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Processo n.º 469/2005
 
 2ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  A. instaurou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, acção 
 declarativa de condenação sob a forma ordinária, contra a Câmara Municipal de 
 Vila Nova de Poiares e contra o IEP – Instituto de Estradas de Portugal, para 
 efectivação da responsabilidade civil extra-contratual decorrente de um acidente 
 de viação em consequência da ausência de sinalização de obras na via pública.
 A Câmara Municipal de Vila Nova de Poiares arguiu as excepções de incompetência 
 do tribunal em razão da matéria, bem como a de ilegitimidade, excepções que 
 foram julgadas improcedentes por despacho de 7 de Julho de 2003 (fls. 52 a 55).
 
  
 
  
 
 2.  A Câmara Municipal ré interpôs recurso do despacho de 7 de Julho de 2003 
 para o Supremo Tribunal Administrativo.
 Concluiu as suas alegações do seguinte modo:
 
  
 
 1 - O A. veio instaurar uma acção sobre a eventual responsabilidade civil do 
 Município de Vila Nova de Poiares perante o Tribunal de Círculo Administrativo 
 de Coimbra, demandando a sua Câmara:
 
 2 - E esta responsabilidade aparece fundamentada no facto de o A. se ter 
 despistado na E.N. na 17, onde os Serviços do Município, andavam a efectuar 
 obras, não terem eventualmente sinalizado as mesmas devidamente:
 
 3 - O Município através da sua Câmara alegou a incompetência do tribunal em 
 virtude de se tratar da responsabilidade de um ente público, tendo o Mm. Juiz a 
 quo indeferido esta incompetência e julgado o tribunal competente, face aos 
 comandos da alínea h) do n° 1 do art. 51 ° do ETAF conjugado com o art. 22° da 
 Constituição da República.
 
 4 - O Município entende que se fez errada interpretação daqueles comandos, 
 levando em consideração o n° 1 do art. 18° e alínea a) do n° 1 do art. 77° ambos 
 da LOTJ.
 
 5 - Só o Município é uma autarquia à qual se encontra atribuída personalidade 
 jurídica, sendo também uma pessoa moral de direito público ou seja, pessoa 
 colectiva pública de população e território, como determinam os arts. 235° e 
 
 236° da Constituição da República e art. 14° do Código Administrativo.
 
 6 - Por sua vez a Câmara Municipal é por excelência o órgão executivo do 
 Município por força dos arts. 250° e 252° da Constituição da República.
 
 7 - Portanto, sendo um órgão do Município só este podia ser parte em acção 
 administrativa e, por isso, a mesma devia ser instaurada contra o Município por 
 actos dos seus serviços.
 
 8 - Ao instaurar-se uma acção contra um órgão do Município esta, num Estado de 
 Direito, devia ser recusado por não ter personalidade jurídica ou judiciária, 
 prevista, além do mais, nos arts. 6° a 9° do C PC, aplicados aos Tribunais 
 Administrativos, por força do art. 1 ° da LPTA.
 
 9 - E o art. 270° do CPC, não pode oferecer respaldo legal à substituição 
 processual, por violação da estabilidade da instância prevista no art. 68° deste 
 mesmo diploma.
 
 10 - Portanto o Despacho sub judice fez-se errada interpretação do artigo 53° da 
 Lei n° 169/99 de 18/9, art. 2° da CPA, art. 31-8 do CPC e art. 270° do mesmo 
 diploma legal.
 
 11 - Mesmo que assim não se entendesse a interpretação efectuada sobre aquela 
 norma, não pode deixar de violar a Constituição, uma vez que, os arts. 22°, 110° 
 e 212° da Constituição da República não podem deixar de ferir de 
 inconstitucionalidade a referida alínea h) do n ° 1 do art. 51 ° do ETAF, 
 aprovado pelo Dec.-Lei n° 129/84, quando esta possa permitir que seja julgado 
 competente o Tribunal Administrativo, para julgar acções sobre a 
 responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos.
 
 11 - E, por sua vez o art. 31º-B do Cód. Proc. Civil, assim como o art. 270° do 
 mesmo diploma, não podem permitir que uma acção ordinária em Direito 
 Administrativo seja instaurada contra a Câmara do Município.
 
 12 - Uma tal interpretação não pode deixar de ofender além do mais os artigos 
 
 235°, 236°, 238°, 250° e 252° da Const. da República, o que torna as normas 
 referidas no item anterior inconstitucionais.
 
  
 O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 19 de Abril de 2005, 
 considerou o seguinte:
 
  
 
 2.2.2. O DIREITO:
 São duas as questões suscitadas no presente recurso: i) - a da competência os 
 Tribunais Administrativos para conhecer da causa; ii) - a da substituição do 
 Município, como Réu, pela Câmara Municipal.
 
 2.2.1. O despacho recorrido considerou o TAC de Coimbra o tribunal competente, 
 em razão da matéria.
 Para o efeito, considerou que “os factos relatados na petição inicial em relação 
 a qualquer dos RR traduzem manifestamente o exercício das suas próprias 
 atribuições, ou seja, o IEP por ser o “dono” da via em causa cuja manutenção lhe 
 cabe assegurar, e a Câmara M. por realizar obras de colocação de colectores e se 
 ter comprometido a realizar as rotundas referidas na mesma P.I..
 Assim sendo os factos relatados na p. i. traduzem um fenómeno de 
 responsabilidade extracontratual no âmbito da gestão pública dos RR, motivo por 
 que este TAC é competente em razão da matéria nos termos do art. 51.º n° 1- h) 
 do ETAF.”
 Vejamos:
 De acordo com o estabelecido no artigo 212.º, n.º 3, da CRP, e no artigo 3.º do 
 ETAF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, os tribunais 
 administrativos são os tribunais competentes para dirimir os litígios emergentes 
 das relações jurídicas administrativas.
 Relações jurídicas administrativas são aquelas que são regidas por normas que 
 regulam as relações estabelecidas entre a Administração e os particulares no 
 desempenho da actividade administrativa de gestão pública, sendo esta, em 
 síntese, a actividade que compreende o exercício de um poder público, 
 integrando, ela mesma, a realização de uma função pública da pessoa colectiva, 
 independentemente de envolver ou não o exercício de meios de coerção e 
 independentemente, ainda, das regras, técnicas ou de outra natureza, que na 
 prática dos actos devam ser observadas (cfr., por todos, os acórdãos do Tribunal 
 de Conflitos de 28.11.2000 - Conflito 345, citado pelo Exm.º Magistrado do 
 Ministério Público, de 1.6.2004 - Conflito n.º 24/03, e de 8.7.2 003 - Conflito 
 n.º 10/02, bem como a jurisprudência e doutrina neles citados).
 De acordo com pacífica jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a 
 competência dos tribunais em razão da matéria (ou jurisdição) afere-se em função 
 da relação material controvertida, ou seja, em função dos termos em que é 
 formulada a pretensão do Autor, incluindo os seus fundamentos (cfr., neste 
 sentido, por todos, o acórdão do STJ de 4/3/97, in Colectânea de 
 Jurisprudência/STJ, 1997, tomo V, pág. 125, do STA de 27/9/01, 28/II/02, 
 
 19/2/03, 27/2/02, 24/3/04 e 18/1/05, proferidos nos recursos n.ºs 47633, 
 
 1674/02, 47636, 470980, 112/03 e 555/04, respectivamente - os três últimos 
 citados pelo Exm.º Magistrado do Ministério Público, e do Tribunal de Conflitos 
 de 2/7/02, 5/2/03 e de 8/7/03, proferidos nos Conflitos n.ºs 1, 6 e 10/02, 
 respectivamente).
 O que há, assim, que apurar é se a relação jurídica relativamente à qual se 
 gerou o litígio cuja resolução foi apresentada em tribunal é uma relação 
 jurídica administrativa ou não, só na primeira hipótese sendo os tribunais 
 administrativos competentes para a sua resolução (artigo 18.º, n.º 1, alínea a) 
 da LOTJ, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13/1).
 De acordo com a matéria de facto alegada pelo Autor, que já foi enunciada, o 
 acidente ficou-se a dever a obras efectuadas pelo Réu município, que procedeu à 
 implantação de colectores junto à estrada nacional n.º 17, se encarregou de 
 efectuar obras em duas rotundas nela existentes (entre as quais terá ocorrido o 
 acidente em causa), bem como nos passeios dessa estrada, tendo deixado um buraco 
 no passeio e areia no pavimento, tudo sem qualquer sinalização. Terá sido a 
 existência da areia e do buraco, não sinalizados, buraco esse aberto pelo Réu 
 município, que estiveram na origem do despiste do Autor e consequente acidente.
 Ora, de acordo com o estabelecido na Lei n.º 159/99, de 14/9, os municípios têm 
 atribuições no âmbito do ambiente e do saneamento básico (artigo 13.º, alínea 
 
 1), nas quais se compreendem as relativas à implementação e conservação de redes 
 de abastecimento e de drenagem de água, bem como de esgotos (artigo 26.º do 
 mesmo diploma), incumbindo às câmaras municipais construir e gerir, além do 
 mais, redes de abastecimento público de água e energia, bem como de saneamento 
 
 (cfr. artigo 64.º, n.º 2, alínea b) da Lei n.º 169/99, de 18/9).
 Além disso, como entidade que realizou as obras que alegadamente estiveram na 
 origem do acidente, incumbia-lhe ainda a sua sinalização (artigo 5.º, n.º 2 do 
 CE (Decreto-Lei n.º 114/94, de 315, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 2198, 
 de 311, diploma em vigor à data do acidente).
 Donde resulta que as acções (e omissões) que alegadamente estiveram na origem do 
 acidente em causa respeitavam a matéria das atribuições do Réu, pelo que se está 
 no âmbito de actos de gestão pública e, consequentemente, que as relações 
 jurídicas deles emergentes são relações jurídicas administrativas.
 Os tribunais competentes para o seu conhecimento são, assim, os tribunais 
 administrativos, e dentro destes, os tribunais administrativos de círculo 
 
 (artigo 51.º, n.º 1, alínea f) do ETAF), como bem decidiu o despacho recorrido.
 O recorrente invoca a inconstitucionalidade deste preceito, defendendo, em 
 síntese, que, se para a responsabilidade civil por actos jurisdicionais e por 
 actos legislativos (artigo 22.º da CRP) são, jurisprudencialmente, julgados 
 competentes os tribunais comuns, por maioria de razão, o deviam ser também estes 
 tribunais para as acções de responsabilidade civil extracontratual de entes 
 públicos, até para “evitar o entupimento dos tribunais administrativos”.
 Mas também lhe não assiste razão.
 Antes do mais, por que o artigo 212.º da CRP é absolutamente claro e inequívoco 
 relativamente aos tribunais competentes para o conhecimento dos litígios 
 emergentes das relações jurídicas administrativas, dando-lhe um tratamento 
 especial - considerando os tribunais administrativos os tribunais comuns para o 
 conhecimento dessa espécie de relações jurídicas -, o que impede qualquer 
 espécie de dúvidas.
 Assinala-se, ainda, que como salienta o Exm.º Magistrado do Ministério Público, 
 no seu parecer, o recorrente já levantou esta questão no recurso n.º 48814, que 
 foi julgada improcedente, por acórdão de 6/3/2002, no qual se escreveu que “a 
 manifesta dissemelhança categorial entre tais tipos de responsabilidade (por 
 actos jurisidicionais, legislativos e administrativos) torna o argumento exangue 
 e imprestável.”
 Não se vê, com efeito, em que medida é que possa ser utilizado o argumento da 
 maioria de razão, que, inserindo-se no domínio da analogia, não pode deixar de 
 ser utilizado com o máximo de cautela, sendo absolutamente insustentável a tese 
 do “entupimento dos tribunais administrativos com a competência para estas 
 acções”, na medida em que, sendo indiscutível que essa competência lhes foi 
 atribuída, até por imposição constitucional, que é clara (artigo 212.º, n.º 3) 
 os mesmos não podem ter deixado de ter sido pensados e dimensionados com base no 
 conhecimento dessas acções.
 Improcede, assim, o recurso, no que respeita à incompetência do tribunal.
 
  
 
 2.2.2. A outra questão suscitada pelo recorrente é a da substituição da Câmara 
 Municipal, como Ré, pelo Município do qual é o seu órgão executivo.
 O despacho recorrido considerou que “Quanto à legitimidade das partes também ela 
 se verifica face ao disposto no art. 31°-B do CPC, tendo em conta os factos 
 relatados na p.i..
 E não obsta a essa legitimidade o facto de ter sido demandada a Câmara Municipal 
 e não o respectivo Município, pois que se trata apenas de uma irregular 
 identificação desta autarquia, entidade pública personalizada, identificação 
 correspondente à forma habitual e corrente de identificação desta mesma entidade 
 pela referência ao seu órgão executivo.
 Assim sendo entende-se que é realmente demandado o Município de V N de Poiares, 
 sendo pois co-réu nestes autos.”
 O recorrente discorda, defendendo que a Câmara, como órgão do município, que é, 
 carece de personalidade e capacidade judiciária, devendo ter sido demandado o 
 próprio município, como pessoa colectiva, considerando ilegal a operada 
 substituição da Câmara pelo Município, com vista ao suprimento dessa falta de 
 capacidade e personalidade judiciária, que também caracteriza como 
 ilegitimidade. Mas não lhe assiste razão.
 Na verdade, a sentença recorrida considerou que se tratava apenas de uma 
 irregular identificação do Réu, que era o município, fruto da forma habitual e 
 corrente de identificação desta mesma entidade pela referência ao seu órgão 
 executivo.
 E assim é, de facto.
 Na verdade, perante a frequência com que eram interpostas acções para 
 efectivação de responsabilidade civil dos municípios contra o respectivo órgão 
 executivo - face à apontada forma habitual de os identificar através da 
 referência ao seu órgão executivo - formou-se uma corrente jurisprudencial 
 praticamente uniforme neste STA que permite o prosseguimento dessas acções conta 
 as Câmaras, corrente essa que tem sido assim resumida (acórdão de 11/3/03, 
 recurso n.º 2055/02, citado pelo Exm.º Magistrado do Ministério Público):
 
 “«Não há interesses autónomos e diferenciados da Câmara municipal face ao 
 município.
 Numa visão organicista os órgãos das pessoas colectivas são representantes da 
 pessoa, mas são também a própria pessoa colectiva agindo». 
 Daí que se possa concluir licitamente que no plano e para efeitos da defesa 
 judicial de direitos do ou contra o município se possa falar de personalização 
 judicial do órgão executivo. Neste sentido ver, inter alia, os Ac. de 6.2.96 
 Proc. 37876 e de 14.5.96, Proc. 39424 e de 25.9.2001, Proc. 46301.”
 A razão de ser desta posição jurisprudencial assentou em razões de segurança e 
 uniformidade do direito, com o que se visou a concretização do princípio da 
 tutela judicial efectiva, evitando, através dos princípios anti formalista ou 
 pro actione e da celeridade processual - corolários daquele -, que a questão 
 substantiva deixasse de ser conhecida por razões meramente formais, que, no 
 caso, não assumiam significado, na medida em que quem representa o município é o 
 Presidente da Câmara (artigo 68.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 169/99, de 18/9), 
 sendo ele também quem representa a própria Câmara, pelo que, sendo demandado o 
 município ou a câmara era sempre a ele que competia representá-los, não havendo 
 qualquer prejuízo para a pessoa colectiva que a acção prosseguisse contra ela ou 
 contra o seu órgão executivo.
 Ora, as razões que levam a admitir o prosseguimento de uma acção da 
 responsabilidade do município contra o seu órgão executivo valem, do mesmo modo, 
 para que uma acção dessa natureza proposta contra o órgão executivo prossiga 
 contra a pessoa colectiva.
 No caso sub judice, quem contestou a acção foi o município (cfr. fls 31 dos 
 autos), representado pelo presidente da sua Câmara (cfr. fls 43), pelo que, em 
 face dos referidos princípios, não é de censurar o prosseguimento da acção 
 contra ele, não sendo de falar, em rigor, de substituição de uma das partes, 
 pois que, conforme resulta do que foi referido, parte foi sempre o município, do 
 qual a câmara é mero órgão executivo.
 De assinalar, finalmente, que se não vislumbra em que é que esta posição possa 
 violar o disposto nos artigos 235.º, 236.º, 238.º, 250.º e 252.º da CRP, 
 preceitos que o recorrente se limitou a enunciar, descrevendo a organização 
 municipal, sem extrair algo que, em substância, pusesse em causa a posição 
 sustentada.
 Improcedem, por isso, também as conclusões das alegações do recurso relativas a 
 esta questão.
 
  
 Em consequência, foi negado provimento ao recurso.
 
  
 
  
 
 3.  O Município de Vila Nova de Poiares interpôs recurso de constitucionalidade 
 nos seguintes termos:
 
  
 O MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE POIARES, através do Presidente da sua Câmara, nos 
 autos à margem referenciados que lhe move A., foi notificado do aliás douto 
 Acórdão de 19/04/2005, pelo qual se julgou improcedente a inconstitucionalidade 
 arguida, assim como a substituição processual, e não se podendo conformar com 
 esta decisão, vem da mesma interpor recurso, para o Tribunal Constitucional, nos 
 termos da al. b) do n° 1 do art. 70° da Lei n° 28/82, nas condições do art. 75°A 
 desta Lei, que se apontam:
 Na verdade, no despacho saneador a Mm. Juiz a quo indeferiu a arguida excepção 
 da incompetência do Tribunal Administrativo, e apesar da acção ter sido proposta 
 contra o órgão do Município, que é a Câmara Municipal de Vila Nova de Poiares, 
 assim como sem qualquer pedido do A., substitui-se esta pelo Município, tendo, 
 por isso, vindo a ser impetrado o competente recurso, ao qual foi negado 
 provimento, pelo Acórdão de 15/04/2005.
 Mas o Município ofereceu nas suas alegações e nas mesmas destacou uma rubrica “C 
 
 - INCONSTITUCIONALIDADE”, onde além do mais, se proclamou, o que uma vez mais 
 pedimos licença para transcrever:
 
 «Ora, face até ao que consta da referida decisão, não se está perante uma 
 relação jurídica geral, e muito menos, administrativa, como ela é colocada pela 
 doutrina, mas sim uma responsabilidade civil extracontratual, consagrada, além 
 do mais, neste art. 22° da Const. República, face a um evento que aconteceu 
 naquela E.N. n.º 17.
 Sendo assim, se aqueles comandos da alínea h) do n.º 1 do art. 51º do ETAF, 
 permite a competência do Tribunal Administrativo para julgar tal 
 responsabilidade esta norma tem de ser julgada inconstitucional, por força do nº 
 
 3 do art. 212º da Const. da República, que determina:
 
 «3. Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e 
 recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das 
 relações jurídicas administrativas e fiscais.»
 Portanto não se pode deixar de estar perante uma descarada inconstitucionalidade 
 entre os comandos constantes da al. h) do nº 1 do art. 51° do ETAF e o nº 3 do 
 art. 212° e n° 2 do art. 110° da Const. da República.
 Por outro lado, não restam dúvidas que uma das pessoas jurídicas da 
 circunscrição local autárquica é o Município, por força do art. 236° da 
 Constituição da República, sendo a sua Câmara o órgão executivo, por excelência, 
 daquele, conforme determinam os arts. 250° e 252° da Const. da Rep.
 E as autarquias locais são no Continente, as freguesias, os municípios e as 
 regiões administrativas, estas quando foram criadas, como determina o n ° 1 do 
 art. 236° da Const. Rep.
 O nº 2 do art. 235° da C.R. determina que «as autarquias locais são pessoas 
 colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos...»»
 
  
 Assim, o requerente entende que a norma da al. a) do n° 1 do art. 51° do ETAF, 
 assim como, actualmente, as normas das al. e) e f) do n° 2 do art. 2° da Lei n° 
 
 15/2002 de 22/02, que permitem instaurar acções relativas à responsabilidade 
 extra-contratual perante os Tribunais Administrativos, ofendem o n° 3 do art. 
 
 212°, e n° 2 do art. 110° ambos da Const. da República, sendo, por isso, 
 inconstitucionais.
 Face ao exposto, e porque a inconstitucionalidade foi suscitada nos termos 
 referidos durante o processo, roga a V. Exa. que seja recebido o recurso nos 
 consabidos termos.
 
  
 Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações que concluiu 
 do seguinte modo:
 
  
 a) Contra a Câmara do Município de Vila Nova de Poiares foi instaurada uma acção 
 de condenação por responsabilidade civil extracontratual, nos termos do art. 51° 
 do ETAF, no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, tendo este 
 contestado, por impugnação e por excepção, arguindo a incompetência do Tribunal 
 e a ilegitimidade da Câmara.
 b) No Despacho Saneador a Mm. Juiz a quo determinou o que para melhor 
 compreensão se transcreve:
 
 «o tribunal é competente nomeadamente em razão da matéria. 
 Com efeito, os factos relatados na petição inicial em relação a qualquer dos RR 
 traduzem manifestamente o exercício das suas próprias atribuições, ou seja, o 
 IEP por ser o “dono” da via em causa cuja manutenção lhe cabe assegurar e a 
 Câmara M. por realizar obras de colocação de colectores e se ter comprometido a 
 realizar as rotundas referidas na mesma P.I.
 Assim sendo os factos relatados na p.i. traduzem um fenómeno de responsabilidade 
 extracontratual no âmbito da gestão pública dos RR, motivo por que este TAC é 
 competente em razão da matéria nos termos do art. 51 ° n° 1-h) do ETAF.»
 
  
 c) A Câmara através do seu Município, impetrou recurso para o Supremo Tribunal 
 Administrativo, onde nas suas alegações levantou, além do mais, as questões de 
 inconstitucionalidade que se transcreveram e se dão aqui por reproduzidas.
 d) Mas, por Acórdão de 19/04/2005 foi negado provimento, na totalidade, ao 
 recurso, nomeadamente quanto à questão da inconstitucionalidade arguidas.
 e) O Município entende e sempre entendeu que a acção não podia ser instaurada 
 contra o seu órgão executivo, que é a Câmara Municipal, levando em consideração, 
 além do mais, o conteúdo do art. 235°, 236°, 250° e 252° da Constituição da 
 República.
 f) Logo, os referidos comandos enumeradas pela Mm. Juiz e, muito em especial, a 
 al. a) do nº 1 do art. 51° do ETAF, conjugado com o art. 24° da LPTA, na 
 interpretação que permite instaurar acções contra as Câmaras não pode deixar de 
 ser inconstitucional.
 g) E a al. h) do nº 1 do art. 51° do mesmo ETAF, e agora o artigo 2°, als. e) e 
 f) do nº 1 do Cód. Proc. Trib. Adm., e al. g), h) e i) do nº 1 do art. 4° do 
 ETAF, quando interpretado no sentido de permitir acções de responsabilidade 
 civil extracontratual nos Tribunais Administrativos não pode deixar de ofender o 
 nº 3 do art. 212° e nº 2 do art. 110° da Constituição da República, que não pode 
 deixar de ferir aquelas normas de inconstitucionalidade.
 
  
 O recorrido contra-alegou propugnando a improcedência do recurso.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
 4.  O recorrente submete à apreciação do Tribunal Constitucional duas questões.
 A primeira tem por objecto a norma “do artigo 51º, n° 1, alínea h), do Estatuto 
 dos Tribunais Administrativos e Fiscais” (a identificação da alínea não é feita 
 com rigor, mas o tribunal a quo apreciou a questão de inconstitucionalidade 
 suscitada), na medida em que atribui competência aos tribunais administrativos 
 para apreciar acções nas quais se pretende a efectivação de responsabilidade 
 civil extra-contratual dos Municípios.
 O Tribunal Constitucional já apreciou questão substancialmente idêntica à agora 
 suscitada. Com efeito, no Acórdão n° 423/02 (www.tribunalconstitucional.pt) o 
 Tribunal Constitucional julgou mesmo “manifestamente infundado” um recurso no 
 qual foi suscitada a mesma questão de constitucionalidade normativa.
 Está em causa, neste caso, como naquele outro, um problema de qualificação de 
 uma relação jurídica emergente de um litígio entre um particular e a 
 Administração autárquica como relação jurídica administrativa. A referida 
 qualificação é fundamentada com argumentos juridicamente consistentes e apoio 
 jurisprudencial, não cabendo ao Tribunal Constitucional controlar meramente o 
 acerto da interpretação e aplicação do Direito ordinário, se não forem 
 utilizados critérios que, pela sua natureza, violem a Constituição e sejam 
 directamente impugnados. Como esse não é manifestamente o caso, tratando‑se, 
 aliás, de uma relação entre um particular e um ente público, entende o Tribunal 
 Constitucional que não se verifica qualquer inconstitucionalidade.
 
  
 
  
 
 5.  O recorrente pretende, por outro lado, a apreciação da conformidade à 
 Constituição das normas dos artigos 51° do Estatuto dos Tribunais 
 Administrativos e Fiscais e 24° da Lei de Processo nos Tribunais 
 Administrativos, na medida em que permitem instaurar uma acção contra a Câmara 
 Municipal e não contra o Município do qual aquela é mero órgão executivo. O 
 recorrente invoca os artigos 235°, 236°, 250° e 252° da Constituição.
 Os preceitos constitucionais invocados referem-se às autarquias locais (235°), 
 
 às categorias de autarquias locais (236°), aos órgãos do município (250°) e à 
 câmara municipal (252°).
 Ora, o tribunal a quo considerou que ocorreu nos autos uma deficiente 
 identificação da entidade demandada na acção por responsabilidade civil, devendo 
 considerar-se que é parte nos autos o próprio Município cuja Câmara Municipal, 
 
 órgão executivo daquele, foi identificado pelo particular demandante.
 Nenhuma inconstitucionalidade se verifica na dimensão normativa que subjaz a tal 
 entendimento. Com efeito, trata-se de uma questão meramente formal, 
 inconsequente, já que as instâncias anuíram que é o próprio Município a entidade 
 demandada, não obstante ter identificado o respectivo órgão executivo Câmara 
 Municipal. De resto, o presente recurso de constitucionalidade foi interposto 
 pelo Município de Vila Nova de Poiares, e o recorrente não apresenta um qualquer 
 argumento substancial que fundamente a sua pretensão. 
 Improcede, pois, a questão suscitada.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
 6.  Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao 
 recurso, confirmando a decisão recorrida.
 
  
 Lisboa, 7 de Fevereiro de 2006
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos