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Processo n.º 53/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.Por acórdão do tribunal colectivo da comarca de Vagos, datado de 21 de 
 Setembro de 2001, foram condenados os arguidos A., em cúmulo jurídico, na pena 
 
 única de 8 anos de prisão e proibição de exercer cargos públicos durante 4 anos, 
 B., na pena de 3 anos e seis meses de prisão, declarando-se perdoados 2 anos, 
 C., em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos de prisão, declarando-se perdão 
 de um ano, e proibição de exercer cargos públicos durante 2 anos, e D., em 
 cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos de prisão, declarando-se perdoados dois 
 anos. Foram ainda os arguidos B. e E. condenados no pagamento de indemnizações à 
 assistente F..
 Nessa mesma data, 21 de Setembro de 2001, todos os arguidos interpuseram recurso 
 do acórdão condenatório para o Tribunal da Relação de Coimbra, por declaração em 
 acta, quer da matéria de facto, quer da matéria de direito, protestando 
 apresentar, no prazo legal, a respectiva motivação, e requerendo ainda a 
 transcrição integral de toda a prova produzida, requerimentos que na mesma acta 
 lhes foram deferidos.
 Em 24 de Setembro de 2001, o arguido A. requereu ao tribunal que se fixasse o 
 início do prazo legal de 15 dias, para apresentar a motivação, após se encontrar 
 nos autos a transcrição de prova, sem prejuízo de consultar a cópia das 
 cassetes, o que também requereu. O mesmo veio a ser requerido em 25 de Setembro 
 de 2001 pelo arguido C..
 Por despacho de 8 de Outubro de 2001, o Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de 
 Vagos deferiu o requerido.
 Em 4 de Outubro de 2001 deu entrada em tribunal a motivação de recurso do 
 arguido/recorrente C.. Em 9 de Outubro de 2001, por telecópia, deu entrada a 
 motivação do arguido/recorrente D.. E, em 11 de Outubro de 2001, entrou a 
 motivação do arguido/recorrente A., o qual requereu simultaneamente a passagem 
 de guias para pagamento da sanção a que se refere o artigo 145.º do Código de 
 Processo Civil.
 Tal pretensão mereceu do Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Vagos o 
 seguinte despacho: “(...) No entanto, mantém-se o despacho de fls. 7118-7118v 
 
 [despacho que concedera o prazo de 15 dias para apresentação das motivações de 
 recurso, a iniciar-se após a notificação da transcrição das cassetes]. Não se 
 passam guias face ao teor desse mesmo despacho”.
 Em 12 de Outubro de 2001, deu entrada o original da motivação do 
 arguido/recorrente D..
 Em 19 de Novembro de 2001 foi prestada informação nos autos de que se encontrava 
 já junta a transcrição da prova gravada nas cassetes áudio, o que foi notificado 
 aos arguidos/recorrentes.
 Em 5 de Dezembro de 2001, o arguido/recorrente C. reformulou a sua motivação. Em 
 
 10 de Dezembro de 2001, o arguido/recorrente A. apresentou nova motivação, em 
 substituição da anteriormente apresentada. E, em 11 de Dezembro de 2001, o 
 arguido/recorrente B. apresentou pela primeira vez a sua motivação, por 
 telecópia, cujo original juntou no dia seguinte. Em 11 de Dezembro de 2001, o 
 arguido/recorrente D. apresentou, também por telecópia, nova motivação, para 
 além da anteriormente junta, entregando o seu original no dia seguinte.
 
 2.Admitidos os recursos por despacho de 13 de Dezembro de 2001, juntas as 
 contra-alegações do Ministério Público e dos assistentes, os autos subiram ao 
 Tribunal da Relação de Coimbra. Neste tribunal foi emitido, pelo representante 
 do Ministério Público, parecer preliminar promovendo a baixa dos autos ao 
 tribunal de comarca para ser liquidada, e paga, a multa pelo arguido/recorrente 
 A., que, apesar de requerida, não lhe fora liquidada. Em resposta, os arguidos 
 C., B. e A. defenderam a tempestividade da oferta das sua motivações de recurso 
 no prazo mais dilatado que lhes fora concedido na primeira instância.
 Por acórdão tirado em conferência em 26 de Março de 2003, o Tribunal da Relação 
 de Coimbra decidiu não admitir, “por manifestamente extemporânea a sua 
 motivação”, o recurso interposto pelo arguido B., e ordenou “ a baixa dos autos 
 
 à primeira instância a fim de aí ser liquidada e paga a multa devida pelos 
 demais recorrentes, cominada no art.º 145.º do Cód. de Proc. Civil, 
 procedendo-se à ulterior tramitação”, com os seguintes fundamentos:
 
 «(...)
 Cumpre decidir, cotejando a Lei:
 Dispõe o art.º 411.° do CPP que o prazo para interposição do recurso é de 15 
 dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou, tratando-se de sentença, 
 do respectivo depósito na secretaria, podendo ser interposto por simples 
 declaração na acta o recurso de decisão proferida em audiência, podendo a sua 
 motivação, neste caso, ser apresentada no prazo de 15 dias, contado da data da 
 interposição.
 Por sua vez, estabelece o art.º 414 °, n.º 2 e n.º 3, do CPP, que o recurso não 
 
 é admitido quando for interposto fora de tempo e além do mais, quando faltar a 
 motivação, não vinculando o tribunal superior a decisão que admita o recurso.
 Nos termos do art.º 104.° do CPP, aplicam-se à contagem dos prazos para a 
 prática de actos processuais as disposições da lei processual civil, ou seja, o 
 disposto no art.º 144 ° do Cód. Proc. Civil.
 Certo é que por força do disposto no art.º 107.°, n.º 2 e n.º 3, do CPP, os 
 actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, 
 por despacho do juiz, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos 
 processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento, 
 devendo tal requerimento ser apresentado no prazo de três dias, contado do termo 
 do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento.
 Dispõe então o n.º 5 deste mesmo preceito legal que, independentemente do justo 
 impedimento, pode o acto ser praticado, no prazo, nos termos e com as mesmas 
 consequências que em procedimento civil, com as necessárias adaptações, o que 
 remete o intérprete para o disposto nos art.ºs 145.°, n.ºs 5, 6 e 7, e 146.° do 
 Cód. Proc. Civil.
 A tal não obsta o estatuído no art.º 107.°, n.º 6, do CPP de que “Quando o 
 procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos do artigo 215.°, 
 n.º 3, parte final, o juiz, a requerimento do assistente, do arguido ou das 
 partes civis, pode prorrogar os prazos previstos nos artigos 78.°, 287.° e 
 
 315.°, até ao limite máximo de 20 dias”.
 Ora, todo o citado normativo não permite que os sujeitos processuais e mesmo o 
 tribunal derrogue o carácter peremptório do prazo consignado na lei para 
 interposição do recurso e respectiva motivação - ut art.º 411.°, n.º 3, do CPP.
 
 É que estribaram-se os recorrentes A. e C. - fIs.7103 e 7108 - na necessidade da 
 transcrição do teor das cassetes para a motivação dos seus recursos e no facto 
 de não ser viável ao tribunal facultá-la dentro do prazo que lhes é imposto por 
 lei (15 dias).
 Acontece, porém, que a transcrição da prova tem como único escopo dar ao 
 Tribunal da Relação a possibilidade de examinar e eventualmente alterar a 
 matéria de facto, sendo esta questionada nos precisos termos vertidos nos n.ºs 3 
 e 4 do art.º 412.° do CPP (cfr. art.º 431.°, al. b), do CPP) e não proporcionar 
 aos recorrentes elementos que permitam elaborar a motivação em que se pretenda 
 pôr em crise a matéria de facto, podendo, para o efeito, o interessado requerer 
 ao tribunal que lhe forneça, de imediato, a cópia das cassetes onde a mesma foi 
 gravada – ut art.º 7.º do Dec.-Lei n.º 39/95, de 15/2.
 Daí que, nos termos do art.º 412.°, n.º 4, do CPP, quando as provas tenham sido 
 gravadas, as especificações previstas nas al.s b) e c) do seu n.º 3, fazem-se 
 por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição, a qual 
 compete ao tribunal recorrido, nos termos do Assento n.º 2/2003, de 30/01.
 Por isso que os recorrentes não estavam impedidos de recorrer da matéria de 
 facto pelo simples facto de não haver transcrição, sendo aqui inadmissível a 
 aplicação subsidiária do Cód. Proc. Civil, pois que não omisso o CPP nessa 
 matéria e com um regime próprio, concretamente o disposto no art.º 698.° do C. 
 P. Civil.
 Tal prazo de interposição do recurso, em processo penal, só excepcionalmente é 
 prorrogável, nos apertados termos do disposto no art.º 107.º, n.º 6, do CPP.
 Não foi esse o fundamento em que se estribaram os recorrentes e o despacho que 
 deferiu e fixou um prazo suplementar de 15 dias que, a ter suporte legal, jamais 
 poderia iniciar-se, também, “a contar da notificação da transcrição”, como 
 decorre do despacho de fls. 7118v., nem tal consubstancia a legal “excepcional 
 complexidade”, face ao exigido pelos n.ºs 3, al. b), e 4 do art.º 412.º do CPP, 
 uma vez que os recorrentes dispõem, eles próprios, tal como o tribunal, além do 
 mais, dos seus próprios apontamentos e mesmo cópia das cassetes.
 Talvez por essa razão é que o próprio recorrente/requerente A., deu entrada da 
 sua motivação, a fls.7211, em 11/10/01, ou seja, no terceiro dia útil, 
 requerendo logo em simultâneo oferecer-se para o pagamento da multa prevista no 
 art.º 145.° do C. P. Civil, o recorrente/requerente C. e o recorrente D. dão 
 entrada da sua motivação, a fls. 7129 e 7187 em 9/10/01, no primeiro dia útil 
 após o termo do prazo que se verificara em 8 de Outubro de 2001, requerendo 
 aquele, também, a passagem de guias para pagamento da multa (fls. 7121 verso).
 Por sua vez, só em 11/12/2001 deu (fls.7396) entrada em tribunal a motivação do 
 recorrente B.!
 Tal significa, nos termos expostos e do disposto no art.º 414.°, n.º 2, in fine, 
 que não pode ser admitido o recurso do arguido B., por falta de atempada 
 motivação e que a admissibilidade dos recursos dos arguidos A., C. e D. está 
 condicionada ao pagamento da multa cominada no art.º 145.°, n.ºs 5 e 6, do C. P. 
 Civil, por força do disposto no art.º 107.°, n.º 5, do CPP.
 Na verdade, não há ofensa de caso julgado, apesar da concordância de todos os 
 sujeitos processuais e M.º P.º, no tribunal recorrido, com o despacho que 
 prorrogou o prazo de apresentação das motivações, pois que a decisão que admitiu 
 os recursos não vincula este tribunal superior, nos termos do art.º 414.°, n.º 
 
 3, do CPP.
 Não podem invocar-se, in extremis, os princípios constitucionais da boa fé e da 
 lealdade processuais e inerente confiança dos sujeitos processuais nas decisões 
 judiciais com ofensa da lei, buscando a convolação, ilegal, do ilegal no legal! 
 
 - por alguma razão as já referidas cautelas dos recorrentes/requerentes A. e C..
 Em conclusão: o prazo de interposição do recurso consagrado no art.º 411.° do 
 Cód. Proc. Penal é peremptório, só podendo ser prorrogado nos apertados limites 
 do art.º 107.º, n.º 6, do mesmo diploma legal.
 Não integra ou constitui “excepcional complexidade” em ordem a permitir e 
 fundamentar tal prorrogação a obrigatoriedade legal de especificação, pelos 
 recorrentes, da sua discordância factual por referência aos suportes técnicos, 
 imposta pelo art.º 412.°, n.º 4, do CPP.
 A decisão que admita o recurso não constitui caso julgado, ainda que com a 
 concordância de todos os sujeitos processuais, e não vincula o tribunal 
 superior.
 Tendo sido interpostos em acta todos os recursos, em 21/09/01, o último dia do 
 prazo, sem sanção, para apresentação das respectivas motivações, ocorreu em 
 
 8/10/2001 (Segunda-feira).
 
 É manifestamente extemporânea a junção da motivação pelo recorrente B., em 
 
 12/12/01, não podendo ser admitido tal recurso.
 A admissibilidade dos demais interpostos recursos está condicionada ao atempado 
 pagamento da respectiva multa - ut art.º 107.º do CPP.»
 Notificados dessa decisão, vieram os arguidos D., A. e B., respectivamente, 
 apresentar pedido de aclaração do acórdão, interpor recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça e arguir a obscuridade e ambiguidade do acórdão, na parte em 
 que, postergando o despacho da primeira instância que alargou o prazo para 
 apresentar a motivação de recurso, aplicou ao caso o disposto no artigo 414.º, 
 n.º 3, do Código de Processo Penal, decidindo que aquele despacho não vinculava 
 o tribunal superior, e rejeitando por extemporâneo o recurso interposto pelo 
 
 último arguido referido.
 Sobre tais pedidos recaiu acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, tirado em 
 conferência em 11 de Fevereiro de 2004, no qual se decidiu:
 
 §                        quanto ao pedido de aclaração, que o “acórdão de fls. 
 deve ser interpretado de acordo com o artigo 145.º, n.º 6, do C. P. Civil, no 
 sentido de que será a secretaria do tribunal de 1.ª instância, quando o processo 
 aí baixar a notificar o arguido D. para pagar a multa em falta”;
 
 §                        “quanto ao recurso interposto pelo arguido A., que 
 subirá em diferido, com o recurso da decisão final, art.º 407.º, n.º 1 (a 
 contrario) e n.º 3, sem efeito suspensivo, art.º 408.º”; e
 
 §                        indeferir “o pedido formulado pelo arguido B., por nele 
 o requerente não revelar qualquer ambiguidade ou obscuridade do despacho 
 recorrido, que aliás entendeu perfeitamente, mas antes manifestar a sua 
 discordância relativamente ao mesmo”.
 Notificado deste acórdão, o arguido A. apresentou novo pedido de aclaração, 
 dizendo, entre o mais:
 
 “Há uma razão evidentíssima, de ordem prática, que demonstra a justeza legal da 
 admissão imediata e até da necessidade do efeito suspensivo (aqui teria que 
 interpretar-se a decisão em articulação com o recurso base, que se quer fazer 
 prosseguir com a 2.ª motivação, e que é interposto da decisão final 
 condenatória). É que, no fundo, o que o recorrente pretende é que seja mantida a 
 plena eficácia do despacho da 1.ª instância de 8.10.01, proferido a fls. 7118 e 
 vs., em que foi concedido prazo mais dilatado a todos os recorrentes para a 
 prática do acto e, consequentemente, que seja apreciada a motivação por ele 
 requerente apresentada em juízo em 10.12.01 e não aquela que, apenas por mera 
 cautela, apresentara em 11.10.01. Ora, se bem interpretarmos o texto do acórdão 
 de 11.02.04, nele parece vislumbrar-se com clareza o reconhecimento das razões 
 do requerente. Ora, constituindo tais razões – a que o acórdão diz aderir – 
 argumentos para a manutenção da validade integral do despacho que concedeu o 
 prazo mais dilatado, parece que está aberta a possibilidade concreta (e não só 
 abstracta, se bem que bastaria a existência desta) para, arguida a nulidade 
 correspondente, vir a ficar de pé, surtindo plenamente todos os seus efeitos, o 
 despacho de 1.ª instância de fls. 7118 e segs. E se assim concretamente vier a 
 ser – como em possibilidade abstracta já o é, o que tanto basta – temos que não 
 pode o mesmo despacho sofrer interpretações e produzir efeitos. O que, se se 
 entender que não pode tal decisão ser globalmente reparada, com efeitos para 
 todos os destinatários do despacho – todos os recorrentes – implica a subida 
 imediata com efeito suspensivo, do recurso oportunamente interposto pelo 
 requerente, tudo com base no disposto nos art.ºs 407.º, n.º 1, al. b), e n.º 2 e 
 ainda art.º 408.º, n.º 1, al. a), todos do CPP, o que expressamente se requer.”
 Em 2 de Março de 2004, o arguido/recorrente B. interpôs recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, pedindo a “revogação do acórdão recorrido [o acórdão de 26 
 de Março de 2003], de forma a que o recurso interposto em primeira instância 
 seja considerado atempado, seguindo-se-lhe o conhecimento do respectivo 
 objecto”.
 Por despacho de 14 de Abril de 2004, foram admitidos os recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, a subirem imediatamente nos autos, com efeito suspensivo, 
 nos seguintes termos:
 
 «Requerimento de fls. 8087:
 
 (...)
 No que a este requerimento concerne, parece-nos que mais que rectificar lapsos 
 de escrita se intenta primacialmente questionar as diferentes posições que se 
 mostram dos autos quanto ao prazo para interposição dos recursos, questão esta 
 directamente sindicada no recurso de fls. 8093 e ss.
 Ora. de evidente razão se nos antefigura o recurso interposto ao abrigo do art.º 
 
 678.º, n.° 2, CPC, por remissão do art.º 4.° CPP, quando nitidamente está em 
 causa a ofensa de caso julgado.
 Em nome das segurança e certeza jurídicas, aliadas à boa fé e confiança 
 envolventes dos actos processuais, achamos, pelo menos ilógico, que se altere o 
 que decidido foi em 1.ª instância quanto ao alargamento do prazo concedido para 
 a interposição dos recursos.
 Se nenhum dos intervenientes processuais, designadamente o M. P., questionou tal 
 decisão, não colhe vir ora fazê-lo com o argumento de que o despacho que admite 
 o recurso não vincula o tribunal superior; é que nem é esta a verdadeira 
 questão.
 A decisão que se arredou (que alargou o prazo para recorrer), é anterior à que 
 admitiu o recurso e só esta última. que “admita o recurso ou que determine o seu 
 efeito e regime de subida que não vincula o tribunal superior” - art.º 414.°, 
 n.° 3, CPP, que em nosso entender, e salvo sempre o devido respeito, não abrange 
 aquela que, com razões atendíveis ou não, alargou o prazo.
 Esta, no trânsito, vincula as partes, formando caso julgado.
 A tese que se vem defendendo recolheu inteira concordância do TC que em recente 
 Acórdão de 14 de Janeiro último, sob o n.° 44/04, decidiu julgar 
 inconstitucionais os art.ºs 411.°, n.° 1, e 420.º, n.º 1, na interpretação de 
 que “permitiria a destruição dos efeitos anteriormente produzidos de uma decisão 
 não impugnada da 1.ª instância quanto à prorrogação do prazo de recurso...”.
 Na ordem destas razões e no seguimento deste entendimento, urgente e necessário 
 se torna que esta questão seja dilucidada antes do conhecimento, de fundo, dos 
 interpostos recursos, sob pena de, decidindo desde já, estarmos eventualmente a 
 praticar actos inúteis, o que mostra arredado e até proibido, nos temos do art.º 
 
 137.º CPC, por força ainda do art.º 4.° CPP.
 Do que colhe inteiro cabimento a pretensão manifestada de interposição de 
 recurso para o Venerando Supremo Tribunal que, assim se admite, a subir de 
 imediato, nos autos e com efeito suspensivo.»
 
 3.O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão tirado em conferência em 23 de 
 Setembro de 2004, após apreciar a questão prévia suscitada pelo relator no exame 
 preliminar, decidiu “pela rejeição, por irrecorribilidade, dos recursos opostos 
 pelos cidadãos A. e B. à decisão da Relação de Coimbra que, em 26 de Março de 
 
 200[3], determinou a baixa do processo à 1.ª instância para liquidação da multa 
 correspondente ao atraso do recurso daquele e não admitiu, com fundamento em 
 extemporaneidade, o recurso deste”, pelos fundamentos seguintes:
 
 «(...)
 
 4. QUESTÃO PRÉVIA
 
 4.1. “Não é admissível recurso (...) de acórdãos proferidos, em recurso, pelas 
 relações, que não ponham termo à causa” (art.º 400.º, 1, c do CPP) e, bem assim, 
 
 “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que 
 seja aplicável (...) pena de prisão não superior a cinco anos (...)” (art.º 
 
 400.º, 1, e do CPP).
 
 4.2. Ora, a Relação de Coimbra, no recurso que decidiu em 26MAR02, não pôs termo 
 
 à causa quando, relativamente ao recorrente A., determinou a baixa do processo à 
 
 1.ª instância para liquidação da multa correspondente ao atraso detectado na sua 
 motivação.
 
 4.3. É certo que essa decisão - quando não admitiu, com fundamento em 
 extemporaneidade, o recurso do condenado B. - já não terá posto termo à 
 respectiva causa. Só que o fez mediante “acórdão proferido, em recurso, em 
 processo por crime a que é aplicável (...) pena de prisão não superior a cinco 
 anos (...)”.
 
 4.4. E daí, pois, que o acórdão da Relação não fosse (nem seja) susceptível, em 
 ambos os casos, de recurso para o Supremo.
 
 4.5. Com efeito, “o prazo para interposição do recurso é de 15 dias e conta-se a 
 partir da notificação da decisão (...)” (art.º 411.º, 1 CPP), podendo a 
 respectiva motivação, quando o recurso é interposto [como no caso] por 
 declaração na acta, apresentar-se “no prazo de 15 dias, contado da data de 
 interposição” (n.º 3).
 
 4.5. E, no caso, as motivações de ambos os recursos não observaram esse prazo 
 peremptório.
 
 4.6. É certo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações 
 previstas nas alíneas b) e c) do n.º anterior [ ‘as provas que impõem decisão 
 diversa da recorrida’ ], se fazem por referência aos suportes técnicos, havendo 
 lugar a transcrição” (art.º 412.º, 4). O que porém não quer dizer que a 
 transcrição - mesmo que oficial - condicione a motivação do recurso. Pois que a 
 transcrição não se destina a “servir” a motivação do recurso em matéria de facto 
 
 (cujas “especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 do art.º 412.º” se 
 farão por referência aos “suportes técnicos” de gravação da prova, e não por 
 referência à sua transcrição), mas antes - e tão-só - a facilitar à Relação a 
 apreciação da prova documentada, quando impugnada (art.º 431.º,  b).
 
 4.7. A verdade, porém, é que, em 24 e 25SETO1, os arguidos A. e C. (ora não 
 recorrente) requereram que o prazo para apresentação das suas motivações se 
 iniciasse com a notificação da transcrição, requerimento que o juiz do processo 
 lhes concedeu.
 
 4.8. Dir-se-ia por isso, a propósito, que “os despachos que recaiam unicamente 
 sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo (...) (art.º 
 
 672.º CPC). 
 
 4.9. Todavia, “os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos 
 estabelecidos por lei, por despacho da autoridade judiciária [que dirigir a fase 
 do processo a que o acto respeitar], a requerimento do interessado e ouvidos os 
 outros sujeitos processuais a que o caso respeitar, desde que se prove justo 
 impedimento” (art.º 107.º, 2 CPP).
 
 4.10. Ora, no caso, só os interessados A. (ora recorrente) e C. (ora não 
 recorrente) requereram - com fundamento em “impedimento” decorrente da falta de 
 transcrição oficial da prova - autorização para motivar o seu recurso “fora do 
 prazo estabelecidos por lei”.
 
 4.11. Daí que o despacho que lhes alargou o prazo para apresentação da motivação 
 do recurso só a eles pudesse - nos termos do art.º 107.º, 2 do CPP - aproveitar.
 
 4.12. De qualquer modo, a decisão que, na 1.ª instância, acabou por admitir 
 
 (apesar de motivados para além do prazo legal) os recursos (nomeadamente dos 
 interessados que para tanto não invocaram “justo impedimento”) não seria 
 susceptível - porque sem força obrigatória dentro do processo, já que “não 
 vincula o tribunal superior” (art.º 414.º, 3 do CPP) - de constituir “caso 
 julgado formal” cuja ofensa viesse, depois, a sustentar, por si, novo recurso 
 
 (cfr. art.º 678.º, 2 do CPC). 
 
 4.13. Finalmente, não será tarefa do STJ (ante a irrecorribilidade ordinária da 
 decisão da Relação), mas eventualmente do Tribunal Constitucional, julgar da 
 eventual “inconstitucionalidade” (“por violação dos princípios da segurança 
 jurídica e da confiança e das garantias de defesa consagrados, respectivamente, 
 nos artigos 2.º e 32.º, n.º 1, da Constituição”) dos artigos 411.º, n.º 1, e 
 
 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na interpretação (que a Relação lhes 
 possa ter dado) “segundo a qual tais normas permitiriam a destruição dos efeitos 
 anteriormente produzidos de uma decisão não impugnada da primeira instância 
 quanto à prorrogação do prazo de recurso” (TC 14JAN04, ac. 44/2004, proc. 
 
 636/03-2, Cons.ª MARIA FERNANDA PALMA).
 
 4.14. Bastará para tanto que os interessados, no prazo prescrito pelo art.º 
 
 75.º, 2 da LTC, venham a interpor recurso constitucional, com esse (ou outro) 
 fundamento, no prazo de 10 dias a contar “do momento em que se torna[r] 
 definitiva a decisão que não [tiver] admit[ido] recurso [para o STJ]”.»
 Notificado deste acórdão, o recorrente B. arguiu a sua nulidade, e apresentou, 
 subsidiariamente, recurso de constitucionalidade, pela seguinte forma:
 
 «Consta das CONCLUSÕES B1 e B2 ser sempre admissível recurso de qualquer decisão 
 judicial, desde que a mesma viole caso julgado anterior.
 Ora, salvo o devido respeito, V.ªs Ex.ªs, Senhores Juízes Conselheiros, no 
 predito acórdão não se pronunciam de forma directa, mas tão-somente oblíqua, à 
 laia de um obiter dictum sobre tal crucial questão. Com efeito, se é exacto que 
 no ponto 4.11. parecem querer excluir o requerente do âmbito da invocação de um 
 caso julgado que lhes possa aproveitar, exclusivamente - ainda com ressalva do 
 respeito devido e efectivamente nutrido, que muito é - pela razão de ordem 
 formal de o requerente não ter “formalizado” o pedido de prorrogação de prazo, a 
 verdade é que, logo de seguida, o acórdão franqueia a entrada pela janela ao que 
 não permitiu o fizesse pela porta. E isto por isso que, como consta da nota de 
 rodapé n.° 16, de fs., 12, V.ªs Ex.ªs reconhecem expressamente que a concessão 
 de prazo, nos termos em que o foi por força de decisão judicial transitada, foi 
 concedida a todos os recorrentes.
 Acresce que, diferentemente do que se refere no acórdão, o que está em jogo não 
 
 é o disposto no art.º 400.°, do CPP, mas antes o princípio geral de direito 
 processual, destinado a tutelar a confiança, no caso, nas decisões judiciais, 
 decorrente do art.º 678.°, n.° 2, do CPCivil, aplicável ex vi art.º 4.° do CPP - 
 de resto, a propósito da írrita ideia de que o caso julgado não é valor com 
 tutela constitucional, veja-se o excelente estudo de ISABEL ALEXANDRE, ‘O caso 
 julgado na jurisprudência constitucional portuguesa’, Estudos em homenagem ao 
 Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, 11 ss.
 Face ao precedentemente exposto, a situação, para o requerente, tem de tudo 
 menos de clareza. Mas algo se lhe afigura sobrar sem resto: V.as Ex.as, acabaram 
 por não tomar posição expressa sobre questão que cabia conhecer a esse Tribunal, 
 assim incorrendo na nulidade da al. c) do n.° 1 do art.º 379.°, do CPP, 
 aplicável nos termos do n.° 4 do art.º 425.° do mesmo diploma.
 Porém e por cautela, atento o teor da parte final do acórdão, também ele, mais 
 uma vez, repete-se, salvo o devido respeito, eivado de não despicienda dose de 
 esoterismo, subsidiariamente ao que vem de referir-se e por cautela, o 
 requerente desde já interpõe recurso para o Tribunal Constitucional da decisão 
 do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de Março de 2002, que não admitiu o 
 recurso para ela interposto, nos termos mais detalhadamente referidos no ponto 
 
 2.3. do presente acórdão.
 Este recurso é interposto ao abrigo do disposto nos art.ºs 69.° e ss. da Lei do 
 Tribunal Constitucional e, tendo especialmente em vista os comandos das al. b) e 
 f) do n.° 1 do art.º 70.° da mesma Lei.
 Através deste recurso, pretende-se que o Tribunal Constitucional declare a 
 inconstitucionalidade material dos art.ºs 411.°, n.° 1, 414.°, n.° 2, e 420.°, 
 n.° 1, todos do CPP, por violação, na interpretação que o acórdão recorrido lhes 
 deu, segunda a qual, apesar de uma decisão judicial transitada proferida no 
 processo, concedendo o prazo para a apresentação da motivação do recurso só após 
 a notificação da disponibilização das transcrições, esta decisão judicial seria 
 inoperante face ao disposto no art.º 411.°, n.º 1, e 420.°, n.° 1. Com efeito, 
 uma tal dimensão interpretativa, viola não só o disposto no art.º 32.°, n.° 1, 
 da CRP, como os princípios constitucionais da confiança, da segurança jurídica 
 
 (caso julgado) e das garantias de defesa.
 Neste (bom) sentido, como se salienta nos arestos quer da Relação de Coimbra, 
 quer do STJ proferidos nos presentes autos, julgou já o acórdão do Tribunal 
 Constitucional de 14 de Janeiro de 2004 (acórdão n.° 44/2004, processo n.° 
 
 636/03-2). Daí a precedente alusão à al. g) do n.° 1 do art.º 70.°, da LTC.
 A presente questão foi suscitada na motivação e nas conclusões do recurso que o 
 requerente levou perante o STJ, sendo, de resto, de conhecimento oficioso, como 
 decorre do art.º 204.° da CRP.»
 O mesmo recorrente apresentou ainda, em 13 de Outubro de 2004, requerimento 
 autónomo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, nos mesmo 
 termos em que o tinha feito aquando da apresentação do requerimento de arguição 
 de nulidade, acima transcrito.
 Por sua vez, o recorrente A. apresentou requerimento de recurso de 
 constitucionalidade, “ao abrigo do disposto no art.º 70.º, n.º 1, alíneas b) e 
 g), da respectiva Lei”, pretendendo «ver declarada a inconstitucionalidade 
 material do art.º 411.º (n.ºs 1 e 3) do Código de Processo Penal, na 
 interpretação concreta que o Acórdão da Relação de Coimbra referido [acórdão de 
 
 26 de Março de 2003] aplicou – e que este Supremo Tribunal se julgou legalmente 
 impedido de apreciar – segundo a qual “tais normas permitiriam a destruição dos 
 efeitos anteriormente produzidos de uma decisão não impugnada de primeira 
 instância quanto à prorrogação do prazo de recurso”, assim, não tendo em 
 consequência admitido a junção da motivação de recurso apresentada pelo arguido 
 ao abrigo daquele despacho judicial não impugnado, por violação dos princípios 
 constitucionais da legalidade, da boa fé e da lealdade processuais, da segurança 
 jurídica, das garantias de defesa, da igualdade de armas e do direito ao recurso 
 consagrados nos art.ºs 2.º e 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 2, da Constituição da 
 República Portuguesa».
 
 4.Por acórdão tirado em conferência em 4 de Novembro de 2004, o Supremo Tribunal 
 de Justiça decidiu indeferir a reclamação apresentada, pelos seguintes 
 fundamentos.
 
 «1. A DECISÃO RECLAMADA
 
 1.1. O STJ, em 23SETO4, rejeitou, por irrecorribilidade, o recurso oposto pelo 
 cidadão B. à decisão da Relação de Coimbra que, em 26MAR03, não admitira, com 
 fundamento em extemporaneidade, o recurso por ele interposto do acórdão do 
 tribunal colectivo de Vagos que, em de 21SET01, o condenara, como autor de um 
 crime de extorsão, na pena de 3,5 anos de prisão.
 
 1.2. E fê-lo, de um lado, por não ser admissível recurso “de acórdãos 
 proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja 
 aplicável (...) pena de prisão não superior a cinco anos (...)” (art.º 400.º, 1, 
 e do CPP), e, de outro, porque a decisão que, na 1.ª instância, admitira o 
 recurso nem sequer era susceptível - porque sem força obrigatória dentro do 
 processo (art.º 414.º, 3 do CPP) - de constituir “caso julgado formal” cuja 
 ofensa (cfr. art.º 678.º, 2 do CPC) viesse, depois, a sustentar, por si, novo 
 recurso.
 
 2. A RECLAMAÇÃO
 Insatisfeito, o recorrente arguiu em 11OUT04 a “nulidade” do acórdão, na medida 
 em que este “acabou por não tomar posição expressa sobre questão que lhe cabia 
 conhecer” (a de saber se é “sempre admissível recurso de qualquer decisão 
 judicial, desde que a mesma viole caso julgado anterior”).
 
 3. BREVÍSSIMA APRECIAÇÃO
 
 3.1. Independentemente da resposta que mereça a questão (que continua a dividir 
 o Supremo) de saber se, também em processo penal (cfr. art.º 678.º, 2 CPC), é 
 
 “sempre admissível recurso de decisão judicial que viole caso julgado anterior”, 
 a verdade é que o STJ, na decisão ora sob aclaração, entendeu explicitamente 
 que, “de qualquer modo”, “a decisão que, na 1.ª instância, acabou por admitir 
 
 (apesar de motivados para além do prazo) os recursos (nomeadamente dos 
 interessados que para tanto não invocaram ‘justo impedimento’) nem [sequer] 
 seria susceptível - porque sem forca obrigatória dentro do processo, já que ‘não 
 vincula o tribunal superior’ (art.º 414.º, 3 do CPP) - de constituir ‘caso 
 julgado formal’ cuja ofensa viesse, depois, a sustentar, por si, novo recurso”.
 
 3.2. O STJ justificou pois a sua decisão, indicando cabalmente os motivos (de 
 direito) por que não admitiu o recurso da decisão da Relação (mesmo que este, se 
 fundamentado em ofensa de caso julgado, sempre fosse, por isso, de admitir): 
 desde logo, porque “proferido, em recurso, em processo por crime a que é 
 aplicável (...) pena de prisão não superior a cinco anos (...)” (art.º 400.º, 1, 
 e do CPP); e, por outro, porque “a decisão que, na 1.ª instância, acabou por 
 admitir os recursos não era susceptível - porque sem força obrigatória dentro do 
 processo (art.º 414.º, 3 do CPP) - de constituir ‘caso julgado formal’ cuja 
 ofensa [pela Relação] viesse, depois, a sustentar, por si, novo recurso [para o 
 Supremo]”.
 
 3.3. Mas, ao rejeitar o recurso, o STJ não fechou a porta a eventual recurso de 
 constitucionalidade (“por violação dos princípios da segurança jurídica e da 
 confiança e das garantias de defesa consagrados, respectivamente, nos artigos 
 
 2.º e 32.º, n.º 1, da Constituição”) da própria decisão da Relação.»
 Quanto aos recursos de constitucionalidade, «oportunamente os autos descerão à 
 Relação de Coimbra para admissão (ou não) dos recursos constitucionais ora 
 opostos à sua decisão de 26 de Março de 200[3] pelos arguidos A. (em 12 de 
 Outubro de 2004) e B. (em 11 de Outubro de 2004, “subsidiariamente”)».
 
 5.Admitidos estes recursos, no Tribunal Constitucional os recorrentes foram 
 notificados para alegar.
 O recorrente B. apresentou, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
 
 «B1: O próprio artigo 411.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, quando tomado 
 literal e irrestritamente, padece ou pode sofrer de inconstitucionalidade 
 material, como intentou demonstrar-se sob A1.2 da motivação supra, por 
 potencialmente violador do disposto no n.° 1 do artigo 32.° da Constituição da 
 República e da alínea b) do n.° 3 [do artigo 6.º] da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem. Ora,
 B2: no caso dos autos, o Tribunal recorrido, ao adscrever-se ao prazo de quinze 
 dias decorrente do citado normativo do direito legislado, não se tendo embora 
 disso apercebido, começou por violar o disposto no n.° 1 do artigo 32.°, da 
 Constituição da República e na alínea b) do n.° 3 [do artigo 6.º] da assinalada 
 Convenção. Por outro lado,
 B3: os “princípios gerais do processo penal” e, de entre eles, o da “lide leal” 
 
 (fair trial) constituem elementos interpretativos de natureza análoga às das 
 normas formalmente constitucionais cuja consideração o aplicador nunca pode 
 perder de vista sob pena de, fazendo-o, violar o disposto no n.° 1 do artigo 
 
 16.° da Constituição da República, como, ao cabo e ao resto, sucedeu na espécie 
 dos autos.
 B4: O princípio da confiança, encontrando guarida no disposto no artigo 2.° da 
 Constituição, como um dos étimos fundantes da própria ideia de Estado de direito 
 democrático, redundou violado por força da interpretação e aplicação a que o 
 Tribunal da Relação de Coimbra procedeu do disposto no artigo 414.°, n.° 3, do 
 Código de Processo Penal
 B5: e, bem assim, implicitamente, do artigo 420.°, n.° 1, do mesmo diploma, na 
 medida em que este para aquele remete.
 B6: Termos em que devem V.as Ex.as declarar a inconstitucionalidade material dos 
 aludidos comandos do Código de Processo Penal, face à concreta dimensão 
 interpretativa que lhes foi atribuída no acórdão recorrido, por violação do 
 disposto nos artigos 2.° e 32.°, n.° 1 - este último, de aplicação directa - 
 ambos da Constituição da República Portuguesa.»
 Por sua vez, o recorrente A. concluiu as suas alegações pela seguinte forma:
 
 «1.ª – O despacho de fls. 7118, que prorrogou o prazo para apresentação da 
 motivação de recurso, recebeu a aceitação de todos os intervenientes 
 processuais, designadamente do MP e dos assistentes, que dele inclusivamente se 
 aproveitaram para apresentarem as correspondentes respostas, pelo que transitou 
 em julgado;
 
 2.ª – Na verdade, o despacho de fls. 7118 não admitiu o recurso - este foi 
 admitido pelo despacho de fls. 7568 - pelo que transitou em julgado, não lhe 
 sendo aplicável o regime prescrito pelo art.º 414.°, n.° 3, do CPP;
 
 3.ª – Como quer que seja, nunca o disposto no art.º 411.°, n.ºs 1 e 3, do CPP 
 pode ser interpretado no sentido de impedir que decisão de 1.ª instância, não 
 impugnada, que dilatou ou prorrogou os prazos aí consignados, venha a ver 
 destruídos os seus efeitos por decisão da 2.ª instância em contrário proferida 
 com referência explícita ou implícita ao disposto no art.º 414.°, n.ºs 2 e 3, e 
 
 420.°, n.º 1, daquele mesmo Diploma Legal;
 
 4.ª – Assim, o Acórdão da Relação de 26.03.02, ao decidir que a peremptoriedade 
 do prazo consignado no art.º 411.º, n.ºs 1 e 3, do CPP impede que seja valorada, 
 ou surta eficácia, decisão judicial proferida na 1.ª instância, não impugnada, 
 que haja prorrogado tal prazo fora dos afastados limites do art.º 107.°, n.° 6, 
 do CPP, efectua uma interpretação daqueles preceitos, por referência ao disposto 
 nos art.ºs 414.°, n.ºs 2 e 3, e 420.°, n.º 1, do CPP, com as necessárias 
 adaptações, manifestamente contrária à Constituição e, consequentemente, faz 
 incorrer aqueles preceitos (art.ºs 411.°, n.ºs 1 e 3, do CPP), na interpretação 
 concreta deles assim efectuada, no vício de inconstitucionalidade material, por 
 violação dos princípios constitucionais da boa fé e da lealdade processuais, da 
 segurança jurídica, das garantias de defesa, da igualdade de armas e do direito 
 ao recurso consagrados no art.º 2.° e 32.°, n.ºs 1 e 5, e 205.°, n.º 2, todos da 
 Constituição da República;
 
 5.ª – Ou seja: a norma retirada da interpretação daqueles preceitos (art.º 
 
 411.°, n.ºs 1 e 3, do CPP) conjugada com o disposto nos art.ºs 414.º, n.ºs 2 e 3 
 
 (referidos no Acórdão), e com o disposto no art.º 420.°, n.° 1, do CPP (não 
 referido no Acórdão, mas implicitamente aplicado), afronta a Constituição, por 
 constituir exigência funcionalmente inadequada à possibilidade de exercício do 
 direito de recorrer constitucionalmente garantido (art.º 32.°, n.° 1, da CRP), 
 desrespeitadora da legalidade e da garantia de efectivação dos direitos e 
 liberdades fundamentais (art.º 2.° da CRP) e destruidora da boa fé, da lealdade 
 e da confiança jurídica que devem merecer as decisões dos Tribunais (art.º 
 
 205.°, n.° 2, da CRP);
 
 6.ª – Conforme se alegou no requerimento de interposição do presente recurso de 
 constitucionalidade, trata-se da mesma questão superiormente decidida pelo 
 Acórdão n.° 44/2004 deste Tribunal, proferido no processo n° 636/03, pois que as 
 diferenças são meramente aparentes (ali tratava-se de recurso não interposto em 
 acta, acto regido pelo n.º 1 do art.º 411.° e aqui interposto nos termos da 2.ª 
 parte do n.° 3 do mesmo preceito; ali tratava-se de rejeitar o recurso por 
 referência ao art.º 420.°, n.° 1, e aqui trata-se tão-só de rejeitar a segunda 
 motivação por referência ao art.º 414.°, n.ºs 2 e 3, do mesmo Diploma Legal);
 
 7.ª – Deve pois este Tribunal declarar a inconstitucionalidade material da norma 
 retirada do art.º 411.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, interpretada em conjugação com o 
 disposto no art.º 414.°, n.ºs 2 e 3 e 420.°, n.° 1, do mesmo Diploma legal, 
 segundo a qual o prazo ali (art.º 411.º, n.ºs 1 e 3, do CPP) concedido para 
 apresentação da motivação do recurso apresentada em processo penal pelo arguido 
 contra sentença condenatória não pode ser alterado ou prorrogado fora das 
 hipóteses previstas no art.º 107.°, n.° 6, do mesmo Diploma Legal, não podendo, 
 consequentemente, surtir eficácia o despacho judicial não impugnado proferido em 
 
 1.ª instância que decidiu prorrogar esse prazo, o qual se admite poder ver 
 destruídos os seus efeitos por decisão posterior proferida pelo Tribunal ad quem 
 por referência àqueles últimos preceitos (414.°, n.ºs 2 e 3, e 420.°, n.° 1, do 
 mesmo CPP);
 
 8.ª – Deve, pois, decidir-se que essa interpretação concreta faz padecer aqueles 
 preceitos (art.º 411.°, n.ºs 1 e 3, do CPP por referência aos art.ºs 414.°, n.ºs 
 
 2 e 3, e 420.°, n.° 1, do mesmo Diploma legal) do vício de inconstitucionalidade 
 material por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da boa fé e 
 da lealdade processuais, da confiança e da segurança jurídicas, das garantias de 
 defesa, da igualdade de armas e da garantia do direito ao recurso, previstos nos 
 art.ºs 2.°, 32.°, n.ºs 1 e 5, e 205.°, n.° 2, todos da Constituição da República 
 Portuguesa.
 Termos em que se requer seja concedido provimento ao presente recurso, e, 
 consequentemente, seja ordenada ao Tribunal da Relação a reformulação do Acórdão 
 de 26.03.03, a proceder em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade a 
 proferir.»
 Nas suas contra-alegações, o representante do Ministério Público junto do 
 Tribunal Constitucional concluiu pela procedência do presente recurso, pela 
 seguinte forma:
 
 “1 – É inconstitucional, por violação dos princípios das garantias de defesa e 
 do processo equitativo, a interpretação normativa dos artigos 411.º, n.º 3, 
 
 414.º, n.ºs 2 e 3, e 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que faculta ao 
 Tribunal “ad quem” a apreciação oficiosa da tempestividade do recurso, quando 
 esta decorre inteiramente da questão da legalidade de uma prorrogação do prazo 
 para recorrer ou motivar o recurso deferida precedentemente pela primeira 
 instância, por decisão que não foi de imediato impugnada ou questionada por 
 outro sujeito do processo.
 
 2 – Termos em que deverá proceder o presente recurso, enquanto reportado a tais 
 normas.”
 Por parte da segunda recorrida, F., nada foi dito.
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 A) Delimitação e objecto dos recursos de constitucionalidade
 
 6.Em ambos os recursos de constitucionalidade foram impugnadas as normas dos 
 artigos 411.º, n.º 1, 414.º, n.º 3, e 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal 
 
 (embora no segundo recurso as normas impugnadas abranjam também as do n.º 3 do 
 artigo 411.º e do n.º 2 do artigo 414.º do mesmo Código), com a seguinte 
 redacção:
 
 “Artigo 411.º
 
 (Interposição e notificação do recurso)
 
 1. O prazo para interposição do recurso é de quinze dias e conta-se a partir da 
 notificação da decisão ou, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na 
 secretaria. No caso de decisão oral reproduzida em acta, o prazo conta-se a 
 partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever 
 considerar-se presente.
 
 (…)
 
 3. O requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não 
 admissão do recurso. Se o recurso for interposto por declaração na acta, a 
 motivação pode ser apresentada no prazo de quinze dias, contado da data da 
 interposição. 
 
 (…)”
 
 “Artigo 414.º
 
 (Admissão do recurso)
 
 (…)
 
 2. O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for 
 interposto fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias 
 para recorrer ou quando faltar a motivação.
 
 3. A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o 
 regime de subida não vincula o tribunal superior.
 
 (…)”
 
 “Artigo 420.º
 
 (Rejeição do recurso)
 
 1. O recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência ou que se 
 verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do 
 artigo 414.°, n.º 2.
 
 (…)”
 Expressamente invocadas no acórdão de 26 de Março de 2003 do Tribunal da Relação 
 de Coimbra foram as normas dos artigos 411.º, n.ºs 1 e 3, 414.º, n.ºs 2 e 3, mas 
 não a do artigo 420.º (que prevê a rejeição do recurso quando “se verifique 
 causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do artigo 414.º, 
 n.º 2”), a qual, no entanto, corresponde, como fundamento, ao sentido da 
 decisão. Por outro lado, tal norma foi indicada no despacho que admitiu o 
 recurso interposto de tal decisão para o Supremo Tribunal de Justiça (a 
 propósito de um acórdão do Tribunal Constitucional que decidira questão idêntica 
 
 – o acórdão n.º 44/04, publicado no Diário da República [DR], II Série, de 20 de 
 Fevereiro).
 Já nas contra-alegações produzidas neste Tribunal o Ministério Público deixou de 
 lado a norma (geral) do n.º 1 do artigo 411.º, presumivelmente porque a do seu 
 n.º 3 se apresentava como norma especial aplicável à situação dos autos. Uma vez 
 que a forma de contagem do prazo para a apresentação da motivação, no caso dos 
 autos, depende antes do n.º 3 do artigo 411.º do que do seu n.º 1, tal 
 encurtamento do conjunto de normas objecto do recurso não tem, porém, 
 significado relevante para os seus efeitos sobre a decisão recorrida. 
 Além disso, a não inclusão desse n.º 3 no primeiro recurso (como também a 
 omissão da do n.º 2 do seu artigo 414.º do Código de Processo Penal) não impede 
 que a decisão a proferir em relação ao conjunto de normas possa valer, em termos 
 idênticos, para o primeiro e para o segundo recorrentes, apesar de as normas 
 indicadas por cada um deles para apreciação deste Tribunal não serem 
 inteiramente coincidentes – e isto dispensando, mesmo, a eventual invocação da 
 essencial comunicabilidade dos efeitos do recurso de constitucionalidade, aos 
 não recorrentes, nos termos do disposto no artigo 74-º da Lei do Tribunal 
 Constitucional (do seu n.º 3, e não do seu n.º 2, embora o segundo recorrente 
 tenha também interposto o seu recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea 
 g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional). É que, como se 
 decidiu no Acórdão n.º 255/98, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional 
 
 [ATC], vol. 39, pp. 475, basta identificar a questão jurídico-processual cuja 
 constitucionalidade está em causa, podendo corrigir-se a base legal em 
 conformidade com a interpretação do tribunal a quo sobre as normas aplicáveis, 
 para se preencher o requisito da suscitação adequada de uma questão de 
 constitucionalidade normativa. Ora, essa questão, que cumpre apreciar, muito 
 embora nem sempre exactamente assim identificada, pode, claramente, ser 
 identificada como a da possibilidade de o tribunal ad quem apreciar 
 oficiosamente a tempestividade do recurso quando esta “decorre inteiramente da 
 questão da legalidade de uma prorrogação do prazo para recorrer ou motivar o 
 recurso deferida precedentemente pela primeira instância, por decisão que não 
 foi de imediato impugnada ou questionada por outro sujeito do processo.”
 Tal questão tanto pode ser referida às normas identificadas pelo primeiro 
 recorrente, como às indicadas pelo segundo, como às referidas pelo Ministério 
 Público, a ela se reconduzindo a interpretação dos “art.ºs 411.º, n.º 1, 414.º, 
 n.º 2, e 420.º, n.º 1, todos do CPP (…) segundo a qual, apesar de uma decisão 
 judicial transitada proferida no processo, concedendo o prazo para a motivação 
 do recurso só após a notificação da disponibilização das transcrições, esta 
 decisão seria inoperante face ao disposto no art.º 411.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1” 
 
 (formulação do recurso de constitucionalidade de B.); ou do “art.º 411.º, n.º 3, 
 do CPP, na exacta interpretação concreta que o Acórdão da Relação lhe tinha 
 dado, ou seja, a de tal preceito fixar prazo peremptório insusceptível de ser 
 prorrogado e, consequentemente, dever ser rejeitada pelo Tribunal ad quem, por 
 força do disposto nos art.ºs 414.º, n.ºs 2 e 3, a motivação de recurso 
 apresentado dentro do prazo mais alargado concedido expressamente pelo Juiz 
 competente, em despacho não impugnado” (formulação adoptada pelo recorrente A. 
 perante o Supremo Tribunal de Justiça); ou «do art.º 411.º (n.ºs 1 e 3) do 
 Código de Processo Penal, na interpretação concreta que o Acórdão da Relação de 
 Coimbra referido lhes deu (…), segundo a qual “tais normas permitiriam a 
 destruição dos efeitos anteriormente produzidos de uma decisão não impugnada da 
 primeira instância quando à prorrogação do prazo de recurso”, assim não tendo em 
 consequência admitido a junção da motivação de recurso apresentada pelo arguido 
 ao abrigo daquele despacho judicial não impugnado» (formulação adoptada pelo 
 mesmo arguido no requerimento de interposição de recurso de 
 constitucionalidade); ou, ainda, “da norma retirada do art.º 411.º, n.ºs 1 e 3, 
 do CPP interpretada em conjugação com o disposto no art.º 414.º, n.ºs 2 e 3, e 
 
 420.º, n.º 1, do mesmo Diploma legal, segundo a qual o prazo ali (art.º 411.º, 
 n.ºs 1 e 3, do CPP) concedido para apresentação da motivação do recurso 
 apresentada em processo penal pelo arguido contra sentença condenatória não pode 
 ser alterado ou prorrogado fora das hipóteses previstas no art.º 107.º, n.º 6, 
 do mesmo Diploma Legal, não podendo, consequentemente, surtir eficácia o 
 despacho judicial não impugnado proferido em 1.ª instância que decidiu prorrogar 
 esse prazo, o qual se admite poder ver destruídos os seus efeitos por decisão 
 posterior proferida pelo Tribunal ad quem por referência àqueles últimos 
 preceitos (414.º, n.ºs 2 e 3, e 420.º, n.º 1, do mesmo CPP)” (formulação 
 adoptada pelo mesmo arguido nas conclusões das alegações do recurso de 
 constitucionalidade).
 
 7.Como já se referiu, o primeiro recurso parece ter sido interposto ao abrigo 
 das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, 
 enquanto o segundo foi interposto invocando antes as alíneas b) e g) do mesmo 
 normativo. (mesmo admitindo que se tratou de lapso de escrita no 1.º recurso, 
 atenta a subsequente referência a “precedente alusão à alínea g) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC”, ver-se-á que o efeito é o mesmo).
 Como é referido pelo Ministério Público nas suas contra-alegações, não podem, 
 porém, ser considerados os recursos interpostos ao abrigo das alíneas f) e g) 
 desse n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional: quanto à alínea f) 
 porque, durante o processo, não foi suscitada nenhuma ilegalidade por violação 
 de lei de valor reforçado, nem estavam em causa normas constantes de diploma 
 regional, ou ofensivos do estatuto de uma região autónoma; quanto à alínea g), 
 porque as normas impugnadas – e a questão jurídico-processual – não são 
 inteiramente idênticas às anteriormente julgadas inconstitucionais, 
 designadamente no acórdão n.º 44/2004, já citado. Como bem salientou o 
 Ministério Público no Tribunal Constitucional, “na verdade, no caso dos autos, 
 sendo o recurso interposto em acta, a intempestividade é reportada à 
 apresentação em juízo da motivação, fundando-se a ampliação do prazo para 
 motivar o recurso (e não para recorrer) no diferimento da sua contagem para o 
 momento da conclusão das transcrições oficiosas da prova (e não, como ocorria no 
 processo a que se reportou o dito acórdão do Tribunal Constitucional, à 
 aplicação subsidiária em processo penal do regime contido no artigo 698.º, n.º 
 
 6, do Código de Processo Civil)”.
 Tal dissemelhança das normas objecto de apreciação e das inerentes questões 
 jurídico-constitucionais não pode, porém, impedir que esse mesmo acórdão, bem 
 como outros, possam, e devam, ser considerados na fundamentação da presente 
 decisão, por haver, no essencial, similitude substancial entre o que aí estava 
 em causa e o que aqui se discute.
 Conclui-se, portanto, estarem apenas em causa os recursos interpostos ao abrigo 
 da alínea b) do n.º 1 artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, cujo 
 requisito de suscitação durante o processo da inconstitucionalidade das normas 
 pretendidas impugnar se deve considerar preenchido – não tanto, ou não só, por a 
 decisão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de Março de 2003 se postar como 
 uma decisão-surpresa, mas sim por, mesmo antes de ela ter sido tomada (na 
 sequência da promoção, de 12 de Junho de 2002, do Ministério Público junto do 
 Tribunal da Relação de Coimbra no sentido da baixa dos autos à 1.ª instância 
 para notificação dos recorrentes que apresentaram versões provisórias das suas 
 motivações fora do prazo previsto no n.º 3 do artigo 411.º do Código de Processo 
 Penal pagarem a respectiva multa), logo ter sido suscitada a 
 inconstitucionalidade desse entendimento de tal norma (cfr. fls. 7968 v.) e ela 
 ser, só por si, suficiente para sustentar a imputação de inconstitucionalidade 
 que veio a abranger um conjunto mais alargado de normas.
 B) Apreciação da questão de constitucionalidade
 
 8.Identificado que está o objecto e o tipo dos recursos interpostos, há que 
 passar a deles tomar conhecimento, sendo esta tarefa simplificada pela 
 existência de anterior jurisprudência deste Tribunal sobre a questão essencial 
 em discussão: a da conformidade constitucional de uma decisão, pelo tribunal ad 
 quem, sobre a legalidade de despachos anteriormente proferidos no processo, 
 contra os quais nenhum sujeito processual reagiu, a qual, pela preclusão dos 
 efeitos de tais despachos, põe em causa a estratégia processual adoptada (e a 
 confiança formada) pelos intervenientes nesse processo em função desses 
 despachos.
 A identificação que assim se postula entre os precedentes jurisprudenciais e o 
 presente caso – embora insuficiente para dar por preenchida a identidade 
 normativa alegada por um dos recorrentes para efeitos de fundar o recurso na 
 alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional com base no 
 acórdão n.º 44/2004 – é, com efeito, mais do que suficiente para que essa e 
 outras decisões que convocaram algumas das normas aqui impugnadas sirvam de 
 argumento para a decisão que vai ser proferida (o que se pode explicar pelo 
 diferente nível de abstracção a que opera a identidade normativa pressuposta na 
 alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional e a 
 semelhança substancial requerida para um lugar paralelo, ou um precedente, na 
 jurisprudência constitucional, para efeitos de consideração na fundamentação da 
 sua decisão).
 
 9.Assim, no acórdão n.º 39/2004 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), 
 julgou-se “frustrada a confiança legítima depositada pelo recorrente na anterior 
 decisão do tribunal a quo, contra a qual nenhum outro sujeito processual reagiu” 
 quando “a interrupção do prazo do recurso, declarada por decisão do tribunal a 
 quo”, foi “considerada inválida pelo tribunal ad quem”, por isso se julgando 
 inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 420.º do Código de Processo Penal, 
 
 “na interpretação segundo a qual é extemporâneo o recurso interposto pelo novo 
 defensor do arguido dentro do prazo reiniciado a partir da sua nomeação, depois 
 de ter sido proferido em 1.ª instância despacho, não impugnado, a interromper o 
 anterior prazo de interposição de recurso, motivado por pedido de escusa no 
 anterior patrono deduzido na sua pendência.” Escreveu-se o seguinte na 
 fundamentação de tal decisão:
 
 «[...] num processo em que a interrupção do prazo do recurso, declarada por 
 decisão do tribunal a quo, seja considerada inválida pelo tribunal ad quem, 
 mesmo quando os restantes intervenientes processuais se conformaram com tal 
 interpretação, nenhum deles reagindo contra esse despacho, o direito de recurso 
 antes reconhecido por decisão judicial em certos termos – num certo prazo que 
 restava – vem a ser praticamente inutilizado pelo tribunal ad quem, sendo 
 frustrada a confiança legítima depositada pelo recorrente na anterior decisão do 
 tribunal a quo, contra a qual nenhum outro sujeito processual reagiu. Na 
 verdade, no presente caso, como salienta o Ministério Público nas 
 contra-alegações produzidas no Tribunal Constitucional, a decisão da 1.ª 
 instância veio determinar a “concessão ao arguido de uma verdadeira prorrogação 
 ou extensão do prazo para exercer o direito de recurso da decisão condenatória 
 contra si proferida – assentando, naturalmente, toda a sua estratégia processual 
 subsequente na consolidação de tal situação processual, decorrente de ‘a parte 
 contrária’ se ter conformado com tal decisão. Ora, como é manifesto, a oficiosa 
 revogação de tal despacho – apesar da autonomia do incidente em que o mesmo se 
 inseriu – afecta a segurança e confiança no fluir da causa e põe em crise o 
 exercício do direito ao recurso, ínsito no princípio constitucional das 
 garantias de defesa”. Considerando a projecção da decisão recorrida, com este 
 teor revogatório, no iter processual e na posição do arguido/recorrente, tem de 
 reconhecer-se, na verdade, que um processo assim configurado, em que a garantia 
 do recurso é deste modo postergada, contra a confiança legitimamente fundada em 
 decisão anterior não impugnada que determinara a prorrogação do prazo, não pode 
 ser considerado um due process of law, e não se conforma com as garantias de 
 defesa que a Constituição assegura em processo penal – designadamente, com o 
 reconhecimento, entre estas, do direito ao recurso. Assim, no contexto de 
 aplicação dessa norma ao caso dos autos, o que se tem de concluir é que a 
 interpretação do artigo 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal em apreciação, 
 ao levar a considerar como intempestivo o recurso interposto dentro do prazo 
 fixado por despacho do tribunal a quo, apesar de este não ter sido impugnado, 
 afronta directamente o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República, ofende 
 os princípios da segurança e certeza jurídicas, e retira ao processo aqui em 
 causa as características de um due process of law (e, dir-se-á ainda, viola 
 também, indirectamente, o n.º 3 deste artigo 32.º, na medida em que, por essa 
 via de interrupção do prazo e revogação da interrupção, se evita que o arguido 
 seja efectivamente assistido por um defensor em todos os actos do processo – 
 questão que, porém, se pode deixar aqui em aberto, tendo-se alcançado a 
 conclusão de que a norma é inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 1, 
 da Constituição).
 A norma em questão, ao possibilitar a revogação oficiosa de uma decisão 
 judicial, não impugnada, que havia tido como efeito a extensão do prazo para o 
 arguido exercer o direito de recurso da decisão condenatória, afecta, aliás, 
 também, de forma intolerável, os princípios da segurança e da confiança 
 jurídica, ínsitos no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da 
 Constituição da República.
 Tal dimensão normativa é, pois, inconstitucional, sendo de conceder provimento 
 ao recurso.».
 No acórdão n.º 44/2004 (disponível também em www.tribunalconstitucional.pt), 
 além da norma do n.º 1 do artigo 420.º, também a do n.º 1 do artigo 411.º do 
 Código de Processo Penal foi considerada inconstitucional “na interpretação 
 segundo a qual tais normas permitiriam a destruição dos efeitos anteriormente 
 produzidos de uma decisão não impugnada da primeira instância quanto à 
 prorrogação do prazo de recurso, por violação dos princípios de segurança 
 jurídica e da confiança e das garantias de defesa consagrados, respectivamente, 
 nos artigos 2.º e 32.º, n.º 1, da Constituição”, escrevendo-se, designadamente, 
 o seguinte:
 
 “5.  Não está em causa, no presente processo, nem a constitucionalidade dos 
 concretos prazos processuais nem qualquer direito constitucionalmente tutelado à 
 prorrogação dos mesmos. No recurso sub judicio, a única questão relevante é a da 
 alteração de uma decisão de primeira instância quanto à prorrogação de prazos 
 com fundamento no disposto em normas reguladoras de prazos, que não contemplam 
 qualquer possibilidade de prorrogação.
 Ora, a interpretação dos artigos 411.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal que faz decorrer dos mesmos uma força vinculativa que ultrapassa 
 a situação jurídico‑processual resultante da não impugnação de decisão anterior 
 que concedera a prorrogação do prazo põe manifestamente em causa a confiança 
 jurídica que a estabilidade de uma decisão judicial não impugnada gera no 
 arguido enquanto sujeito processual. 
 Independentemente de se saber se a prorrogação dos prazos determinada pela 
 decisão judicial de primeira instância corresponde a uma interpretação correcta 
 do direito ordinário, ou mesmo se aquela decisão quanto a uma prorrogação de 
 prazo deveria ter sido notificada a todos os sujeitos processuais, é claro que, 
 uma vez produzidos os efeitos dessa decisão, eles não poderiam ser 
 posteriormente destruídos, abalando as expectativas do arguido relativamente ao 
 prazo de que disporia para recorrer alicerçadas numa decisão judicial não 
 impugnada.
 O princípio do Estado de direito impõe uma vinculação do Estado em todas as suas 
 manifestações, e portanto também dos tribunais, ao Direito criado ou determinado 
 anteriormente, de modo definitivo. Assim, não é legítimo que uma decisão ao 
 abrigo da qual se constitua um direito de intervenção processual, ainda que 
 baseada numa eventual interpretação errónea do direito, mas não arbitrária ou 
 ela mesma flagrantemente violadora de direitos (o que, de resto, aqui não se 
 poderá analisar nem está em causa como problema de constitucionalidade), venha a 
 ser destruída pondo em causa o prosseguimento com boa fé da actividade 
 processual do arguido, nomeadamente o exercício normal do seu direito de 
 defesa.”
 Por sua vez, no acórdão n.º 722/2004 (acessível igualmente em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), decidiu-se julgar inconstitucional “por violação 
 dos princípios da segurança jurídica, da confiança e das garantias de defesa 
 consagradas nos artigos 2.º e 32º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 
 
 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual é 
 permitida a destruição, pelo tribunal superior, de efeitos anteriormente 
 produzidos por uma decisão não impugnada da primeira instância que declarou 
 
 ‘interrompido’ o prazo em curso para o arguido recorrer”.
 Estes fundamentos são de reiterar no presente caso.
 
 10.Daqui resulta, portanto, que três das cinco disposições trazidas a este 
 Tribunal já foram julgadas inconstitucionais, a diferentes propósitos, mas 
 essencialmente com base na mesma constelação de interesses e em situações 
 processuais semelhantes à que se perfila nos presentes autos. As duas únicas 
 normas em relação às quais não houve anterior pronúncia – as do n.º 3 do artigo 
 
 411.º e do n.º 2 do artigo 414.º do Código de Processo Penal – não são 
 verdadeiramente autónomas em relação a essas outras: a do n.º 3 do artigo 411.º 
 por constituir apenas o desenvolvimento de um caso especial previsto no seu n.º 
 
 1 (norma esta julgada inconstitucional no acórdão n.º 44/2004); a do n.º 2 do 
 artigo 414.º por prever, entre as situações de não admissão do recurso, a da 
 interposição “fora de tempo”, sendo, aliás, a disposição para a qual o n.º 1 do 
 artigo 420.º (norma julgada inconstitucional nos acórdãos n.ºs 39/2004 e 
 
 44/2004) expressamente remete.
 O que os presentes autos têm de particular em relação aos anteriores acórdãos 
 citados – a convocação de um conjunto mais alargado de normas – em nada diminui 
 a similitude essencial da questão que, em diversas configurações fácticas e 
 normativas, foi sendo decidida, no sentido da desconformidade constitucional da 
 norma que permite uma decisão do tribunal ad quem em sentido contrário à 
 tempestividade do recurso, quando decorre inteiramente da questão da legalidade 
 de uma prorrogação do prazo para recorrer ou motivar o recurso deferida 
 anteriormente pela primeira instância, em decisão que não foi impugnada ou 
 questionada por qualquer outro sujeito do processo, por violação dos princípios 
 da segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, e das garantias de 
 defesa consagradas nos artigos 2.º e 32.º, n.º 1, da Constituição.
 
 11.Embora os recorrentes estejam obrigados a apresentar perante o Tribunal 
 Constitucional a formulação da norma que reputam inconstitucional, quando tal 
 norma não corresponda ao sentido literal de uma disposição legal, como é aqui o 
 caso, nada obriga o Tribunal a, na decisão que proferir, adoptar essa mesma 
 formulação. Uma vez que não é necessário, nem conveniente (face à não discussão 
 de tal matéria na fundamentação do acórdão), convocar a questão do trânsito em 
 julgado para a formulação do juízo de constitucionalidade, não se adopta a 
 interpretação indicada no 1.º requerimento de recurso. Uma vez que a 
 interpretação proposta no 2.º requerimento de recurso se circunscreve à norma 
 dos n.ºs 1 e 3 do artigo 411.º do Código de Processo Penal e difere na sua 
 formulação da que foi apresentada nas suas alegações de recurso perante este 
 Tribunal (e da que foi apresentada ao Supremo Tribunal de Justiça), segue-se 
 antes formulação próxima da que foi sugerida nas contra-alegações de recurso 
 apresentadas pelo Ministério Público, que traduz exactamente o alcance do 
 presente juízo de inconstitucionalidade.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)                     Não tomar conhecimento dos recursos de 
 constitucionalidade apresentados ao abrigo das alíneas f) e g) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional;
 b)                     Julgar inconstitucional, por violação dos princípios da 
 segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, e das garantias de 
 defesa consagradas nos artigos 2.º e 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma dos 
 artigos 411.°, n.º 3, 414.°, n.ºs 2 e 3, e 420.°, n.º 1, do Código de Processo 
 Penal, interpretados no sentido de permitir ao tribunal ad quem a apreciação 
 oficiosa da tempestividade do recurso que para ele foi interposto, e a decisão 
 no sentido da intempestividade, quando esta decorre inteiramente da questão da 
 legalidade de uma prorrogação do prazo para recorrer, ou motivar, o recurso 
 deferida precedentemente pela primeira instância, por decisão que não foi 
 impugnada ou questionada por outro sujeito do processo;
 c)                     Consequentemente, conceder provimento ao recurso e 
 determinar a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o presente 
 juízo sobre a questão de constitucionalidade.
 Lisboa, 7 de Fevereiro de 2006
 
  
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos