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Processo n.º 629/05
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 
  
 
  
 A fls. 307 dos presentes autos foi proferida a seguinte decisão sumária:
 
  
 
  
 A. foi condenada no Tribunal Judicial da Figueira da Foz, pela prática de um 
 crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 180 dias de multa, à taxa de 
 
 4€ e ao pagamento ao ofendido do montante de 965€, acrescido de juros de mora. 
 Inconformada, interpôs recurso para a Relação de Coimbra que, por acórdão 
 proferido em 13 de Abril de 2005, confirmou aquela sentença.
 A recorrente recorre para este Tribunal do acórdão da Relação de Coimbra, ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro 
 
 (LTC), invocando:
 
  
 A arguida pretende que seja declarada a inconstitucionalidade da interpretação 
 feita na sentença de primeira instância e mantida em sede de recurso da norma 
 constante do artigo 11º n.º1 e 3 da Lei do Cheque na interpretação de que é a 
 arguida quem tem de provar que o ofendido não teve prejuízo patrimonial com o 
 não pagamento do cheque. Esta questão de inconstitucionalidade foi suscitada, 
 pela arguida, em alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra e em 
 arguição de nulidade do Acórdão.
 A arguida pretende que seja declarada a inconstitucionalidade da interpretação 
 feita do artigo 374º n.º 2 do Cód. Processo Penal de que inexiste a obrigação de 
 se pronunciar sobre todas as questões suscitadas pelos sujeitos processuais, 
 interpretação esta que não é expressa mas que se retira do Acórdão por falta de 
 resposta às questões concretas suscitada no decurso do processo em alegações de 
 recurso. Além disso, essa interpretação viola o princípio do acusatório e o 
 dever de fundamentação decisões, Sentenças ou Acórdãos, dos Tribunais, violando 
 os artigos 32.º n.º 21, 5 e 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. 
 Esta questão foi suscitada em arguição da nulidade do Acórdão do Tribunal da 
 Relação. Não houve resposta quanto à questão do prejuízo patrimonial supra 
 enunciada, bem como ao princípio do in dubio pro reo, que tinha sido suscitada 
 em alegações de recurso.
 Quanto à questão da não reapreciação da prova, suscitada em arguição da nulidade 
 do Acórdão, a interpretação feita do artigo 127.º do Cód. Proc. Penal de que o 
 Tribunal da Relação só verifica a regularidade do julgamento, é inconstitucional 
 viola o artigo 32.º n.º 5 da CRP e o princípio do acusatório na medida em que 
 impede que o critério fornecido pela arguida para aquilatar da correcta 
 apreciação da prova seja apreciado sem uma resposta concreta e bem assim viola o 
 dever de fundamentação das sentenças e acórdãos imposto pelos artigos 32.º n.º 1 
 e 205.º n.º 1 da CRP:
 As normas constitucionais que foram violadas foram as dos artigos: 3.º n.º3, 
 
 32.º n.º 1, 2, 5, 204.º, 205.º n.º1 todos da Constituição da República 
 Portuguesa, tendo sido, no Acórdão recorrido, violados os princípios da 
 constitucionalidade, o princípio do in dubio pro reo, o princípio do acusatório.
 
  
 O recurso foi admitido por decisão que não vincula este Tribunal (n. 3 do artigo 
 
 76º da LTC).
 O recurso de fiscalização concreta em causa incide obrigatoriamente sobre normas 
 jurídicas aplicadas na decisão recorrida como seu fundamento, cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo de modo 
 processualmente adequado (alínea b) do n. 1 do artigo 70º, e n. 2 do artigo 72º 
 da LTC).
 A inconstitucionalidade imputada a uma interpretação normativa reporta-se, 
 necessariamente, a um critério normativo dotado de generalidade que possa ser 
 aplicado a outros casos, e não à aplicação de uma norma à especificidade do caso 
 e a ele indissociavelmente ligado.
 Sucede, porém, que no recurso em análise o recorrente não visa obter a 
 apreciação da conformidade constitucional de normas, pois questiona, 
 manifestamente, a conformidade constitucional da decisão jurisdicional. Para 
 além disso, as formulações normativas que questiona não foram aplicadas na 
 decisão recorrida. 
 No que respeita à primeira questão suscitada pela recorrente, ela só 
 aparentemente é uma questão de inconstitucionalidade normativa. Como resulta da 
 leitura das alegações apresentadas perante a Relação de Coimbra, ao suscitar tal 
 questão a recorrente mais não pretende do que expressar a sua discordância 
 relativamente à subsunção a que o tribunal recorrido procedeu, uma vez que se 
 contesta que perante os factos dados como provados, o tribunal recorrido possa 
 concluir que a recorrente havia cometido determinado crime; é esta subsunção ou 
 qualificação que a recorrente questiona.
 Pretende-se, portanto, que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre a 
 conformidade constitucional da decisão que julgou preenchidos os elementos 
 definidores de um certo crime, embora sob a aparência de pretender questionar a 
 norma constante do artigo 11 n.º 1 e 3 da Lei do Cheque. Ora, conforme o 
 Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente, o controlo de 
 constitucionalidade que, nos recursos das decisões dos outros tribunais, lhe é 
 atribuído, só pode ter por objecto as normas jurídicas (ou a sua interpretação) 
 que tais decisões tenham aplicado. O modo como as decisões judiciais operam a 
 subsunção dos factos à norma não pode ser objecto de tal controlo. E ainda que 
 efectivamente o Tribunal recorrido tivesse aplicado a norma
 Conclui-se, em suma, que o Tribunal não pode tomar conhecimento, nesta parte, do 
 objecto do recurso.
 Relativamente à segunda questão de constitucionalidade colocada, 
 independentemente de se saber se tal questão foi suscitada durante o processo e 
 de modo processualmente adequado, o certo é que o Tribunal também não pode dela 
 conhecer, uma vez que, mais uma vez, a matéria não representa uma verdadeira 
 questão de constitucionalidade normativa. Na verdade, afirma a recorrente, 
 relativamente a tal questão, na peça em que é arguida a nulidade do acórdão do 
 Tribunal da Relação:
 
  
 
 '[...]
 i) assim, a interpretação que se faz do artigo 374º n.º 2 do Cód. Proc. Penal de 
 que inexiste a obrigação de se pronunciar sobre todas as questões suscitadas 
 pelos sujeitos processuais, interpretação esta que não é expressa mas que se 
 retira da falta de resposta à questão concreta suscitada no decurso do processo 
 em alegações de recurso, é inconstitucional por violar o princípio do acusatório 
 e o dever de fundamentação das decisões, sentenças ou Acórdãos, dos Tribunais, 
 artigos 32º n.º 5 e 205º n.º 1 e 32º n.º 1, respectivamente, todos da 
 Constituição da República Portuguesa.
 Se a arguida suscitou a questão do prejuízo patrimonial e se forneceu o critério 
 de resolução do problema, o mínimo que esperava é que lhe fosse explicado o 
 porquê do critério que forneceu estar certo ou errado. Em vez disso, nada a esse 
 respeito se diz. Por isso, o Acórdão cuja nulidade se argui pelo presente meio, 
 padece de fundamentação, artigos 205º n.º 1, 32º n.º 1 da CRP e viola o disposto 
 no artigo 374º n.º 2 constituindo nulidade do Acórdão e viola o princípio do 
 acusatório que existe ao longo de todo o processo, artigo 32º n.º 5 da 
 Constituição da República Portuguesa.'
 
  
 Resulta claramente do que se acabou de transcrever que a recorrente considera 
 que a decisão recorrida é ilegal – por desrespeito das exigências legais de 
 fundamentação – e inconstitucional – por violação de normas constitucionais 
 atinentes à fundamentação das decisões jurisdicionais –, dirigindo, portanto, a 
 censura directamente à decisão impugnada. 
 Por último, no que respeita à terceira questão suscitada, e também sem curarmos 
 de saber se questão de constitucionalidade foi suscitada durante o processo e de 
 modo processualmente adequado, a verdade é que a norma do artigo 127º do Código 
 de Processo Penal não foi aplicada pelo tribunal recorrido com o sentido que a 
 recorrente lhe imputa. É o que se pode concluir do seguinte trecho do acórdão 
 recorrido:
 
  
 Na instância de recurso o que é relevante é a apreciação da regularidade do 
 julgamento e não já um segundo julgamento, sendo que, como refere o art. 430 do 
 CPP, só é permitida a renovação da prova quando se verificarem os vícios do art. 
 
 410 nº2.
 Face ao teor da transcrição nada nos permite concluir que o julgador chegou a 
 uma conclusão sobre a matéria de facto que não era possível retirar da prova 
 produzida, ou contra ela. [...] 
 Na sentença recorrida, e fazendo a análise crítica de toda  a prova produzida em 
 audiência se diz o motivo porque se atendeu a uns depoimentos (convincentes) em 
 detrimento de outros (tidos por não convincentes). [...]
 Por isso, que a matéria dada como apurada, resulta da conjugação de todos os 
 depoimentos, que interpretados segundo as regras da experiência e livre 
 convicção do julgador – art. 127 do CPP – mereceram credibilidade ao tribunal.
 Na conjugação dos depoimentos com a credibilidade que cada um merece e as 
 inferências daí resultantes, partiu para a operação intelectual de formação da 
 convicção, resultando a prova dos factos.
 Temos que não se verifica qualquer erro, a convicção do julgador tem suporte nos 
 depoimentos e documentos.
 
  
 A falta deste requisito determina por si só que se não possa conhecer do objecto 
 do recurso, mas a ele acresce que, verdadeiramente, a recorrente não põe em 
 causa uma interpretação normativa mas, antes, discorda da avaliação da prova 
 feita pela 1ª instância e confirmada no tribunal da relação, o que se reconduz a 
 uma crítica à decisão. Também neste caso não poderá o Tribunal Constitucional 
 conhecer do objecto do recurso.
 Nestes termos, e ao abrigo do n. 1 do artigo 78-A da LTC, decide-se não conhecer 
 do objecto do presente recurso.
 
  
 
  
 Contra esta decisão reclama a interessada A., nos seguintes termos:
 
  
 
  
 a) A arguida foi condenada no Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz 
 pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão. Inconformada 
 recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que confirmou aquele Acórdão.
 b) A arguida suscitou a questão da inconstitucionalidade da sentença para o 
 Tribunal da Relação e depois, em arguição da nulidade do Acórdão, a arguida 
 suscitou mais inconstitucionalidades.
 c) A arguida interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 
 
 70.º n.º 1 da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
 d) São três as questões de inconstitucionalidade suscitadas pela arguida. A 
 saber:
 
 - A arguida pretende que seja declarada a inconstitucionalidade:
 
 1.ª - da interpretação feita na sentença de primeira instância e mantida em sede 
 de recurso da norma constante do artigo 11º n.º1 e 3 da Lei do Cheque na 
 interpretação de que é a arguida quem tem de provar que o ofendido não teve 
 prejuízo patrimonial com o não pagamento do cheque. Esta inconstitucionalidade 
 foi suscitada em sede de alegações de recurso e em arguição de nulidade do 
 Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação;
 
 2.ª - da interpretação feita no artigo 374º n.º2 do Cód. Processo Penal de que 
 inexiste a obrigação de se pronunciar sobre todas as questões suscitadas pelos 
 sujeitos processuais, interpretação essa que não é expressa mas que se retira do 
 Acórdão por falta de resposta às questões concretas suscitadas no decurso do 
 processo em alegações de recurso.
 Além disso esta interpretação viola o princípio do acusatório e o dever de 
 fundamentação das decisões, Sentenças ou Acórdãos, dos tribunais, violando os 
 artigos 32.º n.º 2, 5 e 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. 
 Esta questão foi suscitada em arguição de nulidade do Acórdão proferido pelo 
 Tribunal da Relação de Coimbra e as questões que a arguida colocou e que não 
 tiveram resposta foram: a questão do prejuízo patrimonial e a violação do 
 princípio in dubio pro reo;
 
 3.ª - quanto à questão da não reapreciação da prova suscitada em arguição de 
 nulidade do Acórdão, a interpretação feita do artigo 127.º do Cód. Proc. Penal 
 de que o Tribunal da Relação só verifica a regularidade do julgamento é 
 inconstitucional, violando o artigo 32.º n.º5 da CRP e o princípio do acusatório 
 na medida em que impede que o critério fornecido pela arguida para aquilatar da 
 correcta apreciação da prova seja apreciado sem uma resposta concreta e bem 
 assim viola o dever de fundamentação das sentenças e acórdãos imposto pelos 
 artigos 32º  n.º 1 e 205 n.º1 da CRP.
 e) A decisão sumária proferida em que se decide não conhecer do objecto do 
 recurso interposto pela arguida para o Tribunal Constitucional, sem indicar 
 qualquer disposição legal, o que toma o despacho nulo, estriba-se no seguinte, 
 no que às duas primeiras inconstitucionalidades supra citadas tange:
 e - 1 “A inconstitucionalidade imputada a uma interpretação normativa 
 reporta-se, necessariamente, a um critério normativo dotado de generalidade que 
 possa ser aplicado a outros casos, e não à aplicação de uma norma à 
 especificidade do caso e a ele indissociavelmente ligado.
 Sucede, porém, que no recurso em análise o recorrente não visa obter a 
 apreciação da conformidade constitucional de normas, pois questiona, 
 manifestamente a conformidade constitucional da decisão jurisdicional'.
 e - 2 Mais se diz que da leitura das alegações apresentadas perante a Relação de 
 Coimbra, ao suscitar a primeira inconstitucionalidade a arguida mais não 
 pretende do que expressar a sua discordância relativamente à subsunção a que o 
 tribunal recorrido procedeu…Afirma-se que o Tribunal Constitucional não pode 
 apreciar o modo como as decisões judiciais operam a subsunção dos factos à 
 norma, mas só as normas jurídicas e a sua interpretação.
 e - 3 A segunda inconstitucionalidade que a arguida invocou não representa uma 
 verdadeira questão de constitucionalidade normativa.
 e - 4 No que respeita à terceira inconstitucionalidade suscitada pela arguida 
 diz-se na decisão sumária proferida que a norma do artigo 127.º do Cód. Proc. 
 Penal não foi aplicada pelo tribunal recorrido com o sentido que a recorrente 
 lhe imputa e mais uma vez se diz que a recorrente não põe em causa uma 
 interpretação normativa.
 f) O nosso sistema compreende por órgãos de fiscalização da constitucionalidade, 
 quer o Tribunal Constitucional, que, nos termos do artigo 221.º da CRP , é o 
 
 órgão a que compete a administração da justiça de natureza 
 jurídico-constitucional, e os tribunais comuns que, também, nos termos do artigo 
 
 204.º, da CRP, apreciam e decidem das questões de inconstitucionalidade ou da 
 não inconstitucionalidade que se suscitarem nos casos que estejam a decorrer . 
 
 “Trata-se de tirar todas as consequências do princípio da primazia da norma 
 constitucional, devendo os tribunais «preferir» a norma da lei fundamental, 
 devendo para o efeito deixar de aplicar as normas infraconstitucionais 
 incompatíveis com aquela”, J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Fundamentos da 
 Constituição, nota 15, pág.244/5.
 g) Existe um princípio que se apelida do princípio da constitucionalidade, que 
 implica a conformação material e formal de todos os actos com a constituição. 
 Neste sentido se fala da “constitucionalidade da lei” da “constitucionalidade da 
 jurisprudência” e da “constitucionalidade da administração””, J.J. Gomes 
 Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 5.ª 
 edição, pág. 277.
 h) Por direito processual constitucional entende-se o conjunto de regras e 
 princípios positivados na Constituição e noutras fontes de direito, leis e 
 tratados, que regulam os procedimentos juridicamente ordenados à solução de 
 questões de natureza jurídico-constitucional, pelo Tribunal Constitucional (cfr. 
 CRP artigo 221.º), J.J . Gomes Canotilho, ob. cit., pág. 955.
 i) “Ao lado da Constituição, a fonte das mais importantes do direito processual 
 constitucional é a Lei de Organização,. funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, abreviadamente designada por LTC (Lei n.º 28/82 de 15 de 
 Novembro, alterada pelas Leis n.º 143/85 de 26-11, 85/89, de 7-9, 88/95, de 1-9, 
 
 13-A/98 de 26/2). É nesta lei que: (1) se densifica a disciplina jurídica 
 referente à competência, organização e funcionamento do Tribunal Constitucional; 
 
 (2) se individualizam e regulam os vários processos constitucionais, 
 designadamente os processos de fiscalização da constitucionalidade e 
 legalidade”, J.J. Gomes Canotilho, ob. cit. pág. 958.
 j) O direito processual constitucional não é um fim em si mesmo, servindo para a 
 realização do direito constitucional material.
 
 “Através dos processos constitucionais garante-se, desde logo, a Constituição. 
 Garantir a constituição contra normas inconstitucionais significa proteger a 
 ordem constitucional objectiva. Daí a inserção dos processos de fiscalização da 
 constitucionalidade (e de legalidade reforçada) na Parte IV referente à garantia 
 
 (e revisão) da Constituição. A garantia da Constituição como ordem 
 constitucional objectiva não exclui a incidência de dimensões subjectivas 
 relacionadas com a protecção dos direitos subjectivos das pessoas físicas e 
 colectivas', J.J. Gomes Canotilho, ob. cit. pág. 959.
 k) Continuando com o Professor Canotilho, ob. cit., pág. 960, “O direito 
 constitucional processual cumpre a função de garantia da funcionalidade do 
 próprio sistema de controlo da constitucionalidade. Através dele, clarificam-se 
 as regras do jogo da jurisdição constitucional, seleccionando-se os princípios 
 processuais estruturantes e fornece-se a abertura para através do processo, se 
 legitimar o Estado constitucional e se dinamizar a jurisdicidade do Estado de 
 direito”.
 l) “Se quisermos registar em termos sintéticos, o objecto do direito processual 
 constitucional, diríamos que nele cabem três núcleos centrais: a jurisdição 
 constitucional, os processos constitucionais e a magistratura constitucional”.
 m) Para que se possa suscitar um incidente de inconstitucionalidade é necessária 
 a verificação de certos requisitos e circunstâncias que na doutrina processual 
 geral se designam por requisitos ou pressupostos processuais.
 n) A questão da inconstitucionalidade deve ser levantada num feito submetido a 
 julgamento perante um tribunal.
 o) A questão suscitada perante o juiz tem de ser uma questão de 
 inconstitucionalidade, ou seja, tem de colocar-se o problema de conformidade ou 
 desconformidade de uma norma com a constituição. A inconstitucionalidade tem de 
 suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria que 
 a inconstitucionalidade respeita.
 Por outro lado, “não há qualquer restrição quanto à natureza das normas 
 impugnadas: podem ser normas materiais ou processuais, podem incidir sobre o 
 mérito da causa ou apenas sobre meios probatórios ou pressupostos processuais, 
 podem lesar ou não direitos fundamentais ou interesses legítimos das partes”, 
 J.J. Gomes Canotilho, ob. cit., pág. 978.
 p) A aplicação da norma ou a desaplicação por inconstitucionalidade não tem que 
 ser expressa, podendo ser implícita (cfr. Acs. TC 406/87, 429/89, 119/90, 
 
 354/91)”, J.J. Gomes Canotilho, ob. cit., pág. 977. Continuando com o Ilustre 
 Professor, ob. e loc. cits., 'os tribunais continuam com o direito de «judicial 
 review» (cfr. art. 204.º), ou seja, têm acesso directo à Constituição, aplicando 
 ou desaplicando normas cuja constitucionalidade foi impugnada no feito submetido 
 a decisão judicial. Sendo assim, o juiz a quo não se limita a conhecer do 
 incidente da inconstitucionalidade e a reenviá-lo par o Tribunal Constitucional; 
 decide o caso, interpretando a norma a aplicar como constitucional ou 
 inconstitucional, independentemente do recurso posterior, restrito à questão da 
 inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional. A solução contrária 
 conduziria, em todo o seu rigor, a eliminar a fiscalização concreta do 
 ordenamento constitucional português'.
 q) “Das decisões dos tribunais relativas à questão inconstitucionalidade cabe 
 recurso para o Tribunal Constitucional. É o chamado recurso de 
 constitucionalidade. O objecto do recurso não é a decisão do tribunal a quo 
 sobre o mérito da questão ou do facto submetido a julgamento, mas apenas o 
 segmento da decisão judicial relativo à questão da inconstitucionalidade. Por 
 outras palavras: objecto do recurso não é a decisão judicial em si mesma, mas 
 apenas parte dessa decisão em que o juiz a quo recusou a aplicação de uma norma 
 por motivo de inconstitucionalidade ou aplicou uma norma cuja 
 constitucionalidade foi impugnada. O objecto do recurso em sentido substantivo 
 
 (e não meramente processual) é, pois, uma norma à qual se reporta a questão da 
 inconstitucionalidade e não a decisão judicial do tribunal a quo. Todavia, 
 trata-se sempre de uma norma interpretativamente mediatizada pela decisão 
 recorrida, porque a norma deve ser apreciada no recurso segundo a interpretação 
 que lhe foi dada nessa decisão”, J.J. Gomes Canotilho, ob. cit., pág. 979. Neste 
 sentido também Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, 
 Inconstitucionalidade e Garantia da Constituição, Coimbra Editora, pág. 158.
 r) A regulamentação processual destes recursos, das decisões judiciais para o 
 Tribunal Constitucional em que se vai reapreciar a ilegalidade da norma aplicada 
 ou não aplicada está contida nos artigos 280.º da norma normarum e nos artigos 
 
 69.º e seguintes da Lei 28/82.
 s) O direito de acesso aos tribunais implica o direito ao processo o que se 
 traduz no direito a uma decisão final incidente sobre o fundo da  causa sempre 
 que se hajam cumprido e observado os requisitos processuais da acção ou recurso.
 t) O direito à tutela jurisdicional, que também é alcançada pelo recurso pelos 
 pleiteantes para o Tribunal Constitucional, reconduz-se ao direito de obter uma 
 decisão fundada no direito sempre que se cumpram os requisitos legalmente 
 exigidos. 'Aqui, porém, surge uma nova e importante afloração do due process: o 
 direito à tutela jurisdicional não pode ficar comprometido em virtude da 
 exigência legal de pressupostos processuais desnecessários não adequados ou 
 desproporcionados. Compreende-se, pois, que o direito ao processo implique: (1) 
 a proibição de requisitos processuais desnecessários ou desviados de um sentido 
 conforme ao direito fundamental de acesso aos tribunais; (2) a exigência de 
 fixação legal prévia dos requisitos e pressupostos processuais dos recursos e 
 acções; (3) a sanação de irregularidades processuais como exigência do direito à 
 tutela judicial', J.J Gomes Canotilho, ob. cit., pág. 492.
 u) Em bom rigor, nem a Constituição da República Portuguesa nem a Lei 28/82 
 exigem para que um recurso possa ser admitido para o Tribunal Constitucional 
 que: “a inconstitucionalidade imputada a uma interpretação normativa reporta-se, 
 necessariamente, a um critério normativo dotado de generalidade que possa ser 
 aplicado a outros casos, e não à aplicação de uma norma à especificidade do caso 
 e a ele indissociavelmente ligado.
 Sucede, porém, que no recurso em análise o recorrente não visa obter a 
 apreciação da conformidade constitucional de normas, pois questiona, 
 manifestamente a conformidade constitucional da decisão jurisdicional'.
 v ) Ora, o sentido de qualquer decisão do Tribunal Constitucional é 
 insindicável, quer perante o próprio Tribunal quer perante outros. 'Todavia, a 
 decisão considerada em si mesma, pode conter erros materiais ou nulidades 
 processuais ou até infringir as normas constitucionais e legais que balizam a 
 sua formação ou o seu âmbito (a decisão, enquanto tal, e não a decisão enquanto 
 reportada a esta ou aquela norma constitucional', Jorge Miranda, ob. cit., pág. 
 
 185.
 
 w) Conforme já alegado nesta reclamação, existe a possibilidade de se arguir no 
 plano concreto ou do caso concreto, a inconstitucionalidade da norma ou da 
 interpretação da norma, seja de natureza substantiva ou adjectiva, conforme 
 dispõe o artigo 280.º n.º 1 a) e b) da Constituição da República Portuguesa, ou 
 seja,
 
 '1. Cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos Tribunais:
 a) que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade;
 b) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo'.
 x) Ora perante estas disposições e conjugando-as com o disposto no artigo 75.º-A 
 n.º 5 da Lei 28/82, ao interpor recurso para o Tribunal Constitucional, se o 
 requerimento de interposição de recurso não indicar algum dos elementos 
 previstos no artigo 75.º-A, deverá ser proferido despacho a convidar o 
 recorrente a prestar essa indicação.
 
 y) Mas estas normas só se aplicam no que aos recursos de inconstitucionalidade a 
 interpor para o Tribunal Constitucional tange. Estas normas da Lei 28/82, sobre 
 a organização, funcionamento e processo Tribunal Constitucional não se aplicam à 
 arguição de inconstitucionalidades nos outros Tribunais.
 Para se poder recorrer para o Tribunal Constitucional é necessário que os 
 Tribunais apliquem uma norma ao caso concreto, norma essa cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, conforme preceitua 
 o artigo 280º n.º 1 b) da CRP.
 z) Depois, na decisão sumária proferida, não se tem em linha de conta que a 
 fiscalização concreta da inconstitucionalidade ao caso concreto, passe a 
 redundância, existe e é possível de ser feita quer nos Tribunais comuns quer no 
 Tribunal Constitucional e, bem assim, que a regulamentação da Lei 28/82 só se 
 aplica nos recursos para o Tribunal Constitucional e não nos recursos onde se 
 argua a inconstitucionalidade de normas jurídicas, perante outros tribunais. O 
 que se exige é a arguição efectiva da inconstitucionalidade nesses outros 
 tribunais.
 aa ) É que, conforme já se explicou antes, no recurso para o Tribunal 
 Constitucional só está em causa a parte da inconstitucionalidade da norma e não 
 se discute toda a causa. Por isso, não se pode verificar a inconstitucionalidade 
 arguida nas peças dos processos onde foi suscitada e daí extrapolar que essa 
 alegação corresponde à alegação feita para o Tribunal Constitucional. E muito 
 menos se pode concluir como a decisão sumária o faz, sobre o que se pretende com 
 o recurso para o Tribunal Constitucional se a arguida só interpôs o recurso e 
 ainda não alegou. É que como já antes se disse o objecto do recurso em sentido 
 substantivo ( e não meramente processual) é, pois, uma norma à qual se reporta a 
 questão da inconstitucionalidade e não a decisão judicial do tribunal a quo. Tem 
 de se esperar para que a recorrente venha proferir as suas alegações para o 
 Tribunal Constitucional, onde aí irá explicar e concretizar melhor e somente o 
 porquê da inconstitucionalidade das normas que arguiu se verificar.
 bb) A decisão sumária não indica qualquer norma, sendo por isso nula a mesma por 
 falta de fundamentação.
 cc) A interpretação feita de que não se conhece do recurso interposto pela 
 arguida para o Tribunal Constitucional porque a alegação da 
 inconstitucionalidade que se fez perante o Tribunal da Relação não é conforme a 
 regulamentação processual que se aplica somente ao Tribunal Constitucional é ela 
 própria inconstitucional violando o disposto no artigo 20º n.º 4 transformando o 
 processo num processo que não é equitativo. 
 dd) O artigo 280 n.º1 b) da CRP impõe somente que se suscite no decurso do 
 processo a inconstitucionalidade da norma para se poder recorrer da decisão 
 final dos tribunais para o Tribunal Constitucional.
 Estabelecerem-se critérios sem estarem ancorados na lei como se faz nesta 
 decisão sumária onde não se conhece do recurso interposto apesar das 
 inconstitucionalidades terem sido suscitadas e de na mesma decisão se pretender 
 aplicar as regras sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal 
 Constitucional a todos os processos nos outros tribunais onde se discuta a 
 inconstitucionalidade da norma, é contra o que a lei diz, nomeadamente a norma 
 normarum no dito artigo e no artigo 20 n.º 4. Ora, estabelecerem-se os ditos 
 critérios proibidos que na prática inviabilizam o direito à apreciação do 
 recurso, pois o artigo 20. n.º 4 estatui o due process que se traduz na 
 proibição de requisitos processuais desnecessários ou desviados de um sentido 
 conforme ao direito fundamental de acesso aos tribunais. Assim, a interpretação 
 feita aos artigos 20º n.º 4 e 280º n.º 1 b) na decisão sumária proferida é ela 
 mesmo violadora da Constituição e por isso inconstitucional o que se arguiu e 
 deverá ser declarada pelo presente meio.
 Com Jorge Miranda, ob. cit. pág. 185, 'a decisão considerada em si mesma, pode 
 conter erros materiais ou nulidades processuais ou até infringir as normas 
 constitucionais e legais que balizam a sua formação ou o seu âmbito', o que é 
 manifestamente este o caso uma vez que a própria decisão em si mesma infringe as 
 normas constitucionais nos termos supra dissertados.
 ee ) Apesar do recurso perante o Tribunal Constitucional não ser um recurso de 
 amparo, a verdade é que é um recurso que existe e que deve aquilatar as 
 inconstitucionalidades arguidas. Por isso, a decisão proferida é ininteligível 
 não se sabendo com ela qual o modo como se deve interpor recursos para o 
 Tribunal Constitucional e suscitar as inconstitucionalidades nos outros 
 tribunais.
 ff) As inconstitucionalidades foram suscitadas pela arguida durante o processo. 
 O requerimento de interposição de recurso da decisão do Tribunal da Relação para 
 o Tribunal Constitucional foi feito com base no que a lei estabelece. A arguida 
 pretende que neste Tribunal seja analisada a inconstitucionalidade das normas e 
 não uma reapreciação do caso todo. Mas para isso tem que alegar e poder fazer a 
 exposição do que entende ser necessário. É que também no Tribunal Constitucional 
 existe a fase das alegações, não se podendo retirar essa alegação do alegado 
 noutros tribunais.
 Termos em que a presente reclamação deverá ser deferida e aceite o recurso, como 
 
 é da mais elementar, sã, democrática, justa, JUSTIÇA !
 
  
 O representante do Ministério Público junto deste Tribunal responde à reclamação 
 nos termos seguintes:
 
  
 
 1 - A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
 2 - Na verdade, as longas, prolixas e genéricas considerações do reclamante não 
 têm na devida conta a sedimentada jurisprudência constitucional, nomeadamente no 
 que toca à delimitação dos ónus que justificadamente incidem sobre a parte que 
 pretende garantir o uso do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70° 
 da Lei nº 28/82: a suscitação, durante o processo e em termos processualmente 
 adequados, de uma questão de inconstitucionalidade normativa, questionando o 
 critério normativo acolhido pela decisão impugnada.
 
 3 - E sendo evidente que a legítima imposição de tais ónus ao recorrente em nada 
 colide com as normas e princípios constitucionais em vigor .
 
 4 - Acresce que - como dá nota a decisão reclamada - o acórdão proferido pela 
 Relação nem sequer aplicou, como 'ratio decidendi', as interpretações 
 especificadas dos artigos 347°, nº 2, e 127° do Código de Processo Penal: como é 
 evidente, a Relação não erigiu como critério normativo da decisão o de que 
 estaria 'dispensada de se pronunciar' sobre as questões suscitadas pelo 
 recorrente e incluídas no objecto do recurso, tal como não fez apelo ao 
 entendimento de que só lhe cabe verificar a 'regularidade do julgamento'.
 
  
 
  
 Importa decidir.
 
  
 Na decisão reclamada ponderou-se, essencialmente, que a matéria que a recorrente 
 apresenta à decisão do Tribunal não concretiza qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, tal como é exigido pela alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70º da LTC, ao abrigo da qual o recurso é interposto.
 A alegação que a reclamante apresenta não põe em causa aquele julgamento, razão 
 pela qual se decide manter a referida decisão sumária nos seus precisos termos. 
 
  
 Em consequência, indefere-se a reclamação. Custas pela reclamante, fixando-se a 
 taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 11 de Janeiro de 2006
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos