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Processo n.º 921/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
  
 
  
 A – Relatório 
 
  
 
  
 
 1 – A. reclama, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 78º-A da Lei n.º 28/82, 
 de 15 de Novembro, na sua actual versão, da decisão sumária proferida pelo 
 relator onde se decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 113.º, 
 n.º 9, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido que a 
 notificação pessoal da acusação do arguido estrangeiro e que não conheça a nossa 
 língua, pode ser feita em português” e não tomar conhecimento da questão de 
 constitucionalidade dos artigos. 111.º, al. c), e 113.º, n.º 9, do C.P.P. 
 interpretados no sentido de sancionar como nulidade relativa com regime de 
 arguição e sanação dos arts. 120º e 121º do C.P.P. uma notificação da acusação 
 feita em língua que o arguido não entende”.
 
  
 
             A decisão reclamada tem o seguinte teor:
 
             
 
  
 
 “[1 –] A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional 
 ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 
 de Novembro (LTC), invocando que “o Tribunal (...) ao não ter dado conhecimento 
 do conteúdo da Acusação na língua que o recorrente entendesse, fez uma errada 
 interpretação e aplicação das normas contidas no art. 111.º, c), conjugado com o 
 art. 92.º do C.P.P. por expressa violação dos arts. 16.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, 
 da C.R.P. e art. 6.º, n.º 3, al. a) da CEDH” e que “considerar que a tratar-se 
 de nulidade esta estaria sanada nos termos dos arts. 120.º e 121.º do C.P.P., 
 esta interpretação choca com disposto no art. 32.º, n.º 1, da C.R.P. e art. 6.º, 
 n.º 3, al. a) da CEDH”, tendo sustentado, no requerimento de interposição, a 
 
 “inconstitucional[idade] [d]a norma do art. 113.º, n.º 9, do CPP, quando 
 interpretada e aplicada como o foi no sentido que a notificação pessoal da 
 acusação do arguido estrangeiro e que não conheça a nossa língua, pode ser feita 
 em português por violação dos princípios ínsitos no art. 32.º, n.º 1, da CRP e 
 art. 6.º, nº 3, al. a) e e) da CEDH” e que a “entender-se que a notificação da 
 acusação que terá de ser feita em língua que entenda nos termos do art. 111.º, 
 al. c) e 113.º, n.º 9, do C.P.P. é estabelecida sob pena de nulidade relativa 
 com regime de arguição e sanação dos arts. 120.º e 121.º do C.P.P., está fazendo 
 o Tribunal errada interpretação e aplicação das normas violando os princípios 
 constitucionais ínsitos nos arts. 32.º, n.º 1, art. 6.º, n.º 3, al. a), e e) da 
 CDH e arts. 204.º e 20.º, n.º 2, da C.R.P.”.
 
  
 
 [2 –] Perscrutando os autos, deles resulta:
 
  
 
 [2.1 –] O Arguido, inconformado com o teor do despacho que lhe indeferiu, com 
 fundamento em extemporaneidade, o requerimento de abertura de instrução, 
 interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo aí sustentado, em 
 síntese, que:
 
      
 
 «(...)
 A)                        O Arguido é cidadão holandês e não entende a língua 
 portuguesa.
 
  
 B)        O despacho de acusação, notificado ao Arguido no dia 10.12.2004, não 
 foi traduzido em língua que ele conheça nem foi nomeado intérprete idóneo para o 
 assistir nessa acto.
 
  
 C)       A falta de tradução do despacho acusatório em língua que o arguido 
 compreenda ou a falta de tradução por intérprete no momento da notificação do 
 despacho de acusação traduz-se na própria inexistência da notificação e não numa 
 mera irregularidade dependente de arguição.
 
  
 D)       A notificação traduzida na língua do arguido apenas foi cumprida a 
 
 23.03.2005.
 
  
 E)        Só a partir desse momento é que o Arguido A. estava em condições de 
 tomar as decisões necessárias à continuação do processo e devidamente garantir o 
 seu direito de defesa e consequentemente requerer a abertura de instrução, 
 porque só nessa altura conseguiu entender concretamente os termos da acusação.
 
  
 F)        Desse modo, o fim do prazo normal de vinte (20) dias para requerer a 
 abertura de instrução terminaria a 18.04.2004.
 
  
 G)       O requerimento de abertura de instrução deu entrada no 2º juízo do 
 tribunal judicial de Ílhavo a 14.04.2005.
 
  
 H)       Como tal, não é intempestivo o requerimento de abertura de instrução e 
 não pode ser rejeitado por inadmissibilidade legal.
 
  
 I)          A decisão pronunciada pelo Tribunal judicial da Comarca de Ílhavo 
 viola, pois, o disposto nos arts. 287º e 113º, nº 9, do Código de Processo 
 Penal.
 
  
 J)          Entender-se que a não notificação da Acusação na língua que o 
 recorrente perceba, quer por escrito, quer oralmente, será considerada uma 
 nulidade sanável ou meramente irregularidade, carece de razão.
 
  
 L)  O art. 113º ordena obrigatoriamente a notificação pessoal do arguido do 
 despacho Acusatório.
 O art. 119º, al. c), fere de nulidade insanável a falta de comparência do 
 arguido a casos em que a lei exige a sua comparência C.P.P.
 
  
 M)                       Já a mesma cominação não é aplicada às partes civis ou 
 assistente – al. b) do art. 112º do C.P.P.
 
  
 N) Os actos processuais de notificação podem padecer de inexistência, nulidade 
 absoluta, art. 119º, e sanáveis ou relativas, art. 120º do C.P.P., que se 
 encontram sujeitos ao regime de sanação, art. 121º do mesmo diploma, ou mera 
 irregularidade, art. 118º, nº 2, e 123º do C.P.P..
 
  
 O) A considerar-se mera irregularidade, como referiu o despacho e promoção, 
 entende-se que não tem razão, porque vem claramente referido na lei a cominação 
 por falta de notificação pessoal obrigatória nos termos do art. 113º, nº 9, do 
 C.P.P..
 
  
 P)  Todavia e seguindo o entendimento da M. Juíza, esta entendeu que tal era 
 susceptível de se enquadrar numa daquelas situações, ou por menos nas 
 irregularidades;
 Já que a seguir ao requerimento do recorrente ordenou que o mesmo fosse 
 notificado da Acusação, reparando dessa forma a irregularidade.
 
  
 Q)            Mesmo que esta não tenha sido arguida em tempo, a M. Juíza 
 reparou-a, quer a pedido do arguido, quer oficiosamente como o poderia ter feito 
 e como fez nos termos do art. 123º, n.º 2, do C.P.P..
 
  
 R) Ao ter reparado a irregularidade da notificação, todos os actos subsequentes 
 
 àquela deveriam ter sido anulados, (na parte respeitante à marcação de 
 julgamento), porquanto acarreta consequências relativamente ao exercício do 
 direito de requerer eventualmente instrução ou arguir nulidades, podendo 
 traduzir-se numa limitação da defesa do arguido, nos termos do art. 287º do 
 C.P.P..
 
  
 S) Considerando tratar-se de irregularidade no caso concreto e ter esta sido 
 reparada pela M. Juíza, o Tribunal fez errada interpretação das normas 
 constantes do art. 122º do C.P.P., ao não ter anulado os actos subsequentes 
 
 àquele ferindo este de inconstitucionalidade material, nos termos do art. 32º da 
 C.R.P..
 
  
 T) Deve pois, considerando-se reparada a irregularidade, considerar em tempo o 
 pedido de instrução de acordo com os preceitos legais acima mencionados.
 
  
 U) Outro entendimento da lei, e outra aplicação aos presentes factos, violará os 
 artigos 32º, nº 1, 202º, nº 1, e 203º, parte final, da Constituição da República 
 Portuguesa e os princípios consagrados na Convenção Europeia dos Direitos do 
 Homem, cuja ratificação foi aprovada pela Lei 65/78 de 13 de Outubro, artigos 
 
 5º, nº 2, 6º, nº 3, al. a), e). Não se entender tempestivo o requerimento 
 oportunamente apresentado violará frontalmente a Lei Geral e a Lei Fundamental, 
 bem como os mais elementares direitos de defesa do Arguido, em particular do ora 
 recorrente».
 
  
 
 [2.2 –] Notificado do parecer do Representante do Ministério Público junto do 
 Tribunal da Relação de Coimbra – onde se pugnou pela improcedência do recurso – 
 o Recorrente veio sustentar que:
 
      
 
 «(...)
 
      O Tribunal de Ílhavo ao não ter dado conhecimento do conteúdo da Acusação 
 na língua que o recorrente entendesse, violou os princípios Constitucionais e os 
 Princípios Consagrados na Convicção Europeia dos Direitos do Homem, tal como se 
 referiu na Motivação de Recurso.
 
  
 Fez uma errada interpretação e aplicação das normas contidas no art. 111º-c), 
 conjugado com o art. 92º do C.P.P. por expressa violação dos arts. 16º-1 e 32º-1 
 da C.R.P. e art. 6º, nº 3, al. a) da CEDH.
 
  
 Considerar que a tratar-se de nulidade esta estaria sanada nos termos dos arts. 
 
 120º e 121º do C.P.P., esta interpretação choca com disposto no art. 32º-1 da 
 C.R.P. e art. 6º, nº 3, al. a), da CEDH.
 
  
 Nulidade aqui, só pode ser absoluta, insanável, pois aquela norma constitucional 
 e da Convenção estabelece de forma clara os direitos do acusado, art. 6º, nº 3, 
 als. a) e e) e art. 32º nº 1, art. 16º, 12º e 13º da C.R.P..
 
  
 Neste sentido TEDH Ac. 19-12-89, Série A – nº 168 caso Kamasinki
 
  
 
 É pois inconstitucional a norma do art. 113º, nº 9, do CPP, quando interpretado 
 no sentido que a notificação pessoal da acusação do arguido estrangeiro pode ser 
 feita em português por violação dos princípios ínsitos no art. 32º, nº 1, da CRP 
 e art. 6º, nº 3, als. a) e e) da CDH.
 
  
 Se se entender que a notificação da acusação que terá de ser feita em língua que 
 entenda nos termos do art. 111º al. c) e 113º nº 9 do C.P.P. é estabelecida sob 
 pena de nulidade relativa com regime de arguição e sanação dos arts. 120º e 121º 
 do C.P.P., está fazendo o Tribunal interpretação e aplicação violadora dos 
 princípios constitucionais ínsitos nos arts. 32º, nº 1, art. 6º, nº 3, als. a) e 
 e) da CDH e arts. 204º e 20º, nº 2, da C.R.P.».
 
  
 
 [2.3 –] Por Acórdão de 27 de Julho de 2005, o Tribunal da Relação de Coimbra 
 decidiu negar provimento ao recurso, considerando que:
 
      
 
 «(...) 
 Parece resultar do requerimento apresentado que o recorrente entende só agora 
 ter sido notificado da acusação.
 No entanto, como acima se evidenciou, foi notificado da acusação, pessoalmente 
 em 10.12.2004. E em 13.22.004 na pessoa da sua ilustre advogada constituída.
 A apreciação da tempestividade do requerimento da abertura da instrução - na 
 data que havia muito tinha sido designada para a audiência, sem que o arguido 
 tivesse arguido qualquer nulidade, quer da notificação da acusação quer da do 
 despacho que designou data para julgamento - envolve a da questão prévia de 
 saber, em primeiro lugar, se acusação tinha que ser traduzida, por escrito, para 
 a língua do arguido e, caso assim se entenda, se a correspondente omissão, 
 constituiu nulidade insanável da notificação da acusação, apenas se tendo esta 
 por realizada quando o arguido foi notificado da tradução.
 A acusação em si constitui realidade diversa da respectiva tradução, como tal 
 perspectivadas também, autonomamente pelo legislador.
 Para o não domínio do idioma, nomeia-se intérprete. Para o não domínio dos 
 aspectos jurídicos da causa é nomeado defensor.
 Sendo certo que, uma vez nomeado intérprete no processo, ele fica disponível 
 para traduzir ao arguido tudo o que se mostre relevante durante a marcha normal 
 do processo até ao acto nobre e solene da audiência de discussão e julgamento.
 Estando a tradução orientada para a tradução verbal, nos casos em que o arguido 
 presta declarações sobre a matéria indiciada ou sobre a matéria da acusação. 
 Apenas havendo violação dos direitos do arguido no caso de se verificar, em 
 concreto (v. gr. por o arguido não ter defensor que dominem a língua portuguesa, 
 não podendo por isso, na prática, prevalecer-se do intérprete que lhe foi 
 nomeado e esteve disponível) esteve efectivamente impossibilitado de saber 
 aquilo por que responde.
 O que não sucede no caso, logo por ter sido ouvido sobre a matéria que veio a 
 constar da acusação, já devidamente assistido por defensor que se exprime na 
 língua em uso no tribunal e ainda por intérprete que traduziu tudo o que foi 
 entendido relevante para o conhecimento dos factos e a defesa sobre os mesmos 
 que o arguido entendeu apresentar.
 Com efeito, no caso foi nomeado intérprete ao arguido logo no interrogatório a 
 que foi submetido e durante o qual foi confrontado com a matéria que levou à 
 detenção. Defensor que se manteve, tendo havido sempre intérprete nomeado no 
 processo, disponível para ultrapassar qualquer dificuldade resultante da 
 barreira linguística - a solicitação da defesa ou da acusação ou por 
 determinação do tribunal.
 Além de que esteve sempre o arguido devidamente representado por advogado 
 português, a quem competia, caso alguma dúvida relevante para defesa do arguido 
 o exigisse, levantar a questão - como veio a levantar, quanto o entendeu 
 relevante, vendo aliás a sua pretensão deferida, logo que a suscitou.
 Não deixando se ser contraditório que só agora tenha entendido ser relevante - 
 para a defesa a realizar no local privilegiado, o julgamento - a tradução de 
 determinada peça, há muito conhecida, e daí pretender retirar, a posteriori, 
 efeitos retroactivos de um acto que só agora quis ver praticado.
 Ora, nenhum dispositivo legal impõe que a notificação da acusação a arguido 
 estrangeiro tenha de ser efectuada através de entrega do respectivo texto 
 traduzido na língua estrangeira que o arguido compreende embora se aceite que 
 para melhor ser ouvido sobre o seu conteúdo, a tradução prévia, por escrito, 
 facilitará a realização da audiência, evitando designadamente que o intérprete 
 tenha que e fazer no momento.
 Nos actos processuais, a regra é a de que nos actos judiciais, tanto escritos 
 como orais, se utiliza a língua portuguesa (art. 92º, nº 1, do CPP).
 Sendo certo que a comunicação com pessoas que não dominem o idioma faz-se 
 através da nomeação de intérprete (art. 92º, nº 2). Intérprete que assiste o 
 arguido em todos os actos em que participa, traduzindo, em cada acto, aquilo que 
 for relevante para o arguido, que está presente e assistido simultaneamente por 
 defensor e por intérprete que vai fazendo, a par e passo, a tradução daquilo que 
 releva, para acusação e defesa, com a possibilidade do exercício permanente e 
 continuado do contraditório.
 Nada obrigando à tradução formal, escrita, da acusação - o direito de defesa é 
 assegurado pela nomeação de intérprete, que passa a estar disponível para todo o 
 acto de tradução que se revele necessário, devendo estar fisicamente presente 
 nos actos solenes e estruturantes do processo em que o arguido participa (vg. 
 interrogatório/audiência). Tal como sucedeu no caso em apreço.
 E, como já decidiu o T. Constitucional (Acórdão nº 547/98, de 23 de Setembro, in 
 BMJ nº 479º, p. 212) o art. 92º, nº 2, do CPP, em conjugação com o disposto no 
 art. 111º, nº 1 al. c) do mesmo Código, interpretado no sentido de que a 
 notificação da acusação deduzida contra o arguido que desconhece a língua 
 portuguesa não carece de tradução escrita pelo intérprete nomeado, não lesa as 
 suas garantias de defesa, constitucionalmente estabelecidas nos artigos 32º nº 
 
 1; 16º nº 3 al. a) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. No mesmo sentido 
 v, também Ac. da Relação de Lisboa publicado in www.dgsi.pt/jtrl.nfs./ proferido 
 no âmbito do processo nº 45483 de 01.07.1998, citado na douta resposta.
 Assim, no caso, a notificação da acusação foi regular, pelo que a abertura da 
 instrução devia ter sido requerida no prazo legal a partir de tal notificação.
 
 *
 Porém, ainda que se entendesse que não sendo a notificação da acusação 
 acompanhada da respectiva tradução, a omissão da tradução só poderá constituir 
 uma nulidade relativa nos termos do art. 120º nº 3 al. c) do CPP e, por isso, 
 arguível até três dias após a notificação da acusação, o que não aconteceu 
 nestes autos pelo que a mesma se encontraria sanada - neste sentido, cfr. Ac. 
 RP, in CJ Ano XXIX, tomo IV, pg. 214 e segs..
 A não tradução da acusação (o que é diferente da não notificação da acusação, 
 designadamente quando foi nomeado no processo, previamente, intérprete que 
 assistiu ao interrogatório do arguido e permaneceu nomeado no processo e que o 
 mandatário que se exprime na língua nacional} não constitui nulidade prevista no 
 regime dos artigos 118º, 119º e 120º, todos do CPP.
 Caindo assim no âmbito das meras irregularidades, pelo que, por não ter sido 
 arguida nos termos e prazos aludidos nos artigos 118º, nºs 1 e 2 e 123º, nº 1, 
 do CPP, se encontrava há muito sanada, quando o arguido veio requerer a abertura 
 da instrução, mais de 4 meses depois de notificado, pessoalmente e na pessoa do 
 mandatário forense constituído, do teor da referida acusação, sem que a falta da 
 tradução lhe tivesse suscitado reparo.
 Na verdade, tendo por referência a data da notificação da acusação à ilustre 
 advogada do arguido (posterior à deste) o prazo para abertura de instrução 
 terminou em 06.01.2005.
 Sendo o requerimento - apresentado já em 14.04.2005, mais de 4 meses após a 
 notificação da acusação - manifestamente extemporâneo.
 Não merecendo assim censura o despacho que a rejeitou».
 
  
 
      [2.4 –] Novamente inconformado, o Arguido requereu a aclaração desse aresto 
 e arguiu a sua nulidade e, simultaneamente, interpôs, ad cautelam, recurso para 
 este Tribunal.
 
  
 
      [2.5 –] Por Acórdão de 12 de Outubro de 2005, o Tribunal da Relação de 
 Coimbra decidiu indeferir a arguição de nulidade e o pedido de aclaração do 
 Acórdão de 27 de Julho.
 
  
 
      [2.6 –] O Arguido apresentou, então, um “novo” requerimento de interposição 
 de recurso para o Tribunal Constitucional, de conteúdo idêntico ao anterior, 
 tendo ambos os recursos sido admitidos.
 
  
 
      [3 –] Integrando-se o caso sub judicio no âmbito normativo recortado no 
 artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, passa a decidir-se com base nos seguintes 
 fundamentos.
 
  
 
      [3.1 –] Em primeiro lugar, cumpre começar por salientar que o recurso de 
 constitucionalidade não está, entre nós, configurado como um recurso de amparo, 
 ou como um processo de «queixa constitucional» (Verfassungsbeschwerde, 
 staatsrechtliche Beschwerde, recurso de amparo), no âmbito do qual se possa 
 confrontar as decisões judiciais qua tale com os parâmetros constitucionais, 
 sindicando directamente o acto de julgamento de uma determinada factualidade e a 
 correcção jurídica da concreta “interpretação-aplicação” do direito 
 infraconstitucional.
 
      Contudo, tal não significa uma “protecção enfraquecida dos direitos 
 fundamentais, uma vez que “os particulares podem, nos feitos submetidos à 
 apreciação de qualquer tribunal e em que sejam parte, invocar a 
 inconstitucionalidade de qualquer norma (...) fazendo assim funcionar o sistema 
 de controlo da constitucionalidade (...) numa perspectiva de controlo 
 subjectivo” (cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da 
 Constituição, 4.ª edição, Coimbra, 2000, p. 493).
 
      Em todo o caso, os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional estão 
 delimitados e vinculados à aferição da bondade constitucional de normas – 
 critérios normativos – não lhe cabendo, por isso, apreciar as nuances 
 fáctico-concretas de um determinado problema e o juízo de valoração fáctica 
 realizado pelo Tribunal recorrido.
 
  
 
      [3.2 –] Esclarecido este ponto, cumpre passar a analisar, nesses termos, o 
 critério normativo que constituiu ratio decidendi da decisão recorrida, sendo 
 certo que este assenta na consideração, inferida dos artigos 92.º, n.º 2 e 
 
 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, de que nada obriga à tradução formal, 
 escrita, da acusação – o direito de defesa é assegurado pela nomeação de 
 intérprete, que passa a estar disponível para todo o acto de tradução que se 
 revele necessário, devendo estar fisicamente presente nos actos solenes e 
 estruturantes em que o arguido participa.
 
      Antes, porém, não pode deixar de referir-se que, embora tenham sido 
 interpostos e admitidos dois recursos de constitucionalidade, devem 
 considerar-se como correspondendo a um só. 
 
      Na verdade, a decisão recorrida é a mesma, ou seja o acórdão do Tribunal da 
 Relação de Coimbra, de 27 de Julho de 2005, apenas acontecendo que um foi 
 interposto antes de arguida a sua nulidade e pedida a sua aclaração e o outro 
 depois de indeferidos esses pedidos (razão pela qual, em face do disposto nos 
 arts. 686º, n.º 1, do CPC, e 69º da LTC são ambos tempestivos) e o seu objecto é 
 também o mesmo, pois versam sobre as mesmas normas. 
 
      De resto, como o próprio recorrente alegou no requerimento de interposição 
 do primeiro recurso, este foi, aí interposto à cautela.
 
  
 
      Como, expressamente, se refere no acórdão recorrido, o critério normativo 
 nele seguido é integralmente sobreponível ao que foi sindicado pelo Acórdão n.º 
 
 547/98 (publicado no Diário da República II Série, de 13.03.1999 e nos Acórdãos 
 do T. C. 41º vol., pp. 27 e ss.).
 
      Considerou-se nesse aresto, inter alia, que:
 
                   «(...)
 Inserido no Título II do Livro II do CPP, que dispõe sobre “Da forma dos actos e 
 da sua documentação”, o artigo 92º, depois de consagrar no seu nº 1 a regra da 
 utilização da língua portuguesa nos actos processuais, estabelece no nº 2 o 
 seguinte:
 
 'Quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a 
 língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que 
 a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais 
 conheçam a língua por aquela utilizada.'
 Nenhuma outra norma do CPP respeitante quer às notificações em geral, quer à 
 notificação da acusação ao arguido dispõe sobre a intervenção de intérprete 
 quando o notificando desconhecer ou não dominar a língua portuguesa.
 A citada norma ínsita no nº 2 do artigo 92º do CPP é, porém, suficientemente 
 ampla para compreender a exigência de nomeação e intervenção de intérprete 
 quando houver lugar à notificação do arguido naquelas circunstâncias.
 Já o que a norma não concretiza é o conteúdo da intervenção processual do 
 intérprete.
 Não se pondo em dúvida que o intérprete há-de verter para a língua estrangeira 
 adequada o acto a notificar, a lei processual não expressa, com efeito, se essa 
 versão deve ser integral e em que termos (escritos ou orais) se impõe que ela se 
 materialize.
 O acórdão recorrido não se pronuncia sobre o primeiro aspecto, certamente por os 
 autos não documentarem o que o recorrente sempre deixou mais ou menos 
 explicitamente alegado: a interpretação não fora integral.
 Não pode, por isso, este Tribunal conjecturar o que no acórdão recorrido se não 
 pressupôs no juízo efectuado sobre a constitucionalidade da norma em causa e 
 que, consequentemente, não abarca qualquer pronúncia sobre a conformidade da 
 mesma norma à CRP quando interpretada no sentido da suficiência de uma versão 
 parcial ou sintética do acto da acusação.
 Já isso não acontece quanto à inexigibilidade da forma escrita da versão em 
 língua estrangeira da acusação, juízo que claramente se formula no acórdão 
 impugnado e o recorrente controverte.
 Ora, a intervenção de intérprete no acto de notificação da acusação a arguido 
 que desconhece ou não domina suficientemente a língua portuguesa é medida que 
 decorre necessariamente da estruturação de um processo criminal que assegure 
 todas as garantias de defesa ao arguido.
 O conhecimento da acusação pelo arguido é para este determinante da opção pela 
 estratégia de defesa que vier a desenvolver no processo; e, de imediato (no 
 prazo de vinte dias a contar da notificação da acusação - artigo 287º, nº 1, al. 
 a), do CPP), é decisivo para a formulação do seu juízo sobre a conveniência de 
 requerer a abertura da instrução, pretensão que, nos termos do nº 3 do mesmo 
 artigo 287º, deve expressar as razões, de facto e de direito, de discordância 
 relativamente à acusação.
 A notificação deve, assim, assegurar ao arguido o estudo e ponderação da peça 
 acusatória, em termos que facultem a tomada das relevantíssimas decisões que, a 
 partir desse momento, se lhe impõem.
 Como se deixou dito, não prescreve o CPP formalidades especiais para a 
 notificação da acusação; esta deve processar-se nos termos gerais, tendo em 
 conta que o seu fim é o de transmitir “o conteúdo do acto realizado ou de 
 despacho proferido no processo” (artigo 111º, nº 1, al. c), do CPP).
 A transmissão do conteúdo do acto ou despacho opera-se, nos termos do artigo 
 
 228º, nº 3, do CPC (ex vi artigo 4º do CPP), com a entrega “de todos os 
 elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessárias à 
 plena compreensão do seu objecto”.
 Em termos gerais, pois, a notificação da acusação efectua-se com a entrega ao 
 notificando de cópia da peça acusatória, procedimento que assegura cabalmente os 
 direitos de defesa do arguido.
 Do ponto de vista da conformidade com as garantias de defesa do arguido 
 constitucionalmente consagradas no artigo 32º nº 1 da CRP, a questão que se 
 coloca é, afinal, a de saber se, no caso de arguido que desconheça a língua 
 portuguesa, a entrega de cópia da acusação escrita em português, acompanhada da 
 transmissão oral do seu conteúdo, por intérprete, na língua conhecida pelo 
 notificando, assegura, de igual modo, os direitos do arguido.
 Numa primeira análise, mas tendo como outro parâmetro de constitucionalidade os 
 princípios da equiparação dos estrangeiros aos cidadãos portugueses em matéria 
 de direitos fundamentais (artigo 15º, nº 1, da CRP), a resposta seria negativa.
 Com efeito, a perfeita equiparação do cidadão estrangeiro ao cidadão português 
 postularia que, tal como a este é entregue cópia da acusação em língua que ele 
 compreende, ao primeiro devesse igualmente ser entregue cópia da mesma peça 
 vertida na língua por ele conhecida.
 Trata-se, no entanto, de uma argumentação de pendor formalista que não atende à 
 necessidade de uma regulação adaptada a realidades irredutivelmente diferentes e 
 que não contenda com outros bens e valores igualmente protegidos, esquecendo que 
 essa pretendida equiparação, entendida em termos substanciais, sempre se poderá 
 alcançar, ainda que por meios diversos, desde que, em concreto, os direitos 
 igualmente concedidos a nacionais e estrangeiros possam por estes ser plenamente 
 exercidos.
 A verdade é que não se vê qualquer obstáculo de ordem constitucional a que as 
 garantias de defesa do arguido, genericamente asseguradas pelo artigo 32º, nº 1, 
 da CRP, se traduzam, no caso, na consagração de normas processuais distintas, 
 desde que elas igualmente assegurem que o fim da garantia em causa - o de 
 permitir uma defesa eficaz, desde logo com a tomada das decisões já acima 
 referidas com base no conhecimento minucioso da matéria da acusação - possa ser 
 alcançado.
 Já não estará aqui em questão a igualdade formal com o direito do cidadão 
 português, mas a possibilidade ou impossibilidade de serem conformes à CRP 
 outras formalidades de notificação da acusação, adaptadas aos casos de cidadãos 
 sem conhecimento da língua portuguesa, diversas da formal equiparação que 
 constituiria, para estes últimos, a entrega de tradução escrita da peça 
 acusatória - o parâmetro de constitucionalidade reside, agora e só, no princípio 
 consagrado no artigo 32º, nº 1, da CRP.
 Sendo a fórmula do nº 1 do artigo 32º da CRP uma expressão condensada das 
 restantes normas do mesmo artigo, ela não deixa de traduzir uma cláusula geral 
 que abrange garantias não especificadas nos números seguintes mas igualmente 
 reclamadas por uma tutela eficaz dos direitos de defesa dos arguidos (cfr. Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, nota II ao artigo 
 
 32º, p. 202).
 Num processo em que a equidade, a igualdade de armas, o acusatório, são, entre 
 outros, princípios que os direitos de defesa reclamam, o conhecimento detalhado 
 e esclarecido, por parte do arguido, do que (de facto e de direito) lhe é 
 imputado na acusação reveste-se - como se deixou já dito - de uma importância 
 decisiva.
 Inscreve-se, pois, nas garantias de defesa que o processo criminal, por 
 imperativo constitucional, deve assegurar, a que se consubstancia no direito do 
 arguido àquele conhecimento pleno da matéria constante da acusação, em termos - 
 acrescente-se - que permitam o seu estudo consciente e aprofundado, pois só 
 assim se perfazem as condições indispensáveis para o acusado preparar a defesa 
 que entender mais adequada.
 Ora, afigura-se que a tradução oral da acusação, por intérprete, não compromete 
 as garantias de defesa do arguido consagradas no comando constitucional com a 
 assinalada dimensão.
 Na verdade, esta forma de notificação não obsta a que o arguido p. ex. vá 
 colhendo da leitura as notas (escritas) que entender convenientes, peça 
 esclarecimentos ao intérprete ou solicite repetições sobre trechos eventualmente 
 mais complexos, tudo no sentido de uma percepção completa, minuciosa e profunda 
 da peça acusatória.
 Competindo ao funcionário encarregado da notificação a transmissão fiel do 
 conteúdo da acusação, o desempenho perfeito da função de interpretação há-de 
 permitir ao arguido os procedimentos referidos em termos que o apetrechem com o 
 conhecimento necessário e suficiente para gizar a estratégia de defesa 
 subsequente.
 Se assim não for, não é já uma questão de desconformidade da norma ínsita nos 
 artigos 92º, nº 2, e 111º, nº 1, al. c), do CPP, interpretada nos termos em que 
 o foi, que se coloca, mas uma outra - aqui sim - de irregularidade ou 
 deficiência no desempenho da função de intérprete, que o recorrente, aliás, não 
 parece ter verificado, quando subscreve a certidão de notificação fotocopiada a 
 fls. 32 onde afirma “de tudo ficar bem ciente”.
 Dir-se-á que se trata de uma forma menos “cómoda” de o arguido tomar cabal 
 conhecimento da acusação, obrigando-o eventualmente a tarefas complementares que 
 seriam desnecessárias se o texto da acusação fosse desde logo entregue na versão 
 em língua estrangeira apropriada; mas se é de facto assim, não pode dizer-se que 
 ocorra uma qualquer compressão, minimamente relevante, dos direitos de defesa do 
 arguido garantidos pelo artigo 32º, nº 1, da CRP.
 Invoca ainda o recorrente a violação do artigo 6º, nº 3, al. a), da Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem.
 Vale aqui o que se disse no Acórdão deste Tribunal nº 352/98, in DR II Série, nº 
 
 160, de 14/7/98, a propósito de invocação semelhante noutro processo:
 
 '(...) se a Convenção Europeia dos Direitos do Homem deve ser perspectivada num 
 sentido de aplicação directa no ordenamento jurídico nacional, é necessário não 
 olvidar que, se dos preceitos constitucionais relativos aos direitos 
 fundamentais já se retirarem em todas as suas vertentes (aqui se incluindo as 
 que se extratam de uma interpretação, como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira 
 in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., p. 138, 'de acordo com 
 as regras hermenêuticas, à ordem constitucional dos direitos fundamentais'), o 
 alcance e sentido que porventura se encontrem naquela Convenção, nada lhe sendo, 
 pois, acrescentado por esta, o recurso à mesma é, de todo e na realidade das 
 coisas, destituído de sentido (cf. por entre muitos, os Acórdãos deste Tribunal 
 nºs 14/84, nº 2.2, parte final, publicado nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 2º vol., pp. 339 e segs. e 222/90, idem, 16º vol., pp. 635 e 
 segs.).
 Parafraseando, e com a adaptação que se imporá, os autores e obra citados - que 
 se reportam não à Convenção dos Direitos do Homem, mas sim à Declaração 
 Universal dos Direitos do Homem e a propósito do nº 2 do artigo 16º da 
 Constituição - esta questão “é praticamente irrelevante, pois a Constituição não 
 só consumiu a Declaração”, sendo muitas das disposições constitucionais 
 reprodução textual, ou quase textual, de disposições daquela, mas também inclui 
 direitos não referidos na Declaração.
 Dispõe o artigo 6º, nº 3, al. a), da CEDH:
 
 '3 ' O acusado tem, no mínimo, os seguintes direitos:
 a) Ser informado no mais curto espaço, em língua que entenda e de forma 
 minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;”
 A este preceito importa aproximar o que consta da al. e) do mesmo artigo 6º, nº 
 
 3, que reconhece ao acusado o direito de “fazer-se assistir gratuitamente por 
 intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo”.
 Ora, sobre estes preceitos a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do 
 Homem (TEDH) colhe-se do que foi decidido no Caso Kamasinski (Acórdão de 
 
 19/12/89, série A, nº 168), onde, entre outras questões, se suscitava a de saber 
 se a Convenção obrigava, na comunicação da acusação ao arguido que não dominasse 
 a língua usada no processo, à tradução escrita da peça acusatória.
 Muito embora chamando a atenção para o extremo cuidado de que deve revestir-se a 
 notificação da acusação, o TEDH ali expressamente reconheceu que a Convenção não 
 exige a tradução escrita da peça acusatória.
 Nada, pois, de substancialmente diverso do que o artigo 32º nº 1 da CRP postula 
 como garantia de defesa do arguido, a que se conforma o preceituado nos citados 
 artigos do CPP, com a interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido.
 Improcede, deste modo, a invocada inconstitucionalidade das normas ínsitas nos 
 citados preceitos do CPP».
 
  
 
  
 
      Tais considerações têm total validade e procedência no caso dos autos, onde 
 o arguido dispôs, igualmente, sempre, de intérprete “disponível para ultrapassar 
 qualquer dificuldade resultante da barreira linguística - a solicitação da 
 defesa ou da acusação ou por determinação do tribunal”, nos termos do acórdão 
 recorrido.            
 
      Assim, reiterando a fundamentação constante de tal aresto, deve julgar-se 
 improcedente a suscitada questão da “inconstitucional[idade] [d]a norma do art. 
 
 113º, nº 9, do CPP, quando interpretada e aplicada como o foi no sentido que a 
 notificação pessoal da acusação do arguido estrangeiro e que não conheça a nossa 
 língua, pode ser feita em português por violação dos princípios ínsitos no art. 
 
 32º nº 1 da CRP e art. 6º, nº 3, als. a) e e), da CEDH”. 
 
  
 
      [3.3 –] Resta, por fim, considerar a questão equacionada pelo Recorrente de 
 saber se “entender-se que a notificação da acusação que terá de ser feita em 
 língua que entenda nos termos dos arts. 111.º, al. c), e 113.º, n.º 9, do C.P.P. 
 
 é estabelecida sob pena de nulidade relativa com regime de arguição e sanação 
 dos arts. 120º e 121º do C.P.P., está (...) Tribunal [a fazer] errada 
 interpretação e aplicação das normas, violando os princípios constitucionais 
 
 ínsitos nos arts. 32.º n.º 1, art. 6.º n.º 3 al. a) e e) da CDH e arts.. 204.º e 
 
 20.º n.º 2 da C.R.P.”.
 
      Ora, mesmo admitindo que, numa tal formulação verbal, o recorrente esteja a 
 recortar uma questão de inconstitucionalidade reportada a normas jurídicas, e 
 não apenas a questionar a correcção, no plano do direito infraconstitucional, da 
 dimensão normativa que o acórdão recorrido alcançou por via interpretativa, 
 convocando, nesta tarefa, argumentos referentes à Lei fundamental, facilmente se 
 compreenderá que o Tribunal Constitucional não pode, nesta sede, tomar 
 conhecimento dessa questão.
 
       É que qualquer juízo que este Tribunal viesse a fazer sobre essa “norma” 
 não teria a virtualidade de contender com o decidido.
 
      É certo que o Tribunal da Relação afirmou que “ainda que se entendesse que 
 não sendo a notificação da acusação acompanhada da respectiva tradução, a 
 omissão da tradução só poderá constituir uma nulidade relativa nos termos do 
 art. 120º nº 3 al. c) do CPP e, por isso, arguível até três dias após a 
 notificação da acusação, o que não aconteceu nestes autos pelo que a mesma se 
 encontraria sanada”. 
 
      Contudo, este fundamento está claramente assumido, na economia da decisão 
 como argumento adjuvante ou de reforço da decisão de não provimento do recurso, 
 senão mesmo a título hipotético, académico ou como simples obter dictum.
 Ora, o Tribunal Constitucional só pode tomar conhecimento do objecto do recurso 
 quando a norma sindicanda tenha constituído ratio decidendi do juízo recorrido, 
 bem se compreendendo que assim seja uma vez que só quando estiver em causa a 
 inconstitucionalidade da(s) norma(s) que constitui[u](ram) a ratio decidendi do 
 juízo recorrido é que a decisão do Tribunal Constitucional poderá projectar-se 
 sobre o caso sub judice, contendendo, nessa medida, com a decisão recorrida, 
 posto que, como se afirmou no Acórdão n.º 112/84, o Tribunal Constitucional, 
 enquanto “(...) órgão jurisdicional, nunca age, nem pode aceitar agir, como se 
 fosse um órgão consultivo em matéria jurisdicional (...), toda e qualquer 
 apreciação e declaração de inconstitucionalidade de uma norma não pode deixar de 
 produzir efeito no caso sub judice; não pode, e não deve, com efeito, o Tribunal 
 Constitucional, pronunciar-se sobre «pleitos puramente teóricos ou académicos» 
 
 (cf. Acórdão n.º 149 da Comissão Constitucional)”.
 Tal sucederá, inequivocamente, em todas as situações onde a formulação de um 
 juízo de constitucionalidade sobre determinada norma não se venha a repercutir 
 na decisão recorrida, porque o critério legal em crise não foi, afinal, aplicado 
 ao caso concreto como ratio decidendi do juízo proferido.
 De resto, mesmo no puro plano do recurso de constitucionalidade, sempre estaria 
 prejudicada a pronúncia sobre tal questão (art.ºs 660º, n.º 2, do CPC e 69º da 
 LTC).
 Na verdade, estando a nulidade processual, considerada sanada, estribada sobre 
 um juízo de inconstitucionalidade da norma a cuja aplicação se imputa a 
 nulidade, deixa de haver qualquer utilidade no conhecimento da questão de 
 constitucionalidade da norma que diz respeito à sanação quando se considere não 
 sofrer aquela norma inconstitucionalidade.
 Assim sendo, atento o exposto, não há, na parte indicada, que tomar conhecimento 
 do objecto do recurso.
 
  
 
 [4 –] Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 
  
 a) Considerar como constituindo um só os dois recursos interpostos nos dois 
 referidos momentos temporais diferentes;
 b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 113.º, n.º 9, do Código de 
 Processo Penal, quando interpretada no sentido que a notificação pessoal da 
 acusação do arguido estrangeiro e que não conheça a nossa língua, pode ser feita 
 em português;
 c) Não tomar conhecimento da segunda questão de constitucionalidade acima 
 identificada;
 d) Condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 6 UCs”.
 
  
 
  
 
 2 – Inconformado, o Recorrente deduziu, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3, da 
 LTC, reclamação para a conferência, na qual sustenta que:
 
  
 
             “(...)
 
   Quanto a não julgar inconstitucional a norma do art. 113º nº 9 do C.P.P., como 
 foi interpretada e aplicada na decisão recorrida, salvo melhor opinião e com o 
 devido respeito, entende o recorrente que as circunstâncias do caso concreto são 
 totalmente distintas dos casos a que se faz alusão nos Acórdãos citados nesta 
 Decisão, pois que neste presente caso, não foi nomeado qualquer interprete na 
 sua língua maternal que lhe traduzisse quer por escrito, quer oralmente a 
 Acusação.
 
  
 Anteriormente, já fora solicitado ao Digno Magistrado que fosse facultado 
 intérprete ao recorrente, o que foi indeferido a fls. 910, razão porque a 
 situação dos presentes autos não pode ser equiparada à dos Acórdãos de que se 
 faz menção.
 
  
 Mas mesmo a considerar-se, como se considerou na decisão sumária, sempre também 
 se deveria ter tomado conhecimento da segunda questão de constitucionalidade.
 
  
 Isto porque mesmo a entender-se que a notificação pessoal da acusação pode ser 
 feita em português a um estrangeiro que não conheça a nossa língua; a partir do 
 momento em que é ordenando a notificação pessoal da Acusação na sua língua 
 materna como de facto foi, dever-se-á entender que é a partir daí que toma 
 conhecimento dos factos e tem possibilidade de organizar a sua defesa.
 
  
 Após a prolação daquele despacho a interpretação e a aplicação que fez o 
 tribunal «a quo» das normas contidas no art. 123º, nº 2 - 1 conjugado com a das 
 normas contidas nos nºs 1 e 2 do art. 122º do C.P.P. é materialmente 
 inconstitucional conforme o já referido na interposição de recurso para esse 
 Colendo tribunal.
 
  
 A questão referente à inconstitucionalidade referida em segundo lugar não está 
 dependente da referida em primeiro lugar, pelo que devem V. Exas. tomar 
 conhecimento desta também. A questão da inconstitucionalidade a que se alude no 
 requerimento de interposição de recurso diz respeito à interpretação das normas 
 ali mencionadas e à forma como foram interpretadas e aplicadas na decisão 
 recorrida (neste sentido Ac. 151/94, 238/94 e 18/96)”.
 
  
 
  
 
             3 – O Representante do Ministério Público junto deste Tribunal 
 pronunciou-se no sentido de considerar a presente reclamação como manifestamente 
 improcedente.
 
  
 
             Cumpre agora julgar.
 
  
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             4 – Na sua essência, são duas as questões suscitadas pelo 
 Reclamante.
 
             Por um lado, o ora Reclamante alega que “as circunstâncias do caso 
 concreto são totalmente distintas dos casos a que se faz alusão nos Acórdãos 
 citados nesta Decisão”, por outro, sustenta que “a questão referente à 
 inconstitucionalidade referida em segundo lugar não está dependente da referida 
 em primeiro lugar, pelo que devem V. Exas. tomar conhecimento desta também. A 
 questão da inconstitucionalidade a que se alude no requerimento de interposição 
 de recurso diz respeito à interpretação das normas ali mencionadas e à forma 
 como foram interpretadas e aplicadas na decisão recorrida (neste sentido Ac. 
 
 151/94, 238/94 e 18/96)”.
 
             Como é manifesto, tal argumentação não só não abala minimamente os 
 fundamentos como também acaba por encontrar resposta na própria decisão 
 reclamada.
 
             Vejamos.
 
  
 
             4.1 – Quanto à primeira questão, começou-se logo por referir na 
 decisão sumária que o recurso de constitucionalidade não está, entre nós, 
 configurado como um recurso de amparo, ou como um processo de «queixa 
 constitucional» (Verfassungsbeschwerde, staatsrechtliche Beschwerde, recurso de 
 amparo), no âmbito do qual se possa confrontar as decisões judiciais qua tale 
 com os parâmetros constitucionais, sindicando directamente o acto de julgamento 
 de uma determinada factualidade e a correcção jurídica da concreta 
 
 “interpretação-aplicação” do direito infraconstitucional”, pelo que, “em todo o 
 caso, os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional estão delimitados e 
 vinculados à aferição da bondade constitucional de normas – critérios normativos 
 
 – não lhe cabendo, por isso, apreciar as nuances fáctico-concretas de um 
 determinado problema e o juízo de valoração fáctica realizado pelo Tribunal 
 recorrido”.        
 Daí decorre, lapidarmente, que o julgamento de constitucionalidade vai 
 exclusivamente referido a uma norma e é independente não só de um juízo quanto à 
 correcção com que esse critério é aplicado à factualidade emergente dos autos, 
 mas também do material fáctico não projectado na norma do caso que conduziu à 
 decisão recorrida e de outros critérios que integrem a norma apreciada na 
 decisão impugnada, tal como a referente à disponibilidade de intérprete (art. 
 
 92º, nº 2, do CPP).
 Tal basta para se alcançar uma compreensão minimamente acessível do recorte 
 funcional deste Tribunal, designadamente quanto ao desenho dos seus poderes 
 cognitivos, bem como para justificar os termos em que foi proferido o juízo de 
 não inconstitucionalidade.
 
  
 
 4.2 – Quanto à segunda questão, reitera-se apenas que não tendo a norma em causa 
 sido aplicada como ratio decidendi do Acórdão recorrido, não há, como se 
 argumentou na decisão sumária – e não se controverteu na Reclamação – , que 
 conhecer da sua constitucionalidade.
 
  
 
  
 
  
 C – Decisão
 
  
 
  
 
 5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a 
 reclamação.
 
  
 
  
 Custas pelo Recorrente com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça.
 
             
 Lisboa, 14 de Dezembro de 2005
 
  
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos