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Processo n.º 442/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         A arguida A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação 
 de Guimarães contra o acórdão do Tribunal Colectivo do 1.º Juízo do Tribunal 
 Judicial da Comarca de Fafe, que a condenou, pela prática de um crime de furto 
 qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do Código 
 Penal, na pena de 3 anos de prisão. Na motivação desse recurso, em que, para 
 além de propugnar a alteração da decisão da matéria de facto e, com base nela, a 
 sua absolvição, foi suscitada a questão da falta de fundamentação da não 
 aplicação do instituto da suspensão da pena, a recorrente formulou as seguintes 
 conclusões:
 
  
 
             “1.ª – O tribunal a quo alicerçou a sua convicção nos depoimentos 
 das testemunhas, Dra. B. (Directora da Escola de …-Fafe), C. e D. (ambos 
 soldados da GNR), sendo que a testemunha Dra. B. diz não saber quem foram os 
 autores do furto, nem quando ou de que forma se deram os factos e os soldados da 
 GNR afirmam nada saberem sobre os factos ocorridos na escola de …‑Fafe.
 
             2.ª – De facto, analisando os referidos depoimentos, o tribunal a 
 quo apenas poderia dar como provado que, entre o dia 13 de Junho, à tarde, e o 
 dia 16 de Junho, pela manhã, alguém se introduziu na escola do 1.º ciclo de …, 
 sita em Fafe, subtraindo do seu interior os bens encontrados no veículo do 
 arguido E..
 
             3.ª – Aliás, foi realizado um exame lofoscópico ao local do crime, 
 sendo que da recolha das impressões digitais não foi encontrado qualquer 
 vestígio da presença dos arguidos no local do crime.
 
             4.ª – Assim, o tribunal a quo não poderia ter dado como provados os 
 factos constantes dos parágrafos 2.º, 3.º e 5.º do acórdão recorrido, sendo que, 
 fazendo‑o, usou erradamente o princípio da livre apreciação da prova, violando o 
 princípio da presunção da inocência – cf. artigo 32.º, n.º 2, da CRP.
 
             5.ª – Apesar da insuficiência de prova não se confundir com o vício 
 da insuficiência para a decisão da matéria de facto, certo é que cabe no âmbito 
 dos poderes de cognição deste tribunal a sindicância de toda a matéria de facto 
 vertida no acórdão recorrido, sendo que o entendimento contrário do disposto nos 
 artigos 410.º, n.º 1, 363.º, 364.º, n.ºs 1 e 3, e 428.º, n.ºs 1 e 2, do Código 
 de Processo Penal, é inconstitucional por violação do direito ao recurso e das 
 garantias de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP).
 
             6.ª – O tribunal a quo fundou a sua convicção em factos que não 
 constituem objecto do processo e que, como tal, não poderiam ser valorados.
 
             7.ª – Com efeito, o tribunal construiu a sua convicção num 
 raciocínio ilactivo que lhe está absolutamente vedado, desde logo porque a única 
 presunção de que o julgador penal pode lançar mão é a da presunção da inocência 
 do arguido.
 
             8.ª – Ora, da motivação do acórdão resulta que o tribunal recorrido 
 considerou inequívoco que os arguidos praticaram um furto ocorrido numa escola 
 em Mesão Frio, Guimarães, para assim concluir que também foram os arguidos os 
 autores do furto ocorrido na escola de …, Fafe, ou seja, o tribunal partiu da 
 ilação que fez de um facto conhecido – factos ocorridos na escola de Mesão Frio, 
 Guimarães – para firmar um facto desconhecido – factos ocorridos na escola de 
 
 …, Fafe.
 
             9.ª – Acontece que, além de tais factos não fazerem parte do objecto 
 do presente processo, estão ainda a ser investigados no âmbito de um outro 
 processo, pelo que o uso que o tribunal fez dos factos ocorridos em Guimarães é 
 claramente violador do princípio da presunção da inocência, gerador de 
 nulidade, uma vez que o tribunal conheceu de questões de que não poderia 
 conhecer (artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal).
 
             10.ª – Aliás, o entendimento que o tribunal recorrido retirou do 
 vertido nos artigos 127.º e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, no 
 sentido de que na fundamentação do acto decisório pode ter em conta factos que 
 estão a ser objecto de investigação noutro processo de índole criminal, é 
 claramente violador das garantias de defesa do arguido, do princípio da 
 presunção da inocência e do princípio do acusatório, consagrados no artigo 32.º, 
 n.ºs 1, 2 e 5, da CRP.
 
             11.ª – Além disso, o tribunal, ao julgar‑se, por exclusão de partes, 
 incompetente para o conhecimento dos factos ocorridos em Guimarães, violou o 
 caso julgado.
 
             12.ª – De facto, o tribunal deveria retirar todas as consequências 
 do seu despacho de fls. ..., abstraindo‑se dos factos ocorridos na comarca de 
 Guimarães, sendo que, valorando tais factos, o tribunal recorrido violou o 
 princípio do caso julgado.
 
             13.ª – A interpretação que se faz dos artigos 127.º e 374.º, n.º 2, 
 do Código de Processo Penal, no sentido de que podem ser valorados no acto 
 decisório factos pelos quais o arguido é acusado num âmbito de um outro 
 processo criminal, é violadora do princípio ne bis in idem inserto no artigo 
 
 29.º, n.º 5, da CRP, uma vez que a recorrente não pode ser julgada duas vezes 
 pelos mesmos factos.
 
             14.ª – Devendo, assim, considerar‑se não escrita a parte da 
 fundamentação que se refere aos factos ocorridos na escola de Mesão Frio, 
 Guimarães, encontra‑se cometida a nulidade de insuficiência do acórdão por 
 falta de fundamentação, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código 
 de Processo Penal.
 
             15.ª – Sob pena, caso os arguidos (ou só um deles) venham a ser 
 absolvidos de terem praticado os factos ocorridos na escola de Paçô Vieira e 
 constantes no processo a correr termos em Guimarães, estaremos 
 irremediavelmente numa situação que fundamenta o recurso de revisão previsto no 
 artigo 449.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, pondo‑se assim em 
 causa a segurança jurídica que a comunidade quer nas decisões dos tribunais.
 
             16.ª – Assim, tendo em conta que este tribunal de recurso se 
 encontra na posse de todos os elementos de prova que lhe servirão de base, a 
 decisão não poderá ser a do reenvio do processo para novo julgamento, mas sim a 
 absolvição da recorrente nos termos do artigo 431.º, n.º 1, alíneas a) e b), do 
 Código de Processo Penal.
 
             17.ª – Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, o 
 tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 
 três anos, terá sempre de fundamentar especificamente quer a concessão, quer a 
 denegação da suspensão – cf. artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
 
             18.ª – A aplicação do instituto da suspensão da execução da pena é, 
 aliás, um poder‑dever, sendo que tal entendimento resulta ainda do disposto nos 
 artigos 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, uma vez que o 
 tribunal tem o dever de fundamentar a sentença e especificamente fundamentar os 
 critérios que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
 
             19.ª – Aliás, o entendimento que se retire dos artigos 50.º, n.º 1, 
 do Código Penal e 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no 
 sentido de que na fundamentação da sentença o tribunal se pode eximir de 
 fundamentar a não aplicação do instituto da suspensão da execução da pena deve 
 considerar‑se inconstitucional, por violação do artigo 205.º, n.º 1, da CRP.
 
             20.ª – Ora, verifica‑se que o tribunal a quo omitiu o dever 
 específico de fundamentação da não aplicação do instituto da suspensão da 
 execução da pena, o que, como tem sido orientação maioritária do STJ, gera a 
 nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, ou seja, o tribunal 
 deixou de conhecer de questões das quais deveria tomar conhecimento (cfr. 
 artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e Acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça, de 2 de Outubro de 2003, supra citado).
 
             21.ª – O acórdão recorrido violou ou fez uma errada aplicação dos 
 artigos 127.º, 355.º, n.º 1, 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alíneas 
 a) e c), do Código de Processo Penal, do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal e 
 dos artigos 29.º, n.º 5, 32.º, n.ºs 1, 2 e 5, e 205.º da CRP, não podendo, pois, 
 manter‑se.”
 
  
 
                         Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11 
 de Abril de 2005, foi negado provimento ao recurso. Após apurar não ter existido 
 erro de julgamento da matéria de facto, nem violação do princípio inserto no 
 artigo 127.º do Código de Processo Penal (CPP), do princípio da presunção de 
 inocência, das garantias de defesa ou do caso julgado, considerando correcta a 
 subsunção jurídica efectuada pelo tribunal de 1.ª instância, o Tribunal da 
 Relação de Guimarães, quanto à aludida questão da falta de fundamentação da não 
 suspensão da execução da pena de prisão, consignou o seguinte:
 
  
 
             “Finalmente, importa conhecer da questão colocada pela recorrente A. 
 nas conclusões 17.ª a 20.ª, a saber, a nulidade do acórdão, por omissão de 
 pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na parte em que 
 não fundamenta a não suspensão da execução da pena de três anos que lhe foi 
 aplicada, e da invocada inconstitucionalidade.
 
             Sobre tal questão, dir‑se‑á que a invocada nulidade não ocorre. O 
 tribunal recorrido não tinha que se pronunciar sobre as razões da não 
 decretação da suspensão da execução da pena, pois o artigo 50.º do CP não impõe 
 tal pronúncia, como a não impõem os artigos 374.º e 375.º, ambos do CPP. Na 
 verdade, o n.º 4 do citado artigo 50.º apenas exige a especificação dos 
 fundamentos da suspensão e das suas condições. Ou seja, quando seja tomada a 
 decisão de suspensão da execução da pena é que o tribunal, em obediência ao 
 disposto no citado n.º 4 do artigo 50.º e do artigo 205.º, n.º 1, da 
 Constituição da Republica Portuguesa, tem que fundamentar as razões dessa 
 concreta decisão.
 
             E, contrariamente ao alegado pela recorrente (cfr. 19.ª conclusão), 
 não se vê porque é que o entendimento ora perfilhado seja inconstitucional, por 
 violador do artigo 205.º, n.º 1, do CRP. O dever de fundamentação imposto neste 
 preceito tem de ser entendido no sentido positivo, isto é, apenas impõe a 
 fundamentação de actos decisórios concretos.
 
             Ora, a concreta decisão tomada pelo tribunal colectivo esgotou‑se 
 com a escolha da sanção a aplicar à recorrente e com a respectiva medida, que 
 fundamentou. Ao nível da «decisão condenatória» nenhuma outra decisão concreta 
 foi tomada pelo colectivo de juízes que carecesse de ser fundamentada pela 
 positiva.”
 
  
 
                         Veio então a referida arguida interpor recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela 
 Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a 
 constitucionalidade: (i) da “interpretação dada pelo Tribunal a quo aos artigos 
 
 127.º e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, no sentido de que podem ser 
 valorados no acto decisório factos pelos quais a arguida é acusada no âmbito de 
 um outro processo criminal”, interpretação que ela reputa “violadora do 
 princípio ne bis in idem inserto no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da 
 República Portuguesa, uma vez que a recorrente não pode ser julgada duas vezes 
 pelos mesmos factos”; e (ii) da “interpretação dada aos artigos 50.º, n.º 1, do 
 Código Penal, e 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no 
 sentido de que na fundamentação da sentença o tribunal se pode eximir de 
 fundamentar a não aplicação do instituto da suspensão da execução da pena”, 
 tida por violadora do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP).
 
                         No Tribunal Constitucional, o relator, no despacho em 
 que determinou a apresentação de alegações, consignou que as partes se deveriam 
 pronunciar, querendo, “sobre a eventualidade de não conhecimento do objecto do 
 recurso na parte relativa à questão de inconstitucionalidade suscitada a 
 propósito das normas dos artigos 127.º e 374.º, n.º 2, do Código de Processo 
 Penal, quer por se poder entender que vem questionada a inconstitucionalidade 
 das decisões judiciais, em si mesmas consideradas, quer por se poder considerar 
 que não existe coincidência entre a dimensão normativa arguida de 
 inconstitucional e a dimensão normativa efectivamente aplicada, como ratio 
 decidendi, pelo acórdão recorrido”.
 
                         A recorrente apresentou alegações, começando por referir 
 que “quanto à questão de inconstitucionalidade invocada dos artigos 127.º e 
 
 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e no seguimento do entendimento 
 manifestado no despacho proferido pelo Ex.mo Senhor Conselheiro Relator, em 17 
 de Junho de 2005, desiste‑se da sua sujeição a apreciação”, culminando as 
 mesmas com a formulação das seguintes conclusões:
 
  
 
             “1.ª – O n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal estabelece que o 
 tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior 
 a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à 
 sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir 
 que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e 
 suficiente as finalidades da punição;
 
             2.ª – De acordo com a dogmática que decorre do preâmbulo do actual 
 Código Penal, o nosso sistema penal estabelece como política criminal a 
 orientação de que as penas têm fins meramente preventivos, com especial 
 destaque para a prevenção especial;
 
             3.ª – Nesse sentido, consagra como reacção penal o instituto da 
 suspensão da execução da pena de prisão como uma das medidas preferenciais e de 
 alternativa à privação da liberdade;
 
             4.ª – Assim sendo, o tribunal, perante a determinação de uma medida 
 da pena de prisão não superior a três anos, terá sempre de fundamentar 
 especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão, nos termos do 
 artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal;
 
             5.ª – A aplicação do instituto da suspensão da execução da pena é 
 pois um poder‑dever, sendo que tal entendimento resulta ainda do disposto nos 
 artigos 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, uma vez que 
 o tribunal tem o dever de fundamentar a sentença e especificamente fundamentar 
 os critérios que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada;
 
             6.ª – O entendimento exposto nos números anteriores é actualmente o 
 seguido pela melhor doutrina – cf. o ensinamento do Professor Figueiredo Dias, 
 Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 345, e de 
 Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 10.ª edição, pág. 
 
 230 – bem como pela actual jurisprudência dos Tribunais Superiores, plasmada 
 nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Dezembro de 2004 e de 2 de 
 Outubro de 2003, ambos publicados in www.dgsi.pt;
 
             7.ª – Deve, assim, ser julgada inconstitucional a interpretação dada 
 pelo Tribunal a quo aos artigos 50.º, n.º 1, do Código Penal e 374.º, n.º 2, e 
 
 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no sentido de que na fundamentação 
 da sentença o tribunal se pode eximir de fundamentar especificadamente a não 
 aplicação do instituto da suspensão da execução da pena, quando esta não é 
 superior a 3 anos de prisão, por violação dos artigos 32.º, n.ºs 1 e 5, e 
 
 205.º, n.º 1, da CRP.”
 
  
 
                         O representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional contra‑alegou, concluindo:
 
  
 
             “1.º – O dever constitucional da fundamentação das decisões 
 jurisdicionais apenas abrange os actos decisórios concretos tomados pelo 
 tribunal, não lhe cabendo motivar as razões por que não optou por decisão 
 diferente da que tomou.
 
             2.º – No caso dos autos, resultando claramente da sentença 
 condenatória que a aplicação de pena efectiva de prisão a certo arguido radica 
 nos respectivos antecedentes criminais, é óbvio que é este o motivo ou razão 
 que preclude a possibilidade, existente em abstracto, da suspensão de tal pena 
 privativa da liberdade – não podendo, neste circunstancialismo, afirmar‑se que 
 não decorrem de tal decisão condenatória as razões que levam o tribunal a não 
 aplicar a suspensão da pena à arguida recorrente.
 
             3.° – Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         2.1. Dispõe o artigo 50.º do Código Penal, na redacção 
 dada pelo Decreto‑Lei n.º 48/95, de 15 de Março:
 
  
 
             “1. O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em 
 medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às 
 condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às 
 circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da 
 prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
 
             2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das 
 finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, 
 nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de 
 regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de 
 prova.
 
             3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser 
 impostos cumulativamente.
 
             4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da 
 suspensão e das suas condições.
 
             5. O período da suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do 
 trânsito em julgado.”
 
  
 
                         Por seu turno, o n.º 2 do artigo 374.º do CPP estabelece 
 que a sentença, a seguir ao relatório (com as indicações elencadas no n.º 1), 
 deve conter a “fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não 
 provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que 
 concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com 
 indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do 
 tribunal”, determinando o n.º 1 do subsequente artigo 375.º que “a sentença 
 condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da 
 sanção aplicada, indicando, nomeadamente, se for caso disso, o início e o 
 regime do seu procedimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a 
 sua duração, bem como o plano individual de readaptação social”.
 
                         O acórdão recorrido entendeu que destas disposições 
 legais não resulta a imposição do dever de fundamentação da decisão de não 
 suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 
 anos, pois o n.º 4 do artigo 50.º do Código Penal apenas exige a especificação 
 dos fundamentos da suspensão e das suas condições, e que tal interpretação não 
 viola o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, porquanto o dever de 
 fundamentação das decisões judiciais, consagrado nessa norma constitucional, 
 
 “tem de ser entendido no sentido positivo, isto é, apenas impõe a fundamentação 
 de actos decisórios concretos”; ora, no caso, “a concreta decisão tomada pelo 
 tribunal colectivo esgotou‑se com a escolha da sanção a aplicar à recorrente e 
 com a respectiva medida, que fundamentou”, não existindo, “ao nível da «decisão 
 condenatória», nenhuma outra decisão concreta (...) que carecesse de ser 
 fundamentada pela positiva”.
 
                         Como é sabido, não cabe ao Tribunal Constitucional, no 
 
 âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade normativa que lhe está 
 confiada, apreciar a correcção da interpretação e da aplicação do direito 
 ordinário feitas pelo tribunal recorrido, mas tão‑só apurar se as interpretações 
 normativas aplicadas, que recebe como um dado, se mostram, ou não, conformes 
 com as normas e princípios constitucionais.
 
                         No entanto, não pode deixar de se assinalar que o 
 critério seguido pelo acórdão recorrido – de que só tem de ser fundamentada a 
 decisão que suspende, e não a que não suspende, a execução de pena de prisão 
 aplicada em medida não superior a 3 anos – não corresponde ao preconizado pela 
 doutrina e ao que ultimamente tem sido seguido, de modo uniforme, pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça.
 
                         Jorge de Figueiredo Dias – mesmo face à redacção 
 originária do Código Penal, que, no correspondente artigo 48.º, n.º 1, se 
 limitava a dizer que “o tribunal pode suspender”, enquanto o actual artigo 
 
 50.º, n.º 1, vincando tratar‑se de um poder‑dever, estatui que “o tribunal 
 suspende” – sustentava (Direito Penal Português – Parte Geral: II – As 
 Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, p. 345):
 
  
 
             “§ 523. Desde logo, num caso como no outro [suspensão simples ou 
 suspensão com imposição de deveres], o tribunal tem de especificar na sentença 
 os fundamentos da suspensão (art. 48.º‑3). O texto deste comando – sugerindo 
 que a fundamentação (específica, é claro, e que em nada contende com o dever 
 geral de fundamentação de toda e qualquer decisão judicial: CRP, art. 210.º‑1, e 
 CPP, arts. 97.º‑4 e 374.º‑2) só se torna necessária quando o tribunal se decida 
 pela suspensão – deve ser interpretado em termos amplos e os únicos correctos. O 
 tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 
 
 3 anos, terá sempre de fundamentar especificamente quer a concessão, quer a 
 denegação da suspensão, nomeadamente no que toca ao carácter favorável ou 
 desfavorável da prognose e (eventualmente) às exigências de defesa do 
 ordenamento jurídico. Outro procedimento configuraria um verdadeiro erro de 
 direito, como tal controlável mesmo em revista, por violação, para além do mais, 
 do disposto no art. 71.º. Só assim não terá de proceder o tribunal quando, sendo 
 a medida determinada da pena de prisão inferior a 6 ou a 3 meses, ele se decida 
 logo (fundadamente) por outra pena de substituição aplicável (multa, prestação 
 de trabalho a favor da comunidade, admoestação).”
 
  
 
                         Este entendimento tem sido sufragado pelas Secções 
 Criminais do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), só tendo sido localizado, em 
 pesquisa efectuada quer na base de dados do Ministério da Justiça relativa à 
 jurisprudência do STJ (www.dgsi.pt/jstj), quer nos “Sumários do Boletim Interno 
 do STJ”, disponíveis em www.stj.pt, nos últimos anos, um acórdão (de 11 de 
 Outubro de 2001, proc. 2761/01), que decidiu que “o tribunal não tem que se 
 pronunciar sobre as razões da não decretação da suspensão da execução da pena, 
 pois o artigo 50.º do Código Penal não impõe tal pronúncia; como aliás não o 
 impõem os artigos 374.º e 375.º do CPP” e que “o n.º 4 daquele artigo 50.º 
 exige, apenas, a especificação dos fundamentos da suspensão e das suas 
 condições”.
 
                         Mas já anteriormente, no acórdão de 14 de Dezembro de 
 
 2000, proc. 2769/00, o STJ decidira que: “A fundamentação da decisão de 
 suspender ou não a execução da pena, nos casos em que formalmente ela é 
 possível, é uma fundamentação específica, que é como quem diz, mais exigente que 
 a decorrente do dever geral de fundamentação das decisões judiciais que não 
 sejam de mero expediente, postulado nomeadamente, no artigo 205.º, n.º 1, da 
 CRP. Decorre do exposto o dever de o juiz assentar o incontornável «juízo de 
 prognose», favorável ou desfavorável, em bases de facto capazes de o suportarem 
 com alguma firmeza, sem que, todavia, se exija uma certeza quanto ao desenrolar 
 futuro do comportamento do arguido.”
 
                         Parte este entendimento da constatação de que, sendo 
 aplicada uma pena de prisão não superior a três anos, o tribunal tem o dever de 
 suspender a execução da pena se se verificarem as restantes condições elencadas 
 no n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal: “se, atendendo à personalidade do 
 agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e 
 
 às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da 
 prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Para 
 isso, “o tribunal deve ordenar, mesmo oficiosamente, a produção dos meios de 
 prova necessários à descoberta, também, da factualidade relevante para a 
 apreciação e decisão dessa questão da suspensão, especificando‑a, depois, como 
 provada ou não provada, sob pena de, não o fazendo, se verificar insuficiência 
 não só da matéria de facto para a decisão como também da própria fundamentação 
 de facto e, em consequência desta, da própria decisão de direito relativa à 
 suspensão” (acórdão do STJ, de 27 de Junho de 2001, proc. 767/2001).
 
                         Nos termos dos acórdãos do STJ de 8 de Novembro de 2001, 
 proc. 3130/2001, e de 29 de Novembro de 2001, proc. 1919/2001, “o tribunal, 
 perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 3 anos, 
 terá sempre de fundamentar especificamente a denegação da suspensão da execução 
 da pena de prisão (artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal), nomeadamente no que 
 toca: a) ao carácter desfavorável da prognose (de que a censura do facto e a 
 ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da 
 punição); b) às exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento 
 jurídico (na base de considerações de prevenção geral)”, pois “outro 
 procedimento configurará um verdadeiro erro de direito, como tal controlável 
 mesmo em revista, por violação, além do mais, do disposto no artigo 70.º do 
 Código Penal”, pelo que se concluiu ser “nula a sentença, por «deixar de se 
 pronunciar sobre questões que devia apreciar» (artigo 379.º, n.º 1, alínea c), 
 do CPP), quando o tribunal, colocado «perante a determinação de uma medida da 
 pena de prisão não superior a 3 anos», não só não fundamentar especificamente a 
 negação da suspensão» (a pretexto, quiçá, do «carácter desfavorável da prognose» 
 ou, eventualmente, de especiais «exigências de defesa do ordenamento jurídico») 
 como nem sequer considerar, apertis verbis, a questão da suspensão da pena”, 
 sendo “tal nulidade, mesmo que não arguida, (…) oficiosamente cognoscível pelo 
 tribunal de recurso (artigo 379.º, n.º 2, do CPP)”.
 
                         É que, como se sublinhou no acórdão de 14 de Novembro de 
 
 2001, proc. 3097/2001: “a suspensão da pena de prisão contemplada no artigo 50.º 
 do Código Penal constitui um substitutivo das penas privativas da liberdade, 
 aceite pelo legislador como instrumento capaz de sanar o mal produzido à 
 comunidade pela acção do delinquente, sem outras consequências mais drásticas” 
 e, por isso, “foi arquitectada para situações criminosas menos graves 
 
 (censuradas com prisão até três anos) e quando seja de perspectivar, através de 
 uma prognose favorável, assente em factores conhecidos (personalidade do 
 agente, condições da sua vida, conduta anterior e posterior ao crime, 
 circunstâncias deste), que é possível, mantendo o agente no seio da vida 
 comunitária, recompor o tecido social afectado pelo seu comportamento (protecção 
 de bens jurídicos) e recuperar o infractor (reintegração do agente na sociedade) 
 
 – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal”. Daqui retira o dito acórdão que 
 
 “assumindo‑se (…) como medida pedagógica inscrita nas finalidades da punição e 
 apresentando‑se como uma das mais gratas apostas do legislador, tinha que 
 revestir-se, como se reveste, das características de um «poder‑dever», o que 
 significa que o julgador, perante uma situação que formalmente viabiliza o seu 
 uso, tem que equacionar sempre a possibilidade de a ela recorrer, fundamentando 
 a sua opção quando o não faça”.
 
                         Esta orientação – designadamente enquanto afirma o dever 
 de o tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não 
 superior a 3 anos, ter sempre de fundamentar especificamente, quer a concessão, 
 quer a denegação da suspensão – foi reiterada, entre outros, nos acórdãos do 
 STJ de 20 de Fevereiro de 2003, proc. 373/2003, publicado na Colectânea de 
 Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2003, tomo I, p. 206; 
 de 2 de Outubro de 2003, proc. 2615/2003; de 2 de Dezembro de 2004, proc. 
 
 4219/2004; de 19 de Janeiro de 2005, proc. 4000/2004; de 20 de Janeiro de 2005, 
 proc. 123/2005; de 25 de Maio de 2005, proc. 1939/2005; e de 9 de Junho de 2005, 
 proc. 1678/2005 – cf. Sumários citados.
 
  
 
                         2.2. A recorrente, quer na suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade na motivação apresentada perante o tribunal recorrido, 
 quer no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, indicou 
 como norma constitucional violada a do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, e só nas 
 alegações apresentadas neste Tribunal é que, para além desta, invocou as dos 
 n.ºs 1 e 5 do artigo 32.º da CRP. No entanto, o n.º 5 deste artigo 32.º, que 
 estabelece a estrutura acusatória do processo criminal e a sujeição, quer da 
 audiência de julgamento quer dos actos instrutórios que a lei determinar, ao 
 princípio do contraditório, não surge como especialmente pertinente para a 
 questão ora em apreço. E a violação do n.º 1 do mesmo artigo 32.º surge como 
 mera decorrência da violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, 
 encarado este dever na perspectiva de elemento útil, ou mesmo necessário, para a 
 defesa do destinatário da decisão, que só conhecendo os respectivos fundamentos 
 ficará em condições de a atacar consciente e eficazmente.
 
                         É, pois, o dever constitucional de fundamentação das 
 decisões judiciais que está essencialmente em causa na apreciação da questão de 
 constitucionalidade suscitada.
 
                         Foi a primeira revisão constitucional (1982) que, com a 
 inserção do novo n.º 1 do então artigo 210.º da CRP, veio proclamar que “As 
 decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na 
 lei”, formulação que, sem alteração de redacção, transitou, com a segunda 
 revisão constitucional (1989) para o n.º 2 do artigo 208.º. A remissão para a 
 lei, não apenas da modulação dos termos, mas também da definição dos casos em 
 que a fundamentação das decisões dos tribunais era devida (muito embora sempre 
 se entendesse que “a discricionariedade legislativa nesta matéria não [era 
 total], visto o dever de fundamentação [ser] uma garantia integrante do próprio 
 conceito de Estado de direito democrático (cfr. art. 2.º), ao menos quanto às 
 decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como 
 instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de 
 garantia do direito ao recurso”), representando “a falta de consagração 
 constitucional de um dever geral de fundamentação das decisões judiciais”, 
 surgia como “pouco congruente com o princípio do Estado de direito”, para além 
 de não se compreender que “a garantia de fundamentação seja constitucionalmente 
 menos exigente quanto às decisões judiciais do que quanto aos actos 
 administrativos (artigo 268.º, n.º 3)” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, pp. 
 
 798‑799) – preceito este último que impunha a “fundamentação expressa” dos 
 
 “actos administrativos (...) quando afectem direitos ou interesses legalmente 
 protegidos dos cidadãos”.
 
                         Foi a revisão constitucional de 1997 que deu à norma em 
 causa a sua localização (artigo 205.º, n.º 1) e formulação (“As decisões dos 
 tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista 
 na lei”) actuais. Estabeleceu‑se, assim, com dignidade constitucional, a regra 
 geral do dever de fundamentação de todas as decisões judiciais, com a única 
 excepção das de mero expediente, remetendo‑se para a lei ordinária a definição, 
 já não dos casos em que a fundamentação é devida, mas tão‑só da forma de que se 
 pode revestir.
 
                         O alcance desta alteração foi salientado por este 
 Tribunal, no Acórdão n.º 680/98, nos seguintes termos:
 
  
 
 “7. Dispõe a Constituição, no n.º 1 do artigo 205.º, que «as decisões dos 
 tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista 
 na lei». Este texto, resultante da Revisão Constitucional de 1997, veio 
 substituir o n.º 1 do artigo 208.º, que determinava que «as decisões dos 
 tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei». A 
 Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da 
 obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, 
 que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões 
 que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já 
 que as decisões deixam de ser fundamentadas «nos termos previstos na lei» para 
 o serem «na forma prevista na lei». A alteração inculca, manifestamente, uma 
 menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de 
 fundamentação.”
 
  
 
                         Também o Acórdão n.º 147/2000 salientou que a “actual 
 redacção do artigo 205.º, n.º 1, imprimiu contornos mais precisos ao dever de 
 fundamentação, pois, onde a Constituição remetia para a lei os «casos» em que a 
 fundamentação era exigível, passou a concretizar‑se que ela se impõe em todas as 
 decisões «que não sejam de mero expediente», mantendo‑se apenas a remissão para 
 a lei quanto à «forma» que ela deve revestir”, acrescentando:
 
  
 
             “Este aprofundamento do dever de fundamentação das decisões 
 judiciais reforça os direitos dos cidadãos a um processo justo e equitativo, 
 assegurando a melhor ponderação dos juízos que afectam as partes, do mesmo 
 passo que a elas permite um controle mais perfeito da legalidade desses juízos 
 com vista, designadamente, à adopção, com melhor ciência, das estratégias de 
 impugnação que julguem adequadas.
 
             De todo o modo, a persistência daquela remessa para a lei faz com 
 que o mandado constitucional de fundamentação continue a ser um mandado aberto à 
 actuação constitutiva do legislador, a quem incumbirá definir a «forma» em que a 
 fundamentação se deve traduzir, sem que, contudo, ele possa esvaziar o sentido 
 
 útil daquele mandado (cfr. Acórdão nº 59/97, in Diário da República, II Série, 
 n.º 65, de 18 de Março de 1997) – qualquer que seja essa forma, ela terá sempre 
 que permitir o conhecimento das razões que motivam a decisão.
 
             (…)
 
             Mas se a relevância da fundamentação das decisões judiciais é 
 incontestável como garantia integrante do conceito de Estado de direito 
 democrático, ela assume, no domínio do processo penal, uma função estruturante 
 das garantias de defesa dos arguidos, muito embora o texto constitucional não 
 contenha qualquer norma que disponha especificamente sobre a fundamentação das 
 decisões judicias naquele domínio.
 
             O Código de Processo Penal vigente expressa no artigo 97.º, n.º 4, 
 na redacção dada pela Lei n.º 59/98, o princípio geral que vigora sobre a 
 fundamentação dos actos decisórios: «os actos decisórios são sempre 
 fundamentados devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da 
 decisão» (sublinhado nosso).”
 
  
 
                         2.3. Na presente situação, assente, como se viu (supra, 
 
 2.1.), que, em caso de condenação em pena de prisão não superior a 3 anos, o 
 tribunal tem o poder‑dever – e não a mera faculdade – de suspender a sua 
 execução, sempre que a ponderação global da personalidade do agente (incluindo 
 as condições da sua vida e a sua conduta anterior e posterior ao crime) e das 
 circunstâncias do caso conduzam à formulação de um prognóstico favorável de que 
 a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, de forma adequada e 
 suficiente, as finalidades da punição, a decisão que a esse respeito venha a ser 
 tomada – seja no sentido da suspensão, seja no sentido da não suspensão – não 
 pode ser considerada como de mero expediente, e muito menos como uma não 
 decisão, como parece ter sido considerada pelo acórdão recorrido, quando refere 
 que não estava em causa um acto decisório concreto, por “a concreta decisão 
 tomada pelo tribunal colectivo” se ter esgotado “com a escolha da sanção a 
 aplicar à recorrente e com a respectiva medida, que fundamentou”, pelo que, “ao 
 nível da «decisão condenatória» nenhuma outra decisão concreta foi tomada pelo 
 colectivo de juízes que carecesse de ser fundamentada pela positiva”.
 
                         Não é assim.
 
                         Determinada, de acordo com os critérios estabelecidos 
 pelo artigo 71.º do Código Penal, qual a medida da pena que se considera 
 adequada, se esta for de prisão de duração não superior a três anos, o tribunal 
 tem de, por força do artigo 50.º, n.º 1, do mesmo Código, decidir, num segundo 
 momento, se suspende, ou não, a sua execução, realizando oficiosamente as 
 diligências de prova necessárias para o efeito. Trata‑se, na verdade, de 
 situação substancialmente diversa daquelas em que está em causa um mera 
 faculdade do tribunal, como na dispensa de pena (artigo 74.º do Código Penal). E 
 a decisão concreta que vier a ser adoptada quanto à suspensão da execução da 
 pena de prisão não pode deixar de ser fundamentada, por imposição do artigo 
 
 205.º, n.º 1, da CRP, quer seja no sentido da suspensão, quer no sentido da não 
 suspensão, sendo, aliás, de salientar que esta última solução, porque contrária 
 
 à preferência do legislador pelas penas não privativas de liberdade (artigo 70.º 
 do Código Penal), surge como a decisão mais desfavorável para o arguido, pelo 
 que o dever da sua fundamentação até se pode considerar mais premente.
 
                         
 
                         2.4. Nas contra‑alegações do Ministério Público tenta‑se 
 salvar a conformidade constitucional do critério normativo seguido no acórdão 
 recorrido, com o argumento de que, “no caso dos autos, resultando claramente da 
 sentença condenatória que a aplicação de pena efectiva de prisão a certo arguido 
 radica nos respectivos antecedentes criminais, é óbvio que é este o motivo ou 
 razão que preclude a possibilidade, existente em abstracto, da suspensão de tal 
 pena privativa da liberdade – não podendo, neste circunstancialismo, afirmar‑se 
 que não decorrem de tal decisão condenatória as razões que levam o tribunal a 
 não aplicar a suspensão da pena à arguida recorrente”.
 
                         Salvo o devido respeito, não se pode acolher este 
 entendimento.
 
                         Como se assinalou, a fundamentação da decisão de 
 suspender ou não suspender a execução de uma pena prisão que anteriormente se 
 entendeu fixar em medida não superior a três anos deve ser uma fundamentação 
 específica, pois respeita a decisão logicamente subsequente à da determinação 
 da medida concreta da pena. Só depois de o tribunal considerar ajustada ao caso, 
 em princípio, uma pena de prisão não superior a três anos é que tem o dever de 
 ponderar se se justifica, ou não, a suspensão da sua execução e motivar, através 
 de adequada fundamentação, a opção tomada. Essa opção, como a doutrina e a 
 jurisprudência têm sistematicamente sublinhado, assenta na formulação de um 
 prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (no sentido 
 de que a simples censura do facto e a ameaça da pena, acompanhadas ou não da 
 imposição de deveres e (ou) regras de conduta, bastarão para afastar o 
 delinquente da criminalidade), que se reporta “ao momento da decisão, não ao 
 momento da prática do facto”, e para o qual releva um conjunto de factores, a 
 ponderar globalmente, não bastando nunca “a consideração ou só da 
 personalidade, ou só das circunstâncias do facto” (cf. Figueiredo Dias, obra 
 citada, p. 343). Um desses factores será, certamente, o que respeita à “conduta 
 anterior” do condenado, para o qual releva a existência, ou não, de antecedentes 
 criminais, mas não é nem o único factor, nem o factor decisivo, pelo que não se 
 pode afirmar que a existência desses antecedentes criminais “preclude” a 
 possibilidade de suspensão da pena.
 
                         No presente caso, após concluir que os factos provados 
 sustentavam a imputação a ambos os arguidos da autoria de um crime de furto 
 qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do Código 
 Penal, o acórdão condenatório da 1.ª instância expendeu o seguinte, quer quanto 
 
 à medida concreta da pena a aplicar, quer quanto à eventual suspensão da 
 execução da pena de prisão, ponderação esta última que, porém, limitou ao caso 
 do arguido E., nada dizendo quanto à arguida A., ora recorrente:
 
  
 
             “Medida concreta da pena.
 
             O crime de furto qualificado, cometido pelos arguidos é punido pelo 
 artigo 204.º, n.º 2, com uma pena abstracta de prisão de 2 a 8 anos.
 
             Aplicando agora o critério geral de determinação da medida da pena, 
 contido no artigo 71.º, n.º 1, segundo o qual «a determinação da medida da pena 
 
 é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção»,
 
             Em sede de medida da culpa – por via da qual releva, para a medida 
 da pena, a consideração do ilícito‑típico – há que considerar, nomeadamente, o 
 grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas 
 consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.
 
             Se bem que seja considerável o grau de violação dos deveres impostos 
 ao agente, não podemos deixar de considerar que, em virtude das circunstâncias 
 que rodearam a prática do crime e se reflectem no grau de ilicitude do facto e 
 no modo de execução deste – o furto foi praticado por meios relativamente 
 rudimentares e terá sido cometido como forma de financiar a toxicodependência 
 da arguida A., sendo bem sabido que, nestas circunstâncias, é particularmente 
 diminuta a capacidade de conformação destes agentes com as normas 
 jurídico‑sociais – esta ilicitude global se deve ter por mediana. Não 
 revestindo o dolo qualquer especialidade digna de relevo, entendemos dever 
 colocar a culpa dos agentes, relativamente à moldura abstracta, num grau médio.
 
             Quanto à necessidade de tutela dos bens jurídicos, que fornecerá uma 
 moldura de prevenção, há que aferir em que medida tais exigências resultam no 
 caso concreto, no complexo da forma de actuação do agente, das consequências 
 que dele resultaram, da situação da vítima, da conduta do agente antes e depois 
 do facto, etc.
 
             Neste âmbito, há que considerar as prementes necessidades de 
 prevenção de crimes desta natureza.
 
             Há que ter em conta a moderada gravidade das consequências dos 
 factos, nomeadamente na situação da lesada, já que os bens furtados foram 
 restituídos.
 
             Tudo isto implica que o mínimo de pena imprescindível, no caso, à 
 tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias se situe num grau 
 baixo.
 
             Dentro destes limites podem e devem actuar agora pontos de vista de 
 prevenção especial de socialização, que irão determinar, em último termo, a 
 medida da pena.
 
             Esta deve evitar a quebra da inserção social do arguido e servir a 
 sua reintegração na comunidade, e ainda, eventualmente, uma função subordinada 
 de advertência do agente.
 
             A arguida A.tem antecedentes criminais de relevo.
 
             O arguido E. parece estar inserido socialmente, desempenhando 
 funções de carácter produtivo que garantem a sua subsistência e do seu agregado 
 familiar.
 
             Atentos todos estes parâmetros, consideram‑se adequadas as seguintes 
 penas:
 
             – 2 anos e 3 meses de prisão para o arguido E.;
 
             – 3 anos de prisão para a arguida A..
 
  
 
  
 
             Suspensão da pena de prisão 
 
             Atendendo à ausência de antecedentes criminais do arguido E. e à sua 
 inserção sócio‑familiar, julga‑se possível formular um prognóstico favorável 
 relativamente à sua conduta futura.
 
             Entende‑se e espera‑se, assim, que a simples censura do facto e a 
 ameaça da pena poderão bastar para o afastar da criminalidade.
 
             Nesta conformidade, ao abrigo do disposto no artigo 50.º, n.º 1, 
 suspende‑se a execução da pena de prisão aplicada a este arguido, pelo período 
 de 2 anos.
 
  
 
             Decisão
 
             Pelo exposto, decidem:
 
             a) Condenar o arguido E., pela prática de um crime de furto 
 qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do Código 
 Penal, na pena de dois (2) anos e três (3) meses de prisão;
 
             b) Suspender esta pena na sua execução pelo período de dois (2) 
 anos;
 
             c) Condenar a arguida A., pela prática de um crime de furto 
 qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 2, alínea e), do Código 
 Penal, na pena de três (3) anos de prisão;
 
             d) (…).”
 
  
 
                         É óbvio que qualquer leitor desta decisão pode tentar 
 determinar, até por contraposição à decisão de suspensão da execução da pena 
 tomada quanto ao arguido, quais as razões que terão levado o tribunal a não 
 adoptar idêntica medida relativamente à arguida. O Ministério Público entende 
 que tal se deveu aos antecedentes criminais desta. Outros acharão que terá antes 
 sido devido à “inserção sócio‑familiar” daquele, não apurada relativamente à 
 arguida. Outros ainda que terá sido decisiva a conjugação dos dois factores.
 
                         É bom de ver que a exigência constitucional da 
 fundamentação das decisões judiciais não fica satisfeita com a mera 
 possibilidade destas tentativas de “adivinhação” das razões que terão conduzido 
 o tribunal a, tendo o dever de ponderar a determinação da suspensão da pena de 
 prisão, decidir não a decretar relativamente à recorrente. A imposição 
 constitucional só fica satisfeita com formulação expressa das razões 
 específicas dessa decisão, feita pelo seu próprio autor, em termos de habilitar 
 o seu destinatário a, ciente dessas razões, se conformar com a decisão ou 
 impugná-la de forma consciente e eficiente.
 
  
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em:
 
                         a) Julgar inconstitucionais, por violação do artigo 
 
 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as normas dos artigos 
 
 50.º, n.º 1, do Código Penal e 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da 
 decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não 
 superior a três anos; e, consequentemente,
 
                         b) Conceder provimento ao recurso, determinando a 
 reformulação da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de 
 inconstitucionalidade.
 
                         Sem custas.
 Lisboa, 18 de Janeiro de 2006.
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Silva Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos