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Processo n.º 1096/04
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
    
 
 1.                 O Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 3 do 
 artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do despacho proferido em 
 
 23 de Junho de 2004, no inquérito n.º 2898/04.4TDPRT em que é arguida A., pelo 
 juiz do 3º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, na parte em que 
 recusou a aplicação do n.º 1 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, com 
 fundamento em inconstitucionalidade, por violar a reserva da função 
 jurisdicional e o princípio da independência dos tribunais, previstos nos 
 artigos 202.º, n.º 2 e 203.º da Constituição e ainda, no que respeita 
 especificamente à norma da alínea i) do n.º 2 do mesmo artigo 281.º, por 
 violação do princípio da legalidade das medidas restritivas da liberdade.
 
  
 
    Ordenou-se a notificação para alegações, convidando-se recorrente e recorrida 
 a pronunciar-se sobre a possível inutilidade de conhecimento do objecto do 
 recurso se o despacho recorrido dever ser interpretado como integrando outro 
 fundamento decisivo, para além do juízo de inconstitucionalidade.
 
  
 Nas suas alegações o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
 “1- A suspensão provisória do processo regulada no artigo 281.º do Código de 
 Processo Penal, configurando um mecanismo que requere uma co-decisão do 
 Ministério Público e do juiz de instrução criminal, não podendo em caso algum 
 ser aplicada sem a concordância expressa deste último, não colide com qualquer 
 norma ou princípios constitucionais, designadamente, com os que regem a função 
 jurisdicional e a independência dos tribunais.
 
 2- A imposição de uma injunção de não cometer crimes dolosos durante um 
 determinado período, ao abrigo do disposto no n.º 2, alínea i) do preceito 
 citado, não viola o princípio da legalidade, uma vez que o não delinquir não se 
 pode reconduzir a qualquer limitação de direitos ou liberdades, com tutela 
 constitucional.
 
 3- Atenta a função instrumental do recurso de constitucionalidade, não há 
 utilidade no conhecimento do recurso, na parte em que está em causa a injunção 
 da prestação de trabalho voluntário, uma vez que para o indeferimento foi dado 
 outro fundamento para lá da violação da lei fundamental.
 
 4- Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
 
  
 
  
 
    A arguida (na posição processual de recorrida) acompanha o Ministério 
 Público, formulando as seguintes conclusões:
 
  
 
 “1- Entendemos, como o Ministério Público, que a suspensão provisória do 
 processo (art.º 281.º C.P.Penal), sendo um mecanismo que requer uma co-decisão 
 do Ministério Público e do Senhor Juiz de Instrução Criminal, não colide com 
 qualquer norma ou princípios constitucionais, nomeadamente com os que regem a 
 função jurisdicional e a independência dos Tribunais, sendo certo que só com a 
 concordância expressa do Senhor Juiz de Instrução Criminal é que a aludida 
 medida pode ser aplicada.
 
 2- A aqui Recorrida entende que não houve qualquer limitação dos seus direitos 
 ou liberdades, com tutela constitucional, pois a obrigação de “não delinquir”, 
 como imposição de não cometer crimes dolosos durante um certo lapso de tempo, 
 não viola o princípio da legalidade, nem qualquer outro princípio do ordenamento 
 jurídico-constitucional.”
 
  
 
  
 
 2.            Interessa ter presente o seguinte:
 a)           Em processo de inquérito instaurado contra a recorrida pela prática 
 de um crime de falsas declarações previsto e punido pelo n.º3 do artigo 360.ºdo 
 Código Penal, o magistrado do Ministério Público proferiu um despacho de que se 
 extracta o seguinte:
 
 “E assim, porque é de prever que a simples imposição à arguida de deveres e 
 regras de conduta responderá cabalmente às exigências de prevenção criminal (sem 
 necessidade de a submeter ao estigma judiciário), entendemos que a respectiva 
 responsabilização pode e deve passar pelo recurso ao instituto previsto pelo 
 art.º 281.º do Código de Processo Penal, a cuja aplicação a mesma aderiu.
 Preenchidos que estão os respectivos requisitos, opta-se pela suspensão 
 provisória do processo pelo período de 1 (um) ano, impondo a A. – sob pena de 
 posterior prosseguimento dos autos pelos factos aqui em apreço – as seguintes 
 injunções:
 
 1- Não cometer, durante o referido lapso de tempo, factos da mesma natureza ou 
 quaisquer outros, da forma dolosa, previstos em tipos legais de crime;
 
 2- Prestar trabalho voluntário, durante o período de 4 (quatro) meses, com 
 encaminhamento, acompanhamento e fiscalização do Instituto de Reinserção Social.
 Conclua os presentes autos ao Mmº Juiz de Instrução nos termos e para os efeitos 
 do disposto no n.º 1 do art.º 281.º do Código de Processo Penal.”
 
  
 b)           Concluso o processo, o juiz de instrução criminal proferiu o 
 seguinte despacho:
 
 “Do despacho do Ministério Público a fls. 37 a 41 :
 Discordamos da decisão de suspensão provisória do processo pelo Ministério 
 Público, essencialmente pelas seguintes razões:
 Em primeiro lugar, entendemos que o Ministério Público não tem competência 
 jurisdicional que lhe permita fixar e impor à arguida injunções e regras de 
 conduta.
 O artigo 281.º do Código de Processo Penal, atribuindo ao Ministério Público um 
 poder e uma competência materialmente jurisdicional, é inconstitucional por 
 violação da função jurisdicional dos tribunais consagrada no artigo 202.º da 
 Constituição.
 
 “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos 
 direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da 
 legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados” 
 
 – artigo 202.º, n.º 2, da Constituição. Os actos que devam constituir “actos 
 judiciais” para os efeitos do artigo 202.º da Constituição (artigos 205.º e 
 
 206.º antes da Revisão de 1989) devem ser praticados pelo juiz de instrução, 
 como foi expressamente afirmado no Acórdão n.º 7/87 do Tribunal Constitucional, 
 de 9 de Janeiro, à semelhança do entendimento defendido pelo Prof. Figueiredo 
 Dias, e publicado em “Para Uma Nova Justiça Penal”, 1983, págs. 189 e segs., 
 citado no acórdão (DR n.º 33, de 9/02/1987, pág. 504-6).
 Assim, a imposição de injunções e regras de conduta não pode ser decidida pelo 
 Ministério Público, pelo facto de este não ter competência jurisdicional.
 Citando José António Barreiros, “o Ministério Público actua no processo penal 
 como órgão autónomo de administração de justiça, o que se não confunde com a 
 acção dos órgãos judiciais, nem com a função jurisdicional e lhe garante 
 independência de actuação face ao Ministro da Justiça.”(...) O Ministério 
 Público não é, assim, órgão judicial, nem lhe cabe a função jurisdicional, a 
 qual é património exclusivo do poder judicial (artigo 205.º da Constituição).” 
 
 (“Sistema e Estrutura do Processo Penal Português”, II, págs. 109 e 110).
 No mesmo sentido, pode ler-se Germano Marques da Silva: “Sujeitos processuais 
 são o juiz, a quem cabe o exercício da jurisdição, o Ministério Público, o 
 arguido, o assistente e o defensor, aos quais cabe o exercício de poderes e 
 deveres que soe conglobar-se na noção de acção, que na forma de acusação, quer 
 na forma de defesa. (..) Tomamos aqui a acção num sentido muito amplo, como o 
 conjunto de poderes e deveres da acusação e da defesa em ordem ao reconhecimento 
 do direito pela jurisdição.” (“Curso de Processo Penal”, 1993, tomo 1, págs. 95 
 e 96).
 No entanto, no regime da suspensão provisória do processo não é isso que se 
 verifica. O juiz de instrução não decide a suspensão provisória do processo e 
 não escolhe nem aplica as injunções e regras de conduta. Quem decide é o 
 Ministério Público, é quem exerce a função jurisdicional e o juiz encontra-se 
 numa situação idêntica à do arguido e à do assistente concorda ou discorda 
 
 (artigo 281.º, n.º 1, al. A) do Código de Processo Penal).
 O juiz não decide, só tem que concordar ou discordar da suspensão, demitido da 
 função jurisdicional que o legislador atribuiu ao Ministério Público nos termos 
 do artigo 281.º do Código de Processo Penal. Ao juiz de instrução é atribuída 
 uma intervenção processual não jurisdicional, idêntica à que o Ministério 
 Público tem na instrução, fase em que “é correspondentemente aplicável o 
 disposto no artigo 281.º obtida a concordância do Ministério Público” (artigo 
 
 307.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
 Por outro lado, o artigo 281.º do Código de Processo Penal viola o princípio da 
 independência dos tribunais consagrado no artigo 203.º da Constituição, uma vez 
 que não prevê qualquer intervenção do juiz de instrução para a escolha e 
 determinação da solução de direito do caso concreto. O Ministério Público decide 
 a suspensão provisória e escolhe as injunções ou regras de conduta a aplicar ao 
 arguido, sem qualquer intervenção do juiz de instrução, que é depois colocado 
 diante do “facto consumado”, como sucede no caso destes autos, por vezes com a 
 injunção já cumprida pelo arguido.
 Nas palavras de Castro Mendes, “a independência dos Juízes é a situação que se 
 verifica quando, no momento da decisão, não pesam sobre o decidente outros 
 factores que não os judicialmente adequados a conduzir à legalidade e à justiça 
 da mesma decisão” (“Estudos sobre a Constituição”, 3.º vol., 1979, pág. 654). O 
 que manifestamente não sucede na previsão do artigo 281.º do Código de Processo 
 Penal, que condiciona o juiz pela anterior decisão do Ministério Público, 
 nomeadamente quanto à selecção das injunções e regras de conduta e à 
 determinação do período de suspensão, de uma forma ofensiva da dignidade da 
 função de julgar. 
 
 “Para ser justa, a decisão de um juiz, por exemplo, deve não apenas seguir uma 
 regra de direito ou uma lei geral, como deve assumi-la, aprová-la, confirmar-lhe 
 o valor, por um acto de interpretação reinstaurador, como se no limite a lei não 
 existisse antes, como se o próprio juiz a inventasse em cada caso. Cada 
 exercício da justiça como direito só pode ser justo se for uma «sentença de 
 fresco»(..). A nova frescura, a inicialidade desta sentença inaugural, bem pode 
 repetir qualquer coisa, melhor, deve ser conforme a uma lei préexistente, mas a 
 interpretação re-instauradora, re-inventiva e livremente decisória do juiz 
 responsável requer que a sua «justiça» não consista apenas na conformidade, na 
 actividade conservadora e reprodutora da sentença. Em suma, para que uma decisão 
 seja justa e responsável, é preciso que, no seu momento próprio, se o houver, 
 ela seja, ao mesmo tempo, regrada e sem regra, conservadora da lei e 
 suficientemente destrutiva ou suspensiva da lei para dever, em cada caso, 
 reinventá-la, re-justificá-la, reinventá-la pelo menos na reafirmação e na 
 confirmação nova e livre do seu princípio. Cada caso é um caso, cada decisão é 
 diferente e requer uma interpretação absolutamente única que nenhuma regra 
 existente e codificada pode nem deve absolutamente garantir” (Jacques Derrida, 
 
 “Força de Lei”, pág. 38).
 Não pode o juiz de instrução colocar-se numa posição de subalternidade ou 
 dependência em face da actuação do Ministério Público nestes autos.
 Verifica-se também que o Ministério Público pretende aplicar o artigo 281.º, n.º 
 
 2, al. I), do Código de Processo Penal, norma que contém uma cláusula aberta que 
 viola o princípio da legalidade que deve funcionar em relação a qualquer medida 
 restritiva da liberdade. “Qualquer intervenção restritiva da liberdade do 
 cidadão carece de lei expressa.” (Frederico de Lacerda da Costa Pinto, “Direito 
 Processual Penal”, ed. AAFDL, 1998, p. 137). E de facto, ainda que se defenda 
 que as injunções ou regras de conduta não constituem uma pena no sentido do 
 direito penal material nem uma sanção de natureza para-penal (Lowe/Rosenberg, 
 citados por Manuel da Costa Andrade, “Consenso e Oportunidade”, in “Jornadas de 
 Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal”, pág. 353), as 
 mesmas representam sempre uma limitação aos direitos e liberdades da arguida.
 
 “Também discordamos que se apresente uma suspensão provisória em termos tão 
 vagos como “prestar trabalho voluntário (...) com encaminhamento, acompanhamento 
 e fiscalização do Instituto de Reinserção Social”. Perguntar-se-á: Mas que tipo 
 de trabalho? Quem é que vai definir a natureza, o horário e local do trabalho 
 voluntário? O Ministério Público? O Instituto de Reinserção Social? A arguida?
 São razões mais que suficientes para justificar o nosso dissentimento em relação 
 
 à aliás douta decisão do Ministério Público.
 Notifique o Ministério Público e a arguida.
 Devolva.”
 
  
 
  
 
 3.      A referência final do despacho recorrido à deficiente concretização dos 
 termos de execução e fiscalização do trabalho voluntário a prestar pela arguida 
 constitui, no contexto da decisão recorrida em que a ratio decidendi assenta 
 claramente no juízo de inconstitucionalidade quanto à norma do art.º 281.º do 
 Código de Processo Penal, uma consideração não determinante do resultado a que 
 nessa decisão se chegou, um mero obter dictum. 
 Consequentemente, tal referência não obsta a que se conheça do objecto do 
 recurso.
 
  
 
  
 
 4.      A questão da constitucionalidade da norma em causa foi objecto de 
 recente decisão do Plenário deste Tribunal, através do Acórdão n.º 67/2006, de 
 
 24 de Janeiro de 2006 (texto integral disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 
  Relativamente aos dois fundamentos do juízo de inconstitucionalidade que são 
 comuns à decisão revogada pelo Acórdão n.º 67/2006 e à decisão ora recorrida – 
 
 (i) violaão da reserva da função jurisdicional, consagrada nos n.ºs 1 e 2 do 
 artigo 202.º da CRP; (ii) violação do princípio da independência dos tribunais e 
 dos respectivos juízes, consagrado no artigo 203.º da CRP – dão-se aqui por 
 reproduzidas as considerações tecidas, respectivamente, nos n.ºs 7 e 6 do 
 Acórdão n.º 67/2006, que sustentam a conclusão da não violação desses princípios 
 e direito.
 
  
 No entanto, a decisão ora recorrida, para além daqueles fundamentos, consignou 
 o seguinte:
 
 “Verifica-se também que o Ministério Público pretende aplicar o artigo 281.º, 
 n.º 2, al. I), do Código de Processo Penal, norma que contém uma cláusula aberta 
 que viola o princípio da legalidade que deve funcionar em relação a qualquer 
 medida restritiva da liberdade. “Qualquer intervenção restritiva da liberdade do 
 cidadão carece de lei expressa.” (Frederico de Lacerda da Costa Pinto, “Direito 
 Processual Penal”, ed. AAFDL, 1998, p. 137). E de facto, ainda que se defenda 
 que as injunções ou regras de conduta não constituem uma pena no sentido do 
 direito penal material nem uma sanção de natureza para-penal (Lowe/Rosenberg, 
 citados por Manuel da Costa Andrade, “Consenso e Oportunidade”, in “Jornadas de 
 Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal”, pág. 353), as 
 mesmas representam sempre uma limitação aos direitos e liberdades da arguida.”
 
  
 
  
 Assim, importa apreciar se será inconstitucional a norma da alínea i) do n.º 2 
 do mesmo artigo 281.º, que o despacho recorrido também especificamente 
 desaplicou por entender que “contém uma cláusula aberta que viola o princípio da 
 legalidade que deve funcionar e relação a qualquer medida restritiva da 
 liberdade”, isto é, embora o não refira expressamente, por violação dos n.ºs 1 e 
 
 2 do artigo 27.º e n.º 3 do artigo 18.º da Constituição, para que alguma 
 doutrina também aponta (cf. Teresa Pizarro Beleza, “A Recepção das Regras de 
 Oportunidade no Direito Penal Português: Resolução Processual de Problemas 
 Substantivos”, Revista Jurídica – AAFDL, n.º 21, p. 14 e Apontamentos de Direito 
 Processual Penal, ed. AAFDL, 1992, p. 110 e Frederico de Lacerda da Costa Pinto, 
 Direito Processual Penal, ed. AFDL, p. 137. 
 
  
 
    Esta argumentação, que arranca de uma leitura isolada da alínea i) do n.º 2 
 do artigo 281.º e esquece o seu contexto de aplicação dado por outros preceitos, 
 designadamente pelos n.ºs 1 e 3 do mesmo artigo 281.º, não merece acolhimento.
 
  
 
    Em primeiro lugar, não é fácil representar – nem o despacho recorrido enuncia 
 propriamente essa possibilidade, limitando-se a uma censura de princípio à 
 ausência de tipificação que a norma introduz no elenco das injunções e regras de 
 conduta – que ao abrigo da referida alínea caiba a imposição de comportamentos 
 que contendam com o direito à liberdade consagrado no artigo 27.º n.º 1 da 
 Constituição, entendido como “o direito à liberdade física à liberdade de 
 movimentos, ou seja, o direito a não ser detido, aprisionado ou de qualquer modo 
 fisicamente confinado a determinado espaço, ou impedido de se movimentar” (Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 
 
 184). 
 
  
 
    Depois, e decisivamente, a argumentação no sentido da inconstitucionalidade 
 da norma agora em apreço esquece as características fundamentais do seu contexto 
 de aplicação que consistem em as injunções e regras de conduta só poderem ser 
 impostas mediante acordo do arguido, não poderem contender com a dignidade deste 
 e estarem sujeitas à fiscalização do juiz de instrução. Ora, neste contexto não 
 se encontra justificação, no plano constitucional, para limitar a autonomia 
 pessoal que se exprime na aceitação daquelas injunções e regras de conduta que 
 podem ser impostas ao abrigo da referida alínea (Cf. Manuel da Costa Andrade, 
 
 “Consenso e Oportunidade”, Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código 
 de Processo Penal, p. 348 e segs.; cf. Tb. Fernando Pinto Torrão, A Relevância 
 Político-Criminal da Suspensão Provisória Processo, p. 121). Força é que essa 
 concordância resulte de uma vontade esclarecida e livre. Mas é sobretudo por 
 isso, porque as medidas comportam o risco de contender com direitos, liberdades 
 e garantias e para assegurar que, pelo conteúdo e pelo modo dos comportamentos a 
 que o arguido se compromete, não é afectada a zona de indisponibilidade de 
 direitos fundamentais, que se faz intervir o juiz das garantias. O juiz 
 fiscalizará, com base na ordem jurídico-constitucional dos direitos fundamentais 
 a adequação, necessidade e proporcionalidade da (auto)limitação, bem como a sua 
 racionalidade. O que, como é evidente, só é susceptível de uma solução 
 definitiva nas circunstâncias dos casos concretos (cf. Vieira de Andrade, Os 
 Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª ed., págs. 
 
 330-336).
 
  
 De qualquer forma – e num processo de fiscalização concreta tanto bastaria para 
 justificar a revogação do juízo de inconstitucionalidade – as injunções 
 constantes do despacho do Ministério Público exarado nestes autos – a saber (i) 
 não cometer, durante o período de suspensão (um ano) crimes dolosos; (ii) 
 prestar trabalho voluntário, durante o período de 4 meses, com encaminhamento, 
 acompanhamento e fiscalização do Instituto de Reinserção Social – não integram 
 qualquer restrição à liberdade do arguido nem são equiparáveis a penas. Na 
 verdade, a primeira, “injunção”, em rigor, não é senão a reiteração do dever, 
 que a todos os cidadãos se aplica, de não cometer crimes. E a segunda, prestar, 
 por tempo determinado, trabalho voluntário sob tutela do IRS, não comporta, em 
 si mesma, o risco de atingir o limite de indisponibilidade de direitos 
 fundamentais.
 
  
 Embora proximamente motivado pela sua conveniência em beneficiar de mecanismos 
 de diversão penal, aquilo que o arguido aceita, quando se submete a uma tal 
 medida é, afinal, participar activamente em algo que o Estado reconhece, em 
 geral – independentemente das suas múltiplas origens e motivações e diversidade 
 de organização – como expressão do exercício de uma cidadania activa e solidária 
 
 (Cf. Lei n.º 71/98, de 3 de Novembro). O facto de o fazer sob tutela do órgão 
 auxiliar da justiça responsável pelas políticas de reinserção social (artigo 2.º 
 do Decreto-Lei n.º 204-A/2001, de 26 de Julho), como é indispensável ou 
 aconselhável para que a medida tenha seriedade, não colide com a liberdade ou 
 com a dignidade do arguido, que assume esse compromisso de trabalho como 
 alternativa à sujeição aos mecanismos formais de intervenção processual penal, 
 mas sempre a título temporário e como expressão de uma vontade consciente e 
 livre.
 
  
 Improcede, assim, a acusação de inconstitucionalidade dirigida à norma do artigo 
 
 281.º, n.º 2, alínea i), do CPP, pelo menos na dimensão susceptível de aplicação 
 ao caso dos autos.
 
  
 
  
 
 5. Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, determinando a 
 reformulação da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de 
 constitucionalidade.
 
  
 Sem custas.
 
  
 
  
 Lisboa, 22 de Fevereiro de 2006
 
  
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Artur Maurício