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Processo n.º 948/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional,
 
  
 
  
 
                1. A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no 
 n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 
 alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), da 
 decisão sumária do relator, de 12 de Dezembro de 2005, que decidiu, no uso da 
 faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito, não conhecer do objecto do 
 presente recurso.
 
  
 
                1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
 
  
 
    “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo 
 do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 
 alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o 
 acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, 
 de 12 de Outubro de 2005, que indeferiu pedidos de aclaração e de reforma do 
 acórdão de 25 de Maio de 2005, que, por seu turno, negara provimento a recurso 
 jurisdicional deduzido contra a sentença do Tribunal Tributário de 1.ª 
 Instância de Coimbra, de 12 de Fevereiro de 2003, que julgara improcedente a 
 impugnação judicial das liquidações do imposto sobre as sucessões e doações 
 mais juros compensatórios do ano de 1998, efectuadas no processo de imposto 
 sucessório n.º 3836 instaurado na 2.ª Repartição de Finanças da Figueira da 
 Foz, no montante de 213 048 452$00.
 
    De acordo com o respectivo requerimento de interposição de recurso, este
 
  
 
 «Tem por objecto a fiscalização concreta da constitucionalidade da norma do 
 artigo 669.º do Código de Processo Civil quando interpretada no sentido de não 
 permitir que o juiz se pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade 
 imputada a uma dimensão normativa desse mesmo preceito (o artigo 669.º do 
 Código de Processo Civil).
 Na verdade, tendo o recorrente suscitado, no requerimento de aclaração e 
 reforma, a inconstitucionalidade do artigo 669.º, numa concreta dimensão 
 normativa, a decisão recorrida considerou que esse ‘meio processual não 
 comporta (…) a suscitada emissão de pronúncia sobre inconstitucionalidade’.
 Tal norma viola aberta e frontalmente o princípio do acesso ao direito e aos 
 tribunais – consagrado no artigo 20.º da Constituição – bem como o disposto no 
 artigo 204.º da Constituição.
 O acórdão recorrido, na perspectiva do recurso de constitucionalidade, 
 configura‑se como uma autêntica decisão‑surpresa para o recorrente, implicando 
 que o tribunal se demita da sua função (atendendo às especificidades do nosso 
 sistema de controlo difuso da constitucionalidade) e que deixe de apreciar 
 toda e qualquer questão de constitucionalidade suscitada em torno das normas 
 que regulam a tramitação processual após a prolação da decisão de mérito, 
 contrariando, de resto, todo o sentido da jurisprudência uniforme e unânime do 
 Tribunal Constitucional, onde se reitera um dever de tomar conhecimento da 
 constitucionalidade de ‘normas relevantes para a decisão de questões sujeitas 
 ainda ao poder de jurisdição do tribunal (como serão as questões processuais 
 autonomamente postas em reclamação)’, já que ‘esta constitui meio idóneo e 
 atempado de suscitar a questão’ (Acórdãos n.ºs 206/86 e 366/96); e isto porque 
 se trata, em todo o caso, ‘de uma questão nova, que pela sua própria natureza, 
 só poderia ser equacionada no momento em que o foi’ (v., também, mutatis 
 mutandis, entre muitos outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 
 
 176/88, 158/90, 352/89, 306/90 e 109/90).»
 
    
 
    O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal 
 Administrativo, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal 
 Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC).
 
  
 
    2. No litígio de que emerge o presente recurso estava essencialmente em causa 
 a qualificação como onerosa (defendida pelo recorrente) ou gratuita (defendida 
 pela Administração Fiscal e reconhecida pela sentença da 1.ª instância) da 
 disposição do edifício facultada pelo recorrente.
 
    Pelo acórdão de 25 de Maio de 2005, a Secção de Contencioso Tributário do 
 Supremo Tribunal Administrativo confirmou este último entendimento, 
 considerando que da matéria de facto dada por provada resultava que «no caso, 
 ocorreu transferência gratuita de bens do património do doador para o do 
 donatário, sem qualquer espécie de compensação ou contrapartida económica ou 
 fiduciária por parte de quem os recebeu», pelo que improcedia a impugnação da 
 liquidação do imposto devido por essa «doação», sendo certo que, em sede de 
 incidência do tributo em causa, o legislador privilegia «mais as situações de 
 facto do que o seu eventual enquadramento jurídico», e consignando, quanto ao 
 contrato promessa de cessão de exploração de estabelecimento hoteleiro (cuja 
 celebração o recorrente invocava como prova do carácter oneroso da 
 disponibilização do uso do edifício), que, por um lado, «o contrato promessa 
 não é o contrato prometido, mas a obrigação de o celebrar» e, por outro lado, 
 que «dos autos não resulta que este último tenha sido efectivamente celebrado 
 ou, pelo menos, e independentemente dessa celebração formal, concretizado 
 através da materialização do clausulado prometido».
 
    Foi na sequência da notificação deste acórdão que o recorrente veio 
 peticionar a sua aclaração e reforma, nos seguintes termos:
 
  
 
 «Considerou‑se no douto Acórdão, como fundamento para negar provimento ao 
 recurso, que as normas de incidência relevantes privilegiam mais as situações 
 de facto do que o seu eventual enquadramento jurídico.
 Do mesmo passo, irrelevou‑se a existência do contrato promessa de cessão de 
 estabelecimento comercial com base no entendimento de que este não se configura 
 como o contrato prometido e que dos autos não resulta que este último tenha sido 
 efectivamente celebrado, ou, pelo menos, e independentemente da sua celebração 
 formal, concretizado através da materialização do clausulado prometido.
 Para tal contribuiu também a mobilização da norma interpretativa estabelecida 
 no n.º 2 do artigo 11.º da LGT.
 Ora, considerava – e considera – o recorrente que a existência de um contrato 
 promessa de cessão de exploração – caracterizado, como é consabido, pelo negócio 
 jurídico em que alguém transfere, temporária e onerosamente (mediante 
 contrapartida), para outros, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de 
 um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, sem deixar de ser 
 seu dono (...) – bastaria para, numa leitura adequada à substância das relações 
 estabelecidas entre as partes, se ter de concluir pela não integração da 
 presente situação fáctica no âmbito da norma de incidência do Imposto sobre 
 Sucessões e Doações.
 Percebe agora o recorrente – sem conceder, porém, quanto ao outrora alegado – 
 que, no entendimento firmado no Acórdão desse Venerando STA, a mera e estrita 
 celebração de tal contrato – com os inelimináveis efeitos jurídicos dele 
 decorrentes – não permite, por si, uma compreensão do material fáctico 
 emergente dos autos como dando corpo – e alma – a uma relação materialmente 
 marcada pela existência de um véu de onerosidade que pautou a actuação do 
 recorrente.
 Contudo, é patente que, a esse nível, existe e persiste uma relação de 
 causalidade, bem evidenciada, que à luz do id quod plerumque accidit, não podia 
 deixar de conduzir à exclusão da incidência do imposto sobre doações.
 Na verdade, se o contrato promessa não é jurídica e facticamente inócuo, o 
 certo é que os seus efeitos entre as partes vão muito para além da obrigação de 
 conclusão do contrato prometido, podendo, na realidade, originar um conjunto de 
 relações comprometidas com esse objectivo e que facilmente serão compreendidas 
 
 à luz da substancialidade emergente da realidade concreta – da situação material 
 de facto – que, tendo aquela causa, espelham uma actuação propedêutica e até 
 necessária para a celebração do contrato visado a final.
 Ora, sendo certo que ‘em sede de incidência deste tributo [CISSD] se privilegiam 
 mais as situações de facto do que o seu eventual enquadramento jurídico’, o 
 recorrente não vê razão para que tal critério não seja levado à prática in casu 
 no âmbito da determinação negativa da incidência do imposto, sendo até 
 surpreendente que o tribunal reduza a uma consideração formal o relevo do 
 contrato promessa (que ‘não é o contrato prometido’...), irrelevando o conteúdo 
 fáctico‑material que resultou da celebração daquele: Porque não aplicar o 
 mesmo critério jurídico na relevância do material fáctico emergente do contrato 
 promessa?
 
 É certo que essa concepção do Tribunal não deixou de ser mitigada pela 
 consideração de que, mesmo independentemente da celebração formal do contrato 
 prometido, a materialização do clausulado prometido sempre poderia conduzir a 
 solução diversa da adoptada.
 Só que, in casu, decidiu‑se negar provimento ao recurso porque ‘tal realidade 
 não resulta dos autos’.
 E, assim, o contribuinte vê-se a mãos com uma situação de um autêntico e 
 insuportável confisco.
 Por isso se requer que o Tribunal esclareça:
 A. Qual o critério normativo determinante da exclusão do relevo das relações 
 materiais causadas pelo contrato promessa e qual a razão para se ter valorado um 
 conceito ‘económico‑fáctico’ de doação em detrimento da mesma valoração para as 
 relações estabelecidas após a celebração do referido contrato que não podem 
 deixar de compreender‑se, a essa mesmíssima luz, como uma contrapartida 
 económica.
 B. Qual o critério normativo que presidiu à exclusão da consideração de que 
 inexistiu uma materialização do clausulado prometido quando nos autos nada 
 conste em sentido diverso sem que, ao menos, sendo esse um ponto decisivo para a 
 aplicação do direito, tivesse havido lugar à ampliação da matéria de facto.
 
  
 De resto, por esse motivo, vem também o recorrente, com todo o respeito e 
 consideração, requerer a 
 REFORMA 
 do Acórdão. Vejamos:
 Não há dúvida de que o efectivo cumprimento das obrigações fundadas no contrato 
 promessa – e aí constava o pagamento – constitui um aspecto essencial para a 
 justa resolução da causa (o que é potenciado pelo facto de o Tribunal não ter 
 aderido à tese do recorrente de que bastaria considerar a essência material e 
 fáctica das relações causadas por esse contrato para lograr‑se uma exclusão da 
 incidência do imposto sobre tal factualidade).
 Como também não há dúvida de que, no âmbito da tese firmada no Acórdão, os 
 motivos pelos quais se decidiu negar provimento ao recurso cairiam pela base 
 no momento em que se firmasse o carácter oneroso das transmissões (mal) 
 tributadas, o que decorreria, desde logo, da celebração do contrato prometido 
 ou, até – e subsidiariamente bem – do cumprimento material do seu clausulado.
 Dúvidas existem, porém, quanto ao facto do Tribunal ter decidido como decidiu, 
 invocando que dos autos não resulta tal realidade.
 E subsistem potenciadas pelo facto de que neste domínio cabe também ao tribunal 
 
 ‘realizar oficiosamente todas as diligências que se lhe afiguram úteis para 
 conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente se 
 pode conhecer’.
 Ora, sendo entendimento desse Venerando Tribunal que a irrelevância do contrato 
 promessa de cessão de estabelecimento comercial resulta do entendimento de que 
 este não se configura como o contrato prometido e que dos autos não resulta que 
 este último tenha sido efectivamente celebrado, ou, pelo menos, e 
 independentemente da sua celebração formal, concretizado através da 
 materialização do clausulado prometido, não poderia o Tribunal deixar de 
 reputar como insuficiente a base fáctico‑decisória que até si foi conduzida – e 
 que resultou do facto de o juiz a quo não ter tido a sensibilidade do STA quanto 
 a esse facto; aliás, estivesse o Meritíssimo Relator a julgar em 1.ª Instância, 
 que decerto cuidaria de apurar, antes de avalizar um confisco, tal realidade, 
 como se pode presumir pela total seriedade com que relatou o douto Acórdão.
 Aliás, não se vê que possa deixar de ser assim. E decerto que Vossas 
 Excelências, perante tal realidade, não deixariam de decidir em sentido 
 diferente, seguindo até o mesmo critério de recorte da incidência, ou seja, 
 atendendo à natureza não estritamente jurídica, mas também factual económica 
 que está na base das transmissões (mal) tributadas.
 Sendo mesmo inconstitucional a adopção de um critério normativo de onde se 
 extraia que, estando o juiz obrigado a realizar oficiosamente todas as 
 diligências que se lhe afiguram úteis para conhecer a verdade relativamente aos 
 factos alegados ou de que oficiosamente se pode conhecer, não haja lugar à 
 ampliação da matéria de facto quando não conste dos autos uma realidade com 
 relevo para a justa decisão da causa, julgando o tribunal a partir de uma base 
 fáctica que não permite sustentar a conclusão alcançada em termos de a manter na 
 hipótese de se trazerem aos autos os elementos fácticos de onde se extrai um 
 diferente enquadramento jurídico da realidade julgada. E isto por violação do 
 direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo.
 E não se diga que ‘já é tarde’ para arguir tal inconstitucionalidade ou até 
 mesmo para requerer, nesta sede, a reforma da decisão, de modo a que esta possa 
 determinar a ampliação da base de facto.
 
 É que, quanto ao primeiro caso, nunca poderia o recorrente pressupor que o 
 Tribunal se estribaria num critério normativo determinante de um juízo apoiado 
 numa ‘não existência’, ou seja, que tenha julgado como julgou por ‘não resultar 
 dos autos que…’, o que, pelos mesmos motivos, é inconstitucional.
 Depois, quanto à admissibilidade da reforma da decisão com base nos seguintes 
 fundamentos, é necessário ter em conta que, se é verdade que no processo civil 
 se dispõe que há lugar a reforma da decisão quando constem do processo 
 documentos ou quaisquer outros elementos que impliquem decisão diversa da 
 proferida, não é menos verdade que, vigorando no direito tributário o princípio 
 do inquisitório (regra oposta à vigente naquele ordenamento processual), 
 também deverá haver lugar a reforma da decisão quando não constem do processo 
 elementos que seriam passíveis de determinar decisão diversa da proferida, 
 violando também o direito de acesso aos tribunais e o direito a um processo 
 justo e equitativo uma interpretação do artigo 669.º do CPC que se condense num 
 critério normativo que determine a impossibilidade de reforma da decisão nos 
 casos em que, cabendo ao juiz realizar oficiosamente todas as diligências que 
 se lhe afiguram úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados 
 ou de que oficiosamente pode conhecer, não constem do processo todos os 
 elementos necessários para fundar a decisão do tribunal, designadamente 
 quando da decisão consta que dos autos não constam elementos susceptíveis de 
 conduzir a solução diversa.
 E por isso se requer que:
 A. O Tribunal reforme a decisão proferida no sentido de admitir a ampliação da 
 base fáctica firmada na 1.ª  instância;
 B. Ou, caso assim não entenda, se pronuncie pela inconstitucionalidade do 
 critério normativo que permite ao tribunal, em processo tributário, proferir uma 
 decisão quando não constam dos autos elementos fácticos relevantes, que 
 determinariam uma diferente ponderação jurídica da que se efectuou.
 C. Bem como pela inconstitucionalidade do critério normativo de onde se extraia 
 que, estando o juiz obrigado a realizar oficiosamente todas as diligências que 
 se lhe afiguram úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados 
 ou de que oficiosamente se pode conhecer, não haja lugar à ampliação da matéria 
 de facto quando não conste dos autos uma realidade com relevo para a justa 
 decisão da causa, julgando o tribunal a partir de uma base fáctica que não 
 permite sustentar a conclusão alcançada em termos de a manter na hipótese de se 
 trazerem aos autos os elementos fácticos de onde se extrai um diferente 
 enquadramento jurídico da realidade julgada.
 D. E ainda pela inconstitucionalidade da interpretação do artigo 669.º do CPC 
 que se condense num critério normativo que determine a impossibilidade de 
 reforma da decisão nos casos em que, cabendo ao juiz realizar oficiosamente 
 todas as diligências que se lhe afiguram úteis para conhecer a verdade 
 relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente se pode conhecer, não 
 constem do processo os elementos necessários para fundar a decisão do tribunal, 
 designadamente quando da decisão consta que dos autos não constam elementos 
 susceptíveis de conduzir a solução diversa.»
 
  
 
    Estes pedidos foram indeferidos pelo acórdão de 12 de Outubro de 2005, com a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
 «Transcritos os pedidos formulados, vejamos os argumentos invocados pelo 
 requerente para os sustentar, tendo sempre presente a afirmação primeira de não 
 conformação com o sentido do decidido.
 Nas considerações produzidas e que constam do requerimento em apreço relevam, 
 para a economia desta decisão, mais uma vez referências claras e inequívocas 
 quer aos factos dados por assentes, quer aos juízos que, nesta sede também, o 
 tribunal formulou e em que depois fundamentou a, de novo questionada, decisão de 
 direito.
 Aí estão a evidenciá‑lo referências claras ao sentido do decidido e a concretos 
 pontos da factualidade considerada que o requerente afirma não sufragar para, 
 com apoio de jurisprudência que convoca, concluir por solução jurídica diversa 
 da acolhida pelo assim sindicado aresto,
 Sempre acentuando invocação de factualidade que o probatório não consagrou e que 
 o requerente, à revelia daquele, persiste em afirmar para porventura ver 
 consagrado ou, no mínimo, viabilizado através da também peticionada ampliação 
 da matéria de facto fixada e agora assente.
 Mas atentemos no que a lei e a doutrina estabelecem sobre os instrumentos 
 processuais em questão.
 Rege o artigo 669.º do Código de Processo Civil – n.º 1, alínea a), quanto à 
 aclaração, e n.º 2, alíneas a) e b), relativamente à reforma.
 Nele se estabelece, além do mais, que às partes é concedido o direito de 
 requererem ao Tribunal que proferiu a decisão o esclarecimento de alguma 
 obscuridade ou ambiguidade que ela contenha – cfr. alínea a) do n.º 1 do citado 
 artigo 669.º do CPC – aclaração –.
 E, agora, desde a reforma de processo civil operada pelos Decretos‑Leis n.°s 
 
 329-A/95 e 180/96, respectivamente de 12 de Dezembro e 25 de Setembro, também 
 quanto à reforma da decisão (sentença ou acórdão) quando tenha ocorrido 
 manifesto lapso do juiz ... na determinação da norma aplicável ou na 
 qualificação jurídica dos factos – alínea a) do n.° 2 do referido artigo 669.° 
 do CPC –,
 Ou quando constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, 
 impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso 
 manifesto, não haja tomado em consideração – alínea b) do n.º 2 do citado 
 artigo 669.º do CPC.
 Tudo visto e à luz do normativo legal que se deixa transcrito, no que releva em 
 sede da decisão que agora cumpre, importa afirmar, desde já, a total 
 improcedência do requerido em qualquer das suas vertentes.
 Com efeito, já quanto à requerida aclaração, e tal como a doutrina vem 
 ensinando, para poder lograr deferimento imperioso seria que o requerente 
 invocasse e demonstrasse alguma obscuridade ou ambiguidade que a questionada 
 decisão porventura contivesse.
 Obscuridade e ambiguidade que, como já ensinava Alberto dos Reis, só se 
 verificam quando ela, a decisão, contém algum passo cujo sentido seja 
 ininteligível ou quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.
 Ora nada disso ocorre na situação ajuizada, nem o requerente o alega sequer. Ao 
 contrário, é antes bem claro, quiçá manifesto, que o requerente entendeu 
 perfeitamente todo o sentido do questionado acórdão e o interpretou 
 precisamente no sentido que este Supremo Tribunal e Secção lhe conferiu.
 Porque assim, nada haverá a esclarecer ou aclarar.
 Por sua vez e no que concerne à também peticionada reforma do acórdão, meio 
 processual introduzido no ordenamento jurídico pela reforma legislativa de 
 
 1996 (Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, de 12 de Dezembro, e Decreto‑Lei n.° 180/96, de 
 
 25 de Setembro), que viabiliza assim e também o eventual suprimento do erro de 
 julgamento quanto ao mérito,
 Importa ter presente que este há‑de circunscrever-se a situações de natureza 
 bem excepcional, de lapso manifesto, de violação de lei expressa ou quando dos 
 autos constem elementos, designadamente de índole documental, que impliquem 
 decisão em sentido diverso e não tenham sido considerados igualmente por lapso 
 manifesto, como não deixou de se acentuar, assim se esclarecendo o alcance da 
 inovação legislativa, no preâmbulo do primeiro dos referidos diplomas legais,
 Para, sem quebra da estabilidade das decisões judiciais que importa 
 salvaguardar, quando já ordinariamente irrecorríveis, assim procurar dar 
 também satisfação à declarada ‘preocupação de realização efectiva e adequada do 
 direito material e no entendimento de que será mais útil, à paz social e ao 
 prestígio e dignidade que a administração da justiça coenvolve, corrigir que 
 perpetuar um erro juridicamente insustentável…’.
 Ora, compulsado o requerimento em apreço, importa concluir que, tal como 
 acentuam quer o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, quer a recorrida 
 Fazenda Pública, dele não emerge ou resulta sequer indicação do preceito legal 
 que o viabilize nem indicação de qualquer dos apontados 
 requisitos/pressupostos legais da peticionada reforma de acórdão,
 Dele não constam, com efeito, indicação ou referência de qualquer lapso e muito 
 menos manifesto do tribunal na determinação das normas aplicáveis ou na 
 qualificação jurídica dos factos, nem invocação de documentos ou outros 
 elementos constantes do processo que, por si só, demandassem necessariamente 
 solução diversa da proferida e que o tribunal, ainda por lapso manifesto, não 
 tivesse tomado em consideração.
 Pelo contrário, também neste segmento, do requerimento em apreço decorre antes, 
 bem inequivocamente, que o requerente mais não persegue do que a eventual 
 abertura de uma nova instância de recurso, instância que a lei não permite.
 O alegado erro de julgamento e a alteração do sentido do decidido não cabem no 
 
 âmbito deste meio processual,
 Meio processual que igualmente não comporta a requerida ampliação da matéria de 
 facto nem a suscitada emissão de pronúncia sobre constitucionalidade.
 Pelo exposto e sem necessidade de outros ou melhores considerandos, acordam os 
 Juízes desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo em indeferir o pedido 
 de aclaração e reforma do acórdão de fls. 193 e seguintes.»
 
  
 
    3. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a 
 competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas, 
 hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o 
 sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões 
 de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si 
 mesmas consideradas, ou a condutas ou omissões processuais.
 
    Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua 
 admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão 
 de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 
 
 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a 
 decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que, 
 por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota 
 com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo 
 excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade 
 processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida 
 a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível 
 que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
 
    Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que o 
 apontado requisito só se pode, em regra, considerar preenchido se a questão de 
 constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter 
 proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em 
 princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente 
 entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido 
 da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de 
 suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma 
 norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da 
 decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve «lapso manifesto» 
 do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica 
 dos factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que 
 implicassem necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E 
 também, por maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão 
 de constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de 
 interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
 
    No entanto, também tem sido entendido que, apesar de a arguição de nulidade 
 da sentença já não ser, em regra, momento adequado de suscitar questões de 
 inconstitucionalidade reportadas a normas aplicadas (ou indevidamente não 
 aplicadas) na sentença, já o será quando a inconstitucionalidade respeita 
 directamente às normas que regulam o incidente de arguição de nulidades de 
 decisões judiciais, pela razão óbvia de que, quanto a esta específica temática, 
 ainda se não esgotara o poder jurisdicional do tribunal a quo: cf., neste 
 sentido, entre outros, os Acórdãos n.ºs 206/86, 176/88, 270/92, 169/93, 366/96, 
 
 374/2000 e 375/2003.
 
    Similarmente, no pedido de reforma da decisão judicial, regulado no n.º 2 do 
 artigo 669.º do Código de Processo Civil, não é lícito questionar a 
 constitucionalidade de normas aplicadas na decisão reformanda – já que, como 
 acima se assinalou, a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não 
 envolve «lapso manifesto» do juiz quer na determinação da norma aplicável, 
 quer na qualificação jurídica dos factos, nem desconsideração de elementos 
 constantes do processo que implicassem necessariamente, só por si, decisão 
 diversa da proferida –, mas já é admissível questionar, nesse pedido, a 
 constitucionalidade das regras que especificamente o disciplinam, designadamente 
 sustentando a sua aplicabilidade a situações não explicitamente contempladas na 
 literalidade da previsão legal, por supostamente imposta pelo direito 
 constitucional de acesso aos tribunais, dado que, nesta específica dimensão, é 
 sustentável não ter ocorrido o esgotamento do poder jurisdicional do tribunal em 
 causa.
 
  
 
    4. No seu referido pedido de reforma do acórdão de 25 de Maio de 2005, o 
 recorrente suscitou três questões de inconstitucionalidade:
 
    – a primeira, sem ser reportada a qualquer específico preceito legal, tem por 
 objecto a inconstitucionalidade do «critério normativo que permite ao tribunal, 
 em processo tributário, proferir uma decisão quando não constam dos autos 
 elementos fácticos relevantes, que determinariam uma diferente ponderação 
 jurídica da que se efectuou»;
 
    – a segunda, também sem referência a qualquer preceito legal, tem por objecto 
 a inconstitucionalidade do «critério normativo de onde se extraia que, estando o 
 juiz obrigado a realizar oficiosamente todas as diligências que se lhe afiguram 
 
 úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que 
 oficiosamente se pode conhecer, não haja lugar à ampliação da matéria de facto 
 quando não conste dos autos uma realidade com relevo para a justa decisão da 
 causa, julgando o tribunal a partir de uma base fáctica que não permite 
 sustentar a conclusão alcançada em termos de a manter na hipótese de se 
 trazerem aos autos os elementos fácticos de onde se extrai um diferente 
 enquadramento jurídico da realidade julgada»; e
 
    – a terceira, reportada ao artigo 669.º, n.º 2, do CPC, tem por objecto uma 
 interpretação desse preceito «que se condense num critério normativo que 
 determine a impossibilidade de reforma da decisão nos casos em que, cabendo ao 
 juiz realizar oficiosamente todas as diligências que se lhe afiguram úteis para 
 conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente 
 se pode conhecer, não constem do processo os elementos necessários para fundar 
 a decisão do tribunal, designadamente quando da decisão consta que dos autos 
 não constam elementos susceptíveis de conduzir a solução diversa».
 Tendo o acórdão de 12 de Outubro de 2005, que desatendeu o pedido de reforma, 
 entendido que esse meio processual «não comporta (…) a suscitada emissão de 
 pronúncia sobre constitucionalidade», o recorrente veio, no requerimento de 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, suscitar uma quarta 
 questão de inconstitucionalidade, reportada também à norma do artigo 669.º, n.º 
 
 2, do CPC, «quando interpretada no sentido de não permitir que o juiz se 
 pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade imputada a uma dimensão 
 normativa desse mesmo preceito (o artigo 669.º do Código de Processo Civil)». 
 Questão de inconstitucionalidade que só foi suscitada no próprio requerimento de 
 interposição de recurso por, segundo o recorrente, o entendimento do acórdão 
 recorrido quando à impossibilidade de apreciação da inconstitucionalidade de 
 normas no âmbito do pedido de reforma de decisão judicial, quando reportada às 
 próprias normas reguladoras desse meio processual, ter constituído uma 
 
 «decisão‑surpresa».
 No entanto, como é bem de ver, esta quarta questão tem natureza meramente 
 instrumental relativamente à atrás identificada como terceira questão. A 
 possibilidade de o tribunal, ao decidir pedido de reforma de decisão judicial, 
 apreciar a constitucionalidade das regras que delimitam o âmbito de aplicação 
 desse meio processual, apenas serve para abrir a via à apreciação da questão da 
 constitucionalidade da norma do artigo 669.º, n.º 2, do CPC, enquanto não 
 consente que constitua fundamento do pedido de reforma a alegação de que o juiz 
 não realizou «oficiosamente todas as diligências que se lhe afiguram úteis para 
 conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente se 
 pode conhecer, [quando] não constem do processo os elementos necessários para 
 fundar a decisão do tribunal, designadamente quando da decisão consta que dos 
 autos não constam elementos susceptíveis de conduzir a solução diversa».
 Neste contexto – e atendendo também ao consabido carácter instrumental do 
 recurso de constitucionalidade, cujo conhecimento só se justifica se o seu 
 eventual provimento se mostrar susceptível de determinar a alteração do sentido 
 da decisão de mérito de que emerge esse recurso –, a patente falta de fundamento 
 da questão de constitucionalidade que se pretendia ver apreciada no âmbito do 
 pedido de reforma impõe o improvimento do recurso, mesmo que se entenda que, 
 diversamente do considerado pelo tribunal a quo, essa questão podia ser 
 apreciada nesse âmbito.
 Na verdade, por razões similares às que levaram o Tribunal Constitucional a 
 considerar admissível, no âmbito do incidente de arguição de nulidades de 
 decisão judicial, suscitar questões de inconstitucionalidade directamente 
 respeitantes às normas reguladoras desse incidente (mas já não reportadas às 
 normas aplicadas na decisão arguida de nula), também deve entender‑se – como já 
 se assinalou – que, no pedido de reforma da decisão judicial, regulado no n.º 2 
 do artigo 669.º do Código de Processo Civil, não sendo lícito questionar a 
 constitucionalidade de normas aplicadas na decisão reformanda, já é admissível 
 questionar, nesse pedido, a constitucionalidade das regras que especificamente 
 o disciplinam, dado que, nesta específica dimensão, é sustentável não ter 
 ocorrido o esgotamento do poder jurisdicional do tribunal em causa.
 Simplesmente, se se pode considerar que, nessa perspectiva, o tribunal podia 
 conhecer da questão de inconstitucionalidade suscitada a propósito da norma do 
 n.º 2 do artigo 669.º do CPC (mas já não das atrás identificadas como primeira 
 e segunda questões de inconstitucionalidade, relativamente às quais, aliás, 
 poder‑se‑ia pôr em dúvida se constituem verdadeiras questões de 
 inconstitucionalidade normativa ou antes imputações de violação da Constituição 
 directamente por decisões judiciais, o que, como se referiu, não é susceptível 
 de integrar objecto idóneo de recurso de constitucionalidade), já é patente que 
 tal questão – nos termos em que o recorrente a formulou – não pode deixar de ser 
 qualificada como manifestamente infundada.
 
    Recorde‑se que essa questão foi definida pelo recorrente nos seguintes 
 termos: viola «o direito de acesso aos tribunais e o direito a um processo justo 
 e equitativo uma interpretação do artigo 669.º do CPC que se condense num 
 critério normativo que determine a impossibilidade de reforma da decisão nos 
 casos em que, cabendo ao juiz realizar oficiosamente todas as diligências que 
 se lhe afiguram úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos 
 alegados ou de que oficiosamente pode conhecer, não constem do processo todos 
 os elementos necessários para fundar a decisão do tribunal, designadamente 
 quando da decisão consta que dos autos não constam elementos susceptíveis de 
 conduzir a solução diversa».
 
    Ora, constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal a de que o direito de 
 acesso aos tribunais corresponde ao direito a uma solução jurídica dos 
 conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável, com observância das regras 
 de imparcialidade e independência e com respeito pelo princípio do 
 contraditório. Fora do domínio criminal e equiparado esse direito apenas 
 assegura o acesso a um grau de jurisdição, assistindo ao legislador ordinário 
 uma ampla margem de liberdade de conformação na regulação da tramitação 
 processual, designadamente quanto à admissibilidade de recursos ou de 
 incidentes pós-decisórios. Neste contexto, a introdução, pela reforma 
 processual civil de 1995/1996, da nova figura da reforma da decisão, se 
 correspondeu à adopção, na perspectiva do legislador, de um melhor direito, 
 jamais foi assumido como uma directa imposição constitucional; na verdade, 
 desconhece‑se a existência de qualquer acusação de inconstitucionalidade à 
 solução precedente, de não previsão da possibilidade de reforma da sentença nos 
 casos que vieram a ser definidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 669.º do 
 CPC.
 
    Como se assinalou no Acórdão n.º 434/2005, o «pedido de reforma de decisões 
 judiciais introduzida no n.º 2 do artigo 669.º do CPC pela reforma de 
 
 1995/1996, (...) – quer tenha por fundamento ‘manifesto lapso do juiz na 
 determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos’ 
 
 (alínea a)), quer a existência no processo de ‘documentos ou quaisquer elementos 
 que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o 
 juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração’ (alínea b)) –, 
 atenta a excepcionalidade desta faculdade, que insere um desvio aos princípios 
 da estabilidade das decisões judiciais e do esgotamento do poder jurisdicional 
 do juiz quanto à matéria da causa (artigo 666.º, n.º 1, do mesmo Código), só é 
 admissível perante erros palmares, patentes, que, pelo seu carácter manifesto, 
 se teriam evidenciado ao autor da decisão, não fora a interposição de 
 circunstância acidental ou uma menor ponderação tê‑lo levado ao desacerto. Como 
 refere Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego (Comentários ao Código de 
 Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, Coimbra, 2004, p. 559), ‘o erro manifesto 
 de julgamento de questões de direito’, contemplado naquela alínea a), 
 
 ‘pressupõe obviamente, para além do seu carácter evidente, patente e 
 virtualmente incontrovertível, que o juiz se não haja expressamente 
 pronunciado sobre a questão a dirimir, analisando e fundamentando a (errónea) 
 solução jurídica que acabou por adoptar (v. g., aplicou-se norma inquestionável 
 e expressamente revogada, por o julgador se não haver apercebido atempadamente 
 da revogação)’, e ‘o erro manifesto na apreciação das provas’, previsto na 
 alínea b), traduz‑se ‘no esquecimento de um elemento que, só por si, implicava 
 decisão diversa da proferida (v. g., o juiz omitiu a consideração de um 
 documento, constante dos autos e dotado de força probatória plena, que só por si 
 era bastante para deitar por terra a decisão proferida)’».
 
    No presente caso, é manifesto que jamais se poderia considerar violado o 
 direito de acesso aos tribunais e o direito a um processo justo e equitativo, 
 dado que ao recorrente, para além do acesso ao primeiro grau de jurisdição, com 
 integral respeito pelos princípios do contraditório e da imparcialidade e 
 independência dos tribunais, foi pelo legislador ordinário facultado (e por ele 
 efectivamente exercitado) o direito de recurso, sem que tal estivesse 
 constitucionalmente imposto, e que o mesmo, em ambas as instâncias, pôde 
 desfrutar de todos os incidentes pós‑decisórios legalmente previstos, incluindo 
 o da reforma das decisões judiciais, nos termos definidos – de novo, sem que 
 tal fosse constitucionalmente imposto – pelo artigo 669.º, n.º 2, do CPC, com um 
 
 âmbito que já constitui, em si mesmo, um alargamento excepcional dos poderes de 
 cognição do tribunal, representando «um desvio aos princípios da estabilidade 
 das decisões judiciais e do esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à 
 matéria da causa (artigo 666.º, n.º 1, do mesmo Código)». Neste contexto, a 
 pretensão de alargamento deste desvio, para além das situações excepcionais 
 nele contempladas, a uma situação que poderá representar, no máximo, um erro de 
 julgamento, quando o recorrente já beneficiou de um duplo grau de jurisdição, é 
 algo que, manifestamente, não encontra na Constituição, designadamente no seu 
 artigo 20.º, o necessário suporte.
 
                
 
    5. Neste contexto, sendo manifestamente infundada a questão de 
 inconstitucionalidade que o recorrente pretendia ver apreciada (a atrás 
 designada terceira questão de inconstitucionalidade) na sequência da propugnada 
 aceitação da admissibilidade da suscitação dessa questão (admissibilidade que 
 integrava a quarta questão), não existe utilidade processual relevante no 
 conhecimento do objecto do presente recurso.”
 
  
 
                1.2. A reclamação do recorrente apresenta a seguinte 
 fundamentação: 
 
  
 
    “Adianta‑se, desde já, que o fundamento principal desta reclamação reside na 
 configuração absolutamente inédita e, salvo o devido respeito, equívoca que a 
 decisão reclamada faz do requisito da instrumentalidade, metamorfoseando, sem 
 fundamento, o seu carácter exógeno numa dimensão endógena ao mérito do recurso, 
 inaugurando, para além disso, na jurisprudência desse Venerando Tribunal, ao 
 nível da aferição do preenchimento dos requisitos de conhecimento do recurso, o 
 requisito da «dupla» ou até mesmo «tripla» instrumentalidade.
 
    Veja‑se porquê.
 I
 
    Conforme consta da exaustiva e lapidar exposição prévia aos fundamentos da 
 decisão sumária, o ora reclamante suscitou perante o Supremo Tribunal 
 Administrativo uma questão de constitucionalidade – cuja pertinência pode 
 aferir‑se pelo confronto do acórdão proferido nesse tribunal com o teor do 
 requerimento de aclaração e reforma – especificamente dirigida à norma do 
 artigo 669.°, n.° 2, do CPC, quando interpretada no sentido de não consentir 
 que constitua fundamento do pedido de reforma a alegação de que o juiz não 
 realizou oficiosamente todas as diligências que se lhe afiguram úteis para 
 conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente se 
 pode conhecer, quando não constem do processo os elementos necessários para 
 fundar a decisão do tribunal, designadamente quando da decisão consta que dos 
 autos não constam elementos susceptíveis de conduzir a decisão diversa.
 De forma absolutamente surpreendente – e, no entendimento do reclamante, 
 estribada na aplicação de norma eivada de inconstitucionalidade – o STA decidiu, 
 sem fundamento para tal, que o meio processual consubstanciado na decisão do 
 incidente de aclaração e reforma «não comporta (...) a suscitada emissão de 
 pronúncia sobre a inconstitucionalidade» da norma a aplicar.
 E, assim, aplicou a norma do artigo 669.° do CPC numa interpretação, 
 concretamente delimitada pelo reclamante, mediante a qual o preceito não permite 
 que o juiz se pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade imputada a uma 
 dimensão normativa desse mesmo preceito.
 Norma essa que, no entendimento do reclamante, viola frontal e abertamente o 
 disposto na Constituição da República Portuguesa, designadamente, as disposições 
 constantes dos artigos 20.° e 204.°.
 Foi visando a fiscalização concreta deste critério normativo que se interpôs 
 recurso de constitucionalidade, porquanto, na perspectiva do reclamante – e que 
 
 é confirmada pela douta decisão reclamada –, o STA não só podia, mas, em rigor, 
 devia ter conhecido da questão de constitucionalidade suscitada.
 E, em boa verdade, como se exporá, também o Tribunal Constitucional não podia 
 deixar de tomar conhecimento do recurso delimitado em torno da norma do artigo 
 
 669.° do Código de Processo Civil quando interpretada no sentido de não permitir 
 que o juiz se pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade imputada a uma 
 dimensão normativa desse mesmo preceito (artigo 669.° do CPC).
 II
 Na economia da decisão reclamada, não existe utilidade processual relevante no 
 conhecimento do objecto do presente recurso, na medida em que uma outra questão 
 de constitucionalidade não invocada pelo reclamante seria manifestamente 
 improcedente (a questão de constitucionalidade que o reclamante pretendia ver 
 sindicada no STA – e que mereceu desse Tribunal uma decisão fundada no critério 
 normativo que se pretendeu sindicar no recurso para o Tribunal Constitucional).
 Na verdade, no caso concreto, não estava em causa a norma – designada na 
 decisão sumária como dando corpo «à terceira questão de constitucionalidade» – 
 inferida de uma determinada interpretação do artigo 669.° do CPC, mas sim, e só, 
 a norma do artigo 669.° do Código de Processo Civil quando interpretada no 
 sentido de não permitir que o juiz se pronuncie sobre uma questão de 
 constitucionalidade (a tal terceira questão de constitucionalidade) imputada a 
 uma dimensão normativa desse mesmo preceito (o artigo 669.° do CPC).
 
 É pois sobre esta norma – artigo 669.° do Código de Processo Civil, quando 
 interpretado no sentido de não permitir que o juiz se pronuncie sobre uma 
 questão de constitucionalidade imputada a uma dimensão normativa desse mesmo 
 preceito (o artigo 669.° do CPC) – que importa equacionar a verificação dos 
 pressupostos ou requisitos da admissibilidade do recurso, em particular, o da 
 sua utilidade processual.
 E, se bem se vêem as coisas, o recurso tem manifesta utilidade processual.
 Basta atentar que, sendo o mesmo julgado procedente, tal determinaria a 
 revogação da decisão que decidiu que em sede de reforma não tem o tribunal que 
 cuidar de questões de constitucionalidade dirigidas à norma que regula essas 
 questões.
 Sempre teria, pois, o STA de fazer aquilo que deveria ter feito: pronunciar‑se 
 sobre uma questão de constitucionalidade antes de fazer efectiva aplicação da 
 norma controvertida sob esse prisma.
 E configurado adequadamente o requisito da instrumentalidade do recurso não há 
 dúvida de que o juízo do TC tem a virtualidade de se projectar sobre a decisão 
 recorrida.
 De facto, qualquer noção relevante neste domínio específico – seja ela a do 
 interesse processual, a da relevância da questão de constitucionalidade, a da 
 natureza instrumental do recurso, ou a da utilidade – apenas pode referir‑se à 
 projecção sobre a decisão recorrida do sentido decorrente da análise do 
 problema de constitucionalidade, sendo certo que, visando o recurso saber se é 
 inconstitucional o artigo 669.° do Código de Processo Civil quando interpretado 
 no sentido de não permitir que o juiz se pronuncie sobre uma questão de 
 constitucionalidade imputada a uma dimensão normativa desse mesmo preceito (o 
 artigo 669.° do CPC), não está em causa cuidar da constitucionalidade da norma 
 que o STA não sindicou, mas saber se aquele Tribunal estaria vinculado ou não à 
 apreciação desse problema – id est, se os incidentes pós‑decisórios têm ou não 
 de admitir espaço para a sindicância de questões de constitucionalidade 
 normativa imputadas às normas que os prevêem – mesmo que depois o viesse a 
 julgar improcedente.
 A contrario, o Tribunal Constitucional acaba por aferir da «utilidade» de um 
 recurso, não pela sua repercussão sobre a decisão recorrida, mas sim invocando o 
 resultado de uma questão de constitucionalidade autónoma, tomando, contra o 
 objecto do recurso, conhecimento desta e negando conhecimento à questão que lhe 
 foi colocada que teve origem na aplicação de uma norma claramente 
 inconstitucional.
 Não pode, pois, aceitar‑se tal fundamentação na parte em que passa por fazer 
 depender o conhecimento do objecto do recurso, onde estava em causa a vinculação 
 do tribunal a quo ao conhecimento de uma questão de constitucionalidade, de um 
 juízo de mérito sobre a bondade constitucional de uma norma que não o integrava.
 Ora, a utilidade do recurso não pode aferir‑se nesses termos, antecipando, em 
 excesso de pronúncia, o futuro quanto à consideração de um problema de 
 constitucionalidade autónomo e distinto do que é considerado nos presentes autos 
 e de que o Tribunal a quo devia tomar conhecimento, mais não fosse para o julgar 
 improcedente.
 A utilidade do presente recurso não pode deixar de passar por saber se o 
 julgamento da questão trazida a este tribunal tem potencialidade de se 
 repercutir sobre o decidido – pronunciando‑se o Juiz a quo sobre a questão de 
 constitucionalidade que lhe foi colocada em momento processualmente idóneo – e 
 não em cuidar, nem muito menos antecipar, do sentido de uma decisão a proferir 
 em cumprimento do que se decidir quanto ao objecto do presente recurso.
 Ou seja, tudo está em saber se o conhecimento da constitucionalidade da norma do 
 artigo 669.° do CPC numa interpretação, concretamente delimitada pelo 
 reclamante, mediante a qual o preceito não permite que o juiz se pronuncie sobre 
 uma questão de constitucionalidade imputada a uma dimensão normativa desse 
 mesmo preceito, pode – ou não – contender com a decisão do tribunal que afirmou 
 não ser de conhecer e de julgar uma questão de constitucionalidade do artigo 
 
 669.° do CPC, por esse meio processual não comportar a requerida pronúncia.
 E é manifesto que sim!
 De facto, convocando a herança dos Acórdãos n.°s 49, 164 e 437 da Comissão 
 Constitucional, e dos Acórdãos n.°s 33/85, 35/85, 44/85, 81/85, 83/85, 101/85 e 
 
 122/84 pode dizer‑se que o Tribunal nunca poderia ter chegado à decisão que 
 tomou – o não julgamento da questão de constitucionalidade do artigo 669.° numa 
 dimensão arguida pelo então recorrente – havendo pronúncia de 
 inconstitucionalidade.
 Se «o recurso só deve ter seguimento quando a eventual decisão da questão de 
 constitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional puder implicar com a 
 decisão recorrida», é manifesto que também há utilidade/interesse/relevância 
 processual em conhecer da constitucionalidade do artigo 669.° do Código de 
 Processo Civil quando interpretado no sentido de não permitir que o juiz se 
 pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade imputada a uma dimensão 
 normativa desse mesmo preceito (o artigo 669.° do CPC).
 De facto, impugnando‑se no caso concreto a decisão de se ter julgado que a 
 decisão do incidente de aclaração e reforma «não comporta (...) a suscitada 
 emissão de pronúncia sobre inconstitucionalidade» do próprio artigo 669.° do 
 CPC, não se vislumbra, com o devido respeito, como a questão de 
 constitucionalidade do artigo 669.° do Código de Processo Civil quando 
 interpretado no sentido de não permitir que o juiz se pronuncie sobre uma 
 questão de constitucionalidade imputada a uma dimensão normativa desse mesmo 
 preceito (o artigo 669.° do CPC), possa ser inútil para a alteração do 
 decidido.
 A haver alguma relação de instrumentalidade, ela é precisamente a inversa da 
 que se postula na decisão reclamada: decida‑se primeiro a questão da 
 constitucionalidade do artigo 669.° do Código de Processo Civil quando 
 interpretado no sentido de não permitir que o juiz se pronuncie sobre uma 
 questão de constitucionalidade imputada a uma dimensão normativa desse mesmo 
 preceito (o artigo 669.° do CPC), para depois se cuidar – sendo caso disso – da 
 questão que não estava a ser sindicada nos autos.
 Por outro lado, a questão da utilidade ou instrumentalidade do recurso de 
 constitucionalidade não se confunde com a bondade material dos argumentos 
 invocados e com a eventual improcedência das questões de constitucionalidade. E 
 a decisão sumária reclamada faz essa confusão ao depender o (não) conhecimento 
 da questão posta pelo recorrente de um juízo de mérito, quanto a uma outra 
 questão de constitucionalidade que não lhe competia apreciar.
 Como é, de resto, bom de ver, a proceder tal entendimento, todo e qualquer 
 julgamento de não inconstitucionalidade que o TC venha a fazer no futuro sempre 
 terá de ser substituído por decisão de não tomar conhecimento do recurso com 
 fundamento em que o mesmo não se projecta na decisão recorrida em termos de a 
 alterar.
 E aqui, ao menos, sempre haveria uma relação «directa» ou de grau simples...
 
 É, por isso, assaz controvertido que o Tribunal Constitucional possa concluir, 
 como se fez na decisão reclamada, no sentido de não reconhecer utilidade a um 
 recurso por improcedência dos argumentos relativos a um problema de 
 constitucionalidade que ainda por cima exorbita da esfera do recurso interposto 
 e não se confunde com ele.
 Aliás, é manifesto e inequívoco que a delimitação do objecto do recurso de 
 constitucionalidade cabe exclusivamente, como o Tribunal Constitucional tem 
 vindo a dizer, ao recorrente, vinculando‑se o Tribunal à norma que constitui 
 esse objecto, pelo que a decisão sumária reclamada acaba por padecer de nulidade 
 por excesso de pronúncia, na medida em que faz um julgamento de não 
 inconstitucionalidade de uma norma que não constituía o objecto do recurso, 
 sendo, posteriormente, a partir do resultado emergente desse vício que chega à 
 conclusão que aqui se coloca em crise.
 Pelo exposto, o reclamante chega à conclusão de que a decisão do Relator 
 admite, nos termos expostos, uma instrumentalidade de 2.° ou de 3.° grau, 
 puramente endógena em face do mérito jurídico (de procedência...) do recurso.
 Mas tudo isso vai, em sede de recurso, muito para além de toda a criteriosa 
 jurisprudência que esse Tribunal vem firmando.
 III
 Pelo que se deixou dito, não haveria de cuidar‑se, nesta sede, da questão de 
 constitucionalidade que ocupou indevidamente o Tribunal Constitucional na 
 decisão reclamada.
 Contudo, sem conceder no que se expôs quanto à impertinência de se estar a 
 decidir contra e para além do pedido, sempre importa mencionar – em termos 
 minimalistas, de acordo importância que esse problema não merece nesta sede 
 
 [sic] – que esse juízo de «manifesta improcedência» não equaciona devidamente a 
 hipótese concretamente delimitada pelo recorrente.
 Diz‑se na decisão sumária reclamada que «a figura da reforma da decisão (...) 
 jamais foi assumida como uma directa imposição constitucional» e que «no 
 presente caso é manifesto que jamais se poderia considerar violado o direito de 
 acesso aos tribunais e o direito a um processo justo e equitativo, dado que ao 
 recorrente, para além do acesso ao primeiro grau de jurisdição (...), foi pelo 
 legislador ordinário facultado o direito de recurso, sem que tal estivesse 
 constitucionalmente imposto e que em ambas as instâncias pôde desfrutar de 
 todos os incidentes pós‑decisórios legalmente previstos (...)».
 Ora, em primeiro lugar, para além de se olvidar o disposto no artigo 268.°, n.° 
 
 4, da CRP, conjugado com a estrutura jurisdicional administrativa‑tributária, a 
 decisão reclamada dá por assente que o reclamante pôde desfrutar de todos os 
 incidentes pós‑decisórios previstos, não relevando, como devia, que está em 
 causa um domínio jurídico particular onde os poderes‑deveres do juiz pouco têm a 
 ver com o que sucede noutras áreas, designadamente ao nível do processo civil, e 
 que o reclamante pretendia precisamente equacionar a relevância desses 
 mecanismos pós‑decisórios em face dos poderes‑deveres que marcam a actuação 
 jurisdicional no âmbito do direito tributário.
 Desta forma, o julgamento alcançado pelo Tribunal não poderia fazer‑se sem ter 
 em conta essa realidade e importando o regime do processo civil como se a 
 questão colocada pelo reclamante fosse inteiramente sobreponível, porquanto, no 
 domínio tributário, o juiz está obrigado a realizar oficiosamente todas as 
 diligências que sejam úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos 
 alegados e de que pode oficiosamente conhecer.
 Aliás, já no pedido de reforma o reclamante havia sustentado que:
 
 «(…) é necessário ter em conta que se é verdade que no processo civil se dispõe 
 que há lugar a reforma da decisão quando constem do processo documentos ou 
 quaisquer outros elementos que impliquem decisão diversa da proferida, não é 
 menos verdade que vigorando no direito tributário o princípio do inquisitório 
 
 (...) também deverá haver lugar a reforma quando não constem do processo 
 elementos que seriam passíveis de determinar decisão diversa da proferida», 
 designadamente quando o juiz profere uma decisão sem cuidar de apurar da 
 existência de um facto não constante dos autos que determinaria, segundo o seu 
 critério, uma solução oposta à proferida.
 Na decisão reclamada, nem uma linha se encontra sobre a especificidade da 
 reforma no domínio tributário, pelo que, paradoxalmente, mesmo dentro do 
 excesso de pronúncia em relação ao objecto do recurso se encontra uma omissão de 
 pronúncia quanto à especifica dimensão normativa equacionada pelo reclamante no 
 Tribunal a quo.
 De resto, retomando esta conclusão da decisão sumária que parte do pressuposto 
 de que, não sendo imposta pela Constituição uma determinada regulamentação 
 legiferante, esta será juridicamente amorfa em confronto com os parâmetros 
 jusfundamentais, recorda‑se que a mesma não vai, no seu significado útil, 
 acompanhada pela demais jurisprudência constitucional.
 Por exemplo, no Acórdão n.° 260/2002 julgou‑se inconstitucional a norma do 
 artigo 411.°, n.° 3, do CPP no âmbito de um recurso para o STJ sem que a CRP 
 imponha a garantia de um 3.° grau de jurisdição... Qual é a orientação correcta 
 do Tribunal?
 Desta forma e no que respeita à configuração processual que os autos 
 percorreram, a argumentação deduzida pelo relator é desprovida de fundamento e 
 em nada aproveita para o juízo que aqui se controverte.
 Depois, em segundo lugar, também não pode dizer‑se que, não existindo uma 
 directa imposição constitucional da previsão de incidentes pós‑decisórios, 
 quedam‑se por manifestamente infundadas as questões que digam direito aos 
 termos de acesso a esse expediente processual tão relevante, designadamente à 
 luz do direito de acesso aos tribunais e a um processo justo e equitativo, 
 porquanto, como se escreveu no Acórdão n.° 485/2000, o legislador terá sempre de 
 respeitar a dimensão da garantia de acesso ao direito e aos tribunais que se 
 traduz em assegurar às partes uma completa percepção do conteúdo das sentenças 
 judiciais e em assegurar a possibilidade de reacção contra determinados vícios 
 da decisão. O legislador terá, pois, de consagrar na legislação processual 
 mecanismos que viabilizem, de modo eficaz, a prossecução de tais finalidades 
 
 (de forma que) A limitação da utilização dos meios processuais em causa (...), 
 quando a parte observa o condicionalismo legal (nomeadamente no que respeita a 
 prazos), atentará, pois, contra o direito de acesso aos tribunais 
 constitucionalmente consagrado, se tal limitação não se fundar num outro valor 
 ou princípio com dignidade constitucional. (...)», não podendo, pois, 
 inviabilizar‑se o «recurso a um mecanismo processual com uma finalidade 
 singular, e, por essa via, da denegação da única possibilidade legal de reacção 
 contra determinados vícios da decisão jurisdicional».
 Assumindo esta jurisprudência, entende o recorrente que a questão que suscitou 
 em tempo não é manifestamente infundada ou improcedente, não podendo 
 invocar‑se, como verdade de la palisse, que se «desconhece a existência de 
 qualquer acusação de inconstitucionalidade à solução (...) de não previsão da 
 possibilidade de reforma».
 De facto, levado a sério esse argumento, todas as questões novas que não 
 houvessem conhecido julgamento de inconstitucionalidade – por omissão (?) – 
 seriam manifestamente infundadas ...
 Por tudo o que se expôs, o reclamante não «percebe» ou alcança o conteúdo desta 
 decisão sumária quanto aos argumentos que a fundamentam.
 Termos em que, nos mais de direito e com o douto suprimento de V. Ex.as, se 
 requer que se defira a presente reclamação, revogando‑se a decisão sumária 
 reclamada e ordenando‑se a notificação do reclamante para alegar quanto ao 
 objecto do recurso que estava em causa, ou seja, quanto à norma do artigo 669.° 
 do Código de Processo Civil quando interpretada no sentido de não permitir que o 
 juiz se pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade imputada a uma 
 dimensão normativa desse mesmo preceito (o artigo 669.° do CPC).”
 
  
 
                1.3. Notificado desta reclamação, o recorrido não apresentou 
 qualquer resposta.
 
                Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                2. A divergência fundamental entre o entendimento seguido na 
 Decisão Sumária reclamada e a tese defendida pelo recorrente respeita à 
 seguinte questão: relativamente a quê se deve aferir a utilidade do conhecimento 
 do recurso de constitucionalidade?
 
                O recorrente entende que essa utilidade deve ser vista à luz da 
 repercussão que um eventual provimento do recurso de constitucionalidade teria 
 na específica decisão (ou “sub-decisão”) contida no acórdão recorrido, enquanto 
 decidiu que no incidente de pedido de reforma de decisão judicial, previsto no 
 n.º 2 do artigo 669.º do CPC, não podia apreciar arguições de 
 inconstitucionalidade dirigidas às próprias normas reguladoras desse incidente. 
 A ser assim, a razão estaria da parte do recorrente, pois se o Tribunal 
 Constitucional desse acolhimento à referida “quarta questão de 
 inconstitucionalidade”, julgando inconstitucional a norma do artigo 669.º, n.º 
 
 2, do CPC, “quando interpretada no sentido de não permitir que o juiz se 
 pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade imputada a uma dimensão 
 normativa desse mesmo preceito”, é óbvio que a decisão recorrida, nessa parte, 
 teria de ser reformulada em conformidade com esse juízo de 
 inconstitucionalidade.
 
                No entanto, o interesse processual no conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade deve, antes, ser aferido face à susceptibilidade de a 
 pronúncia do Tribunal Constitucional «se projectar utilmente sobre a decisão 
 quanto ao mérito da causa» (para usar a formulação do Acórdão n.º 159/93), isto 
 
 é, sobre o desfecho da acção, e não restritamente sobre a concreta decisão 
 judicial recorrida, nem, muito menos, sobre uma parte desta decisão. Isto é: a 
 utilidade processual deve ser aferida relativamente ao processo (à causa), não 
 se reportando apenas à decisão recorrida.
 
                Ora, no presente caso, como se demonstrou na Decisão Sumária ora 
 reclamada, mesmo que se viesse a entender, contrariamente ao entendimento 
 seguido pelo tribunal recorrido, que podia ser apreciada a questão de 
 inconstitucionalidade reportada à própria regulação do incidente de reforma de 
 decisões judiciais, o certo é que tal nenhuma repercussão poderia ter, quer no 
 sentido final do acórdão recorrido, quer no desfecho da causa, uma vez que 
 surgia como manifestamente infundada a questão de inconstitucionalidade que se 
 pretendia ver apreciada: a aludida “terceira questão de inconstitucionalidade”, 
 também reportada ao artigo 669.º, n.º 2, do CPC, mas agora na dimensão “que se 
 condense num critério normativo que determine a impossibilidade de reforma da 
 decisão nos casos em que, cabendo ao juiz realizar oficiosamente todas as 
 diligências que se lhe afiguram úteis para conhecer a verdade relativamente aos 
 factos alegados ou de que oficiosamente se pode conhecer, não constem do 
 processo os elementos necessários para fundar a decisão do tribunal, 
 designadamente quando da decisão consta que dos autos não constam elementos 
 susceptíveis de conduzir a solução diversa”.
 
                Na verdade, não resultando da Constituição – mesmo no âmbito do 
 processo tributário – a consagração, em todos os casos, de um duplo grau de 
 jurisdição, carece manifestamente de base a tese de que, após ter sido 
 assegurado, no caso, esse direito de recurso, a Constituição ainda imporia, não 
 só a previsão do incidente pós‑decisório de reforma da decisão judicial 
 
 (incidente que, como já se referiu, representa um desvio ao princípio da 
 estabilidade das decisões judiciais e do esgotamento do poder jurisdicional do 
 juiz quanto à matéria da causa), mas a sua previsão com o específico fundamento 
 pretendido pelo recorrente.
 
                Improcedem, assim, na totalidade, as objecções dirigidas pelo 
 recorrente contra a Decisão Sumária reclamada.
 
  
 
                4. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente 
 reclamação.
 
                Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 20 
 
 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 7 de Fevereiro de 2006.
 Mário José de Araújo Torres 
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos