A) uma, de 3 anos e 6 meses de prisão e na interdição, pelo 
 período de três anos, da concessão de título de condução, resultante do cúmulo 
 jurídico das seguintes penas parcelares:
 
                1) 15 meses de prisão, por autoria de crime de abuso de 
 confiança fiscal, aplicada por acórdão do Tribunal Colectivo da 1.ª Vara 
 Criminal de Viseu, de 17 de Dezembro de 1998 (proc. n.º 337/01.1TBVIS), 
 transitado em julgado em 14 de Janeiro de 1999 (fls. 345 a 352), por factos 
 praticados em 31 de Dezembro de 1994 (esta pena havia inicialmente sido suspensa 
 na sua execução pelo período de 3 anos, com a condição de pagar ao Estado a 
 quantia de 2 344 000$00 no prazo de seis meses, suspensão que foi revogada, 
 por não cumprimento da referida condição, por despacho de 25 de Junho de 2001 – 
 fls. 353‑354; o perdão de 12 meses da pena de prisão, decretado por este 
 despacho, foi, por seu turno, revogado, pela condenação do arguido por novos 
 crimes, pelo despacho de 19 de Janeiro de 2005 – fls. 355);
 
                2) 9 meses de prisão, por autoria de crime de falsificação de 
 documento autêntico, e quatro penas parcelares de 5 meses de prisão cada, por 
 cumplicidade em quatro crimes de falsificação de documento autêntico, a que 
 correspondeu a pena unitária de 18 meses de prisão, suspensa por 3 anos mediante 
 a condição de entrega ao Estado da quantia de € 750, aplicada por acórdão de 8 
 de Março de 2002 do 1.º Juízo Criminal de Viseu (proc. n.º 1280/00.7TBVIS), por 
 factos ocorridos em Fevereiro e Outubro de 1996 (fls. 98 a 106);
 
                3) 20 meses de prisão, suspensa por 3 anos mediante a condição de 
 pagamento, no prazo de 6 meses, da quantia de € 3544,41 e juros, aplicada por 
 sentença de 10 de Abril de 2003 do 1.º Juízo de Competência Criminal de Viseu 
 
 (proc. n.º 66/00.3IDVIS), transitada em julgado em 5 de Maio de 2003, por 
 autoria de crime de abuso de confiança fiscal, por factos ocorridos entre 15 de 
 Novembro de 1996 e 15 de Fevereiro de 1998; e
 
                4) 6 meses de prisão, por crime de condução sem habilitação 
 legal, aplicada por acórdão de 29 de Janeiro de 2004, proferido nestes autos 
 
 (proc. n.º 989/01.2TAVIS), por factos ocorridos em 6 de Setembro de 1998 (fls. 
 
 226 a 236);
 
                B) outra, de 11 meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico 
 das seguintes penas parcelares:
 
                5) 9 meses de prisão, por crime de condução sem habilitação 
 legal, aplicada por acórdão de 29 de Janeiro de 2004, proferido nestes autos 
 
 (proc. n.º 989/01.2TAVIS), por factos ocorridos em 18 de Maio de 2001; e 
 
                6) 3 meses de prisão, por crime de falsas declarações, aplicada 
 pelo mesmo acórdão (proc. n.º 989/01.2TAVIS), por factos ocorridos em 4 de Julho 
 de 2001.
 
                O referido acórdão de 29 de Janeiro de 2004, na sequência de 
 rejeição, por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 7 de Julho de 2004 
 
 (fls. 310 a 315), do recurso dele interposto pelo arguido, transitou em julgado 
 em 1 de Outubro de 2004 (cf. fls. 322).
 
                O arguido interpôs recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça 
 
 (STJ), contra o referido acórdão do Tribunal Colectivo do 2.º Juízo Criminal de 
 Viseu, de 11 de Abril de 2005, pugnando pela imposição de penas únicas de medida 
 inferior.
 
                No STJ, a representante do Ministério Público emitiu parecer, em 
 que, após concordar com a elaboração de dois cúmulos jurídicos (os crimes 
 indicados sob os n.ºs 1) a 4) foram praticados – em 31 de Dezembro de 1994, em 
 Fevereiro e Outubro de 1996, entre 15 de Novembro de 1996 e 15 de Fevereiro de 
 
 1998, e em 6 de Setembro de 1998 – antes de transitar em julgado a condenação 
 por qualquer deles, enquanto os indicados sob os n.ºs 5) e 6) foram praticados – 
 em 18 de Maio e 4 de Julho de 2001 – após o trânsito, em 14 de Janeiro de 1999, 
 da condenação proferida no proc. n.º 337/01.1TBVIS, mas antes de transitar a 
 condenação por qualquer deles), discordou da integração no primeiro cúmulo das 
 penas de prisão que haviam sido objecto de substituição por pena de suspensão de 
 execução (as penas de 9 meses de prisão e as quatro penas de 5 meses de prisão 
 cada aplicadas no proc. n.º 1280/00.7TBVIS, e a pena de 20 meses de prisão 
 aplicada no proc. n.º 66/00.3IDVIS). Para além de sustentar não ser essa a 
 solução legal, suscitou, a este propósito, a questão da inconstitucionalidade do 
 entendimento jurisprudencial que admite que, na formulação de cúmulo jurídico 
 de penas parcelares que incluam penas de prisão suspensas na sua execução, a 
 pena única não mantenha a suspensão, expendendo, a este propósito, as 
 seguintes considerações (retomando posição doutrinária anteriormente assumida: 
 cf. Odete Maria de Oliveira, “Penas de substituição”, em Centro de Estudos 
 Judiciários, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal, vol. II – 
 Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, vol. II, Lisboa, 1998, 
 pp. 55‑117, em especial pp. 107‑113):
 
  
 
             “V – Penas de substituição, penas autónomas face à pena de prisão 
 substituída.
 
             1. O nosso sistema penal, integrado no movimento internacional de 
 luta contra a pena «curta» de prisão e a pena de prisão aplicável à pequena e 
 média criminalidade, prevê a possibilidade de imposição de reacções penais não 
 detentivas, apelidadas penas de substituição em sentido próprio – penas 
 cumpridas em liberdade e que pressupõem a prévia determinação da medida da pena 
 de prisão que vão substituir.
 
             2. A pena de suspensão de execução da prisão, prevista no artigo 
 
 50.º do Código Penal, constitui uma dessas penas de substituição da pena de 
 prisão [As restantes penas de substituição da pena de prisão encontram‑se, 
 actualmente, limitadas a duas: pena de multa de substituição (artigo 44.º) e 
 pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (artigos 58.º e 59.º), uma 
 vez que a pena de admoestação – no Código Penal, versão de 1982, pena de 
 substituição da pena de multa, mas também da pena de prisão não superior a 3 
 meses – deixou no Código Penal, versão de 1995, de ser uma pena de substituição 
 da pena de prisão, funcionando, agora, somente como pena de substituição da pena 
 de multa que deva ser aplicada em medida não superior a 120 dias (artigo 
 
 60.º).].
 
             As penas de substituição são verdadeiras penas e não uma forma de 
 execução de uma pena de prisão.
 Dando a palavra a Figueiredo Dias [Direito Penal Português, Aequitas/Editorial 
 Notícias, 1993, §§ 78 e seguintes, pp. 89 e seguintes], as «‘novas’ penas, 
 diferentes da de prisão e da de multa, são ‘verdadeiras penas’ – dotadas, como 
 tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de 
 determinação da pena (artigo 72.º) –, que não meros ‘institutos especiais de 
 execução da pena de prisão’ ou, ainda menos, ‘medidas de pura terapêutica 
 social’. E, deste ponto de vista, não pode deixar de dar‑se razão à concepção 
 vazada no Código Penal, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa 
 segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz‑se sempre em 
 aplicar, na vez desta, uma outra pena» [sublinhados nossos].
 A lei processual penal atende também à diversa realidade que as penas de 
 substituição constituem e à sua autonomia face à pena de prisão substituída, 
 regulamentando, separada e distintamente, a execução da pena de prisão e a 
 execução das penas de substituição.
 Assim, enquanto que a execução da pena de prisão se encontra prevista nos 
 artigos 477.º a 488.º, integrados no Título II do Livro X – Da execução da pena 
 de prisão –, diversamente, a execução da pena suspensa e a execução da pena de 
 prestação de trabalho a favor da comunidade mostram‑se regulamentadas, 
 respectivamente, nos artigos 492.º a 495.º, e nos artigos 496.º e 498.º, todos 
 do CPP, integrados já no Título III do mesmo Livro – Da execução das penas não 
 privativas de liberdade.
 Esta específica regulamentação das penas de substituição mais não é do que o 
 reconhecimento da sua natureza de penas autónomas, ao nível agora da respectiva 
 execução.
 
 É, pois, a própria lei adjectiva a não acolher o entendimento segundo o qual as 
 penas de substituição constituem simples formas de execução da pena de prisão 
 substituída.
 
 3. Aliás, de há muito que a pena de suspensão de execução da prisão [Outrora 
 apelidada de suspensão condicional da pena, cf. Eduardo Correia, Direito 
 Criminal, II, Almedina, 1971, pp. 395 e seguintes] vem sendo considerada pela 
 doutrina, nomeadamente por Beleza dos Santos, Eduardo Correia e Figueiredo Dias, 
 como uma verdadeira pena [Criticando o entendimento contrário, na doutrina 
 minoritário entre nós, cf. Figueiredo Dias, ibidem, § 494, pp. 329 e 330, e 
 ainda § 512, pp. 339 e 340].
 Acresce que, com o Código Penal revisto, o regime de prova – antes da revisão de 
 
 1995 pena aplicada a título principal – passou a constituir uma modalidade da 
 pena de suspensão de execução da prisão (artigos 50.º, n.º 2, 53.º e 54.º).
 Assim, ao unificar‑se a pena de suspensão de execução da prisão e o regime de 
 prova numa única pena de substituição, reforçou‑se o conteúdo próprio de censura 
 da pena de suspensão de execução da prisão, fazendo sobressair a sua natureza de 
 pena autónoma, de pena de substituição [Claramente neste sentido, comentando o 
 
 «modelo continental» da suspensão da pena para prova, cf. Figueiredo Dias, 
 ibidem, § 511, p. 339.].
 
             
 
             VI – Revogação da pena de substituição prevista no artigo 50.º
 
 1. Reconhecendo o quanto a solução propugnada no artigo 51.º, n.º 1, do Código 
 Penal de 1982 tinha de incoerente face aos princípios subjacentes ao movimento 
 de luta contra as penas de prisão aplicáveis à pequena e média criminalidade e 
 que presidiram à opção político‑criminal pelas penas de substituição não 
 privativas de liberdade, o Código Penal, após a revisão de 1995, veio determinar 
 que o cometimento de outro crime, ainda que doloso, durante o período de 
 execução da pena de substituição, não é suficiente, só por si, para conduzir à 
 revogação da pena de substituição.
 O acento tónico passou assim a estar colocado não no cometimento de crime doloso 
 
 [Com a correspondente condenação em pena de prisão] durante o período de 
 execução da pena não privativa de liberdade, mas no facto de o cometimento de 
 um crime [O legislador não exige agora que a condenação seja em pena de prisão. 
 Contudo, se a condenação for numa pena de multa alternativa ou numa pena de 
 substituição, sendo a não imposição de uma pena privativa de liberdade índice de 
 que é possível a socialização em liberdade daquele condenado, sempre se poderá 
 defender que as finalidades que estavam na base da suspensão podem continuar 
 ainda a ser acauteladas, sendo apenas, eventualmente, caso de reforço das 
 condições da suspensão.], durante o referido período, revelar a inadequação da 
 pena de substituição para através dela serem ainda alcançadas as finalidades da 
 punição.
 Por outras palavras, a revogação da pena de suspensão de execução da prisão, com 
 o fundamento em condenação pela prática de crime cometido durante o período de 
 execução da pena não privativa da liberdade, deixou de ter carácter automático 
 
 [Sobre esta matéria, Figueiredo Dias, ibidem, § 346, pp. 356 e 357].
 Efectivamente, nos termos do artigo 56.º, n.º 1 [Os artigos indicados sem 
 qualquer referência pertencem todos ao Código Penal, versão de 1995], a pena de 
 substituição prevista no artigo 50.º é revogada sempre que, no decurso da sua 
 execução, o condenado:
 
 – infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos 
 ou o plano individual de readaptação social,
 
 – cometer crime pelo qual venha a ser condenado,
 
 – e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por 
 meio dela, ser alcançadas [Embora no artigo 56.º, n.º 1, alínea a), não se exija 
 expressamente que se demonstre que as finalidades da punição, que estavam na 
 base da imposição da pena de substituição, não puderam, por meio dela, ser 
 alcançadas, a sua interpretação teleológica leva a considerar que, como aliás 
 referiu Figueiredo Dias, quando da discussão do Projecto de Revisão, a parte 
 final da alínea b) do n.º 1 do artigo 56.º estabelece uma condição comum às duas 
 alíneas. Cf. Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério 
 da Justiça, 1993, p. 66].
 Assim, para que possa ser revogada a pena de substituição, para além da 
 exigência de que o pressuposto formal, previsto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do 
 artigo 56.º [Outrora previsto no corpo do artigo 50.º e no artigo 51.º, n.º 1, 
 do Código Penal, versão de 1982], ocorra durante a execução da pena de 
 substituição, a lei obriga agora à verificação também de um pressuposto 
 material – da violação dos deveres, das regras de conduta ou do plano de 
 readaptação social ou do cometimento de crime tem de decorrer que as 
 finalidades que estavam na base da imposição da pena de substituição não podem 
 ser alcançadas através da execução desta.
 
 2. Por outro lado, quer nos casos de modificação das condições impostas na pena 
 de substituição – deveres, regras de conduta, regime de prova [Cf. o artigo 
 
 55.º] – quer nos de revogação da referida pena, a obrigatoriedade em se 
 assegurar um amplo contraditório ressalta à evidência do teor dos artigos 492.º, 
 n.º 2, e 495.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal. 
 E compreende‑se que assim seja.
 Efectivamente, só auscultando o condenado e os serviços de reinserção social 
 poderá levar‑se devidamente em conta o comportamento global daquele – não só o 
 que revele uma atitude negativa face à pena de substituição aplicada e 
 respectivas condições, mas também aquele que, pelo contrário, possa ter uma 
 valência positiva, traduzida no respeito das condições impostas e no tempo 
 durante o qual o condenado as cumpriu – assim concorrendo para que se diminuam 
 também os riscos de uma decisão menos justa.
 
  
 VII
 
 1. A jurisprudência vem entendendo, maioritariamente, ser possível, em caso de 
 conhecimento superveniente de concurso (artigo 78.º), revogar‑se [Por vezes 
 utiliza‑se a expressão não se mantém] a pena de substituição, nomeadamente a 
 pena de suspensão de execução da prisão, sem que tal implique violação de caso 
 julgado, efectuando‑se depois o cúmulo jurídico entre a pena que fora 
 substituída e a(s) outra(s) pena(s) de prisão.
 
 2. Salvo o devido respeito, tal interpretação normativa não só não nos parece a 
 mais correcta dogmaticamente, como se mostra ainda desconforme com o Código 
 Penal e o Código de Processo Penal, sendo, além disso, a referida interpretação 
 dos artigos 77.º e 78.º violadora de princípios constitucionais, como 
 tentaremos de seguida demonstrar.
 
 3. Ao pretender efectuar‑se o cúmulo jurídico de uma pena de prisão com uma pena 
 de prisão substituída, não revogada, não se tem em consideração, nomeadamente, 
 que:
 a) Quando o Tribunal substitui uma pena de prisão por uma pena de suspensão de 
 execução da prisão (artigo 50.º) ou por uma pena de prestação de trabalho a 
 favor da comunidade (artigo 58.º) ou por uma pena de multa de substituição 
 
 (artigo 44.º, n.º 1), está a aplicar e, posteriormente, a fazer executar, em 
 vez da pena de prisão, uma outra pena – uma pena de substituição, uma pena não 
 privativa de liberdade.
 Pelo que, enquanto não forem revogadas, ou declaradas extintas, as penas de 
 substituição previstas nos artigos 44.º, 50.º e 58.º encontram-se em execução.
 b) No artigo 77.º não está prevista a possibilidade de cúmulo jurídico de uma 
 pena de prisão com a pena de substituição não privativa de liberdade prevista 
 no artigo 50.º
 Antes, claramente decorre do seu n.º 3 opção no sentido de «a diferente 
 natureza» da pena não privativa de liberdade (no caso, pena de multa) dever 
 manter-se na pena única [É o seguinte o texto do artigo 77.º, n.º 3: «3. Se as 
 penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a 
 diferente natureza destas mantém‑se na pena única resultante da aplicação dos 
 critérios estabelecidos no número anterior». O texto do artigo 78.º do 
 Projecto era bem diverso do teor do actual artigo 77.º, n.º 3, expressando‑se 
 aí outra perspectiva quanto ao cúmulo de penas parcelares de espécie diferente: 
 
 «3. Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras 
 de multa, será aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios 
 estabelecidos nos números anteriores, considerando‑se as de multa convertidas 
 em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços». Cf., também, Código 
 Penal – Actas e Projecto da Comissão ..., pp. 83 e seguintes, 480 e 481].
 Por outro lado, da regulamentação do cúmulo jurídico constante dos artigos 77.º 
 e 78.º não é possível retirar fundamento para a imposição de cúmulo jurídico 
 entre penas privativas de liberdade e a pena prevista no artigo 50.º que não 
 tenha sido, oportunamente, revogada por verificação dos pressupostos previstos 
 no artigo 56.º, n.º 1, considerados no seu n.º 2 como os únicos justificativos 
 do cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.
 c) Ao pretender cumular uma pena de prisão com uma pena de prisão que fora 
 substituída por pena não privativa de liberdade, assim impondo o cumprimento da 
 pena de prisão substituída, o tribunal acabaria por «revogar» a pena de 
 substituição, em desrespeito do disposto no artigo 56.º, n.º 1. 
 E ao assim proceder, sem curar de saber se «as finalidades que estavam na base 
 da suspensão» podiam ou não ainda ser alcançadas, o tribunal acabaria por 
 revogar a pena de substituição de forma automática [Sobre a exigência de um 
 juízo seguro «sobre a não verificação do cumprimento das finalidades da 
 punição», cf. o Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de 3 de 
 Dezembro de 2002, citado no acórdão do STJ de 2 de Junho de 2004, proc. n.º 
 
 1391/04‑3.ª].
 d) Decorre claramente do artigo 495.º, n.º 3, do Código de Processo Penal que é 
 competente para a revogação, determinando o cumprimento da pena de prisão fixada 
 na sentença, o tribunal que o for para a execução da pena de substituição e não 
 o tribunal com competência [Revogada que venha a ser, com fundamento no n.º 1 do 
 artigo 56.º, a pena de substituição], nos termos do artigo 471.º do CPP, para a 
 realização de eventual cúmulo jurídico.
 Por isso é que, atento o disposto no artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo 
 Penal, qualquer tribunal que venha a condenar um arguido pela prática de um 
 crime cometido no decurso da execução de pena não privativa de liberdade – 
 prevista no artigo 50.º ou no artigo 58.º – deve comunicar a condenação ao 
 tribunal competente, nos termos do artigo 470.º, n.º 1, do CPP, para a execução, 
 pois que é este – e só este – o competente em razão da matéria para, conhecedor 
 do cometimento do crime e do teor da respectiva decisão condenatória, decidir 
 da eventual revogação ou alteração da pena de substituição, ao abrigo do 
 disposto nos artigos 55.º e 56.º. 
 e) Nos termos do artigo 493.º do Código de Processo Penal, verificados o 
 condicionalismo a que alude o artigo 56.º, n.º 1, o tribunal decide da 
 revogação depois de recolhida a prova e antecedendo parecer do Ministério 
 Público e audição do condenado.
 
             4. Por todo o acima exposto, vimos de há muito defendendo que a 
 aludida interpretação jurisprudencial dos artigos 77.º e 78.º implica, 
 nomeadamente, e salvo o devido respeito, violação do caso julgado e dos 
 princípios do contraditório e do juiz natural.”
 
  
 
    Estas considerações foram condensadas nas seguintes conclusões do aludido 
 parecer:
 
  
 
             “1. As penas de substituição são verdadeiras penas e não uma forma 
 de execução de uma pena de prisão.
 
             2. Enquanto que a execução da pena de prisão se encontra prevista 
 nos artigos 477.º a 488.º, integrados no Título II do Livro X – Da execução da 
 pena de prisão –, diversamente, a execução da pena suspensa e a execução da pena 
 de prestação de trabalho a favor da comunidade mostram‑se regulamentadas, 
 respectivamente, nos artigos 492.º a 495.º, e nos artigos 496.º e 498.º, todos 
 do CPP, integrados já no Título III do mesmo Livro – Da execução das penas não 
 privativas de liberdade.
 
             3. Para que possa ser revogada a pena de substituição, para além da 
 exigência de que o pressuposto formal, previsto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do 
 artigo 56.º, ocorra durante a execução da pena de substituição, a lei obriga 
 agora à verificação também de um pressuposto material – da violação dos deveres, 
 das regras de conduta ou do plano de readaptação social ou do cometimento de 
 crime tem de decorrer que as finalidades que estavam na base da imposição da 
 pena de substituição não podem ser alcançadas através da execução desta.
 
 4. Quer nos casos de modificação das condições impostas na pena de substituição 
 
 – deveres, regras de conduta, regime de prova – quer nos de revogação da 
 referida pena, a obrigatoriedade em se assegurar um amplo contraditório 
 ressalta à evidência do teor dos artigos 492.º, n.º 2, e 495.º, n.º 2, ambos do 
 Código de Processo Penal.
 
 5. Enquanto não forem revogadas, ou declaradas extintas, as penas de 
 substituição previstas nos artigos 44.º, 50.º e 58.º encontram‑se em execução.
 
 6. Da regulamentação do cúmulo jurídico constante dos artigos 77.º e 78.º não é 
 possível retirar fundamento para a imposição de cúmulo jurídico entre penas 
 privativas de liberdade e a pena prevista no artigo 50.º que não tenha sido, 
 oportunamente, revogada por verificação dos pressupostos previstos no artigo 
 
 56.º, n.º 1, considerados no seu n.º 2 como os únicos justificativos do 
 cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.
 
 7. Ao cumular penas de prisão com penas de prisão que foram substituídas por 
 penas não privativas de liberdade, assim impondo o cumprimento da pena de prisão 
 substituída, o tribunal revoga as penas de substituição, em desrespeito do 
 disposto no artigo 56.º, n.º 1.
 
 8. E ao assim proceder, sem curar de saber se «as finalidades que estavam na 
 base da suspensão» podiam ou não ainda ser alcançadas, o tribunal revoga as 
 penas de substituição de forma automática.
 
 9. Decorre claramente do artigo 495.º, n.º 3, do Código de Processo Penal que é 
 competente para a revogação, determinando o cumprimento da pena de prisão fixada 
 na sentença, o tribunal que o for para a execução da pena de substituição e não 
 o tribunal com competência, nos termos do artigo 471.º do CPP, para a realização 
 de eventual cúmulo jurídico.
 
 10. Nos termos do artigo 495.º do Código de Processo Penal, verificados o 
 condicionalismo a que alude o artigo 56.º, n.º 1, o Tribunal decide da 
 revogação depois de recolhida a prova e antecedendo parecer do Ministério 
 Público e audição do condenado.
 
 11. «O princípio da intangibilidade do caso julgado – assente nos princípios da 
 confiança e da segurança jurídicas – obsta a que possa ser objecto de 
 reavaliação ou reponderação judicial a decisão, transitada em julgado, que 
 condenou o arguido em pena suspensa, tendo este cumprido integralmente as 
 condições de que dependia a suspensão, salvo se for demonstrada a prática de 
 factos supervenientes enquadráveis no disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea b), 
 do Código Penal, e que demonstrem a frustração das finalidades de prevenção e 
 ressocialização do arguido, subjacentes ao “beneficio” da suspensão da pena».
 
 12. «A caducidade ou preclusão da suspensão da pena, decretada exclusivamente 
 em função da prática de factos ilícitos anteriores à sentença condenatória que 
 outorgou ao arguido a suspensão da execução da pena privativa de liberdade, e 
 com fundamento exclusivo na necessidade de proceder a cúmulo jurídico, traduz 
 uma revogação “implícita” de tal benefício, de consequências estritamente 
 análogas às previstas no artigo 56.º do Código Penal, colidente com a referida 
 intangibilidade do caso julgado material, na parte em que é favorável ao 
 arguido».
 
 13. «Tal interpretação normativa dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, 
 enquanto legitimadora de uma “tabelar” derrogação do beneficio da suspensão da 
 execução de pena privativa de liberdade – alcançada exclusivamente através de 
 uma global reavaliação e ponderação de todos os crimes praticados pelo arguido, 
 antes ou depois da referida suspensão, e objecto de sentenças condenatórias – 
 colide com o princípio das garantias de defesa, ao potenciar uma verdadeira 
 derrogação do beneficio da suspensão, sem facultar ao arguido o contraditório 
 adequado».
 
 14. «A derrogação da suspensão, enquanto fundada em factos anteriores à 
 sentença que outorgou a suspensão de execução de pena privativa de liberdade, 
 revela‑se ainda colidente com os princípios da proporcionalidade e da 
 necessidade das penas criminais, ao determinar a preclusão do benefício da 
 suspensão, sem que o comportamento ulterior do arguido o justifique 
 minimamente.»
 
 15. Não existe nos autos conhecimento algum de que tenham sido proferidos 
 despachos a revogar as aludidas penas de substituição. Revogação essa que tem de 
 ser determinada pelos tribunais competentes para a execução das referidas penas 
 não privativas de liberdade, face ao disposto nos artigos 470.º, n.º 1, e 495.º, 
 ambos do Código de Processo Penal, e fundada em comportamento superveniente do 
 arguido que revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não 
 puderam, por meio dela, serem alcançadas.
 
 16. Só a revogação – pelo tribunal competente para a execução das penas de 
 substituição –, prevista no artigo 56.º, verificados que sejam os pressupostos 
 tipificados no seu n.º 1, determina o cumprimento da pena de prisão substituída.
 
 17. O douto acórdão recorrido, ao considerar haver lugar à efectivação de cúmulo 
 jurídico entre penas de prisão e as penas de prisão substituídas pelas penas não 
 privativas de liberdade, acabou por “revogar”, de forma automática, as aludidas 
 penas de substituição, determinando o cumprimento das penas de prisão 
 substituídas, e assim afrontando o princípio da intangibilidade do caso julgado.
 
 18. Fê‑lo sem audição do condenado, cuja presença foi até dispensada, deste modo 
 violando, também, o princípio do contraditório.
 
 19. Ao fazê‑lo o douto acórdão recorrido violou as normas dos artigos 56.º, n.º 
 
 1, 59.º, n.º 2, 77.º e 78.º, todos do Código Penal, 470.º, n.º 1, 495.º, n.ºs 2 
 e 3, e 498.º, n.º 3, todos do CPP.
 
 20. A interpretação dos artigos 77.º e 78.º, ambos do Código Penal, feita pelo 
 douto acórdão recorrido nega o princípio da intangibilidade do caso julgado, 
 com tutela no artigo 282.º, n.º 3, da CRP, desrespeita o princípio do juiz 
 natural, não salvaguarda o princípio do contraditório, viola os princípios da 
 proporcionalidade e da necessidade das penas e não assegura todas as garantias 
 do processo criminal previstas no artigo 32.º, n.ºs 1, 5 e 9, da CRP.”
 
  
 
                Por acórdão de 6 de Outubro de 2005, o STJ desatendeu a questão 
 suscitada pelo Ministério Público e concedeu parcial provimento ao recurso do 
 arguido, reduzindo a duração da pena unitária de 3 anos e 6 meses de prisão para 
 
 2 anos e 8 meses e a da pena unitária de 11 meses de prisão para 10 meses. O 
 desatendimento da questão suscitada pelo Ministério Público foi assim 
 fundamentado:
 
  
 
 “2.1. A única questão suscitada pelo recorrente é, como se viu, a respeitante à 
 medida das penas unitárias aplicadas.
 No entanto, o Ministério Público junto deste Tribunal suscita a questão do 
 englobamento no cúmulo jurídico de penas em concurso cuja execução havia sido 
 suspensa, tendo por inconstitucional a interpretação que para tal terá sido 
 feita das normas dos artigos 56.º, n.º 1, 59.º, n.º 2, 77.° e 78.°, todos do 
 Código Penal, 470.°, n.° 1, 495.°, n.°s 2 e 3, e 498.°, n.° 3, todos do CPP 
 
 (conclusão 19.ª), por negar o princípio da intangibilidade do caso julgado 
 
 (artigo 282.°, n.° 3, da CRP), desrespeitar o princípio do juiz natural, não 
 salvaguardar o princípio do contraditório, violar os princípios da 
 proporcionalidade e da necessidade das penas e não assegurando todas as 
 garantias do processo criminal previstas no artigo 32.°, n.°s 1, 5 e 9, da CRP.
 
 2.2. Começando por esta última questão.
 Este Supremo Tribunal de Justiça já teve ocasião de se pronunciar sobre esta 
 questão, em sentido contrário ao sustentado pela Ex.ma Procuradora‑Geral 
 Adjunta.
 Com efeito, o Acórdão do STJ, de 5 de Fevereiro de 1986 (Boletim do Ministério 
 da Justiça, n.º 354, pág. 345) entendeu o seguinte: «(1) A norma do artigo 79.º 
 do Código Penal de 1982 destina‑se a autorizar o tribunal – e a impor‑lhe – a 
 aplicação em cúmulo jurídico de uma pena unitária, considerando em conjunto «os 
 factos e a personalidade do agente», sempre que se descubram infracções 
 anteriores que formam uma acumulação com a já julgada, sem que a pena 
 respectiva esteja cumprida, prescrita ou extinta, ou quando se verifique que não 
 fora feito o cúmulo jurídico das diversas penas por crimes que formam uma 
 acumulação de infracções, mesmo que as respectivas condenações hajam 
 transitado. (2) A nova avaliação conduz naturalmente ao encontro de uma pena 
 unitária que pode não respeitar, ela própria, as particularidades das penas 
 parcelares, de acordo, especialmente, com os critérios dos n.ºs 2, 3 e 4 do 
 artigo 78.º daquele diploma legal. (3) Nada obsta, por isso, a que nela se não 
 mantenha a suspensão da execução de qualquer das penas parcelares.»
 
 «Não há violação de lei se na nova sentença e no novo cúmulo jurídico se não 
 aplicar a medida de suspensão da pena decretada em sentença anterior.» (Acórdãos 
 do STJ de 19 de Novembro de 1986, Boletim do Ministério da Justiça (BMJ), n.º 
 
 361, p. 278; de 12 de Março de 1997, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do 
 Supremo Tribunal de Justiça, ano V, tomo 1, p. 254, e BMJ, n.º 465, p. 319, e de 
 
 4 de Junho de 1997, BMJ, n.º 468, p. 79. No mesmo sentido vão, aliás, as 
 Relações de Coimbra, Acórdão de 23 de Novembro de 1994, Colectânea de 
 Jurisprudência, ano XIX, tomo 5, p. 62, e de Lisboa, Acórdão de 5 de Novembro de 
 
 1997, BMJ, n.º 471, p. 447).
 E decidiu também que «(1) É legal a eliminação da suspensão da execução de pena 
 anterior em que o arguido tinha sido condenado por ter sido cumulada 
 posteriormente com outra ou outras. (2) Neste caso não existe violação de caso 
 julgado, por a suspensão o não formar de forma perfeita, já que a suspensão pode 
 vir a ser alterada, quer no respectivo condicionalismo, quer na sua própria 
 existência se ocorrerem os motivos legais referidos nos artigos 50.° e 51.° ou 
 
 78.° e 79.° do Código Penal» (Acórdão de 14 de Março de 1996, proc. n.º 47 733). 
 
 
 Acrescentou que «a suspensão de uma pena, anteriormente aplicada e que vai 
 entrar no cúmulo, é declarada sem efeito, não propriamente por revogação, nos 
 termos do artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal revisto, mas sim por 
 força da necessidade de efectuar o cúmulo jurídico de todas as penas» (Acórdão 
 do STJ de 11 de Junho de 1997, proc. n.º 65/97). E que «(1) O caso julgado 
 forma‑se quanto à medida da pena e não quanto à sua execução. (2) A suspensão da 
 execução da pena não é uma pena de natureza diferente da pena de prisão 
 efectiva. Pelo que não existe nenhum fundamento para excepcionar o artigo 79.º 
 do Código Penal de 1982 (artigo 78.º do Código Penal de 1995), em casos em que 
 uma das penas a cumular tem a sua execução suspensa, pois não se trata de cúmulo 
 jurídico de penas compósitas» (Acórdão de 4 de Junho de 1998, proc. n.º 333/98).
 Por outro lado, não se pode dizer que, quando na formulação de um cúmulo 
 jurídico de penas parcelares, que incluem uma pena de prisão suspensa na sua 
 execução, a pena única não mantém a suspensão, se verifique a violação dos 
 princípios do contraditório e do juiz natural, bem como das regras processuais 
 
 (sempre) aplicáveis.
 Quando o tribunal da condenação se apercebe de que se verifica alguma das 
 circunstâncias que, de acordo com o artigo 56.º do Código Penal, conduzem à 
 revogação da suspensão da execução da pena ((i) o condenado infringe grosseira 
 ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual 
 de readaptação social; ou (ii) comete crime pelo qual venha a ser condenado, e 
 revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por 
 meio dela, ser alcançadas), recolhe a prova, que se mostrar necessária, colhe o 
 parecer do Ministério Público e ouve o condenado, decidindo, depois, por 
 despacho, se revoga ou não a suspensão (artigo 495.º, n.º 2, do CPP).
 Já quando o Tribunal procede obrigatoriamente ao cúmulo de penas, imposto pelos 
 artigos 77.º e 78.º do Código Penal, que não excluem as penas de prisão cuja 
 execução tenha sido suspensa, já as regras são diversas. 
 Tratando‑se do caso previsto no artigo 77.º, é na audiência de julgamento 
 respeitante ao processo pendente que se assegura o contraditório, mesmo em 
 relação à eventualidade de cúmulo de penas anteriores (concretizado se o 
 arguido vier a ser nele condenado), feito pelo tribunal competente: o indicado 
 abstractamente pela lei, como tal, para o julgamento daquele processo e eventual 
 cúmulo.
 Se o conhecimento do concurso for superveniente (artigo 78.º do Código Penal), 
 então o tribunal competente (colectivo ou singular) [é] designado abstractamente 
 pelo artigo 471.º do CPP (sendo territorialmente competente o tribunal da última 
 condenação (n.º 2)).
 Então, e de acordo com o disposto no artigo 472.º do CPP, o tribunal ordena, 
 oficiosamente ou a requerimento, as diligências que se lhe afigurem necessárias 
 para a decisão e designa dia para a realização da audiência, em que é 
 obrigatória a presença do defensor e do Ministério Público, a quem são 
 concedidos 15 minutos para alegações finais, determinando o tribunal os casos 
 em que o arguido deve estar presente.
 Em ambos os casos, o tribunal tem em consideração os critérios dos artigos 77.º 
 e 78.º, mas igualmente os do art. 56.º, todos do Código Penal.
 Portanto, quer no conhecimento atempado do concurso de infracções, a sancionar 
 com uma pena única, quer no conhecimento superveniente é respeitado o princípio 
 do contraditório, com audição dos sujeitos processuais interessados e a 
 produção da prova que se mostre necessária, e o princípio do juiz legal (também 
 designado natural) consagrado no n.º 7 do art. 32.º da Constituição: 
 predeterminação do tribunal competente para o julgamento, com proibição de 
 criação de tribunais ad hoc ou a atribuição da competência a um tribunal 
 diferente do que era legalmente competente à data do crime (cfr. Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª 
 edição, p. 207).
 Com efeito, como se viu, estão no caso satisfeitas as exigências de 
 determinabilidade (os juízes chamado a proferir decisão estão previamente 
 individualizados através de leis gerais) e de fixação de competência (em 
 relação ao cúmulo e as suas exigências, nenhuma regra de competência foi 
 ultrapassada).
 Tem entendido o Tribunal Constitucional que o princípio do juiz natural ou do 
 juiz legal, estabelecido no artigo 32.º, n.º 7, da CRP, é, ao nível processual, 
 uma emanação do princípio da legalidade em matéria penal, que tem a ver com a 
 independência dos tribunais perante o poder político, e o que proíbe é a criação 
 
 (ou determinação) de uma competência ad hoc (de excepção) de um certo tribunal 
 para uma certa causa – em suma, os tribunais ad hoc (cfr., por todos, os 
 Acórdãos n.º 393/89, Diário da República (DR), II Série, n.º 212, de 14 de 
 Setembro de 1989, e BMJ, n.º 387, p. 146, e n.º 339/92, de 27 de Outubro de 
 
 1992, proc. n.º 358/92).
 O entendimento de que a suspensão da execução da pena é uma pena de substituição 
 que se não confunde com a pena substituída, é frutuoso dogmaticamente quando 
 chama a atenção para as virtualidades e especialidades de tal pena, mas não pode 
 fazer esquecer que a «ameaça» que pende sobre o condenado é a do cumprimento de 
 uma pena de prisão ao qual reverte em caso de incumprimento.
 Por outro lado, os argumentos tirados das diferentes regras de execução da pena 
 de prisão e da execução da pena suspensa afiguram‑se reversíveis. É que essa 
 diferença de regime impõe‑se pela própria natureza das coisas e o certo é que 
 não está previsto um esquema de execução de penas, quando cumulativamente 
 foram impostas uma pena única e uma pena suspensa na execução mantida fora do 
 cúmulo.
 Em processo paralelo e perante a mesma linha argumentativa, teve o STJ (Acórdão 
 de 4 de Março de 2004, proc. n.º 3293/03‑5, com o mesmo Relator) ocasião de 
 decidir: «(1) Não há violação de lei se na nova sentença e no novo cúmulo 
 jurídico se não aplicar a medida de suspensão da pena decretada em sentença 
 anterior, nem violação de caso julgado, por a suspensão o não formar de forma 
 perfeita, já que a suspensão pode vir a ser alterada, quer no respectivo 
 condicionalismo, quer na sua própria existência se ocorrerem os motivos legais 
 referidos nos artigos 50.° e 51.° ou 78.° e 79.° do Código Penal. (2) As 
 condições em que é determinada a medida da pena (audiência do processo 
 principal, ou audiência destinada a proceder ao cúmulo) oferecem as mesmas 
 garantias de respeito pelo princípio do contraditório, como o esquema previsto 
 para a revogação da suspensão da execução da pena. (3) E é igualmente 
 respeitado o princípio do juiz natural.»
 São também chamados à colação os princípios da proporcionalidade e da 
 necessidade das penas criminais (conclusão 14.ª), tidos por violados com a 
 
 «derrogação da suspensão, enquanto fundada em factos anteriores à sentença que 
 outorgou a suspensão de execução de pena privativa de liberdade», «sem que o 
 comportamento ulterior do arguido o justifique minimamente».
 Sucede, porém que, em tal caso, é o comando do artigo 77.º do Código Penal que 
 impõe a consideração dos factos abrangidos pelo concurso, na sua globalidade e 
 no desenho que ajudam a traçar da personalidade do agente, enquanto factores a 
 ter em conta no juízo de censura unitário que o tribunal é chamado a proferir e 
 no qual pondera os referidos princípios da proporcionalidade e necessidade, e 
 que não são assim feridos.
 Entende‑se, e decide‑se pois, que não violou a lei, nem os princípios do juiz 
 natural, da intangibilidade do caso julgado, da proporcionalidade e 
 necessidade, o Tribunal recorrido ao englobar na pena única de prisão pena 
 parcelar de prisão cuja execução ficara suspensa.”
 
  
 
                Notificada deste acórdão, dele interpôs a representante do 
 Ministério Público junto do STJ recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade – por 
 violação da intangibilidade do caso julgado, com tutela no artigo 282.º, n.º 3, 
 da Constituição da República Portuguesa (CRP), e dos princípios da necessidade e 
 proporcionalidade das penas, do contraditório e das garantias de defesa – das 
 normas “dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, quando 
 interpretados no sentido de permitirem a reponderação de decisão judicial 
 transitada que impôs a pena de substituição prevista no artigo 50.º, n.º 1, do 
 Código Penal, sem que tenha ocorrido a prática de factos supervenientes 
 enquadráveis no disposto no artigo 56.º, n.º 1, do Código Penal e sem que o 
 condenado seja previamente ouvido”, questão de constitucionalidade que suscitara 
 nas alegações escritas por si apresentadas.
 
                Neste Tribunal Constitucional, o representante do Ministério 
 Público apresentou alegações, onde, após consignar que, diversamente do 
 sustentado pela magistrada recorrente, entendia que no caso não ocorria 
 violação do princípio do contraditório (por a realização do cúmulo, no Tribunal 
 Colectivo de Viseu, se ter processado em audiência, e por hipotética violação 
 das garantias de defesa ligada à dispensa da presença do arguido ter seguramente 
 de ser reportada a outras normas ou preceitos legais, diversos dos que integram 
 o objecto do recurso), nem do princípio do juiz natural (por, na óptica 
 jurisprudencial em causa, não ocorrendo uma verdadeira e própria revogação da 
 suspensão da pena, mas antes uma reformulação – a propósito da realização do 
 cúmulo jurídico, com base no conhecimento superveniente dos seus pressupostos – 
 das várias penas previamente cominadas ao arguido, e, deste modo, sendo a 
 decisão que realiza o cúmulo, “global” e definitivo, proveniente do tribunal 
 designado abstractamente pelo artigo 471.º do CPP, ocorrer a predeterminação, 
 em termos bastantes, do “juiz legal”), sustentou a verificação da ocorrência de 
 violação do caso julgado, bem como do princípio constitucional da 
 proporcionalidade e necessidade das penas, expendendo, a propósito, a seguinte 
 argumentação:
 
  
 
             “Note‑se que a interpretação normativa realizada pelo Supremo – 
 embora não apele expressa e directamente ao instituto da revogação da pena 
 suspensa – acaba implicitamente por alcançar um resultado idêntico ao que 
 decorreria de tal figura, obtendo uma verdadeira derrogação ou preclusão da 
 referida suspensão através da alegada necessidade de ponderação e avaliação 
 global, no momento do cúmulo, da personalidade do arguido e de todo o seu 
 passado criminal: daí que o recorrente haja especificado também como base 
 normativa do recurso a «norma» constante do artigo 56.º do Código Penal.
 
             E tal necessidade de avaliação global – ao legitimar a valoração, 
 para efeito de determinação da pena única, de condutas criminosas anteriores ao 
 trânsito em julgado da sentença que outorgou ao arguido o benefício da 
 suspensão da execução de pena privativa da liberdade – determina um efeito 
 estritamente análogo ao previsto no artigo 56.º do Código Penal, para os casos 
 de cometimento superveniente de crime que revele «que as finalidades que 
 estiverem na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas».
 
             Ou seja: o juízo que o Supremo, através da interpretação normativa 
 questionada, legitima é, afinal, idêntico, quer o crime cometido pelo arguido 
 seja anterior, quer seja posterior à sentença que lhe aplicou o «benefício» da 
 suspensão da pena privativa de liberdade: tudo está – num caso, como no outro – 
 em saber se o conjunto dos comportamentos com relevância criminal do arguido 
 
 (independentemente das datas e momentos em que tiveram lugar) se coaduna ou não 
 com as «finalidades» da suspensão, apuradas naturalmente em função da 
 personalidade do agente.
 
             Deste modo, o conhecimento superveniente do concurso acaba por 
 produzir um resultado idêntico ao cometimento superveniente de novos crimes 
 pelo arguido que beneficiou da suspensão da execução da pena.
 
             A preclusão da medida de suspensão da execução da pena corresponde, 
 deste modo, estritamente a uma derrogação da suspensão da execução da pena de 
 prisão operada com base na constatação de que foram praticados factos criminais 
 anteriores à sentença que a concedeu ao arguido, com base na necessidade de 
 realizar um cúmulo jurídico global e abrangente.
 
             Como é evidente, a protecção constitucional do caso julgado (cf. 
 Acórdão n.º 61/2003) – inferível, desde logo, do princípio da confiança, ínsito 
 no do Estado de direito democrático – tem um particular relevo no domínio das 
 decisões de mérito proferidas no âmbito do processo penal: seria, na verdade, 
 manifestamente incompatível com as exigências de segurança e certeza – que, 
 nesta sede, têm particular justificabilidade – que fosse possível operar a 
 preclusão de uma verdadeira pena substitutiva aplicada, em certo caso, ao 
 arguido, por decisão transitada em julgado – num caso em que o arguido havia 
 cumprido integralmente os deveres estabelecidos pelo tribunal como conditio da 
 suspensão e sem que ocorresse qualquer comportamento, superveniente à dita 
 sentença, que pudesse legitimar a reponderação dos fundamentos e da 
 justificabilidade material da pena de suspensão ali decretada.
 
             Nesta perspectiva, não será possível invocar, nem o «erro de 
 julgamento» (decorrente de a sentença condenatória não ter atendido aos crimes 
 anteriormente cometidos pelo arguido e que, eventualmente, poderiam obstar, se 
 adequadamente ponderados, à suspensão da pena), nem a «precariedade» da 
 suspensão: é que, como é manifesto, esta traduz‑se na possível preclusão do 
 benefício da suspensão por força de comportamentos ilícitos supervenientes do 
 arguido – e nunca por causa de mera reponderação do decidido, em função de 
 factos já praticados no momento em que – bem ou mal – tal suspensão veio a ser 
 decretada.
 
             Ora, como nos parece evidente, os princípios da confiança e da 
 intangibilidade do caso julgado têm necessariamente de prevalecer sobre 
 quaisquer necessidades de avaliação «global» da personalidade do arguido no 
 momento da efectivação do cúmulo jurídico e da determinação da consequente pena 
 
 única – não podendo seguramente tais necessidades conduzir à caducidade ou 
 preclusão de uma verdadeira «medida de clemência», outorgada definitivamente ao 
 arguido pelo tribunal competente, sem que ocorra qualquer facto ou circunstância 
 superveniente, imputável ao arguido, que implique a legitimidade de uma 
 reponderação judicial da justificabilidade material da suspensão.
 
             Em segundo lugar – e para além do caso julgado – resulta violado o 
 princípio da proporcionalidade e da necessidade da imposição de penas 
 privativas de liberdade: na verdade, tendo o arguido respeitado inteiramente as 
 condições que lhe foram impostas pelo tribunal para poder beneficiar da 
 suspensão da pena de prisão, revela‑se manifestamente excessiva e desnecessária 
 a revogação, caducidade ou derrogação de tal benefício da suspensão, permitindo 
 valorar, no cúmulo a efectivar, e na pena única a fixar, não uma «pena 
 suspensa», mas uma pena efectiva de prisão, sem que o comportamento 
 superveniente do arguido possa justificar a preclusão do benefício que lhe 
 havia sido outorgado.”
 
  
 
                Na sequência do que o representante do Ministério Público no 
 Tribunal Constitucional formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
             “1 – O princípio da intangibilidade do caso julgado – assente nos 
 princípios da confiança e da segurança jurídicas – obsta a que se possa ser 
 objecto de reavaliação ou reponderação judicial a decisão, transitada em 
 julgado, que condenou o arguido em pena suspensa, tendo este cumprido 
 integralmente as condições de que dependia a suspensão, salvo se for demonstrada 
 a prática de factos supervenientes enquadráveis no disposto no artigo 56.º, n.º 
 
 1, alínea b), do Código Penal, e que demonstrem a frustração das finalidades de 
 prevenção e ressocialização do arguido, subjacentes ao «benefício» da suspensão 
 da pena.
 
             2 – A caducidade ou preclusão da suspensão da execução da pena, 
 decretada exclusivamente em função da prática de factos ilícitos anteriores à 
 sentença condenatória que outorgou ao arguido a suspensão da execução da pena 
 privativa de liberdade, e com fundamento exclusivo na necessidade de proceder a 
 cúmulo jurídico, traduz uma revogação «implícita» de tal benefício, de 
 consequências estritamente análogas às previstas no artigo 56.º do Código Penal, 
 colidente com a referida intangibilidade do caso julgado material, na parte em 
 que é favorável ao arguido.
 
             3 – A derrogação da suspensão, enquanto fundada em factos anteriores 
 
 à sentença que outorgou a suspensão de execução de pena privativa de liberdade, 
 revela‑se ainda colidente com os princípios da proporcionalidade e da 
 necessidade das penas criminais, ao determinar a preclusão do benefício da 
 suspensão, sem que o comportamento ulterior do arguido o justifique 
 minimamente.
 
             4 – Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
 
  
 
                         O recorrido não apresentou contra‑alegações.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                2.1. Dispõem os artigos 77.º e 78.º do Código Penal, aprovado 
 pelo Decreto‑Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, na redacção que lhes foi dada 
 foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 48/95, de 15 de Março:
 
  
 
             “Artigo 77.º (Regras da punição do concurso)
 
             1 – Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar 
 em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na 
 medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do 
 agente.
 
             2 – A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas 
 concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos 
 tratando‑se de pena de prisão e 900 dias tratando‑se de pena de multa; e como 
 limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários 
 crimes.
 
             3 – Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de 
 prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém‑se na pena única 
 resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
 
             4 – As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre 
 aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.
 
  
 
             Artigo 78.º (Conhecimento superveniente do concurso)
 
             1 – Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de 
 a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente 
 praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são 
 aplicáveis as regras do artigo anterior.
 
             2 – O disposto no número anterior é ainda aplicável no caso de todos 
 os crimes terem sido objecto separadamente de condenações transitadas em 
 julgado.
 
             3 – As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na 
 sentença anterior mantêm‑se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista 
 da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são 
 decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.”
 
  
 
                         Por seu turno, prevê o artigo 56.º do mesmo Código, na 
 aludida redacção:
 
  
 
             “Artigo 56.º (Revogação da suspensão)
 
             1 – A suspensão da revogação da pena de prisão é revogada sempre 
 que, no seu decurso, o condenado:
 
             a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de 
 conduta impostos ou o plano individual de readaptação social; ou
 
             b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as 
 finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser 
 alcançadas.
 
             2 – A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na 
 sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja 
 efectuado.”
 
  
 
                Da estatuição do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal resulta que 
 elemento decisivo para a verificação da situação de concurso de infracções a 
 que se aplica o regime delineado nesse preceito e no artigo seguinte é que o 
 agente tenha praticado mais do que um crime antes de transitar em julgado a 
 condenação por qualquer deles; com exclusão, portanto, das situações vulgarmente 
 designadas por “cúmulo por arrastamento” (como ocorreria, no presente caso, se 
 no cúmulo também tivessem sido englobadas as penas de 9 e 3 meses de prisão por 
 crimes cometidos em 18 de Maio e 4 de Julho de 2001, posteriormente ao trânsito 
 em julgado, em 14 de Janeiro de 1999, da condenação pelo crime cometido em 31 de 
 Dezembro de 1994) – cf. Paulo Dá Mesquita, O Concurso de Penas, Coimbra, 1997, 
 pp. 57‑72; Vera Lúcia Raposo, “Cúmulo por arrastamento – Acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 2002”, Revista Portuguesa de Ciência 
 Criminal, ano 13.º, n.º 4, Outubro‑Dezembro 2003, pp. 583‑599; e o Acórdão n.º 
 
 212/2002 deste Tribunal, que não julgou inconstitucional a norma do artigo 
 
 77.º, n.º 1, do Código Penal, interpretada no sentido de considerar como 
 momento decisivo para a aplicabilidade da figura do cúmulo jurídico (e da 
 consequente unificação de penas) o trânsito em julgado da decisão condenatória.
 
                As opções abertas ao legislador para a punição das situações de 
 concurso de crimes, assim entendidas, têm sido, em termos históricos e 
 comparatísticos, as seguintes (cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal 
 Português – Parte Geral – II: As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, 
 
 §§ 397 a 404, pp. 279‑283, que se segue de perto): (i) o sistema da acumulação 
 material: o juiz determina a pena cabida a cada crime concorrente como se de 
 casos de unidade criminosa se tratasse e aplica ao agente a totalidade das penas 
 determinadas, materialmente adicionadas, penas que serão sucessivamente 
 cumpridas, se tiverem a mesma natureza (v. g., 4 penas de prisão), ou sê‑lo‑ão 
 simultaneamente se tal se revelar materialmente possível (v. g., 1 pena de 
 prisão e 1 pena de multa); (ii) o sistema da pena unitária: o juiz não fixa 
 penas para cada um dos crimes concorrentes, mas apenas para o conjunto dos 
 factos praticados, como se este constituísse um único crime (imaginário), 
 relativamente ao qual o juiz faria funcionar os critérios da culpa e da 
 prevenção para efeito de determinação da pena; e (iii) os sistemas da pena 
 conjunta, em que as molduras penais previstas ou as penas concretamente 
 aplicadas para cada um dos crimes em concurso são depois transformadas ou 
 convertidas, segundo um princípio de “combinação legal”, na moldura penal ou na 
 pena do concurso, “combinação legal” essa que pode obedecer: 1) ao princípio de 
 absorção puro, em que a punição do concurso é constituída pela pena 
 concretamente determinada e cabida ao crime mais grave; ou 2) ao princípio da 
 exasperação ou agravação, em que a punição do concurso ocorre em função da 
 moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta (do 
 concurso) ser agravada por força da pluralidade de crimes, sem que, todavia, 
 possa ultrapassar a soma das penas que concretamente seriam aplicadas aos 
 crimes singulares.
 
                O sistema legalmente vigente entre nós é o da pena conjunta, de 
 acordo com o princípio da exasperação ou agravação: a pena aplicável ao 
 concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas aplicadas aos vários 
 crimes e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários 
 crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando‑se de pena de prisão e 900 dias 
 tratando‑se de pena de multa – artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal. Excepção a 
 esta regra é a ocorrência de concurso de pena de prisão e com pena de multa, em 
 que se segue o sistema da acumulação material – artigo 77.º, n.º 3, do Código 
 Penal.
 
                Se a situação de cumulação de infracções é apreciada no mesmo 
 julgamento, constitui entendimento da doutrina (cf. Figueiredo Dias, obra 
 citada, § 409, p. 285) e da jurisprudência, que a ponderação da possibilidade 
 de, no caso, se determinar a suspensão da execução da pena de prisão não deve 
 ser feita relativamente a cada uma das penas parcelares, mas apenas quanto à 
 pena conjunta, pois é esta que vai ser efectivamente aplicada e é relativamente 
 a ela que cumpre proceder ao diagnóstico previsto no n.º 1 do artigo 50.º do 
 Código Penal. Assim, quando o conhecimento do concurso é contemporâneo da 
 decisão condenatória, e a ser seguida esta orientação, não se coloca o problema 
 que subjaz à questão de constitucionalidade objecto do presente recurso.
 
                Se, por hipótese, não tivesse sido seguido esse método, 
 Figueiredo Dias (obra citada, § 419, p. 290) defendia que, quando uma pena 
 parcelar de prisão tenha sido suspensa na sua execução, “torna‑se evidente que 
 para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão 
 concretamente determinada e que porventura tenha sido substituída” e que, “de 
 todo o modo, determinada a pena conjunta, e sendo de prisão, então sim, o 
 tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político‑criminalmente ser 
 substituída por pena não detentiva”.
 
                A questão surge quando é superveniente o conhecimento da situação 
 de concurso, o que se pode dever a circunstâncias puramente fortuitas. Em 
 detrimento da possibilidade de adoptar um sistema de acumulação material de 
 penas, o legislador optou por, no artigo 78.º, n.º 1, determinar a aplicação a 
 estes casos do regime do preceito precedente, designadamente através da 
 imposição de uma “pena única” (n.º 1 do artigo 77.º). Já vimos que, tratando‑se 
 de penas parcelares de prisão e de multa, o artigo 77.º, n.º 3, determina que 
 elas mantenham a sua natureza na “pena única”, mas nada se diz quando se trate 
 de cumular penas de prisão (efectiva) com penas de substituição da pena de 
 prisão, designadamente penas de prisão suspensas na sua execução.
 
                Nos trabalhos preparatórios da revisão de 1995, Figueiredo Dias, 
 na qualidade de Presidente da Comissão de Revisão do Código Penal, havia 
 proposto a inserção no então 54.º de um n.º 2 do seguinte teor: “Se, no decurso 
 da suspensão, o agente vier a ser condenado em pena de prisão por crime 
 anteriormente praticado, o tribunal revogará a suspensão se concluir que ela 
 não teria sido decretada se tivesse havido conhecimento do crime anterior”, 
 proposta que, apesar de não ter merecido qualquer crítica na sessão em que foi 
 apresentada (Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Lisboa, 
 
 1993, p. 52), não surgiria no texto final do Projecto.
 
                Perante a inexistência de uma explícita solução legislativa, a 
 orientação dominante da jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de 
 Justiça (como o acórdão recorrido, aliás, dá desenvolvida conta), tem sido no 
 sentido da admissibilidade de englobar no cúmulo jurídico – uma vez verificada a 
 situação descrita no n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal (prática, pelo mesmo 
 autor, de vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer 
 deles), e mesmo que o conhecimento desse concurso de crimes seja superveniente, 
 nos termos do n.º 1 do artigo 78.º, isto é, mesmo que só após o trânsito em 
 julgado de uma das condenações por esses crimes (mas desde que a correspondente 
 pena se não mostre cumprida, prescrita ou extinta), se tenha constatado que o 
 mesmo agente praticara, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes 
 
 – penas de prisão “efectiva” e penas de prisão suspensas na sua execução, com 
 eventual não manutenção, na pena única, desta suspensão de execução. Na base 
 deste entendimento está, por um lado, a concepção de que a pena de prisão 
 suspensa na sua execução não é pena de natureza diferente da pena de prisão e de 
 que, por outro lado, o disposto nos artigos 77.º e 78.º constitui, a par do 
 disposto no artigo 56.º, n.º 1, todos do Código Penal, previsão legal 
 justificativa da não manutenção (ou revogação) da suspensão da execução da pena 
 de prisão. A decisão de suspensão da execução da pena de prisão surge, assim, 
 como sempre dotada de provisoriedade, dependendo a sua subsistência não só da 
 conduta posterior do condenado (que, no período da suspensão, não pode – sob 
 pena de ver a suspensão revogada – infringir grosseira ou repetidamente os 
 deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação 
 social, ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, revelando que as 
 finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser 
 alcançadas), mas também da superveniência do conhecimento da prática, anterior 
 
 àquela decisão, de outro ou outros crimes, desde que, nesta última hipótese, ao 
 ponderar globalmente o conjunto dos factos e a personalidade do agente, o 
 tribunal competente para efectuar o cúmulo das penas em concurso conclua que 
 não se justifica (ou é legalmente inadmissível) a manutenção da suspensão da 
 execução da pena de prisão, agora reportada à pena única.
 
                Neste sentido, podem citar‑se, entre os mais recentes, os 
 acórdãos do STJ, de 4 de Março de 2004, proc. n.º 3293/03, de 22 de Abril de 
 
 2004, proc. n.º 1390/04, de 2 de Dezembro de 2004, proc. n.º 4106/04, de 21 de 
 Abril de 2005, proc. n.º 1303/05, e de 5 de Maio de 2005, proc. n.º 661/05, que 
 apresentam fundamentação comum, assim sintetizada nos sumários dos acórdãos:
 
                – de 2 de Dezembro de 2004, proc. n.º 4106/04: “(…) IV – A 
 provisoriedade da substituição das penas parcelares obsta, de si, à invocação, 
 contra a unificação destas, do trânsito em julgado da substituição eventualmente 
 operada em alguma das condenações avulsas, pelo que tal substituição deve 
 entender‑se, sempre, resolutivamente condicionada ao «conhecimento superveniente 
 do concurso». V – O caso julgado forma‑se quanto à medida da pena e não quanto à 
 sua execução. VI – A suspensão de uma pena, anteriormente aplicada e que vai 
 entrar no cúmulo, é declarada sem efeito, não propriamente por revogação, nos 
 termos do artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, mas sim por força da 
 necessidade de efectuar o cúmulo jurídico de todas as penas. VII – A suspensão 
 da execução da pena não se perfila como uma pena de natureza diferente da pena 
 de prisão efectiva; daí que não exista nenhum fundamento para excepcionar o 
 artigo 78.º do Código Penal, em casos em que uma das penas a cumular tem a sua 
 execução suspensa, pois não se trata de cúmulo jurídico de penas compósitas.”;
 
                – de 21 de Abril de 2005, proc. n.º 1303/05: “I – Se é certo que, 
 nas condenações parcelares, nada se opõe, «em princípio», «a que o tribunal 
 considere que qualquer das penas parcelares de prisão deve ser substituída, se 
 legalmente possível, por uma pena não detentiva (v. g., de suspensão da 
 execução)», «não pode, no entanto, recusar‑se» – em caso de «conhecimento 
 superveniente do concurso» – «a valoração pelo tribunal da situação de concurso 
 de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda 
 se justifica do ponto de vista das exigências de prevenção, nomeadamente da 
 prevenção especial» (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 
 Editorial Notícias, 1993, § 511). II – E isso porque, «sabendo‑se que a pena que 
 vai ser efectivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, 
 torna‑se claro que só relativamente a esta tem sentido pôr a questão da sua 
 substituição» (autor e obra citados, § 419). III – Daí que, quanto a penas 
 parcelares, «a pena de prisão não deva, em princípio, ser substituída por uma 
 pena não detentiva» (ibidem). Mas, se o tiver sido, «torna‑se evidente que para 
 efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente 
 determinada (ainda que «porventura tenha sido substituída»). E, só depois de 
 
 «determinada a pena conjunta», é que, «sendo de prisão», «o tribunal decidirá se 
 ela pode legalmente e deve político‑criminalmente ser substituída por pena não 
 detentiva» (ibidem). IV – Donde que a provisoriedade da substituição das penas 
 parcelares obste, de si, à invocação, contra a unificação destas, do «trânsito 
 em julgado» da substituição eventualmente operada em alguma das condenações 
 avulsas. E assim porque tal «substituição» deve entender‑se, sempre, 
 resolutivamente condicionada ao «conhecimento superveniente do concurso»”.
 
                Em sentido não coincidente dessa orientação dominante viria, 
 porém, a decidir o acórdão do STJ de 2 de Junho de 2004, proc. n.º 1391/04, com 
 a seguinte fundamentação:
 
  
 
             “7. A aplicação de uma pena única no caso de concurso de crimes 
 supõe que estejam em causa penas da mesma natureza.
 
             Nesta perspectiva, poder‑se‑á discutir se a pena suspensa, prevista 
 no artigo 50.º do Código Penal, enquanto pena de substituição, constitui, para 
 efeitos de determinação da pena única do concurso, uma pena da mesma natureza 
 do que a pena de prisão.
 
             Com efeito, a pena suspensa não é comparável, conceptual, 
 político‑criminalmente ou em termos de execução, à pena de prisão.
 
             É uma pena de substituição cuja matriz de origem e base está 
 condicionada, e que pode vir a ser declarada extinta através do procedimento 
 adequado; enquanto não puder decorrer o procedimento de execução da pena 
 suspensa, com a decisão de extinção da pena ou revogação da suspensão, não é 
 susceptível de execução como pena de prisão.
 
             Como resulta do artigo 56.º do Código Penal, a revogação não é 
 automática; mesmo verificados os pressupostos de que depende, é sempre 
 necessária uma decisão que aprecie e avalie se a quebra dos deveres de que 
 depende a suspensão assume gravidade que determine a revogação, e mesmo em caso 
 de prática de crime, é necessário que uma decisão verifique que, concretamente, 
 não puderam ser alcançadas as finalidades que estiveram na base da suspensão.
 
             Só a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na 
 sentença – artigo 56.º, n.º 2, do Código Penal.
 
             A pena suspensa é declarada extinta se, como dispõe o artigo 57.º, 
 n.º 1, do Código Penal, durante o período da suspensão não houver motivos que 
 possam conduzir à revogação.
 
             A pena de substituição é, pois, uma pena de natureza diferente da 
 pena de prisão, pela natureza e função que lhe está político‑criminalmente 
 adstrita.
 
             De todo o modo, como quer que se considere a natureza da pena 
 suspensa para efeitos de fixação de uma pena única do concurso (cf., v. g., 
 entre outros, o acórdão deste STJ, de 8 de Julho de 2003, proc. n.º 4645/02, 
 admitindo o cúmulo de pena suspensa com pena de prisão), há que decidir, 
 previamente, se a pena de substituição, por ser de diferente natureza e ter 
 regras distintas de execução, guarda essa diferente natureza, ou se, em 
 diverso, tem de ser executada como pena de prisão.
 
             8. A competência para o conhecimento superveniente do concurso e, 
 consequentemente, para a determinação da pena única, pertence ao tribunal da 
 
 última condenação – artigo 471.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP).
 
             O tribunal da última condenação, porém, tem também competência para 
 decidir todas as questões incidentais (artigo 474.º do CPP), incluindo a decisão 
 relativa às especificidades da execução da pena suspensa que tenha sido 
 aplicada por algum dos crimes do concurso.
 
             O procedimento relativo à execução da pena suspensa está previsto no 
 artigo 492.º do CPP: a falta de cumprimento dos deveres para efeitos do 
 disposto nos artigos 51.º, n.º 3, 52.º, n.º 3, 55.º e 56.º é apreciada por 
 despacho, depois de recolhida a prova e «antecedendo parecer do Ministério 
 Público e a audição do condenado». É um procedimento contraditório, de 
 julgamento, não podendo a decisão sobre a revogação da pena suspensa basear‑se 
 em meros indícios, mas em juízo seguro sobre a não verificação do cumprimento 
 das finalidades da suspensão (cf., v. g., acórdão do Tribunal Europeu dos 
 Direitos do Homem, de 3 de Outubro de 2002, no caso Böhmer c. Alemanha).
 
             O acórdão recorrido fez incluir na pena única do concurso penas de 
 substituição, sem que tenha havido decisão nos termos dos artigos 56.º do 
 Código Penal e 492.º do CPP relativamente às penas suspensas, não resultando 
 dos factos que o tribunal a quo tomou em consideração que nos processos em que 
 foram aplicadas tenha sido decidida a revogação ou a extinção das penas 
 suspensas.
 
             Deste modo, o acórdão recorrido deixou de se pronunciar sobre 
 questão que devia apreciar; tal omissão integra a nulidade a que se refere o 
 artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
 
             9. Nestes termos, anula-se o acórdão recorrido.”
 
  
 
                Orientação similar foi seguida nos acórdãos de 6 de Outubro de 
 
 2004, proc. n.º 2012/04, e de 20 de Abril de 2005, proc. n.º 4742/04 (todos os 
 acórdãos do STJ atrás citados estão disponíveis, em texto integral, em 
 
 www.dgsi.pt/jstj, ou sumariados no Boletim Interno do STJ, disponível em 
 
 www.stj.pt; e os de 22 de Abril de 2004, proc. n.º 1390/04, e de 2 de Junho de 
 
 2004, proc. n.º 1391/04, estão publicados em Colectânea de Jurisprudência – 
 Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano XI, 2004, tomo II, pp. 172 e 217, 
 respectivamente).
 
                Não compete, como é óbvio, ao Tribunal Constitucional tomar 
 posição quanto à apontada divergência jurisprudencial nem apreciar a valia das 
 críticas que os representantes do Ministério Público dirigem, em sede de 
 interpretação e aplicação do direito ordinário, à orientação acolhida no acórdão 
 recorrido (que é também a defendida por Paulo Dá Mesquita, obra citada, pp. 
 
 95‑100), mas tão‑só apurar se este entendimento, que é assumido como um dado da 
 questão de constitucionalidade, viola, ou não, princípios ou normas 
 constitucionais.
 
  
 
                2.2. Como resulta do precedente relatório, o representante do 
 Ministério Público no Tribunal Constitucional, na alegação apresentada, não 
 secundou a tese da representante do Ministério Público no STJ no que tange à 
 alegada violação dos princípios do juiz natural e do contraditório.
 
                E, na verdade, há que concluir pela não verificação de nenhuma 
 dessas violações.
 
                A tese da violação do princípio do juiz natural assenta em que 
 houve violação daquele princípio por o acórdão recorrido atribuir competência a 
 um tribunal que, na leitura que se faz das normas legais pertinentes, não seria 
 o competente, mas, como é óbvio, a atribuição de competência a um tribunal que, 
 no entender de um interveniente processual, seria incompetente não acarreta 
 violação daquele princípio constitucional. Para a referida tese, tratando‑se de 
 uma revogação da suspensão da execução da pena de prisão, para a qual era 
 legalmente competente o tribunal da execução dessa pena, a violação daquele 
 princípio derivaria de essa “revogação” acabar por ser decretada por tribunal 
 que, segundo esse entendimento, seria incompetente: o tribunal da última 
 condenação.
 
                Mas, como se viu, o entendimento do acórdão recorrido é que não 
 se trata de uma específica revogação da suspensão da execução da pena de prisão, 
 mas tão‑só da efectivação do cúmulo jurídico no caso de conhecimento 
 superveniente da existência de uma situação de concurso de infracções, e 
 legalmente competente, para este efeito, é o tribunal da última condenação.
 
                Nesta perspectiva, o tribunal competente encontra‑se 
 pré‑determinado na lei, não se verificando, pois, qualquer criação de 
 tribunais ad hoc, violadora daquele princípio.
 
                E também não ocorre violação do princípio do contraditório, já 
 que, no caso de conhecimento superveniente de uma situação de concurso de 
 infracções, a lei impõe a realização de uma audiência do tribunal 
 especificamente para esse efeito. Nos termos do artigo 472.º do CPP:
 
  
 
             “1 – Para o efeito do disposto no artigo 78.º, n.º 2, do Código 
 Penal, o tribunal designa dia para a realização da audiência ordenando, 
 oficiosamente ou a requerimento, as diligências que se lhe afigurem necessárias 
 para a decisão.
 
             2 – É obrigatória a presença do defensor e do Ministério Público, a 
 quem são concedidos quinze minutos para alegações finais. O tribunal determina 
 os casos em que o arguido deve estar presente.”
 
  
 
                No presente caso, o juiz presidente do Tribunal Colectivo 
 dispensou a presença do arguido na audiência convocada para o efeito de 
 realização do cúmulo, tendo nesta participado o defensor oficioso nomeado. Se 
 se entendia que era a dispensa da presença do arguido do arguido que violava o 
 princípio do contraditório, a questão de inconstitucionalidade deveria ter sido 
 reportada à norma constante da parte final do n.º 2 deste artigo 472.º, questão 
 que não foi suscitada.
 
  
 
                2.3. Resta, assim, a questão da alegada violação dos princípios 
 da intangibilidade do caso julgado e da proporcionalidade e necessidade das 
 penas criminais.
 
                O Tribunal Constitucional já por diversas vezes (cf., por último, 
 os Acórdãos n.ºs 61/2003 e 572/2003) reconheceu a protecção constitucional do 
 caso julgado, alicerçando‑a, quer no disposto no n.º 3 do artigo 282.º da 
 Constituição, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídica, 
 decorrentes da própria ideia de Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição). 
 Na verdade, o caso julgado “decorre de um princípio material – a exigência de 
 segurança jurídica”, pois “a estabilidade do direito tornado certo pela sentença 
 insusceptível de recurso ordinário é, igualmente, a dos direitos e interesses 
 que declara”, tratando‑se de um “princípio irrecusável”, “considerando os 
 valores do Estado de Direito”, embora não seja um princípio “absoluto” (cf. 
 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo VI, 2.ª edição, Coimbra, 
 
 2005, pp. 277‑278). Como refere J. J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional 
 e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Coimbra, 2003, pp. 264‑265), “a segurança 
 jurídica no âmbito dos actos jurisdicionais aponta para o caso julgado”, e, 
 
 “embora o princípio da intangibilidade do caso julgado não esteja previsto, 
 expressis verbis, na Constituição, ele decorre de vários preceitos do texto 
 constitucional (CRP, arts. 29.º/4, 282.º/3) e é considerado como subprincípio 
 inerente ao princípio do Estado de direito na sua dimensão de princípio 
 garantidor de certeza jurídica”.
 
                Mas não se trata – repete‑se – de um princípio absoluto, embora a 
 protecção constitucional de que goza naturalmente pressuponha que o legislador 
 não é inteiramente livre, quer na escolha dos mecanismos susceptíveis de 
 modificar uma decisão que a própria lei já considerara definitiva, quer na 
 selecção das decisões susceptíveis de constituírem caso julgado.
 
                Igualmente o Tribunal Constitucional tem reiteradamente 
 reconhecido que a Constituição acolhe, designadamente no seu artigo 18.º, n.º 2, 
 os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas e das medidas de 
 segurança, afirmando repetidamente que, por serem as sanções penais aquelas que, 
 em geral, maiores sacrifícios impõem aos direitos fundamentais, devem ser 
 evitadas, na existência e na medida, sempre que não se demonstre a sua 
 necessidade, como se recordou, por último, nos Acórdãos n.ºs 99/2002 e 494/2003, 
 com larga referência à doutrina e à jurisprudência anterior sobre o tema. No 
 entanto, não deixou de se sublinhar nesses Acórdãos que, sendo certo que “também 
 em matéria de criminalização o legislador não beneficia de uma margem de 
 liberdade irrestrita e absoluta, devendo manter‑se dentro das balizas que lhe 
 são traçadas pela Constituição”, é, por outro lado, igualmente certo que, “no 
 controlo do respeito pelo legislador dessa ampla margem de liberdade de 
 conformação, com fundamento em violação do princípio da proporcionalidade, o 
 Tribunal Constitucional só deve proceder à censura das opções legislativas 
 manifestamente arbitrárias ou excessivas”.
 
                Entende‑se que nenhum dos aludidos princípios constitucionais é 
 violado pela interpretação normativa acolhida no acórdão recorrido.
 
                Na verdade, segundo essa interpretação, a hipótese de uma pena de 
 prisão suspensa na sua execução, anteriormente aplicada a um dos crimes em 
 concurso, vir a perder autonomia e a ser englobada na pena única correspondente 
 ao concurso supervenientemente conhecido constitui, a par das hipóteses 
 previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, um caso 
 em que é legalmente admitido “revogar” ou “não manter” a suspensão, o que, de 
 acordo com a corrente jurisprudencial em que o acórdão recorrido se insere, nem 
 sequer constitui violação de caso julgado, atenta a conatural provisoriedade da 
 suspensão de execução da pena. O condenado em pena de prisão suspensa na sua 
 execução que tenha praticado um crime anteriormente àquela condenação pelo qual 
 ainda não foi julgado sabe que não só pode ter de vir a cumprir a pena de prisão 
 suspensa se, no decurso do período da suspensão, infringir grosseira ou 
 repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de 
 readaptação social ou se cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e 
 revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por 
 meio dela, ser alcançadas, mas ainda que aquela suspensão pode não ser mantida, 
 se a pena aplicada ao cúmulo legalmente o não permitir ou se, na ponderação 
 final global a cargo do tribunal do cúmulo, se entender que a suspensão, no 
 caso, se não justifica.
 
                A apontada opção legislativa – tal como foi entendida no acórdão 
 recorrido – surge, assim, ou como não violadora de pretenso caso julgado formado 
 sobre a anterior condenação (se se sufragar a tese da provisoriedade inerente 
 
 às decisões de suspensão de execução de pena de prisão), ou como materialmente 
 fundada em ponderosas razões de política criminal, que privilegiam, por 
 considerada mais justa, o sistema da pena conjunta, em detrimento do sistema da 
 acumulação material.
 
                Trata‑se, na verdade – e com isto se responde também à crítica 
 fundada na violação do princípio da necessidade das penas –, da solução que, na 
 perspectiva do legislador (que, em domínio de liberdade conformativa como este, 
 só justificaria censura constitucional se se tratasse de opção legislativa 
 manifestamente arbitrária ou excessiva), corresponde ao critério da culpa e às 
 preocupações de prevenção em que se funda o sistema punitivo.
 
                Saliente‑se que, na lógica deste sistema, tanto não viola o caso 
 julgado a não manutenção, na pena única, de suspensão de penas parcelares, como 
 a suspensão total da pena única, mesmo que nela confluam penas parcelares de 
 prisão efectiva. Com efeito, uma vez determinada a medida da pena única, se esta 
 for de prisão não superior a três anos, o tribunal tem de obrigatoriamente 
 ponderar a possibilidade de essa pena ser suspensa na sua execução, “se, 
 atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta 
 anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples 
 censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as 
 finalidades da punição” (n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal). Se, feita esta 
 ponderação, se concluir por um prognóstico favorável, a pena (única) deve ser 
 suspensa, mesmo que englobe penas parcelares de prisão efectiva; se, ao invés, 
 esse prognóstico for negativo, a pena (única) não deve ser suspensa, mesmo que 
 englobe penas parcelares suspensas. A lógica do sistema é sempre a mesma e 
 obedece a dois vectores: (i) no caso de conhecimento superveniente do concurso, 
 tudo se deve passar como se passaria se o conhecimento tivesse sido 
 contemporâneo; mas (ii) a decisão sobre a suspensão da pena deve atender à 
 situação do condenado no momento da última decisão e sempre reportada à pena 
 
 única.
 
                A insubsistência das penas parcelares é, aliás, expressamente 
 admitida pelo legislador, quando o n.º 3 do artigo 78.º do Código Penal 
 determina a não manutenção, na pena única, das penas acessórias e das medidas de 
 segurança aplicadas na sentença anterior, desde que elas se mostrem 
 
 “desnecessárias em vista da nova decisão”.
 
                No presente caso, o Supremo Tribunal de Justiça, ao apreciar a 
 correcção do cúmulo efectuado, ponderou a possibilidade de suspensão da execução 
 da pena única que reduziu para 2 anos e 8 meses, apesar de nela confluírem duas 
 penas parcelares de prisão efectiva (uma de 15 meses e outra de 6 meses). E foi 
 só por entender que, no caso, não se justificava a suspensão da execução da 
 pena, “por não se mostrar a mesma suficiente para realizar adequadamente as 
 finalidades da punição”, que a mesma não foi decretada; se o diagnóstico 
 tivesse sido favorável, teria sido decretada a suspensão, não obstante a 
 existência de penas parcelares de prisão efectiva.
 
                Também por esta razão se não mostra violado o princípio da 
 proporcionalidade e da necessidade das penas, salientando‑se que não vem 
 questionado o respeito por esse princípio, por parte do legislador, nem quando 
 estatuiu a incriminação e punição dos crimes singulares em concurso, nem quando 
 optou, no que concerne à punição do concurso de infracções, pelo sistema da 
 pena conjunta, de acordo com o princípio da exasperação ou agravação.
 
                         Conclui‑se, assim, que a interpretação normativa 
 questionada não viola os princípios do juiz natural, do contraditório, da 
 intangibilidade do caso julgado ou da proporcionalidade e necessidade das 
 penas.
 
  
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em:
 
                a) Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78.º 
 e 56.º, n.º 1, do Código Penal, interpretados no sentido de que, ocorrendo 
 conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena 
 
 única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares 
 de prisão, constante de anteriores condenações; e, consequentemente,
 
                b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, 
 na parte impugnada.
 
                         Sem custas.
 
  
 
                         Lisboa, 3 de Janeiro de 2006.
 
  
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Silva Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos