 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 912/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         A., SA, instaurou, em 6 de Abril de 2005, no Tribunal 
 Administrativo e Fiscal (TAF) de Viseu, “processo urgente de intimação para 
 protecção de direitos, liberdades e garantias”, nos termos dos artigos 109.º a 
 
 111.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei 
 n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro (CPTA), contra o INGA – Instituto Nacional de 
 Intervenção e Garantia Agrária, pedindo a intimação do requerido para que se 
 abstenha de proceder à execução da garantia bancária no valor de € 233 255,68, 
 com a ref.ª 125‑02‑0087086, de 15 de Julho de 1999, do BANCO b., SA, até ao 
 trânsito em julgado da decisão final na acção administrativa especial (n.º 
 
 312/2001) de impugnação da deliberação do Conselho de Administração do INGA, de 
 
 15 de Outubro de 2004, que lhe determinou a reposição da quantia de € 1 885 
 
 881,98, relativa a ajuda comunitária, considerada indevidamente recebida. Para 
 fundamentar esse pedido, aduziu, em suma, o seguinte: (i) em 11 de Janeiro de 
 
 2005, intentou a referida acção administrativa especial, que ainda não foi 
 decidida; (ii) em 18 de Janeiro de 2005, como incidente dessa acção, interpôs 
 processo cautelar de suspensão de eficácia, que foi indeferido por decisão 
 proferida em 25 de Fevereiro de 2005, que ainda não transitou em julgado, 
 encontrando‑se pendente recurso no Tribunal Central Administrativo Norte 
 
 (TCAN); (iii) em 29 de Março de 2005, o requerido interpelou o referido Banco 
 para, ao abrigo da mencionada garantia, pagar a quantia de € 233 244,68, por 
 alegado incumprimento por parte do afiançado do contrato respectivo; (iv) 
 existe fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado a 
 partir de uma decisão administrativa ilegal e ilícita (ferida de nulidade por 
 ofender o conteúdo essencial de direito fundamental), que será causa provável de 
 prejuízos de difícil reparação, designadamente no seu direito ao bom nome e 
 reputação, inexistindo interesse público legítimo em executar (ao menos até 
 decisão final de improvimento da acção de impugnação do acto administrativo 
 ilegal) o que já está garantido.
 
                         Por sentença de 13 de Maio de 2005 do TAF de Viseu o 
 pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias foi 
 indeferido por, dispondo o artigo 109.º, n.º 1, do CPTA que essa intimação pode 
 ser requerida “quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à 
 Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele 
 indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, 
 liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do 
 caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar”, no caso não se 
 verificava o requisito legal constante da parte final deste preceito, já que 
 
 “para protecção dos direitos, liberdades e garantias enunciados pela requerente 
 teria sido possível e suficiente o decretamento provisório de pedido cautelar, 
 designadamente antecipatório (intimação para abstenção de uma conduta por parte 
 do ora requerido)”.
 
                         A requerente interpôs recurso desta sentença para o 
 TCAN, alegando, além do mais, que “a dimensão normativa encontrada para a norma 
 contida no artigo 109.º do CPTA, na interpretação restritiva aplicada pela 
 sentença recorrida, padece de inconstitucionalidade material por contravenção do 
 disposto nos artigos 20.º, n.º 5, e 26.º da Constituição da República 
 Portuguesa”.
 
                         Por acórdão de 29 de Setembro de 2005 do TCAN foi negado 
 provimento a esse recurso jurisdicional, tendo, no que concerne à questão de 
 inconstitucionalidade suscitada, sido expendido o seguinte:
 
  
 
             “3.2.2.             Invoca a recorrente, como fundamento material de 
 recurso, que a decisão recorrida contraria o que decorre dos artigos 109.º do 
 CPTA e 20.º, n.º 5, e 26.º, ambos da CRP, já que, segundo sustenta, «(…) a 
 interpretação restritiva aplicada pela sentença recorrida (…)» (a propósito da 
 previsão e âmbito do artigo 109.º do CPTA) «(…) padece de inconstitucionalidade 
 material por contravenção do disposto nos artigos 20.º, n.º 5, e 26.º da 
 Constituição da República Portuguesa».
 
             Vejamos da pertinência da tese sustentada pela recorrente.
 
             Decorre do artigo 109.º, n.º 1, do CPTA que: «A intimação para 
 protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a 
 célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de 
 uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o 
 exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser 
 possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório 
 de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º».
 
             Este meio processual de intimação para protecção de direitos, 
 liberdades e garantias, regulado nos artigos 109.º a 111.º do CPTA, destina‑se 
 a dar cumprimento à exigência ditada pelo artigo 20.º, n.º 5, da CRP quando nele 
 se estatui que para «(…) defesa dos direitos, liberdades e garantais pessoais, a 
 lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade 
 e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças 
 ou violações desses direitos», normativo este que constitui uma das mais 
 relevantes inovações introduzidas pela Lei Constitucional n.º 1/97 (cf. Maria 
 Fernanda Maçãs, “As formas de tutela urgente previstas no Código de Processo 
 nos Tribunais Administrativos”, Revista do Ministério Público, ano 25.º, n.º 
 
 100, Outubro/Dezembro 2004, pp. 41 e seguintes, em especial pp. 48 a 53; e Mário 
 Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª 
 edição, pp. 273 e 274).
 
             Note‑se que no n.º 5 do referido normativo não está em questão a 
 criação de um qualquer meio cautelar, porquanto o que se visa seria a 
 concretização de um direito a processos céleres e prioritários, de molde a 
 obter‑se uma eficaz e atempada protecção jurisdicional contra ameaças ou 
 atentados aos direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos.
 
             Com efeito, do comando constitucional em referência decorre a 
 exigência de um programa completo de instrumentos processuais que integralmente 
 satisfaçam a necessidade da tutela efectiva de quaisquer direitos ou interesses 
 legalmente protegidos.
 
             O que essencialmente se pretende é que a justiça, no caso a justiça 
 administrativa, tenha sempre resposta, em termos procedimentais, à solicitação 
 de tutela de direitos ou interesses; trata‑se, afinal, de fazer corresponder a 
 todo o direito uma acção adequada a fazê‑lo reconhecer em juízo (cf. artigo 2.º, 
 n.º 2, quer do CPTA quer do CPC).
 
             Já, porém, o comando constitucional não condiciona o legislador, 
 respeitado que se mostre o modelo organizatório judicialista e a tutela 
 efectiva dos direitos dos administrados, na sua opção pelas fórmulas de 
 instituição da justiça administrativa e, muito menos, na articulação dos 
 diversos meios processuais que disponibiliza ao administrado ou na fixação de 
 pressupostos processuais de cada um deles, de que eventualmente resulte a 
 preferência por um determinado meio que, em concreto, assegure a tutela 
 efectiva, reclamada, do direito ou do interesse.
 
             Não pode e não se extrai da previsão do artigo 20.º, n.º 5, na sua 
 conjugação com o artigo 268.º, n.ºs 4 e 5, ambos da CRP, que o legislador 
 constitucional tenha pretendido uma duplicação dos mecanismos contenciosos 
 utilizáveis, porquanto o que ressalta dos mesmos comandos é que qualquer 
 procedimento da Administração que produza uma ofensa de situações 
 juridicamente reconhecidas tem de poder ser sindicado jurisdicionalmente.
 
             É nesta total abrangência da tutela jurisdicional que se traduz a 
 plena efectivação das garantias jurisdicionais dos administrados, não se 
 enquadrando necessariamente nesta ideia de total garantia jurisdicional uma 
 duplicação ou alternatividade de instrumentos e/ou meios processuais de reacção 
 a uma dada actuação da Administração.
 
             Daí que, seguindo os ensinamentos de J. J. Gomes Canotilho (Direito 
 Constitucional e Teoria da Constituição, 5.ª edição, pp. 499 e 500), estamos em 
 presença de um «(…) direito constitucional de amparo de direitos a efectivar 
 através das vias judiciais normais (…)» (vide ainda do mesmo ilustre Professor, 
 Estudos sobre Direitos Fundamentais, 2004, p. 79).
 
             Como doutamente se sustentou, a propósito da previsão do artigo 
 
 109.º do CPTA, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 18 de 
 Novembro de 2004 (Proc. n.º 978/04 – in www.dgsi.pt/jsta), cuja jurisprudência 
 e entendimento aqui se acolhem:
 
  
 
             «(…) Pretendeu‑se consagrar uma tutela jurisdicional reforçada nas 
 situações tipificadas no já mencionado preceito, deste modo vincando a posição 
 do cidadão como sujeito de direitos e liberdades, dando a tais direitos, 
 liberdades e garantias um estatuto de “prefered position” (…).
 
             Podemos, assim, encarar o regime acolhido nos já referidos artigos 
 
 109.º a 111.º do CPTA como uma clara manifestação da incidência e projecção de 
 uma parcela nuclear do Direito Constitucional sobre institutos de Direito 
 Processual Administrativo, assumindo‑se, por isso, o contencioso administrativo 
 como um dos elementos de garantia dos direitos fundamentais.
 
             Os mencionados preceitos concedem ao juiz administrativo um poder de 
 injunção, ainda que limitado às situações em que esteja em causa a protecção de 
 direitos, liberdades e garantias, habilitando‑o a adoptar todas as medidas 
 necessárias a salvaguardar o exercício, em tempo útil, dos direitos, liberdades 
 e garantias, deste modo o dotando dos meios de acção indispensáveis a assegurar 
 a defesa das “liberdades” dos “particulares”.
 
             O legislador ordinário, dando cumprimento à imposição veiculada no 
 n.º 5 do artigo 20.º do CRP, procedeu à revalorização fundamental do papel do 
 juiz administrativo no campo da protecção dos direitos, liberdades e garantias, 
 dando‑lhe meios para obviar, rápida e eficazmente, às ameaças aos direitos, 
 liberdades e garantias.
 
             O interessado que pretenda aceder à via contenciosa mediante o 
 pedido de intimação deverá invocar a lesão, ou ameaça de lesão, dos seus 
 direitos, liberdades ou garantias, devendo formular o seu pedido contra o ente 
 público de que proceda o acto ou omissão que ponha em risco ou atente contra os 
 direitos, liberdades e garantias, podendo, também, formular o pedido contra 
 particulares, designadamente concessionários, quando vise suprir a omissão por 
 parte da Administração das providências adequadas a prevenir ou reprimir 
 condutas lesivas dos direitos, liberdades e garantias do interessado (cf. n.º 2 
 do artigo 109.º do CPTA).
 Temos, assim, que a pretensão terá de fundar‑se na lesão ou ameaça de lesão de 
 um direito, liberdade ou garantia, o que, de resto, deve ser devidamente 
 referenciado pelo interessado na sua petição. (…).»
 
  
 Como refere Maria Fernanda Maçãs (local citado, p. 50): «(…) Com a actual 
 reforma, o legislador atenua de algum modo (…) críticas, consagrando este 
 mecanismo de defesa dos direitos fundamentais contra actos administrativos. Na 
 verdade, as violações aos direitos fundamentais vêm sobretudo da Administração, 
 na medida em que continua a ser o poder estadual que convive mais de perto com 
 os cidadãos e daí a maior susceptibilidade de lesar os seus direitos. (…)».
 
             Para além disso, temos que o legislador não restringiu este meio 
 processual aos direitos, liberdades e garantias pessoais, como estabelece o 
 artigo 20.º, n.º 5, da CRP visto que o seu âmbito abarca os direitos, liberdades 
 e garantias do Título II da Parte I da CRP, incluindo os de natureza análoga 
 
 (artigo 17.º da CRP), pelo que se consideram abarcados no seu âmbito os direitos 
 de natureza análoga dispersos na CRP e fora do catálogo (cf., neste sentido, 
 Maria Fernanda Maçãs, local citado, p. 50).
 
             Ora, o conteúdo do pedido do requerente (pessoa individual ou 
 colectiva) a deduzir no âmbito deste meio contencioso será a condenação do 
 requerido (Administração e particulares, em especial concessionários) na 
 adopção de uma conduta positiva ou negativa, que poderá, inclusivamente, 
 traduzir‑se na prática de um acto administrativo, tal como resulta do disposto 
 no artigo 109.º, n.ºs 1 e 3, do CPTA (cf. Mário Aroso de Almeida, obra citada, 
 p. 276; e José Carlos Vieira de Andrade, obra citada, pp. 258 e 259).
 
             Seguindo aqui a doutrina desenvolvida por José Carlos Vieira de 
 Andrade (obra citada, pp. 259/260) são pressupostos do pedido de intimação os 
 seguintes:
 
             a) A necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do 
 processo que seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou 
 garantia;
 
             b) Que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de 
 uma providência cautelar, no âmbito de uma acção administrativa normal (comum 
 ou especial) (cf. Acórdão do STA, de 18 de Novembro de 2004, Proc. n.º 978/04, 
 in www.dgsi.pt/jsta; e João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, 7.ª 
 edição, p. 351).
 
             Frise‑se que não nos encontramos no domínio da tutela cautelar, 
 visto que a tutela que proporciona o pedido de intimação para protecção de 
 direitos, liberdades e garantias se insere num processo de fundo que visa a 
 obtenção, em tempo útil e por isso com carácter de urgência, de uma pronúncia 
 definitiva sobre a relação jurídico‑administrativa em questão (cf. Mário Aroso 
 de Almeida, obra citada, pp. 274 e 275; e João Caupers, obra citada, pp. 347 a 
 
 349).
 
             Todavia, importa ter presente que se trata de meio contencioso que 
 se caracteriza pela sumariedade e urgência, de molde a que se obtenha o seu 
 desiderato, ou seja, «uma protecção rápida e contundente ao legítimo exercício 
 de um direito, liberdade ou garantia frente a qualquer tipo de ameaças, 
 restrições, lesões ou violações, provenientes, designadamente, da actuação ou 
 omissão da Administração» (vide citado Acórdão do STA, de 18 de Novembro de 
 
 2004, Proc. n.º 978/04).
 
             Por outro lado, e tal como sustenta Maria Fernanda Maçãs a 
 propósito do requisito relativo à necessidade urgente de uma decisão de mérito 
 indispensável para assegurar, em tempo útil, a protecção de um direito, 
 liberdade e garantia (local citado, p. 51):
 
  
 
             «(…) Quando o legislador fala em “decisão de mérito indispensável 
 
 …” cremos que a indispensabilidade não equivale aqui a irreversibilidade ou 
 iminência de lesão. Isto porque é no n.º 1 do artigo 111.º que o legislador faz 
 equivaler as situações de especial urgência à possibilidade de lesão iminente e 
 irreversível do direito, liberdade e garantia, (…).
 
             Assim sendo, podemos dizer que em termos correntes e normais 
 bastará, por conseguinte, a invocação da necessidade de assegurar o pleno e útil 
 exercício do direito, liberdade e garantia em causa.
 
             A indispensabilidade não constitui, pois, sinónimo de urgência 
 qualificada, antes corresponde à necessidade de usar a intimação por não ser 
 possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, assegurar o exercício de um 
 direito, liberdade e garantia, em tempo útil, através de outro meio, 
 designadamente o decretamento provisório de uma providência cautelar. (…).»
 
  
 
             Feita que foi esta breve incursão sobre a temática da intimação para 
 protecção de direitos, liberdades e garantias e sobre a amplitude e contornos 
 do direito/garantia constitucional à tutela jurisdicional efectiva, importa, 
 agora, reverter ao caso em análise, aferindo da bondade da interpretação e 
 entendimento sustentado na decisão recorrida.
 
             Temos, para nós, que a argumentação da recorrente é manifestamente 
 improcedente, constituindo uma interpretação que, essa sim, será violadora dos 
 normativos em crise.
 
             Com efeito, conforme resulta da factualidade apurada e documentos 
 insertos nos autos (cf. fls. 93 a 105), a recorrente, no uso dos meios 
 contenciosos previstos no ordenamento jurídico‑administrativo, lançou mão da 
 acção administrativa especial e da acção cautelar a ela apensa tendente à 
 obtenção do reconhecimento do direito que invoca ser titular, vindo, agora, com 
 a dedução deste meio contencioso principal reclamar o reconhecimento do mesmo 
 direito que ali havia sido invocado.
 
             No entender da recorrente, a lei processual faculta‑lhe tal direito, 
 pelo que a interpretação sustentada na decisão judicial recorrida é violadora 
 daqueles normativos supra elencados.
 
             Tal posicionamento interpretativo não pode ser minimamente aceite 
 porquanto se traduz num uso em duplicado dos meios contenciosos legalmente 
 tipificados ou numa duplicação da tutela jurisdicional para além do que se 
 mostra consagrado e é legítimo inferir, à luz dos considerandos supra tecidos a 
 este propósito, dos artigos 20.º, n.º 5, e 268.º, n.ºs 4 e 5, da CRP.
 
             Decorre duma correcta interpretação dos normativos em crise (cf. 
 artigos 20.º, 26.º e 268.º da CRP e 2.º, 109.º e 112.º e seguintes do CPTA) que 
 os meios contenciosos em presença e confronto não estão colocados numa posição 
 de alternatividade ou de cumulatividade, nem é aceitável, à luz do que é, em  
 nosso entendimento, a clara intenção do legislador, que a improcedência da 
 tutela cautelar traduzida numa pronúncia de mérito sobre tal pretensão 
 legitime, numa «segunda volta», o uso ainda de mais este meio contencioso de 
 tutela principal e definitiva para obtenção da satisfação do alegado direito ou 
 interesse lesado quando a tutela jurisdicional estava a ser efectivada com 
 recurso à acção administrativa, no caso especial, em conjugação com a acção 
 cautelar.
 
             Não é no caso sustentável uma duplicação da tutela judicial através 
 da dedução dum pedido como o sub judice, nem o legislador constitucional nos 
 normativos invocados pela recorrente permite/autoriza ou sequer impõe ao 
 legislador ordinário a consagração de um regime de cumulação ou dedução 
 alternativa dos meios ou instrumentos contenciosos aludidos.
 
             Na verdade, não é pelo facto de a recorrente não ter obtido a 
 satisfação da pretensão cautelar deduzida, que, recorde‑se, foi indeferida com 
 fundamento em pronúncia de mérito (não verificação dos requisitos enunciados no 
 artigo 120.º do CPTA), confirmada, aliás, por acórdão deste mesmo Tribunal 
 datado de 7 de Julho de 2005 (Proc. n.º 132/05.9BEVIS), que, agora, está 
 legitimada a instaurar o meio contencioso previsto nos artigos 109.º e seguintes 
 do CPTA.
 
             O uso do presente meio contencioso principal, com o qual se obtém 
 uma pronúncia judicial final definitiva, exige para a sua procedência que se 
 mostrem verificados in casu os requisitos supra enumerados, ou seja, a 
 necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que seja 
 indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia e que não 
 seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência 
 cautelar no âmbito de uma acção administrativa (cf. artigos 109.º e 131.º do 
 CPTA).
 
             Tais requisitos ou exigências, à luz do modo como foram 
 interpretados pela M.ma Juiz a quo na decisão judicial recorrida, não contendem 
 ou afectam minimamente os normativos constitucionais invocados pela recorrente, 
 já que, repita‑se, não é pelo facto de ter «falhado» a tutela cautelar nos 
 termos em que tal ocorreu no caso que a recorrente está agora legitimada à 
 instauração do meio previsto no artigo 109.º do CPTA ou pode ver aberta a porta 
 da tutela jurisdicional através do referido meio, pois este meio contencioso 
 não se mostra numa relação de alternatividade ou de cumulatividade sucessiva 
 por referência com os demais meios contenciosos previstos no CPTA.
 
             Não foi, nem é essa, manifestamente, a intenção do legislador 
 constitucional, nem aquela que, em cumprimento escrupuloso daquele 
 desiderato, foi consagrada no CPTA (artigos 109.º e seguintes) pelo legislador 
 ordinário na definição do actual regime de tutela jurisdicional em sede de 
 contencioso administrativo.
 
             Impunha‑se, por conseguinte, o indeferimento do presente pedido de 
 intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias deduzido pela aqui 
 recorrente, o que doutamente foi decidido na e pela decisão judicial em recurso 
 e que, assim, importa confirmar com todas as legais consequências.”
 
  
 
                         É contra este acórdão que, pela mesma recorrente, vem 
 interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos 
 artigos 20.º, n.º 5, e 26.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), da 
 norma do artigo 109.º do CPTA, “na dimensão normativa aplicada pelo acórdão 
 recorrido”.
 
                         A recorrente apresentou alegações, formulando, a final, 
 as seguintes conclusões:
 
  
 
             “1) A concreta dimensão normativa encontrada para a norma contida no 
 artigo 109.º do CPTA, na interpretação restritiva aplicada pela sentença [sic] 
 recorrida, impõe uma restrição desproporcionada e excessiva ao acesso ao 
 direito e tutela jurisdicional efectiva.
 
             2) Violando o disposto nos artigos 20.º, n.º 5, e 26.º da 
 Constituição da República Portuguesa;
 
             3) Deverá, por isso, vir julgada inconstitucional, com as demais 
 consequências legais.”
 
  
 
                         O recorrido INGA contra‑alegou, concluindo:
 
  
 
             “1.ª – Apesar de o presente recurso ter sido interposto ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, deve ser completamente irrelevante a 
 verificação dos requisitos de admissibilidade exigidos por este normativo, 
 porquanto não se está perante uma decisão de um Tribunal que possa ser 
 enquadrada na referida alínea.
 
             2.ª – De facto, o acórdão recorrido, ao indeferir o pedido de 
 intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ao qual a 
 recorrente entendia ter direito, não aplicou a norma, cuja interpretação foi 
 arguida de ser contrária à Constituição, mas, antes, recusou o uso daquele meio 
 contencioso concedido pela norma em questão, por não se mostrarem verificados 
 os requisitos para a sua procedência.
 
             3.ª – Assim, no entender do recorrido, o que importa para o 
 conhecimento do presente recurso, por este douto Tribunal, será descortinar se 
 a recusa da aplicação da norma em questão – artigo 109.º do CPTA – foi com 
 fundamento em inconstitucionalidade, porque, caso contrário, não poderá 
 conhecer do mesmo.
 
             4.ª – Ora, salvo melhor entendimento, resulta da leitura do acórdão 
 recorrido que a decisão que recusou a aplicação da norma contida no referido 
 artigo 109.º do CPTA não foi com fundamento em inconstitucionalidade, mas terá 
 resultado da não verificação in casu dos requisitos exigidos para a sua 
 procedência.
 
             5.ª – Nestes termos, entende o recorrido que o Tribunal não deve 
 conhecer do presente recurso, por falta do requisito previsto na alínea a) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da LTC, e que, por o mesmo ser inadmissível, ao abrigo do 
 n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC, é permitida a prolação de decisão sumária.
 
             6.ª – Quanto à questão da inconstitucionalidade suscitada pela 
 recorrente, a qual decorreria da interpretação normativa, feita pelo Tribunal 
 Central Administrativo Norte, da disposição do artigo 109.º do CPTA, que se 
 afigura inconstitucional por violação das normas constantes nos artigos 20.º, 
 n.º 5 (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) e 26.º (Outros 
 direitos pessoais) da Constituição da República Portuguesa, no entendimento do 
 recorrido, tal questão mostra‑se manifestamente infundada.
 
             7.ª – Na verdade, não só no acórdão recorrido não foi feita a 
 alegada interpretação restritiva, desproporcionada e excessiva ao acesso ao 
 direito e tutela jurisdicional efectiva, para o indeferimento do pedido de 
 intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, mas, 
 independentemente de quaisquer interpretações que possam ser feitas, constitui 
 orientação unívoca desse douto Tribunal de que, salvo o caso de sentença penal 
 condenatória (e, eventualmente, quando estejam em causa direitos, liberdades e 
 garantias), o direito de acesso à justiça consignado no artigo 20.º da 
 Constituição não garante necessariamente, em todos os casos e por si só, o 
 direito a um duplo grau de jurisdição: garante sim, a todos e sem discriminação 
 de ordem económica, o acesso à via judiciária correspondente a um grau de 
 jurisdição.
 
             8.ª – De facto, para protecção de direitos, liberdades e garantias, 
 e para assegurar, em tempo útil, a defesa dos mesmos, contra quaisquer ameaças 
 ou lesões, apenas deve ser utilizado o pedido de intimação como o meio 
 processual indicado, desde que este seja indispensável para assegurar aquela 
 protecção, e que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de 
 uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa (cf. artigos 
 
 109.º e 131.º do CPTA).
 
             9.ª – Nestes termos, o acórdão recorrido decidiu bem, fazendo uma 
 correcta interpretação do artigo 109.º do CPTA, ao recusar o pedido de 
 intimação, por não se verificarem os requisitos para a sua procedência, uma vez 
 que a recorrente já tinha lançado mão de outro meio processual, o cautelar, o 
 qual teria sido suficiente para assegurar a tutela efectiva do alegado direito 
 ou interesse lesado, não fora o seu indeferimento com fundamento em pronúncia 
 de mérito (não verificação dos requisitos enunciados no artigo 120.º do CPTA).
 
             10.ª – Com efeito, não é pelo facto de a recorrente não ter obtido a 
 satisfação da pretensão cautelar deduzida que, então, estaria legitimada a 
 instaurar o meio contencioso previsto nos artigos 109.º e seguintes do CPTA.
 
             11.ª – Entende, pois, o recorrido, que tanto bastará para se 
 considerar manifestamente infundada a questão da inconstitucionalidade suscitada 
 pela recorrente, podendo‑se concluir pela inatendibilidade dos fundamentos do 
 presente recurso alegados pela mesma.”
 
  
 
                         Notificada para se pronunciar sobre a questão prévia 
 suscitada nas contra‑alegações do recorrido, a recorrente respondeu sustentando 
 o seu improvimento por, sendo o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 
 
 1 do artigo 70.º da LTC, a decisão recorrida aplicou (emitindo um juízo de 
 conformidade constitucional da mesma) a norma cuja inconstitucionalidade havia 
 sido suscitada pela recorrente durante o processo.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         2.1. Sustenta o recorrido que, tendo o presente recurso 
 sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o mesmo 
 seria inadmissível por a decisão recorrida, ao indeferir o pedido de intimação 
 formulado, não ter aplicado a norma (do artigo 109.º, n.º 1, do CPTA) cuja 
 inconstitucionalidade fora suscitada, e, por outro lado, não se baseando a 
 recusa de aplicação dessa norma num juízo de inconstitucionalidade da mesma (mas 
 antes num juízo de não verificação dos requisitos exigidos para a sua 
 aplicação), também o recurso seria inadmissível mesmo se interposto ao abrigo 
 da alínea a) daquele preceito.
 
                         Não é, porém, assim.
 
                         A recorrente suscitou a inconstitucionalidade de uma 
 interpretação (que apelidou de “restritiva”, mas que, em rigor, é susceptível 
 de ser considerada como meramente “declarativa”) da norma do n.º 1 do artigo 
 
 109.º do CPTA no sentido de que é inadmissível o recurso ao processo de 
 intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias se o interessado 
 dispôs da possibilidade de obter o decretamento provisório de providência 
 cautelar que determinaria a abstenção, por parte do recorrido, da conduta (no 
 caso, a execução da garantia bancária) alegadamente lesiva de um seu “direito, 
 liberdade e garantia”.
 
                         Neste contexto, ao indeferirem a intimação requerida por 
 entenderem que, por falta do requisito mencionado na parte final do n.º 1 do 
 artigo 109.º do CPTA, a situação da requerente não estava abrangida pela 
 previsão desse preceito, as decisões das instâncias aplicaram, como ratio 
 decidendi, a “interpretação normativa restritiva” que a ora recorrente apodara 
 de inconstitucional.
 
                         Nestes termos, estão preenchidos os requisitos de 
 admissibilidade do recurso previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, 
 improcedendo a questão prévia suscitada na contra‑alegação do recorrido.
 
  
 
                         2.2. O processo de intimação para protecção de direitos, 
 liberdades e garantias, regulado nos artigos 109.º a 111.º do CPTA, é, conforme 
 tem sido salientado pela doutrina, uma das novidades absolutas da recente 
 reforma do contencioso administrativo português (cf. José Carlos Vieira de 
 Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 7.ª edição, Coimbra, 2005, pp. 
 
 261‑267, e “A protecção dos direitos fundamentais na justiça administrativa 
 reformada”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 134.º, n.º 3929, 1 
 de Dezembro de 2001, pp. 226‑235, em especial pp. 229‑232; Mário Aroso de 
 Almeida, “Breve introdução à reforma do contencioso administrativo”, Cadernos de 
 Justiça Administrativa, n.º 32, pp. 3‑10, em especial p. 8, e O Novo Regime do 
 Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, Coimbra, 2004, pp. 273‑279; 
 Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código 
 de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2005, pp. 535‑549; Isabel 
 Fonseca, Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo (Função e 
 Estrutura), Lisboa, 2004, pp. 75‑86; Maria Fernanda Maçãs, “As formas de tutela 
 urgente previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Revista 
 do Ministério Público, ano 25.º, n.º 100, Outubro/Dezembro 2004, pp. 41‑70, em 
 especial pp. 48‑53; Carla Amado Gomes, “Pretexto, contexto e texto da intimação 
 para protecção de direitos, liberdades e garantias”, in Estudos em Homenagem ao 
 Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. V, Coimbra, 2003, pp. 541‑577; e 
 
 “Intimação para protecção de que direitos, liberdades e garantias?” (anotação ao 
 acórdão do STA de 18 de Novembro de 2004, P. 978/04), Cadernos de Justiça 
 Administrativa, n.º 50, Março/Abril 2005, pp. 32‑43; e Sofia David, Das 
 Intimações – Considerações sobre uma (nova) tutela de urgência no Código de 
 Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2005, pp. 107‑137).
 
                         Visando dar execução ao comando constitucional do artigo 
 
 20.º, n.º 5, da CRP (introduzido pela revisão constitucional de 1997), ampliou 
 mesmo o seu alcance, ao abarcar como objecto de protecção todos os direitos, 
 liberdades e garantias (e não apenas os direitos, liberdades e garantias 
 pessoais, como se expressa o preceito constitucional).
 
                         Outra das notas características desta figura é tratar‑se 
 de um processo autónomo (principal), tal como os demais processos urgentes 
 regulados no Título IV do CPTA, e não de um processo cautelar, como os tratados 
 no Título V, que são sempre dependentes de uma causa (principal) que tem por 
 objecto a decisão sobre o mérito (artigo 113.º, n.º 1, do CPTA). O processo de 
 intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, tendo a 
 especificidade de visar a emissão célere de uma decisão de mérito que imponha à 
 Administração (ou a particulares) a adopção de uma conduta, positiva ou 
 negativa, que seja indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de 
 um direito, liberdade ou garantia, tem em comum quer com os demais processos 
 regulados no referido Título IV, quer com os processos que seguem a forma da 
 acção administrativa comum (Título II) ou da acção administrativa especial 
 
 (Título III), o tratar‑se de processo “em que o tribunal é chamado a apreciar e 
 decidir litígios através de decisões cuja função é a de resolver 
 definitivamente esses litígios mediante sentença transitada em julgado” (Mário 
 Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, obra citada, p. 536).
 
                         Estes autores, analisando o requisito de concessão desta 
 intimação consistente na indispensabilidade da sua célere emissão, “por não ser 
 possível, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma 
 providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º” (este artigo 131.º 
 prevê, para a generalidade das providências cautelares, a possibilidade de o 
 interessado pedir o decretamento provisório da providência, quando ela “se 
 destine a tutelar direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam 
 ser exercidos em tempo útil ou quando entenda haver especial urgência”), 
 ponderam o seguinte (obra citada, pp. 538‑539):
 
  
 
             “A imposição deste (…) requisito é da maior importância e deve 
 ser realçada, pois, através dela, o Código assume que, ao contrário do que, à 
 partida, se poderia pensar, o processo de intimação para protecção de 
 direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reacção a utilizar em 
 situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias. A via 
 normal de reacção é a da propositura de uma acção não urgente (acção 
 administrativa comum ou acção administrativa especial), associada à dedução 
 de um pedido de decretamento de providências cautelares, destinadas a 
 assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no 
 
 âmbito dessa acção. Só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização 
 da via normal não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em 
 tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o 
 processo de intimação.
 
             O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e 
 garantias é, assim, instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado 
 para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias 
 contenciosas, nas situações – e apenas nessas – em que as outras formas de 
 processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a 
 protecção efectiva de direitos, liberdades e garantias (…).
 
             A opção afigura‑se compreensível, não parecendo, na verdade, que o 
 
 âmbito de intervenção desta forma de processo esteja configurado em moldes 
 excessivamente restritivos (…). Com efeito, cumpre ter presente que o normal 
 e desejável é que os processos se desenrolem nos moldes considerados mais 
 adequados ao cabal esclarecimento das questões, o que exige tempo, o tempo 
 necessário à produção da prova e ao exercício do contraditório entre as partes. 
 Não é, por isso, aconselhável abusar dos processos urgentes, em que a 
 celeridade é necessariamente obtida através do sacrifício, em maior ou menor 
 grau, de outros valores, que, quando ponderosas razões de urgência não o exijam, 
 não devem ser postergados. Afigura‑se, pois, justificado recorrer, por norma, 
 aos processos não urgentes, devidamente complementados por um sistema 
 eficaz de atribuição de providências cautelares, efectivamente apto a 
 evitar a constituição de situações irreversíveis ou a emergência de danos 
 de difícil reparação (sobre os processos cautelares, cf. artigos 112.º e 
 seguintes), e reservar os processos urgentes para situações de verdadeira 
 urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa, que são aquelas 
 para as quais, na verdade, não é suficiente a utilização de um processo não 
 urgente, ainda que complementado pelo decretamento – se as circunstâncias o 
 justificarem, provisório (quanto a este ponto, cf. artigo 131.º) – de 
 providências cautelares.”
 
  
 
                         E, esclarecendo melhor a natureza subsidiária deste 
 processo de intimação e exemplificando os casos em que deve ser utilizado e 
 aqueles em que se mostra satisfatório o recurso aos processos “normais” 
 associados a meios cautelares, prosseguem os referidos autores (obra citada, 
 pp. 539‑542):
 
  
 
             “3. À primeira vista, dir‑se‑ia que a relação de subsidiariedade 
 prevista no n.º 1 se estabelece entre o processo de intimação para protecção de 
 direitos, liberdades e garantias e «o decretamento provisório de uma 
 providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º». Cumpre, porém, 
 notar que o sentido do preceito é o de afirmar a existência, nos termos expostos 
 na nota precedente, de uma relação genérica de subsidiariedade entre este 
 processo e os processos não urgentes (acção administrativa comum e acção 
 administrativa especial). A referência específica ao decretamento provisório 
 de providências cautelares, previsto no artigo 131.º, compreende‑se, 
 entretanto, porque a relação de subsidiariedade em relação aos processos não 
 urgentes se estende, como não poderia deixar de ser, ao recurso à tutela 
 cautelar – e, dentro desta, à mais incisiva das possibilidades que o regime da 
 tutela cautelar oferece, a do decretamento provisório de providências 
 cautelares, previsto no artigo 131.º, quando as circunstâncias o justifiquem.
 
             Com efeito, elemento essencial para a efectividade dos processos não 
 urgentes é, como foi referido na nota precedente, a existência de um sistema 
 eficaz de atribuição de providências cautelares, efectivamente apto a 
 evitar a constituição de situações irreversíveis ou a emergência de danos 
 de difícil reparação. Quando, portanto, se afirma que o processo de intimação 
 para protecção de direitos, liberdades e garantias só deve intervir quando os 
 processos não urgentes não se mostrem capazes de assegurar uma protecção 
 adequada, esta afirmação tem necessariamente em vista os processos não urgentes, 
 devidamente complementados pelo sistema de tutela cautelar, com todas as 
 possibilidades que ele comporta – com natural destaque para a mais efectiva de 
 todas, que é a do decretamento provisório de providências cautelares, na medida 
 em que, em parte, também se dirige à protecção de direitos, liberdades e 
 garantias e, muitas vezes, será precisamente a via que poderá dar resposta a 
 situações que, de outro modo, não poderiam deixar de cair no âmbito de 
 intervenção do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e 
 garantias.
 
             A referência específica, nesta sede, ao decretamento provisório de 
 providências cautelares do artigo 131.º explica‑se, pois, porque, na prática, 
 o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias 
 há‑de ser chamado a intervir nas situações que não possam ser acauteladas 
 através do decretamento provisório de uma providência cautelar.
 
             Procuremos, pois, concretizar os termos em que se parecem dever 
 articular estes dois institutos.
 
             O decretamento provisório de providências cautelares, tal como 
 previsto no artigo 131.º, consiste na possibilidade que, em situações de 
 extrema urgência – e, em especial, quando esteja, precisamente, em causa o 
 exercício em tempo útil de direitos, liberdades e garantias –, é dada ao autor 
 que desencadeie ou se proponha desencadear um processo não urgente, de obter, 
 em ordem a assegurar a utilidade da decisão que pretende alcançar nesse 
 processo, a adopção imediata de uma providência cautelar, ainda durante a 
 própria pendência do processo cautelar. A providência é decretada a título 
 provisório, na medida em que é decretada para vigorar apenas durante a pendência 
 do processo cautelar, dando assim resposta à própria morosidade deste processo. 
 Uma vez concluído o processo cautelar, decidir‑se‑á se ela deve ser mantida 
 durante toda a pendência do processo principal ou se deve ser alterada ou pura e 
 simplesmente levantada.
 
             O decretamento provisório de providências cautelares permite, 
 assim, obter, num prazo que, em situações de extrema urgência, pode ser, tal 
 como na intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (cf. 
 artigo 111.º, n.º 1), de 48 horas (cf. artigo 131.º, n.º 3), a adopção de 
 providências cautelares dirigidas a impedir a lesão iminente e irreversível de 
 direitos, liberdades e garantias. Pense‑se no exemplo da ocupação de uma 
 propriedade, porventura em pura via de facto, por veículos e equipamentos que 
 comecem a realizar movimentações de terras. Esta situação pode ser tutelada 
 através do imediato decretamento provisório de uma ordem de suspensão dos 
 trabalhos. Pense‑se no exemplo da recusa do visto de permanência de um cidadão 
 estrangeiro no território nacional. Esta situação pode ser tutelada através do 
 imediato decretamento provisório de uma autorização provisória de permanência.
 
             Como é natural, o decretamento provisório de providências 
 cautelares pode e deve intervir em todos os domínios em que faça sentido a 
 concessão de providências cautelares, sem prejuízo da decisão que venha 
 a ser proferida no processo principal e até sem prejuízo da decisão definitiva 
 que, a propósito da manutenção ou não da providência provisoriamente 
 decretada, venha a ser proferida no próprio processo cautelar. Situações, 
 portanto, em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa, 
 que ponha definitivamente termo ao litígio, não é indispensável para 
 proteger o direito, liberdade ou garantia, bastando, para o efeito, o 
 decretamento de uma regulação meramente provisória, desde que se assegure 
 que a providência é decretada com a maior urgência, imediatamente após o 
 momento em que seja solicitada.
 
             Pelo contrário, o processo de intimação para protecção de direitos, 
 liberdades e garantias há‑de ser chamado a intervir em situações que não 
 possam ser acauteladas deste modo, porque é urgente a obtenção de uma 
 pronúncia definitiva sobre o mérito da causa. Retomem‑se as situações 
 paradigmáticas em que está em causa a obtenção da autorização para a 
 realização de uma manifestação, por ocasião da deslocação a Portugal, em data 
 próxima, de uma personalidade estrangeira, ou a concessão de tempos de 
 antena numa campanha eleitoral que está em curso ou vai começar em breve. Em 
 situações deste tipo, não faz sentido a concessão de uma providência cautelar 
 porque a realização da manifestação não pode ser autorizada (ou os tempos de 
 antena concedidos) a título precário e provisório, sem prejuízo da decisão 
 que venha a ser proferida no processo principal. Com efeito, se o tribunal 
 emitisse uma providência cautelar para que a manifestação fosse realizada 
 
 (ou os tempos de antena fossem atribuídos), ele estaria, desse modo, a dar (e a 
 dar em definitivo) o que só à sentença final, a uma decisão sobre o mérito da 
 causa, cumpre proporcionar: se a realização da manifestação fosse 
 autorizada (ou os tempos de antena concedidos) a título cautelar, isso faria 
 com que, uma vez realizada a manifestação (ou emitidos os tempos de antena), 
 o processo principal se tornasse automaticamente inútil. O que em 
 situações deste tipo é necessário é obter, em tempo útil e, por isso, com 
 carácter de urgência, uma decisão definitiva sobre a questão de fundo: a 
 questão tem de ser definitivamente decidida de imediato, não se compadecendo com 
 uma definição cautelar. O processo principal urgente de intimação existe 
 precisamente para suprir as insuficiências próprias da tutela cautelar, que 
 resultam do facto de ela ser isso mesmo, cautelar (…).”
 
  
 
                         Como salienta José Carlos Vieira de Andrade (obra 
 citada, p. 263), o requisito da parte final do n.º 1 do artigo 109.º do CPTA 
 
 é, de certo modo, pleonástico, “pois que se é indispensável uma decisão de 
 mérito urgente para evitar a lesão do direito, então isso exclui automaticamente 
 a admissibilidade de um processo cautelar”; na verdade, apesar de o decretamento 
 provisório da providência também ser urgente e poder ser conseguido no prazo de 
 
 48 horas (artigo 131.º do CPTA), a sua utilização “não tem sentido quando a 
 questão de fundo deva ser resolvida imediatamente, porque as providências 
 cautelares, por definição, não podem ser utilizadas para obter resultados 
 definitivos”; concluindo: “em rigor, a expressão legal quer mostrar o carácter 
 excepcional da intimação, confirmando a remissão para a acção normal (não 
 urgente) daqueles casos em que, estando embora em causa o exercício de um 
 direito, liberdade e garantia, a decisão de fundo não seja urgente – pois que 
 eventuais perigos de lesão, mesmo que de lesões imediatas e irreversíveis, podem 
 ser resolvidos nesses processos normais através de providências cautelares”.
 
                         Podemos, assim, afirmar, de acordo com a generalidade da 
 doutrina, que o critério de determinação da subsidiariedade da intimação para 
 protecção de direitos, liberdades e garantias face aos meios cautelares – isto 
 
 é: saber quando, perante uma ameaça séria de lesão do exercício de um direito, 
 liberdade ou garantia, se deve lançar mão de uma solução urgente de mérito 
 
 (através da intimação) ou de uma tutela provisória (através da antecipação de 
 uma providência cautelar) – radica essencialmente na adequação, para a situação 
 concreta, de uma sentença provisória ou de uma sentença de mérito definitiva: 
 
 “haverá lugar à aplicação da intimação sempre que o decretamento provisório 
 consumir o objecto do processo principal, tornando‑se definitivo” (Maria 
 Fernanda Maçãs, local citado, p. 52), pois “o que conta é a capacidade ou 
 incapacidade da medida cautelar para regular definitivamente uma situação e não 
 a urgência” (Isabel Fonseca, obra citada, p. 78). Ou, segundo Carla Amado Gomes 
 
 (“Pretexto ...”, citado, p. 565), “não se trata (...) de uma questão de maior 
 rapidez na concessão da providência (...), mas antes da aplicação do princípio 
 da interferência mínima em sede cautelar (em sentido amplo)”, isto é: “estando 
 em causa cognições sumárias motivadas pela urgência, o juízo provisório, 
 revisível no próprio processo cautelar em curso, prefere ao juízo definitivo 
 proferido na intimação, só eventualmente revisível em via de recurso”.
 
  
 
                         2.3. Exposto o regime legal aplicável, era desde logo 
 patente a inadequação da intimação para a protecção de direitos, liberdades e 
 mérito face à pretensão deduzida pela recorrente. Como se demonstrou, aquele 
 meio processual principal aplica‑se perante situações de urgência na obtenção de 
 uma decisão definitiva de mérito de um litígio. Ora, o que a recorrente 
 peticionou foi uma medida provisória: a intimação do requerido para se abster de 
 executar a garantia bancária “até ao trânsito em julgado da decisão judicial a 
 proferir” na acção administrativa especial em que era impugnada a deliberação 
 que determinara a reposição da quantia relativa a ajuda comunitária considerada 
 indevidamente recebida.
 
                         Para tutela da posição subjectiva da requerente eram, 
 assim, manifestamente suficientes e adequados os meios processuais “normais” que 
 o CPTA disponibilizava: acção administrativa especial para impugnação do acto 
 administrativo reputado ilegal acoplado a providência cautelar, no âmbito da 
 qual o requerente podia pedir o decretamento provisório da providência, nos 
 termos do artigo 131.º, n.º 1, do CPTA.
 
                         Meios processuais que o recorrente efectivamente 
 utilizou, embora, no que tange à providência cautelar e ao pedido de 
 decretamento provisório, sem sucesso. Na verdade, por decisão do TAF de Viseu 
 de 3 de Fevereiro de 2005 (fls. 94 a 96) foi indeferido o pedido de decretamento 
 provisório, e por decisão de 25 de Fevereiro de 2005 (fls. 98 a 105) foi 
 indeferida a providência cautelar de suspensão de eficácia. Esta última 
 sentença, entretanto confirmada pelo acórdão do TCAN de 7 de Julho de 2005, 
 proc. n.º 132/05.9BEVIS (texto integral disponível em www.dgsi.pt/jtcn), 
 indeferiu o pedido de suspensão de eficácia da deliberação em causa por a 
 requerente não ter alegado nem provado factos demonstrativos de que a execução 
 do acto lhe provocaria prejuízos de difícil ou impossível recuperação para os 
 interesses que pretendia ver reconhecidos na acção principal, pelo que se 
 entendeu que a providência solicitada não podia ser concedida por falta de 
 verificação do requisito (de mérito) do periculum in mora referido na primeira 
 parte do alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA: haver “fundado receio da 
 constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de 
 difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no 
 processo principal”.
 
                         Os direitos constitucionais de acesso aos tribunais e de 
 tutela jurisdicional efectiva são satisfeitos pela previsão legal de mecanismos 
 processuais que possibilitem, de modo adequado e suficiente, aos interessados a 
 defesa dos seus direitos perante os tribunais, mas obviamente não asseguram a 
 todos eles o sucesso nas suas pretensões. No caso dos autos, é manifesto que a 
 conjugação da acção administrativa especial de impugnação da deliberação que 
 determinou a reposição da quantia em causa, associada ao pedido de decretamento 
 provisório de providência cautelar visando impedir a autoridade administrativa 
 de executar de imediato tal deliberação, designadamente através da cobrança da 
 garantia bancária prestada, eram idóneos e suficientes para tutelar os 
 interesses legítimos da recorrente. A circunstância de, por decisão judicial de 
 mérito, terem sido indeferidos quer o pedido de decretamento provisório da 
 providência cautelar quer a própria providência solicitada, não implica que seja 
 constitucionalmente imposto a concessão à interessada, em regime de 
 cumulatividade, do acesso ao meio excepcional e subsidiário da intimação para 
 protecção de direitos, liberdades e garantias.
 
                         Conclui‑se, assim, sem necessidade de mais desenvolvidas 
 considerações, que a interpretação normativa acolhida no acórdão recorrido, 
 aliás em perfeita consonância com a literalidade do preceito legal, não viola as 
 normas e princípios constitucionais invocados pela recorrente.
 
  
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em:
 
                         a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 109.º, 
 n.º 1, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 
 
 15/2002, de 22 de Fevereiro, enquanto condiciona o uso do processo de intimação 
 para protecção de direitos, liberdades e garantias à impossibilidade ou 
 insuficiência, nas circunstâncias do caso, para o asseguramento do exercício, em 
 tempo útil, de um direito, liberdade e garantia, do decretamento provisório de 
 uma providência cautelar; e, consequentemente,
 
                         b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão 
 recorrida, na parte impugnada.
 
                         Custas pela recorrente (no Tribunal Constitucional só 
 valem as isenções subjectivas de custas previstas no artigo 2.º do Código das 
 Custas Judiciais – cf. artigo 4.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 303/98, de 7 de 
 Outubro –, e não também a prevista no artigo 73.º‑C, n.º 2, alínea c), deste 
 Código), fixando‑se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 
                         Lisboa, 3 de Janeiro de 2006.
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Silva Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos