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Processo nº  147/2006 
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza 
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção 
 do Tribunal Constitucional: 
 
  
 
 1.  Por sentença do 4º Juízo Criminal do Tribunal  de Família e de Menores e de 
 Comarca de Cascais, de 14 de Março de 2005, A. e B. foram condenados na pena de 
 sete meses de prisão, pela prática, em co-autoria material e sob a forma 
 tentada, juntamente com outros arguidos, de um crime de furto simples, p. e p. 
 pelos artigos 203º, n.º 1, 22º, 23º e 73º do Código Penal.
 Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão 
 de 15 de Novembro de 2005, confirmou a sentença recorrida,  nos seguintes termos 
 
 (apenas para o que agora releva): 
 
 «IIIo l.. Alegam os recorrentes que o tribunal recorrido não deu cumprimento ao 
 disposto no art. 374º, n.°2, do CPP, o que constitui fundamento de nulidade da 
 sentença (art. 379º, n.° l, al.a), do C.P.P.).
 O citado art. 374, n.° 2, impõe que a decisão seja fundamentada, com o que se 
 visa permitir ao tribunal ad quem averiguar se as provas que o tribunal a quo 
 atendeu são, ou não, permitidas por lei e garantir que os julgadores seguiram um 
 processo lógico e racional na apreciação da prova, não resultando uma decisão 
 ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras da 
 experiência comum na apreciação da prova.
 O dever de motivação emerge directamente de um dever de fundamentação de 
 natureza constitucional – art. 208º, da CRP – em relação ao qual ponderam Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira que é parte integrante do próprio conceito de Estado 
 de direito democrático, ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por 
 objecto a solução da causa em juízo como instrumento de ponderação e legitimação 
 da própria decisão judicial e da garantia do direito ao recurso.
 
 (…) Contudo, essa fundamentação não tem que ser feita em relação a cada facto, 
 nem com menção de todos os meios de prova, já que a lei apenas exige o exame 
 crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
 No caso, ao contrário do que alegam os recorrentes, o tribunal não se limitou a 
 indicar os meios de prova, tendo mencionado o sentido de cada um dos depoimentos 
 testemunhais e a razão de conhecimento de cada um, justificando por que não 
 aceitou a versão dos arguidos, o que se traduz no exame crítico das provas 
 exigido pelo citado art. 374º, n.° 2.
 
 2. De acordo com o art. 428º, n.° l, do Código de Processo Penal, 'as relações 
 conhecem de facto e de direito'.
 No caso, encontrando-se gravada a prova é possível a este tribunal reexaminá-la.
 Os recorrentes insurgem-se contra a forma como foi valorada a prova produzida, 
 defendendo que a mesma não permitia que fossem considerados provados os factos 
 descritos como provados sob os n.°s  l a 5.
 
 (…)
 A decisão do tribunal recorrido, no que diz respeito aos factos impugnados, não 
 foi arbitrária, discricionária ou caprichosa, já que corresponde a uma 
 apreciação baseada em critérios objectivos e está devidamente motivada, como 
 impõe o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP.»
 
  
 
             2. Ainda inconformados, os arguidos recorreram para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei 
 nº 28/82, de 15 de Novembro, indicando como normas que consideram materialmente 
 inconstitucionais, por violação do n.º 1 do artigo 32º e do n.º 1 do artigo 205º 
 da Constituição, as seguintes:
 
 «a)  Art.  374º  n° 2 do C.P.P. quando interpretada no sentido que o Tribunal 'a 
 quo' a interpretou, ou seja na interpretação segundo a qual a fundamentação das 
 decisões judiciais em matéria de facto se basta com a simples indicação dos 
 meios de  prova em 1a instancia, não exigindo a explicitação do processo de 
 formação da convicção do Tribunal (…).
 b) Art. 97º, n.° 4 do C.P.P. no sentido de que o Tribunal não tem que analisar 
 critica e fundadamente a prova produzida, explicitando todos os passos de 
 raciocínio lógico dedutivo em que assentou a sua convicção (…).»
 O recurso não foi, porém, admitido. Por despacho de 12 de Dezembro de 2005, o 
 relator entendeu ser «(…) manifesto que este tribunal não seguiu a interpretação 
 que os recorrentes consideram inconstitucional dos arts. 374º, n.° 2 e 97º, 
 n.°4, do CPP, pois reconheceu ter sido feito exame crítico da prova.
 Não existindo qualquer decisão que tenha por fundamento a interpretação que os 
 recorrentes pretendem seja declarada inconstitucional, estar-se-á perante um 
 mero pedido de apreciação abstracta da interpretação, alegadamente, 
 inconstitucional, o que determina que o recurso interposto para o TC não tenha 
 objecto e o torna manifestamente infundado.
 Por esta razão, nos termos do art.76º, n.° 2, da LTC, não se admite o recurso 
 interposto para o Tribunal Constitucional».
 
  
 
 3. Vieram então os recorrentes reclamar para o Tribunal Constitucional do 
 despacho de não admissão do recurso, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 
 
 76º da Lei nº 28/82, sustentando estarem preenchidos todos os requisitos de 
 admissibilidade do recurso interposto, não sendo o mesmo, para além disso, 
 
 «manifestamente infundado».
 Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de a 
 reclamação ser «manifestamente improcedente», por não ter sido aplicado no 
 acórdão recorrido o «critério normativo enunciado pelos recorrentes como 
 consubstanciador das normas a que reportaram o recurso interposto, já que se não 
 bastou, no preenchimento do dever de fundamentação, com uma simples indicação 
 dos meios probatórios tidos por relevantes, procedendo, antes, na óptica da 
 Relação, ao respectivo e legalmente exigido 'exame crítico das provas' (e não 
 cumprindo obviamente a este Tribunal Constitucional sindicar tal conclusão, 
 ligada indissoluvelmente à subsunção operada no caso concreto – e, como tal, 
 desprovida de natureza 'normativa'».
 
             
 
             4. A presente reclamação é improcedente. 
 Desde logo, cumpre ter presente que não cabe no âmbito do recurso de 
 constitucionalidade, nem apreciar a forma como a matéria de facto foi decidida, 
 nem, tão pouco, censurar a interpretação da lei ordinária adoptada pela decisão 
 recorrida. Ao Tribunal Constitucional apenas compete confrontar tal 
 interpretação com a Constituição.
 Com efeito, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas 
 interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 
 
 28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, destina-se a que este Tribunal aprecie 
 a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que 
 foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido 
 suscitada a sua inconstitucionalidade “durante o processo” (al. b) citada), e 
 não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da 
 lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de 
 exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da 
 República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 
 
 1995 e 16 de Maio de 1996). 
 
             É, ainda, necessário, para o que agora interessa, que tal norma 
 tenha sido aplicada com o sentido acusado de ser inconstitucional, como ratio 
 decidendi (cfr., nomeadamente, os acórdãos nºs 313/94, 187/95 e 366/96, 
 publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 1 de Agosto de 
 
 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de 1996), sob pena de ser inútil o 
 julgamento do recurso.
 Como o Tribunal Constitucional tem também repetidamente afirmado, o recurso de 
 constitucionalidade tem natureza instrumental, o que implica, como se sabe, que 
 
 é condição do conhecimento do respectivo objecto a possibilidade de repercussão 
 do julgamento que nele viesse a ser efectuado na decisão recorrida (ver, por 
 exemplo, o acórdão deste Tribunal com o nº nº 463/94, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 22 de Novembro de 1994).
 Na verdade, apreciar uma interpretação que não coincide com a que foi aplicada 
 na decisão recorrida torna inútil o julgamento do recurso de 
 constitucionalidade, pois que, ainda que o Tribunal Constitucional venha a 
 concluir no sentido da inconstitucionalidade, o seu julgamento não tem qualquer 
 repercussão na decisão recorrida. 
 
  
 
 5. Do confronto entre a transcrição do acórdão recorrido, atrás efectuada, e o 
 requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade resulta que as 
 normas em causa não foram interpretadas com o sentido impugnado.
 Falta, pois, um pressuposto de admissibilidade do recurso, o que implica o 
 indeferimento da presente reclamação.
 
  
 Nestes termos, indefere-se a reclamação.
 Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
 
  
 Lisboa, 6 de Março de 2006
 
  
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 Artur Maurício