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Processo n.º 779/02
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 
  
 ACORDAM NA 2ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.Em 3 de Janeiro de 2001, A., Lda., melhor identificada nos autos, intentou, no 
 Tribunal Judicial de Braga, acção de condenação, com processo comum, contra a 
 B., C.R.L., igualmente identificada nos autos, para “ser declarado nulo o 
 pagamento dos cheques efectuados pela Ré, com apenas uma assinatura, sem carimbo 
 comercial ou com duas assinaturas mas sendo a do sócio C. falsificada”, e para 
 ser paga uma indemnização correspondente ao valor dos cheques e à violação do 
 bom nome da autora (por lapso escrevia-se ré).
 Na sua contestação e reconvenção, a demandada suscitou, para o que ora importa, 
 a intervenção provocada do signatário singular dos cheques, D. sócio gerente da 
 autora que se ausentara para parte incerta, e de E., o seu funcionário 
 encarregue de conferir as assinaturas nos cheques a que se reportam os autos.
 Em 4 de Junho de 2001, por despacho do Juiz titular, foi julgado procedente o 
 incidente de intervenção provocada e foi determinada a citação de ambos os 
 chamados, “com as consequências previstas nos art.ºs 327.º e 328.º do citado C. 
 P. Civil” por carta registada com aviso de recepção. O funcionário da ré veio 
 apresentar pedido de improcedência da intervenção principal provocada, ou, caso 
 assim se não entendesse, “absolvição do pedido por não recair sobre ele qualquer 
 responsabilidade”, mas a carta dirigida ao gerente da autora veio devolvida. 
 Foi, então, emitido mandado de citação para a morada indicada pela autora, mas, 
 em 18 de Setembro de 2001, tal diligência gorou-se por, segundo informação da 
 ex-mulher do citando, proprietária e única residente do imóvel há cerca de três 
 anos, este nunca aí ter residido e se encontrar, à altura, no estrangeiro. 
 Foi solicitado ao comando da PSP de Braga informação sobre o domicílio do 
 citando, sendo a resposta a de que se desconhecia o seu paradeiro desde o ano de 
 
 2000.
 Consultadas as bases de dados da Segurança Social, da Direcção-Geral de 
 Impostos, e da Direcção-Geral de Viação sobre as moradas do dito sócio da 
 autora, foram apuradas três diferentes moradas, para todas elas se expedindo 
 cartas simples, que vieram devolvidas.
 Por despacho de 8 de Novembro de 2002, o Juiz titular decidiu 
 
 “- desaplicar, por inconstitucionalidade material (violação do princípio da 
 indefesa, consagrado no art.º 20.º da C.R.P.) o art.º 236.º-A, n.ºs 6 e 7, e 
 art.º 238.º, n.º 3, do C.P.C.
 
 - determinar se proceda à citação edital do interveniente D..”
 Pode ler-se nesse despacho:
 
 «(…)
 A estrutura dialéctica ou polémica do processo – radicada nos interesses 
 contrastantes dos pleiteantes –, ou seja, a fisionomia contraditória do 
 processo, está expressamente consagrada no art.º 3.° do C.P.C..
 Uma vez que o processo tem natureza contraditória, o acto de chamar a juízo o 
 réu para se defender[1] deve merecer grande atenção da lei. Como ensinava o 
 Prof. Alberto dos Reis[2], uma “vez que a citação condiciona o exercício do 
 direito de defesa, justificam-se perfeitamente as cautelas que a lei entendeu 
 fazer observar. Importa sobremaneira que a citação seja um acto sério e 
 eficiente, isto é, que ao réu seja dado conhecimento da existência do pleito e 
 colocado assim em condições de se defender; mas importa igualmente que seja um 
 acto, quanto possível, rápido, isto é, que sejam postos à disposição do tribunal 
 meios suficientes para obstar a que o réu procure fugir à acção da justiça, 
 furtando-se sucessivamente à diligência da citação”. E continua o Ilustre 
 Professor afirmando que toda “a disciplina da citação há-de inspirar-se na 
 conciliação destes dois interesses em conflito: o interesse da seriedade do acto 
 e o interesse da rapidez”, sendo tanto mais perfeita a disciplina de tal acto 
 quanto mais justo for o equilíbrio entre os dois interesses opostos. Perfeita 
 será assim a lei que discipline a citação por forma a conseguir proteger o réu 
 contra manobras tendentes a substituir a citação real e verdadeira por um 
 simulacro de citação que o deixe, de facto, na ignorância da existência do 
 pleito e que proteja também o autor contra tentativas ou estratagemas maliciosos 
 empregues pelo réu para evitar ou retardar a citação[3]. 
 Quando o legislador não consegue tal equilíbrio entre estes dois interesses 
 antagónicos, dando prevalência a um sobre o outro, a sua produção legislativa 
 pode vir a sofrer a censura constitucional.
 Na verdade, quer o direito de acção do autor[4], quer o direito a uma decisão 
 judicial sem dilações e demoras indevidas[5], quer o direito de defesa do réu[6] 
 
 (além de expressamente referidos na nossa lei ordinária – art.ºs 2.° e 3.° do 
 C.P.C.) merecem reconhecimento e protecção constitucional (art.º 20.° da 
 C.R.P.).
 Em casos como o dos autos, o art.º 236.º-A do C.P.C. parece-nos merecedor da 
 censura constitucional por força da proibição da indefesa.
 Efectivamente, a “violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de 
 vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não 
 observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a 
 impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar”[7], a 
 possibilidade de fazer valer em juízo os seus direitos.
 Com o DL n.º 183/2000 o legislador, confessadamente, fez prevalecer sobre o 
 interesse do réu na seriedade da citação o interesse do autor na rapidez.
 Não se pode sequer dizer que o legislador tornou rápido o acto de citação, 
 devendo antes concluir-se que o legislador “apenas” conseguiu tomar mais rápida 
 a fase processual da citação, por ser de ficcionar em certos casos a citação do 
 réu. Ou seja, para ultrapassar um problema de morosidade processual sentido na 
 nossa sociedade, e cuja causa estará muitas vezes na fase da citação, o 
 legislador entendeu que em certos casos se justifica supor e/ou ficcionar a 
 citação do réu, dando de barato que a este foi dada notícia da propositura da 
 acção (e em certos casos tal suposição ou ficção de citação nem sequer pode ser 
 ilidida através de prova em contrário apresentada pelo réu – como é o caso do 
 art.º 236.°-A, n.º 2, do C.P.C. –, situação esta que não está em questão no caso 
 que nos ocupa).
 
 É assim para nós de linear clareza que a citação do réu através do aviso deixado 
 na caixa de correio, nos termos dos art.ºs 236.°-A, n.ºs 6 e 7, art.º 238.°, n.º 
 
 3, e 238.°-A, n.ºs 3 e 4, do C.P.C., padece de inconstitucionalidade material, 
 por violação rude, grosseira e crassa da proibição da indefesa estabelecida no 
 art.º 20.° da C.R.P.[8].
 Tal forma de citação não dá a garantia mínima de que o réu foi intimado e 
 advertido de que contra si foi instaurado um processo, tanto mais quanto é certo 
 que nos autos existe informação policial que refere ser desconhecido o paradeiro 
 do citando desde o ano de 2000.
 Efectivamente (e apesar de observadas estrita e rigorosamente as regras dos 
 referidos artigos), não se pode, em boa fé, concluir que ao interveniente foi 
 dado conhecimento do processo e que foi chamado para se defender – uma carta 
 simples depositada na caixa do correio de residências onde a informação policial 
 constante nos autos refere que ele não reside. Não pode assim o tribunal 
 fundadamente concluir ou sequer presumir[9] que o interveniente tomou 
 conhecimento da intimação que lhe foi dirigida.
 No nosso ordenamento jurídico, a citação é um acto dotado da autoridade própria 
 do poder judicial, pois além de conter uma intimação, contém também efeitos 
 cominatórios.
 Desta forma, entende-se que a proibição da indefesa consagrada no art.º 20.º da 
 C.R.P. implicará que sejam desaplicadas (art.º 207.° da C.R.P.) as normas 
 relativas à citação por via postal simples. Tal desaplicação por 
 inconstitucionalidade material implicará assim, no caso dos autos, e havendo já 
 a notícia de que a morada do interveniente é desconhecida, que se recorra à sua 
 citação edital (pois que se deve concluir que a citação feita pela secretaria, e 
 uma vez que o interveniente não interveio no processo, não obedece às 
 formalidades legais – considerando a desaplicação dos mencionados art.ºs 
 
 236.°-A, n.ºs 6 e 7, e art.º 238.°, n.º 3, do C.P.C.).»
 
 2.De tal despacho trouxe o Ministério Público junto daquele Tribunal recurso de 
 constitucionalidade, interposto ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 70.º e n.ºs 1 e 3 do artigo 72.º da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), para 
 reapreciação do juízo de inconstitucionalidade material aí proferido sobre as 
 indicadas normas.
 Admitido o recurso, o Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal 
 encerrou assim as suas alegações:
 
 “1 – São inconstitucionais, por violação dos princípios da ‘proibição da 
 indefesa e da garantia do processo equitativo’, contidos no artigo 20.º da 
 Constituição da República Portuguesa, as normas constantes dos artigos 238.º, 
 n.º 3, e 236.º-A, n.ºs 6 e 7, do Código de Processo Civil, na versão emergente 
 do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, enquanto ficcionam a residência do 
 citando nos vários locais referenciados nas bases de dados a que alude o n.º 1 
 do artigo 238.º, bastando-se a citação pessoal do réu com o mero depósito de 
 carta simples nos respectivos receptáculos postais, sujeitando-o a todas as 
 preclusões e cominações decorrentes de uma eventual revelia, ainda que aí 
 efectivamente não resida.
 
 2 – E constituindo obviamente sanção desproporcionada para a eventual não 
 actualização de residência naquelas bases de dados a respectiva condenação ‘de 
 preceito’, em acção civil que se não relaciona minimamente com as finalidades 
 subjacentes a tais bases, por a relação material controvertida nada ter a ver 
 com matéria tributária, circulação automóvel ou relações atinentes à segurança 
 social.
 
 3 – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado 
 pela decisão recorrida.”
 Cumpre decidir.
 II. Fundamentos
 A) Questões prévias
 
 3.A primeira questão prévia que cabe dilucidar prende-se com a revogação, 
 ulteriormente à decisão recorrida (efectuada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 
 
 38/2003, de 8 de Março), do regime de citação por via postal simples. Ora, é 
 jurisprudência pacífica que os recursos de constitucionalidade mantêm interesse 
 apesar da revogação dos preceitos a que dizem respeito (v.g. acórdãos n.ºs 
 
 354/91, 221/92 e 460/99, publicado, o primeiro, em Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 19.º vol., págs. 577‑584, e os outros disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), mas pode não ser esse o caso se a decisão a 
 proferir poder ficar, por força da revogação, destituída de qualquer efeito 
 
 útil. Importa, assim, perguntar se a decisão a proferir, uma vez que o regime de 
 citação por via postal simples se encontra já revogado, não implicará sempre a 
 mesma sequência procedimental, pois o regime desaplicado já não poderá voltar a 
 ter aplicação, ainda que a decisão a proferir seja no sentido da não 
 inconstitucionalidade.
 Ora, uma vez que no novo regime, agora em vigor, a inviabilização da citação 
 postal por carta registada (como ocorre no caso) implica – mesmo em situações de 
 ausência do citando em parte incerta – outras formalidades para além da citação 
 edital, não pode dizer-se que da decisão da questão de constitucionalidade não 
 venham a decorrer diferentes efeitos consoante se conclua no sentido da 
 constitucionalidade ou da inconstitucionalidade. E tanto basta para justificar a 
 manutenção do interesse no conhecimento do presente recurso de 
 constitucionalidade.
 
 4.É a seguinte a redacção das normas impugnadas do Código de Processo Civil:
 
 “Artigo 236.º-A
 Citação por via postal simples
 
 1....
 
 2....
 
 3....
 
 4....
 
 5....
 
 6 – O distribuidor do serviço postal procede ao depósito da referida carta na 
 caixa de correio do citando e lavra uma declaração indicando a data e 
 confirmando o local exacto desse depósito, remetendo-a de imediato ao tribunal. 
 
 7 – Se não for possível proceder ao depósito da carta na caixa de correio do 
 citando, o distribuidor do serviço postal lavrará nota do incidente, datando-a e 
 remetendo-a de imediato ao tribunal, excepto no caso do depósito ser inviável em 
 virtude das dimensões da carta, caso em que deixará um aviso nos termos do n.º 5 
 do artigo anterior.”
 
                           (redacção do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de 
 Agosto)
 
 “Artigo 238.º
 Frustração da citação por via postal
 
 1....
 
 2....
 
 3 – Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente 
 a administração do citando, para o qual se endereçou a citação, não coincidir 
 com o local obtido nas bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 1, 
 ou se nestas constarem várias residências, locais de trabalho ou sedes, 
 procede-se à citação por via postal simples para cada um desses locais. ”
 
                           (redacção da Lei n.º 30-D/2000, de 20 de Dezembro)
 Tal como acontecia no recurso decidido por este Tribunal pelo acórdão n.º 
 
 287/2003 (publicado no Diário da República [DR], II Série, de 12 de Julho de 
 
 2003), no presente caso “nenhuma delimitação do objecto do recurso é feita no 
 requerimento de interposição para além da mera indicação da norma (...)”, mas já 
 
 “não assim nas alegações produzidas pelo Ministério Público neste Tribunal – com 
 a síntese feita na conclusão 1.ª”. Todavia, ao contrário do que aí ocorria – em 
 que no despacho recorrido se não encontrava expressamente a interpretação 
 questionada sub specie constitutionis pelo Ministério Público –, é, no presente 
 caso, de aceitar que a interpretação da norma aqui apresentada pelo Ministério 
 Público corresponda à que foi expressamente perfilhada, e cuja aplicação 
 recusada por inconstitucionalidade, no despacho sub judice: ou seja, a 
 interpretação no sentido de que se ficciona “a residência do citando nos vários 
 locais referenciados nas bases de dados a que alude o n.º 1 do artigo 238.º, 
 bastando-se a citação pessoal do réu com o mero depósito de carta simples nos 
 respectivos receptáculos postais”.
 O que não corresponde inteiramente a essa interpretação são, porém, os preceitos 
 a que são imputadas as normas impugnadas: os n.ºs 6 e 7 do artigo 236.º-A do 
 Código de Processo Civil, dizendo respeito a procedimentos a adoptar pelo 
 distribuidor do serviço postal – que lhes deu cumprimento num momento anterior à 
 intervenção do tribunal a quo –, são obviamente indiferentes ao sentido 
 normativo impugnado, que diz respeito à circunstância de se ficcionar “a 
 residência do citando nos vários locais referenciados nas bases de dados a que 
 alude o n.º 1 do artigo 238.º, bastando-se a citação pessoal do réu com o mero 
 depósito de carta simples nos respectivos receptáculos postais”. E também o n.º 
 
 3 do artigo 238.º do mesmo Código diz respeito a procedimentos a adoptar na 
 citação, já integralmente cumpridos quando o tribunal a quo foi chamado a 
 intervir.
 Não pode, porém, concluir-se que não existem condições para conhecer, no 
 presente recurso, da constitucionalidade das normas cuja aplicação foi recusada.
 Na verdade, o tribunal a quo, ao pôr de lado as referidas normas por 
 inconstitucionalidade estava a dar cumprimento ao disposto no artigo 483.º do 
 Código de Processo Civil – “verificar se a citação foi feita com as formalidades 
 legais [mandando repeti-la] quando encontre irregularidades” –, e, uma vez que 
 concluiu que a citação é inválida, tendo esta obedecido às formalidades legais, 
 seriam essas formalidades que padeceriam de inconstitucionalidade.
 Podem, assim, autonomizar-se dois problemas prévios à apreciação do presente 
 recurso: um diria respeito à menor aptidão das normas impugnadas para 
 sustentarem o sentido normativo impugnado; outro o do raciocínio, que parece ser 
 o da decisão recorrida, que faz depender o vício (de inconstitucionalidade) das 
 normas procedimentais dos efeitos (tidos como inconstitucionalmente 
 insustentáveis) que elas originam. Note-se que nada disto era necessário, 
 verificando-se que, se se tivesse posto em causa a constitucionalidade do n.º 2 
 do artigo 238.º-A do Código de Processo Civil, introduzido pelo mesmo 
 Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, se estaria a impugnar directamente o 
 efeito jurídico que o tribunal a quo era chamado a extrair da actuação do 
 distribuidor postal prevista no n.º 6 do artigo 236.º-A do mesmo Código, tal 
 como, ao ajuizar da inconstitucionalidade do n.º 3 do mesmo artigo 238.º-A, o 
 tribunal a quo conseguiria a não produção do efeito jurídico (tido como 
 constitucionalmente inadmissível) da actuação do distribuidor postal prevista no 
 n.º 7 do mesmo artigo 236.º-A. Num caso e noutro, o tribunal a quo, dentro do 
 exercício dos seus poderes, pronunciar-se-ia sobre efeitos jurídicos que lhe 
 competia estabelecer. Porém, ao transferir o seu juízo para normas situadas como 
 que “a montante”, que lhe não eram dirigidas e já tinham sido aplicadas, o 
 tribunal a quo dirigiu o seu juízo de inconstitucionalidade directamente ao 
 legislador, actuando como órgão de fiscalização abstracta da 
 constitucionalidade.
 De igual modo, nada há seguramente de inconstitucional na imposição, em si 
 mesma, da diligência prevista pelo n.º 3 do artigo 238.º do Código de Processo 
 Civil – na versão vigente à altura da decisão e resultante da Lei n.º 30-D/2000, 
 de 20 de Dezembro (e que se mantém no artigo 244.º do mesmo Código tal como 
 resultante do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março) –, isto é, de fazer seguir 
 
 à tentativa de citação por via postal (registada) uma consulta às bases de dados 
 da Segurança Social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de 
 Viação (sendo até certo que a interpretação normativa que dispensasse a consulta 
 a essas bases foi, embora em circunstâncias muito especiais, tida por 
 inconstitucional no já citado acórdão n.º 287/2003), tal como nada de 
 inconstitucional há em fazer decorrer dessa consulta uma obrigação de citação 
 por via postal simples para as direcções assim apuradas.
 Antes a inconstitucionalidade apenas poderá decorrer, eventualmente, do tipo de 
 efeito que dessas diligências se pretenda extrair. Porém, em si mesmas, as 
 normas do artigo 238.º-A (epigrafado “Data e valor da citação por via postal”) 
 não viram expressamente recusada a sua aplicação – ainda que, em rigor, elas, e 
 só elas, correspondessem à interpretação que vem presente a este Tribunal como 
 constitucionalmente desconforme, que diz respeito a este “valor”: ficcionar, em 
 certos casos injustificadamente, “a citação do réu”.
 
 5.Como o desenrolar processual se deteve no momento em que o tribunal a quo dava 
 cumprimento ao disposto no artigo 483.º do Código de Processo Civil, há que 
 apurar qual foi exactamente a norma jurídica, ou dimensão normativa, cuja 
 aplicação foi recusada, por a ela corresponder o juízo de inconstitucionalidade 
 que foi formulado pelo tribunal a quo, ainda que a propósito de preceitos menos 
 adequados para o exprimir. Afigura-se, com efeito, que essa averiguação 
 corresponde aos poderes deste Tribunal em casos de recusa de aplicação de 
 normas, até porque, no acórdão n.º 417/95 (publicado em Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 31.º vol., págs. 661-683) já se estabeleceu que
 
 “Deve, na verdade, entender-se que há recurso para o Tribunal Constitucional de 
 decisões dos tribunais que aplicam o regime estatuído pela norma cuja 
 inconstitucionalidade foi suscitada, mesmo quando essa aplicação é feita sob a 
 invocação de outro ou outros preceitos jurídicos”.
 Sendo assim em casos de aplicação de normas, também o será em casos de recusa de 
 aplicação, já que o afastamento de um determinado regime, no seu todo, por 
 inconstitucionalidade, há-de implicar a competência do Tribunal Constitucional 
 para estabelecer o preceito ou preceitos em que fez presa o juízo de 
 inconstitucionalidade normativa formulado na decisão recorrida.
 Ora, do que anteriormente se escreveu já resulta que esse preceito seria, em 
 princípio, o do n.º 2 do artigo 238.º-A do Código de Processo Civil (“Data e 
 valor da citação por via postal”), na medida em que é ela que verdadeiramente 
 ficciona a citação pessoal do réu. Dispõe tal preceito:
 
 “2 – A citação realizada ao abrigo do disposto nos n.ºs. 5 e 6 do artigo 236.º-A 
 e no n.º 2 do artigo anterior considera-se feita no dia em que o distribuidor do 
 serviço postal depositou a carta na caixa postal do citando ou no dia em que a 
 depositou na caixa postal do endereço indicado nas bases de dados de todos os 
 serviços enumerados no n.º 1 do artigo anterior, respectivamente, data essa que 
 
 é indicada na declaração que é remetida ao tribunal, e tem-se por efectuada na 
 pessoa do citando.”
 A questão – como se escreveu nos acórdãos n.ºs 335/95 e 508/02 (publicados, 
 respectivamente, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31.º vol., págs. 
 
 531-545, e no DR, II Série, de 26 de Fevereiro de 2003), ambos invocados a este 
 propósito no referido acórdão n.º 287/03 – seria, pois, a de apurar se a solução 
 de considerar pessoalmente citado um pretenso co-devedor, através do depósito de 
 uma carta simples em todas as diversas moradas constantes de bases de dados não 
 relacionadas com a matéria da relação material controvertida, é 
 constitucionalmente admissível, à luz dos princípios do contraditório e da 
 proibição de indefesa e dos princípios da celeridade processual, da segurança e 
 da paz jurídica.
 
 6.Como se recordou no acórdão n.º 287/2003:
 
 «Relativamente ao formalismo processual do chamamento das partes ao processo 
 escreveu-se no Acórdão n.º 335/95 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 31.º 
 vol., págs. 531 e segs.), ainda no âmbito do regime anterior à vigência do 
 Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro: 
 
 “Em todas as tramitações de natureza declarativa que conduzem à emissão de um 
 julgamento (judicium) por parte de um tribunal, tem de existir um debate ou 
 discussão entre as partes contrapostas, demandante e demandado, havendo o 
 processo jurídico adequado (a due process of law clause, da tradição 
 anglo-americana) de garantir que cada uma dessas partes deva ser chamada a dizer 
 de sua justiça (audiatur et altera pars). E esta exigência alarga-se a todas as 
 outras tramitações processuais cíveis, salvo contadas excepções, mesmo nos 
 processos executivos, em especial quando são deduzidas oposições à própria 
 execução ou à penhora.
 
 (...)
 Simplesmente, há situações em que o demandado não pode ser localizado, não 
 obstante diligências levadas a cabo pelo tribunal, nomeadamente a requerimento 
 do demandante (desconhecimento do domicílio; ausência do domicílio sem deixar 
 indicação do paradeiro, por exemplo). Ora, nos processos cíveis – normalmente 
 quando estão essencialmente em causa pretensões de natureza patrimonial e as 
 partes são, para a lei, perfeitamente iguais – o legislador tem de prever 
 mecanismos para evitar que o processo fique parado indefinidamente, à espera de 
 que o demandado seja localizado e chamado ao processo. Tratando-se de processos 
 de diferente natureza, por exemplo em processos de natureza penal, as 
 preocupações de evitar que o processo fique parado à espera de localização do 
 arguido levam à consagração de outros mecanismos, sendo perfeitamente 
 compreensível que o grau de exigência quanto a tais mecanismos seja superior, 
 dados os interesses em causa, nomeadamente a regra constitucional de que o 
 processo penal assegura todas as garantias de defesa (veja-se o instituto da 
 contumácia em processo penal).
 Relativamente ao processo civil em especial [um] autor italiano citado várias 
 vezes no despacho recorrido, chama a atenção para que o fenómeno da comunicação 
 de actos processuais às partes ou a terceiros está sempre dependente de uma 
 concordância prática entre princípios tendencialmente opostos, entre o chamado 
 princípio da ‘objectividade do direito’ e o princípio subjectivo do conhecimento 
 pelo destinatário. Cada ordenamento jurídico pode, ou privilegiar a necessidade 
 subjectiva do conhecimento desses actos pelo destinatário, com correlativo 
 sacrifício da exigência de certeza objectiva do direito, ou optar antes pela 
 tutela da mera cognoscibilidade desses actos de comunicação através de uma 
 publicitação suficiente (por exemplo, citação ou notificação editais com 
 eventual ampliação dos prazos para reacção dos destinatários), sacrificando o 
 efectivo conhecimento subjectivo. Normalmente, cada ordem jurídica acaba por 
 consagrar soluções balanceadas ou de compromisso entre as lógicas extremas 
 destes dois princípios (Ob. cit., págs. 468 e seguintes)”.»
 E no acórdão n.º 508/02, também transcrito no acórdão n.º 287/03, escreveu-se:
 
 «“(...) o legislador tem de prever mecanismos para evitar que o processo fique 
 parado indefinidamente, à espera de que o demandado seja localizado e chamado ao 
 processo”. Há que conciliar e equilibrar os vários princípios e interesses em 
 jogo, nomeadamente os do contraditório e da referida proibição da indefesa com 
 aquele outro princípio da celeridade processual e ainda com os princípios da 
 segurança e da paz jurídica, que são valores e princípios de igual relevância e 
 constitucionalmente protegidos “e não permitir que o processo se arraste 
 indefinidamente em investigações exaustivas e infindáveis ou que as mesmas se 
 possam reabrir ou efectuar novamente a qualquer momento no decurso do processo, 
 o que poderia ter consequências desestabilizadoras e frustrar assim o alcance da 
 justiça”.»
 Acontece, porém, que, no presente caso, as cartas simples de citação do chamado 
 foram todas devolvidas ao processo: duas substituídas por “aviso nos termos do 
 n.º 5 do artigo 236.º”, tal como previsto no n.º 3 do artigo 238.º-A do Código 
 de Processo Civil, e outra com a indicação de que o chamado não residia nessa 
 morada. Não tendo, pois, a norma aplicável ao caso sido a da regra do n.º 2 do 
 artigo 238.º-A, mas sim a da excepção do n.º 4 desse mesmo artigo, assim 
 redigida:
 
 “4 – Na situação prevista no n.º 3 do artigo anterior, [diferentes residências 
 nas diferentes bases de dados] a citação considera-se feita no dia e no local em 
 que o distribuidor do serviço postal depositar a carta na caixa postal do último 
 endereço para o qual seja remetido ou, se ocorrer a circunstância prevista no 
 número anterior, no 8.º dia posterior à data do aviso que é deixado pelo 
 distribuidor do serviço postal no último dos locais para os quais são remetidas 
 as várias cartas, excepto se o réu acusar a recepção da carta num outro local.”
 Tal não interfere, no entanto, na delimitação entre os referidos princípios 
 opostos, que não actuam diferentemente nos casos dos n.ºs 2 e 4 do dito artigo 
 
 238.º-A do Código de Processo Civil (na versão resultante do Decreto-Lei n.º 
 
 183/2000). Isso mesmo foi devidamente salientado nas alegações do recorrente 
 neste Tribunal, dizendo-se:
 
 “Na verdade, os n.ºs 2 a 4 do artigo 238.º-A consideram integralmente aplicável 
 
 à citação por via postal simples o regime prescrito em sede de ‘citação 
 pessoal’, presumindo efectivo e oportuno conhecimento pelo citando do teor da 
 carta de citação, como simples decorrência da mera certificação tabelar de 
 depósito da carta por funcionário obviamente desprovido de ‘fé pública’, criando 
 para o réu o ónus de realizar prova convincente de um facto negativo (o não 
 efectivo e oportuno recebimento da carta), numa situação em que não é plausível 
 a existência de prova testemunhal (não estando naturalmente radicado nos hábitos 
 correntes a abertura da caixa do correio necessariamente perante testemunhas) e 
 com uma possível dilação significativa entre a data certificada como a do 
 depósito da carta e aquele em que se invoca a falta de citação (decorrente de o 
 réu revel, como vimos, só ser notificado, quando muito, da decisão final 
 condenatória ou do acto de efectivação da penhora) – e sendo, por motivos 
 evidentes, desprovida de sentido prático a ‘acareação’ entre o funcionário (que 
 todos os dias depositará seguramente centenas de cartas) e o citando.”
 Estabelecido, pois, o sentido da recusa de aplicação, e identificado esse 
 sentido com os preceitos dos n.ºs 2 a 4 do artigo 238.º-A – preferindo este n.º 
 
 4 por, dispondo ambos sobre o momento da citação por via postal, constituir este 
 a excepção à regra do n.º 2, e estar em causa nos presentes autos –, o que 
 importa apurar agora é se é constitucionalmente conforme uma tal solução: isto 
 
 é, o referido artigo 238.º-A, n.º 4, na medida em que considera efectuada uma 
 citação pessoal “no 8.º dia posterior à data do aviso que é deixado pelo 
 distribuidor do serviço postal no último dos locais para os quais são remetidas 
 as várias cartas” simples (excepto se o chamado à autoria acusar a recepção da 
 carta num outro local), na sequência de, em incidente enxertado em acção civil 
 de condenação, com processo comum, se ter frustrado a citação por carta postal 
 registada, e depois de obtida informação sobre o domicílio do citando nas bases 
 de dados da Segurança Social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral 
 de Viação.
 B) Questão de constitucionalidade
 
 7.Apreciando a questão de constitucionalidade, nota-se que, contra a 
 conformidade constitucional da norma em causa concorrem, no presente caso, 
 sobretudo duas circunstâncias: a primeira, resultante dos efeitos cominatórios 
 da abstenção do chamado (nos termos do despacho que admitiu o chamamento, 
 decorrentes do disposto no artigo 328.º do Código de Processo Civil) que, não 
 menos relevantes do que os legalmente impostos ao réu em revelia, hão-de, para 
 poderem ser considerados conformes com a proibição da indefesa, depender de uma 
 possibilidade efectiva de intervir no processo, que a solução normativa em causa 
 não salvaguarda; a segunda, resultante de um regime gizado e criado para 
 situações em que as partes de um contrato estabeleciam um domicílio convencional 
 para contratos que originassem obrigações pecuniárias de valor limitado vir a 
 ser declarado aplicável, e aplicado, em toda e qualquer acção, independentemente 
 da sua natureza e do valor dos bens em litígio e, até, da posição processual do 
 citando.
 O primeiro aspecto contende, como se disse, com a proibição de indefesa, “sendo 
 pacífico o entendimento de que a proibição de indefesa se contém no princípio 
 mais vasto de acesso ao direito e aos tribunais, constante do artigo 20.º da lei 
 fundamental”, como se escreveu no já referido acórdão n.º 287/03 (repetindo, 
 aliás, o acórdão n.º 440/94, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 vol. 28.º, págs. 319-335), onde se acrescentou, citando Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, que esta proibição de indefesa “consiste na privação ou limitação do 
 direito de defesa do particular perante órgãos judiciais, junto dos quais se 
 discutem questões que lhes dizem respeito. A violação do direito à tutela 
 judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, 
 verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de 
 princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer 
 o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus 
 interesses”.
 O segundo aspecto prende-se sobretudo com a intervenção do princípio da 
 proporcionalidade na limitação de um direito: o direito de acesso à justiça na 
 dimensão antes referida. No acórdão n.º 200/01 (publicado em Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, vol. 50.º, págs. 321-345) escreveu-se:
 
 “relativamente às restrições de direitos, liberdades e garantias, a exigência de 
 proporcionalidade resulta do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República. 
 Mas o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do 
 poder público pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito, impondo 
 limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, 
 devendo o Estado-legislador e o Estado-administrador adequar a sua projectada 
 acção aos fins pretendidos, e não configurar as medidas que se tornam 
 desnecessária ou excessivamente restritivas.”
 Seguindo de perto a argumentação do acórdão n.º 1182/96 (publicado em Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, vol. 35.º, págs. 447-459), dir-se-á que a 
 prossecução dos interesses constitucionalmente protegidos da segurança e da paz 
 jurídica, bem como o da celeridade processual, podem, obviamente, implicar a 
 adopção de mecanismos que obstem a que os processos cíveis – é deles que se 
 trata – fiquem indefinidamente parados à espera de que os intervenientes 
 processuais sejam localizados, chamados ao processo e presentes a este.
 O que há que averiguar, porém, é se a compressão, pela solução normativa em 
 apreço, dos direitos de acesso à justiça destes intervenientes processuais, 
 traduzidos na regra do contraditório, na proibição da indefesa, e no direito a 
 um processo equitativo, se situa ainda dentro de limites razoáveis. 
 Assim, “[n]um primeiro momento perguntar-se-á se a medida legislativa em causa 
 
 [no nosso caso, a criação de um mecanismo supletivo de citação, em todas as 
 acções cíveis, análogo ao criado, a título principal, para as acções para 
 cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito 
 em que se tenha ‘fixado’ o domicílio ou sede do citando] é apropriada à 
 prossecução do fim a ela subjacente (v. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 
 
 6.ª ed., Coimbra, 1993, pp. 382-383)”.
 Sendo esse fim o combate à morosidade processual e o reforço, por essa via, da 
 eficácia das formas de tutela jurisdicional das obrigações jurídicas, como 
 proclamavam os preâmbulos do Decreto-Lei n.º 383/99, de 23 de Setembro, e do 
 Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, pode considerar-se tal medida 
 adequada ao fim em vista, até perante os dados do Observatório Permanente da 
 Justiça Portuguesa de Julho de 2001, já transpostos para o acórdão n.º 287/03:
 
 “Aumentou o número de citações efectivamente realizadas (actualmente menos de 1% 
 dos casos não resultam em citação válida); Diminuiu o número de citações 
 devolvidas; Tornou-se o processo, na maioria dos casos, um pouco mais célere; 
 Diminuiu o trabalho das secretarias de serviço externo.”
 Todavia, “[s]eguidamente haverá que perguntar se essa opção, nos seus exactos 
 termos, significou a ‘menor desvantagem possível’ para a posição fundamental 
 decorrente do direito de acesso aos tribunais. Aqui, equacionando-se se o 
 legislador ‘poderia ter adoptado outro meio igualmente eficaz e menos 
 desvantajoso para os cidadãos’ (ibidem), dir-se-á que outros meios são pensáveis 
 
 [...]”. Assim, a alternativa configurada pelo legislador do Decreto-Lei n.º 
 
 38/2003, de 8 de Março, foi, antes, a da criação da “citação por solicitador de 
 execução ou funcionário judicial”. Mas, só por si, tal não tem de traduzir-se 
 num juízo legislativo sobre a (des)necessidade da solução anteriormente 
 adoptada, muito menos sobre a sua (in)constitucionalidade.
 Num terceiro momento, há, “então, que pensar em termos de ‘proporcionalidade em 
 sentido restrito’, questionando-se ‘se o resultado obtido (...) é proporcional à 
 carga coactiva que comporta (ibidem)’ ”.
 
 8.Ora, a ponderação de meios e fins a que assim somos conduzidos, em 
 fiscalização concreta e incidental da constitucionalidade, há-de ter presente as 
 várias particularidades do caso em que a norma em questão foi desaplicada: a) a 
 quantia envolvida no processo, que é elevada (85.880.278$00); b) o facto de se 
 ter apurado que o citando já não residia nos diferentes locais em que se 
 presumia a sua residência; c) o facto de se não estar perante uma situação de 
 domicílio convencional ou electivo (artigo 84.º do Código Civil); d) a 
 circunstância de a posição processual do citando, como chamado, poder implicar, 
 nos termos em que o chamamento foi feito, a formação de caso julgado, mesmo sem 
 a sua intervenção no processo. Mas também ainda os factos, igualmente 
 relevantes: e) de antes se ter tentado uma citação por carta registada com aviso 
 de recepção; f) de, gorada esta, se ter tentado citação através de funcionário 
 judicial; g) de, a ser julgado inconstitucional o regime de citação por via 
 postal simples, a seguir se ter de recorrer a outra forma de citação (como foi 
 determinado no despacho recorrido, ou como resulta da reforma do processo civil 
 operada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março).
 Analisando o regime da citação em processo civil., Carlos Lopes do Rego (“Os 
 Princípios Constitucionais da Proibição da Indefesa, da Proporcionalidade dos 
 
 Ónus e Cominações e o Regime da Citação em Processo Civil”, in Estudos em 
 Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, p. 857) 
 enumera “os efeitos cominatórios e preclusivos associados à revelia do réu” que, 
 juntamente com o alargamento do âmbito de aplicação do regime de citação por via 
 postal simples para fora do círculo de acções ‘de massa’ e de ‘reduzido valor’ 
 em que surgiu no Decreto‑Lei n.º 383/99, de 23 de Setembro, determinavam que tal 
 regime fosse “um exemplo de violação manifesta e paradigmática dos princípios 
 constitucionais” (do contraditório e do processo equitativo).
 No presente caso, as primeiras quatro circunstâncias acima elencadas contribuem 
 para corroborar, no caso, uma tal conclusão, atendendo a que se está perante 
 situação em que é maior o risco de, sem intervenção processual, o crédito em 
 causa, aliás potencialmente elevado, se poder impor ao chamado; e a que, nos 
 termos do artigo 328.º do Código de Processo Civil (cuja redacção provém do 
 Decreto-Lei n.º 329‑A/95, de 12 de Dezembro, para o seu n.º 1, e do Decreto-Lei 
 n.º 180/96, de 25 de Setembro, para o seu n.º 2, e, portanto, vigorava no 
 momento da decisão recorrida), a sentença constitui, em determinadas situações, 
 caso julgado em relação ao chamado, mesmo sem este intervir no processo, sem que 
 caiba a este Tribunal estabelecer qual o entendimento adequado quanto à 
 subsunção do caso dos autos às previsões das normas dos nºs 1 (regra) e 2 
 
 (excepções) do artigo 328.º do Código de Processo Civil – sendo certo que só por 
 causa da referida possibilidade de se estabelecer caso julgado faz sentido que o 
 tribunal a quo tenha recusado a aplicação, “por inconstitucionalidade material 
 
 (violação do princípio da indefesa, consagrado no art.º 20.º da C.R.P.)” das 
 normas que regulavam o regime (do suprimento da falta) de notificação pessoal 
 
 (artigos 236.º-A, n.ºs 6 e 7, e 238.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
 Conclui-se, assim, que é de reiterar o juízo de inconstitucionalidade formulado 
 no tribunal a quo na decisão recorrida, pelas razões aí aduzidas, acima 
 transcritas, e pelas que foram apontadas pelo Ministério Público nas suas 
 alegações, onde se salientou:
 
 «(…)
 c) Finalmente, consideramos manifestamente excessiva e desproporcionada a 
 aplicação do regime de citação por via postal simples a toda e qualquer acção, 
 independentemente da sua natureza e do valor dos bens em litígio: na verdade, e 
 por força do estatuído no artigo 238.°, mesmo fora do âmbito das acções de 
 conteúdo estritamente pecuniário (a que alude o artigo 236.°-A) poderá o réu ser 
 citado por via postal simples, bastando para tanto, que se haja frustrado a 
 citação por via postal registada no domicílio indicado pelo autor.
 Não se trata, pois, apenas – como sucedeu no âmbito do Decreto-Lei n.º 383/99 – 
 de tolerar, como “ultima ratio”, uma citação por via postal simples (assente na 
 mera “certificação” pelo carteiro do depósito da carta no receptáculo postal do 
 citando) nas acções “de massa” (que estatisticamente “afogam” os tribunais) e de 
 
 “reduzido valor” (que no nosso sistema adjectivo se convencionou coincidir com a 
 alçada da 1.ª instância) – e em que obviamente os riscos – e as consequências – 
 para o citando de uma improcedência da arguição do vício de falta de citação são 
 naturalmente bem menores do que a procedência de uma acção atinente a bens ou 
 direitos pessoais ou à condenação em invocado débito de dezenas (ou centenas) de 
 milhares de contos, comprometendo irremediavel e definitivamente a sobrevivência 
 económica do réu e seu agregado familiar .
 III – O caso dos autos ilustra, de forma paradigmática, os riscos emergentes do 
 regime inovatoriamente estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 183/2000 – e que, 
 apesar da sua evidência, só muito tardiamente o legislador veio reconhecer – na 
 perspectiva de uma tutela minimamente consistente e adequada do “direito de 
 defesa” do réu em processo civil: na verdade, numa acção ordinária, no valor de 
 
 85.880.278$00, considera-se citado pessoalmente – e integralmente sujeito às 
 respectivas cominações – um pretenso co-devedor, mediante mero depósito de carta 
 simples nas moradas “alternativas” averiguadas mediante informação prestada 
 pelas entidades referidas no artigo 238.°, n.º 1, do Código de Processo Civil – 
 ficcionando-se a residência em alguns desses locais, apesar de se ter apurado já 
 nos autos que o citando há muito ali não residia!
 Como bem se afirma na decisão recorrida, “não se pode, em boa fé, concluir que 
 ao interveniente foi dado conhecimento do processo e que foi chamado para se 
 defender” – implicando tal regime efectivamente uma “violação rude, grosseira e 
 crassa da proibição da indefesa estabelecida no artigo 20.° da Constituição da 
 República Portuguesa”. (…)»
 Acompanham-se estas considerações, não contrariadas, aliás, pela anterior 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional. Com efeito, embora este já tenha 
 considerado (no acórdão n.º 287/03) desconforme com a Constituição o regime de 
 citação através de carta simples em algumas situações, fê-lo apenas – para 
 retomar uma expressão citada no acórdão n.º 335/95 - quando o tribunal não “haja 
 efectivamente esgotado as possibilidades práticas razoáveis para localizar o 
 demandado e realizar a respectiva citação pessoal”, razão pela qual não se pode 
 invocar essa jurisprudência como precedente da presente decisão. Por outro lado, 
 também aqueles acórdãos em que o Tribunal não concluiu pela 
 inconstitucionalidade (acórdãos n.ºs 91/2004 e 243/2005) não apresentam 
 identidade de elementos essenciais com o que aqui se discute. 
 Ponderadas as considerações referidas e as expendidas para fundamentar uma e 
 outra daquelas anteriores posições do Tribunal, entende-se, pois, que é de 
 confirmar a decisão recorrida quanto ao julgamento de inconstitucionalidade.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se:
 a) Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, 
 n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 238.º-A, n.º 
 
 4, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 
 de Agosto, quando aplicada em casos de intervenção provocada em que a não 
 intervenção do chamado no processo não impeça que se constitua, quanto a ele, 
 caso julgado;
 b) Em consequência, confirmar a decisão recorrida no que à questão de 
 constitucionalidade diz respeito.
 
  
 Lisboa, 7 de Fevereiro de 2006
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 
  
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 [1]Cfr. art.º 228.º, n.º 1, do C.P.C..
 
 [2] Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2.º, pág. 617.
 
 [3] Autor, obra e local citados na nota anterior.
 
 [4]  Direito de acção enquanto direito subjectivo de intentar em juízo acção 
 judicial com vista a fazer reconhecer determinado direito ou mesmo a executá-lo 
 coercivamente (art.º 2.º do C.P.C.).
 
 [5]  No dizer de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da 
 República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, nota V ao art.º 20.º, pág. 
 
 163, tal é um direito de dimensão ineliminável do direito a uma tutela judicial 
 efectiva, que se consubstancia no direito de obter do órgão jurisdicional 
 competente uma decisão dentro dos prazos legais pré-estabelecidos ou, caso estes 
 não estejam estabelecidos, em lapso de tempo proporcional e adequado à 
 complexidade do processo.
 
 [6]  Proibição da indefesa é a expressão utilizada por J. J. Gomes Canotilho e 
 Vital Moreira, obra citada na nota anterior, pág. 164, para referir o direito à 
 tutela judicial efectiva, já que não pode ser nenhum particular privado ou 
 limitado no exercício do direito de defesa perante qualquer órgão judicial junto 
 do qual se discutam questões que lhe dizem respeito.
 
 [7]  Autores, obra e local referidos na nota anterior.
 
 [8]  Deste princípio decorre que o Estado deve dotar-se de normas processuais 
 aptas e adequadas a permitir que o particular tenha conhecimento efectivo e real 
 de que contra ele foi instaurado um processo; as normas processuais devem ser 
 tais que assegurem com a necessária segurança que, sendo observadas, o réu é 
 efectivamente chamado ao processo para se defender.
 
 [9] E só pode falar-se de presunção quando estejam preenchidos os requisitos do 
 art.º 349.º do C.C..