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Processo n.º 443/10
 
 2.ª Secção
 
 
 Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
 
  
 
 
 Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 
  
 
 
 I - Relatório
 
 
 
  
 
 
 
      1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A. interpôs recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC), expondo a sua pretensão nos seguintes termos:
 
 
 
 «Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (abreviadamente, CPP) com as (duas) interpretações com que foi aplicada na decisão da Reclamação, a saber:
 
 
 Quando o processo esteja em segredo de justiça e o arguido não o possa consultar, o prazo de 20 dias não se suspende até à consulta dos autos;  e,
 
 
 O prazo de recurso da decisão que declara a especial complexidade dos autos, nos termos do art.º 411.º do CPP conta-se da notificação da decisão ao arguido em 1/10/2009, sendo irrelevante se os sujeitos e participantes processuais afectados pela decisão ou sentença do tribunal possam ter um conhecimento integral dos seus pressupostos e a possibilidade de ponderar sobre a melhor estratégia a adoptar perante a mesma, não estando violado o direito ao recurso, ao fixar-se o início do prazo de interposição do recurso no dia da notificação.
 
 
 Tal norma, com qualquer das interpretações que precedem, viola o artigo 32.º, n.º 1 da Constituição; e
 
 
 A questão da inconstitucionalidade foi suscitada na reclamação, a que se reporta o n.º 1 do art.º 405.º do CPP” 
 
 
 
  
 
 
 
 2. Na sequência, foi proferida pela Relatora do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 39 a 43). Fundamenta-se tal decisão no seguinte:
 
 
 
 «3. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), a aplicação da norma como ratio decidendi da decisão recorrida, a suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa, e que esta tenha sido suscitada de modo processualmente adequado e tempestivo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP; artigo 72.º, n.º 2, da LTC). 
 
 
 
 4. Resulta dos autos que o recorrente não suscitou, durante o processo, a questão de constitucionalidade normativa (de norma ou de dimensão interpretativa) de forma adequada, apenas vindo apresentá-la no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
 
 
 Na verdade, na Reclamação dirigida ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, em reacção ao despacho que não admitiu recurso por si interposto, o recorrente apenas referiu que “o Despacho recorrido viola o Princípio Constitucional do direito de acesso ao direito e aos tribunais e priva as recorrentes do direito de recorrer, direito este que constitui, no processo penal, uma importante garantia de defesa (artigos 20º e 32º, nº 1 da CR Portuguesa).” (Cfr., também, conclusão 8).
 
 
 Na decisão da Reclamação do despacho que não admitiu o recurso, o Vice-Presidente da Relação de Lisboa não se pronunciou sobre a inconstitucionalidade suscitada.
 
 
 Somente no recurso que interpõe para este Tribunal Constitucional, vem o recorrente identificar a norma do CPP e a respectiva interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida (i.e., a decisão da reclamação), cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada.
 
 
 A jurisprudência deste Tribunal Constitucional tem uniformemente entendido que recai, sobre o recorrente, o ónus de suscitação – em termos tempestivos e procedimentalmente adequados – da questão de constitucionalidade normativa que pretende ver dirimida, junto do tribunal a quo, antes da prolação da decisão recorrida. 
 
 
 O recorrente só se considera desonerado de tal dever em casos absolutamente excepcionais, em que é confrontado com uma concreta aplicação ou interpretação normativa absolutamente imprevisível ou inesperada, por não ser, nesses casos, exigível, de acordo com critérios de razoabilidade, que antecipasse a decisão surpresa – de convocação ou interpretação da norma posta em crise - que o tribunal tomou.
 
 
 Enfatiza-se, porém, a circunstância de tal situação excepcional não se considerar verificada em casos em que a norma ou interpretação normativa questionada pelo recorrente já foi anteriormente aplicada ou surge como razoável e previsível, maxime, quando ela resulta directamente do elemento literal do preceito.
 
 
 In casu, o recorrente refere que pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 411.º, n.º 1, do CPP, com as interpretações em que foi aplicada na decisão recorrida, ou seja, que o prazo de recurso da decisão que declara a especial complexidade dos autos se conta a partir da notificação da mesma; que tal prazo não se suspende até ser possível a consulta dos autos, quando o processo se encontra em segredo de justiça e, consequentemente, o arguido não o pode consultar de imediato.
 
 
 Ora, o n.º 1 do artigo 411.º do CPP define, na al. a) – único segmento que aqui importa analisar – que o prazo para interposição de recurso é de 20 dias e conta-se a partir da notificação da decisão. A decisão recorrida limitou-se a aplicar tal norma no seu sentido literal. Nada de insólito ou imprevisível existe nesta interpretação, pelo que o recorrente estaria em condições de colocar a questão de constitucionalidade normativa, que tardiamente invoca, na Reclamação, cumprindo assim o dever de litigância diligente e prudência técnica na antevisão das possibilidades interpretativas da norma que, previsivelmente, seriam adoptadas no Despacho que decide a Reclamação (cfr., a este propósito, o Acórdão n.º 634/04 do Tribunal Constitucional, disponível in www. tribunalconstitucional.pt).
 
 
 Porém, não o fez então, limitando-se a referir, na Reclamação, a inconstitucionalidade da decisão do Tribunal de 1ª Instância, identificando os preceitos constitucionais violados, sem, contudo, indicar a norma infraconstitucional que pretendia ver apreciada.
 
 
 Este Tribunal tem entendido, de forma reiterada e uniforme, que só lhe cumpre proceder ao controle da constitucionalidade de “normas” e não de “decisões”, o que exige que, ao suscitar-se uma questão de constitucionalidade, se deixe claro – logo na suscitação durante o processo, junto do tribunal a quo - qual a norma cuja legitimidade constitucional se questiona, ou, no caso de se questionar certa interpretação de uma dada norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do preceito que se tem por violador da lei fundamental.
 
 
 Acresce que o requisito de admissibilidade do recurso, que agora se analisa, não se basta com a mera identificação da norma ou interpretação normativa, alegadamente inconstitucional, implicando ainda que a suscitação prévia junto do tribunal a quo contenha uma fundamentação, minimamente concludente, com um suporte argumentativo que inclua a indicação das razões justificativas do juízo de inconstitucionalidade defendido. Apenas cumprido que esteja tal requisito de identificação e substanciação argumentativa, é exigível que o tribunal a quo se aperceba e se pronuncie sobre a questão jurídico-constitucional, antes de esgotado o seu poder jurisdicional (cfr. v.g. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 708/06 e 630/08, disponíveis no mesmo site).
 
 
 Face às considerações expendidas, havendo o recurso sido interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, dependendo a sua admissibilidade, como se referiu, de a questão de constitucionalidade normativa ter sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), conclui-se, in casu, pela não admissibilidade do recurso.»
 
 
 
  
 
 
 
 3. Inconformado com esta decisão, o recorrente apresentou reclamação para a conferência (fls. 48 a 50), procedendo a exposição do seguinte teor:
 
 
 
 «A questão de inconstitucionalidade foi suscitada apenas face ao Tribunal da Relação, dado o Tribunal de 1.ª Instância não aceite o recurso. 
 
 
 Apenas junto do recurso para a Relação se alegou e fundamentou a inconstitucionalidade do artigo 411.º 
 
 
 E tal foi feito de modo adequado, citamos: 
 
 
 
 16. A não admissão do recurso com o argumento de que e o Arguido não se pronunciou aquando da promoção do MP, tem por base dois erros: 
 
 
 
 • Havendo vários arguidos o arguido não advinha a complexidade actuação dos restantes arguidos, pelo que não pode e não deve apenas pronunciar-se sob a mesma. Não é omnisciente e não se pode exigir ao mesmo que possa advinha aquilo que consta dos autos…
 
 
 
 • Após a consulta dos autos e tomar conhecimento da totalidade dos factos patente do inquérito tem o direito de tomar posição, sob pena de denegação de Justiça e de um processo inquisitório. 
 
 
 
 17. Não admitir o recurso é admitir ser irrecorrível tal decisão quando hajam vários arguidos e seja decretado o Segredo de Justiça. 
 
 
 
 18. O Despacho recorrido viola o Princípio Constitucional do direito de acesso ao direito e aos tribunais e priva as recorrentes do direito de recorrer, direito este que constitui, no processo penal, uma importante garantia de defesa (artigos 20.º e 32° n° 1 da C R Portuguesa). 
 
 
 Conclusões 
 
 
 A questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida (o Tribunal da Relação de Lisboa), em termos de este estar, obrigado a dela conhecer.»
 
 
 
  
 
 
 
 4. O Magistrado do Ministério Público, notificado da presente reclamação, veio responder-lhe nos moldes que se reproduzem (fls. 55, 56):
 
 
 
 “1.º
 
 
 Segundo o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, o recorrente pretende ver apreciadas duas interpretações do artigo 411.°, n.° 1, do CPP, que aí identifica. 
 
 
 
 2°
 
 
 Pela Decisão Sumária de fls. 39 a 43 não se conheceu do recurso porque o recorrente não tinha suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade normativa no momento processual adequado - a reclamação para o Senhor Presidente da Relação —, sendo certo que a decisão recorrida se tinha limitado a aplicar a norma do n.° 1, do artigo 411.º do CPP, no seu sentido literal. 
 
 
 
 3º
 
 
 Na reclamação agora apresentada, o recorrente não adianta quaisquer argumentos que possam abalar o bem fundado da decisão, antes se limitando a reafirmar que a norma é inconstitucional e que suscitou a questão. 
 
 
 
 4º
 
 
 Ora, parece-nos evidente que durante o processo não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa — única que podia constituir objecto idóneo do recurso de constitucionalidade — não estando o recorrente dispensado desse ónus. 
 
 
 
 5º
 
 
 Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.” 
 
 
 
  
 
 
 II - Fundamentos
 
 
 
  
 
 
 
 5. Como resulta do teor da reclamação e do seu confronto com os fundamentos exarados na decisão sumária reclamada, o reclamante não aduziu qualquer argumento que abalasse a correcção do juízo efectuado, relativamente à inadmissibilidade do recurso, limitando-se a reproduzir a fundamentação que apresentou, junto do tribunal recorrido, e a concluir que suscitou a questão da inconstitucionalidade de modo adequado. 
 
 
 Em face do exposto, reafirmando a fundamentação constante da decisão reclamada, resta apenas concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso e, em consequência, pelo indeferimento da reclamação da decisão sumária, proferida nestes autos a 18 de Junho de 2010.
 
 
 
  
 
 
 
  
 
 
 III - Decisão
 
 
 
 6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. 
 
 
 
  
 
 
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
 
 
 
  
 
 
 Lisboa, 14 de Julho de 2010.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos