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Processo n.º 862/05                            
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.         Por despacho de 21 de Abril de 2005 do juiz do Tribunal Judicial de 
 Seia (a fls. 72), não se admitiu um recurso subordinado interposto por A., pelos 
 seguintes fundamentos:
 
  
 
 “Fls. 1241 e ss. – O arguido A. requer a admissão de recurso subordinado, em 
 relação ao recurso interposto pelo Ministério Público, do acórdão condenatório 
 proferido nestes autos.
 
 É jurisprudência unânime dos Tribunais superiores a inadmissibilidade de recurso 
 subordinado em matéria penal, como é o caso dos autos (cfr. acs. R. P. de 
 
 29/11/89, in C.J., 5, 237, do S.T. J. de 30/11/93, in acs. S.T. J., 1, 3. 253, e 
 do S.T.J. de 20/05/98, in acs. S.T. J., VI, 2, 204, além dos citados pelo 
 próprio arguido).
 Tal inadmissibilidade não contende minimamente com o direito ao recurso, 
 constitucionalmente consagrado, mormente na situação dos autos, na medida em que 
 o arguido foi condenado, logo, tinha interesse e legitimidade em recorrer, pelo 
 que, se não o fez, foi, rigorosamente, porque não quis, prevalecendo-se das 
 motivações que agora explana. Presumir que o Ministério Público não recorra, 
 como parece ter sido o caso, afigura-se premissa pouco fiável.
 Pelo exposto, por ser inadmissível o recurso, indefere-se o requerido.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 2.         Notificado deste despacho, dele reclamou A. (fls. 9 e seguintes). 
 Sustentou, entre o mais, que o artigo 404º do Código de Processo Penal, “quando 
 interpretado no sentido de vedar a admissibilidade do recurso subordinado, 
 quando o Mº Pº recorre da decisão condenatória para que a pena da prisão seja 
 efectiva, é inconstitucional por violar, designadamente, o artº 32º da C.R.P.”, 
 e concluiu do seguinte modo:
 
  
 
 “1. O recurso subordinado interposto pelo arguido deve ser admitido por a isso 
 se não opor o C.P.P. no n.º 1 do artº 404º do C.P.P.
 
 2. Termos em que deve ser revogado o douto despacho e ordenar-se o recebimento 
 do recurso subordinado interposto.
 
 3. O citado artigo é inconstitucional por violar, designadamente, o n.º 1 do 
 artº 32º do C.R.P., inconstitucionalidade que aqui expressamente se invoca.”.
 
  
 
  
 
 3.         O despacho reclamado foi mantido, por despacho de fls. 13.
 
  
 
             O Ministério Público respondeu à reclamação (fls. 17 e seguintes), 
 concluindo:
 
  
 
 “1. O artigo 404°, do CPP, não admite o recurso subordinado em matéria penal.
 
 2. Como é doutrina e jurisprudência unânime, havendo disposições expressas, no 
 actual CPP, em matéria de recurso subordinado, não há aplicação subsidiária das 
 normas do CPC. 
 
 3. Esta limitação em matéria de recurso subordinado, decorrente do disposto no 
 artigo 404°, do CPP, não atenta, pelo menos de modo intolerável contra o 
 princípio constitucional de garantia de defesa em processo penal, previsto no 
 n.º 1, do artigo 32°, n.º 1, da CRP (artigo 18°, n.º 2, também da Lei 
 Fundamental).
 
 4. O douto despacho reclamado fez correcta interpretação da lei, não havendo 
 ofendido o preceito constitucional acima apontado, nem qualquer outro normativo 
 e, designadamente, o artigo 404°, do CPP.
 
 […].”.
 
 4.         Por despacho de 6 de Outubro de 2005, a reclamação foi indeferida 
 pelo Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, pelos seguintes fundamentos:
 
  
 
 “[…]
 A uniformidade da jurisprudência que se vem pronunciando sobre a 
 inadmissibilidade do recurso subordinado sobre a matéria penal, e já citada nos 
 autos, dispensa-nos de grandes considerações para concluir pela improcedência da 
 reclamação.
 Na verdade, como salienta Maia Gonçalves, in C. P. Penal anotado, l3ª edição, 
 página 796, só pode haver recurso subordinado «em caso de o recurso principal 
 interposto por uma das partes civis, e portanto abrange também só a questão 
 civil».
 E não se diga que esta solução viola os direitos de defesa do arguido 
 constitucionalmente consagradas.
 Na verdade, segundo o ordenamento jurídico português a pena não é negociável 
 entre o arguido e a acusação.
 Compreende-se o recurso subordinado no âmbito da matéria civil em que as partes 
 podem negociar uma solução de compromisso: ambas podem discordar da decisão, mas 
 podem comprometer-se aceitá-la reciprocamente se a outra não recorrer; ou podem 
 
 «esperar para ver» e aceitar a decisão se a outra parte o fizer também,
 No âmbito da matéria penal não é assim.
 Se um dos sujeitos processuais não concorda com a decisão tem de interpor o 
 respectivo recurso;
 Se aceitar a decisão, não o pode fazer condicionalmente, para recorrer se a 
 parte contrária o fizer, tem de a aceitar definitivamente.
 Se o sujeito processual contrário recorrer, a lei confere-lhe todos os direitos 
 para se defender na resposta à motivação e, quando é caso disso, nas alegações 
 a produzir em audiência.
 Este sistema não viola qualquer preceito ou princípio constitucional.
 Não há qualquer tutela constitucional do «esperar para ver», subjacente ao 
 recurso subordinado, se o recurso deve ou não ser interposto quanto à matéria 
 penal; perante a discordância, o sujeito processual tem logo de optar por 
 recorrer aí defendendo livremente, com todas as garantias, a sua posição no 
 
 âmbito de uma matéria que não é negociável.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 5.         Deste despacho que lhe indeferiu a reclamação interpôs A. recurso 
 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da 
 Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação, face ao disposto nos 
 artigos 26º, n.º 2, 27º, n.º 1, e 32º, n.º 1, da Constituição, do artigo 404º do 
 Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de não admitir recurso 
 subordinado em matéria penal (fls. 104 e seguintes).
 
  
 
             O recurso foi admitido por despacho de fls. 109.
 
  
 
  
 
 6.         Nas alegações que produziu junto do Tribunal Constitucional (fls. 113 
 e seguintes), concluiu assim o recorrente:
 
  
 
 “1. Nos autos do processo n.º 25/01.9JAGRD-A, 1º Juízo, do Tribunal Judicial de 
 Seia, o arguido foi condenado na pena de dois anos e seis meses de prisão sendo 
 suspensa a sua execução pelo período de três anos.
 
 2. Apesar de injusta a decisão, o arguido, na medida em que a pena aplicada foi 
 suspensa a sua execução, não era afectado na sua vida normal.
 
 3. Por isso, entendeu não discutir tal decisão no Tribunal Superior, partindo do 
 pressuposto de que o Digmo. Representante do M.P. não recorria.
 
 4. No entanto, como o Digmo. representante do M.P. decidiu interpor recurso, 
 pugnando pela prisão efectiva do ora recorrente, entendeu o arguido, então, que 
 lhe assistia o direito de também levar ao conhecimento, em via de recurso, a 
 reapreciação da matéria de facto, pelo Tribunal Superior.
 
 5. E, assim, decidiu recorrer subordinariamente nos termos do art° 404° do 
 C.P.P.
 
 6. Foi entendido, então, não ser admissível recurso subordinado em matéria penal 
 uma vez que a Lei processual penal (art° 404° CPP) só permitia tal recurso em 
 matéria cível.
 
 7. Por discordar desse entendimento, o arguido logo no requerimento de 
 interposição de recurso, suscitou a inconstitucionalidade do art° 404° do C.P.P. 
 quando interpretado no sentido de não admitir recurso subordinado em matéria 
 penal.
 
 8. Desse douto despacho do não recebimento do recurso, o arguido reclamou para o 
 Tribunal da Relação de Coimbra.
 
 9. Que, por sua vez, decidiu indeferir a reclamação deduzida.
 
 10. Uma vez que não existe recurso desta decisão, o arguido, então, só lhe resta 
 arguir a inconstitucionalidade de tal norma, por violação dos art°s 26° n.º 2, 
 
 27° n.º 1 e 32° n.º 1 e 13º da CRP.
 
 11. E assim, deve o presente recurso ser admitido e afinal julgar-se 
 inconstitucional o art° 404° do C.P.P. quando interpretado no sentido de não 
 admitir recurso subordinado em matéria penal.
 
 12. E, ordenar-se, assim, o recebimento do recurso subordinado interposto pelo 
 arguido nos autos.”.
 
  
 
  
 
             O Ministério Público contra-alegou (fls. 119 e seguintes), 
 concluindo do seguinte modo:
 
  
 
 “1 – A não aplicabilidade da figura do «recurso subordinado» em processo penal 
 em nada afecta o «direito ao recurso», constitucionalmente garantido ao arguido, 
 já que este pode impugnar livremente a decisão condenatória de que discorde e 
 contraditar, ampla e plenamente, a impugnação eventualmente deduzida pelo 
 Ministério Público.
 
 2 – Tal regime processual não afronta o princípio da igualdade, já que a lógica 
 e funcionalidade próprias do recurso subordinado – assente na pressuposição de 
 que ambas as partes processuais tenham ficado «vencidas» – não se adequa 
 minimamente à lógica e aos princípios que regem o processo penal.
 
 3 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.”.
 
  
 
  
 
             Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 
  
 
  
 
 7.         O artigo 404º do Código de Processo Penal determina o seguinte:
 
  
 
 “Artigo 404º
 
 (Recurso subordinado)
 
 1. Em caso de recurso interposto por uma das partes civis, a parte contrária 
 pode interpor recurso subordinado.
 
 2. O recurso subordinado é interposto no prazo de quinze dias, contado a partir 
 da notificação do despacho que tiver admitido o recurso da parte contrária.
 
 3. Se o primeiro recorrente desistir do recurso, este ficar sem efeito ou o 
 tribunal não tomar conhecimento dele, o recurso subordinado fica sem efeito.”.
 
  
 
  
 
             Segundo o recorrente, seria inconstitucional a norma constante deste 
 preceito, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso subordinado 
 em matéria penal, por violação do disposto nos artigos 26º, n.º 2, 27º, n.º 1, 
 
 32º, n.º 1, e 13º da Constituição. Esta é, portanto, a questão de 
 constitucionalidade de que cumpre conhecer.
 
  
 
  
 
 8.         À figura do recurso subordinado alude também o artigo 682º do Código 
 de Processo Civil.
 
  
 
             De tal disposição decorre que o regime do recurso subordinado é, em 
 síntese, o seguinte:
 
  
 
             a) É pressuposto do recurso subordinado que ambas as partes tenham 
 ficado vencidas na decisão; 
 
             b) O recurso subordinado deve ser interposto dentro do prazo de 10 
 dias, a contar da notificação do despacho que admite o recurso da parte 
 contrária; 
 
             c) O recurso subordinado caduca, se o primeiro recorrente desistir 
 do recurso, se este ficar sem efeito ou se o tribunal dele não tomar 
 conhecimento, sendo todas as custas da responsabilidade do recorrente principal; 
 
 
 
             d) O recurso subordinado pode, em princípio, ser interposto, mesmo 
 que tenha havido renúncia ao direito de recorrer ou aceitação, expressa ou 
 tácita, da decisão, desde que a parte contrária tenha recorrido da decisão; 
 
             e) Em regra, o recurso subordinado é admitido sempre que o recurso 
 independente tenha sido admitido.
 
  
 
             Ao primeiro pressuposto do recurso subordinado refere-se Armindo 
 Ribeiro Mendes (Recursos em processo civil, 2ª ed., Lisboa, Lex, 1994, p. 173) 
 nos seguintes termos: “[o recurso subordinado] tem lugar no caso de a decisão 
 ser desfavorável ao autor (ou a vários autores) e ao réu (ou a vários réus). É a 
 situação a que CARNELUTTI chamava decaimento (soccombenza) recíproco ou 
 inverso”.
 
             
 
             Nestes casos de decaimento recíproco ou inverso há, como explicam 
 José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes (Código de Processo Civil 
 anotado, vol. 3º, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p. 27), duas possibilidades de 
 interposição de recurso: “ou ambas as partes interpõem recursos independentes, 
 no prazo do art. 685º, tendo cada um deles autonomia, embora sejam processados 
 em conjunto […]; ou apenas uma interpõe recurso principal e a outra, notificada 
 da sua admissão, decide também interpor recurso, o qual fica dependente do 
 primeiro na medida em que só é conhecido pelo tribunal ad quem se ele tomar 
 conhecimento do recurso principal”.
 
  
 A justificação do recurso subordinado reside, segundo Miguel Teixeira de Sousa 
 
 (Estudos sobre o novo processo civil, 2ª ed., Lisboa, Lex, 1997, p. 496), na 
 justiça processual e na igualdade das partes: concretamente, são estes 
 princípios que “justificam que se admita que a parte, que inicialmente se 
 conformara com a decisão […], possa, ela própria, interpor recurso da decisão, 
 mesmo que já tenha decorrido o prazo geral dessa interposição”, no caso de ter 
 sido interposto recurso pela contraparte. Nas palavras de José Lebre de Freitas 
 e Armindo Ribeiro Mendes (ob. cit., p. 27), o recurso subordinado “é interposto 
 por aquele que, em princípio, aceita a parte da decisão em que ficou vencido, 
 desde que a contraparte aceite igualmente a parte em que também ficou vencida”.
 
  
 
 9.         Pressupondo a figura do recurso subordinado que ambas as partes 
 tenham ficado vencidas, e justificando-se a sua admissibilidade pela 
 circunstância de a outra parte não se ter conformado com a parte da decisão em 
 que ficou vencida, forçoso é concluir que tal figura dificilmente se adapta ao 
 processo penal.
 
  
 
             Desde logo, e atento o dever de objectividade na condução da acção 
 penal que recai sobre o Ministério Público, consagrado no artigo 219º, n.º 1, da 
 Constituição (cfr. também o artigo 53º do Código de Processo Penal e, 
 designadamente, a alínea d) do seu n.º 2), não se lhe pode reconhecer a 
 qualidade de parte nesse processo e, consequentemente, a possibilidade de ter 
 ficado vencido em determinada decisão: como tal, o pressuposto em que assenta a 
 figura do recurso subordinado (o de ambas as partes terem ficado vencidas) não 
 pode pura e simplesmente verificar-se no processo penal.
 
  
 
             Por outro lado, a justificação do recurso subordinado também não 
 pode estender-se ao processo penal. É que o objectivo de não prejudicar a parte 
 que se conformou com a decisão pode, no processo penal, ser alcançado através do 
 mecanismo da resposta à motivação do recurso interposto pelo Ministério Público 
 
 (cfr. o artigo 413º do Código de Processo Penal), não carecendo o arguido, para 
 obter a redução da pena que lhe tenha sido aplicada, ou mesmo a absolvição, de 
 interpor o seu próprio recurso (cfr. o artigo 409º do Código de Processo Penal, 
 que proíbe apenas – em certos casos – a reformatio in pejus).
 
  
 
             Estas considerações apontam para a conclusão no sentido da não 
 violação dos preceitos constitucionais invocados pelo recorrente.
 
  
 Não considerando sequer a indicada norma do artigo 26º, n.º 2, da Constituição – 
 pela sua manifesta irrelevância para a resolução da questão sub judice, 
 atendendo a que tal norma constitucional protege contra certas formas de 
 obtenção e utilização de informações relativas às pessoas e famílias, que não 
 estão agora evidentemente em causa –, impõe-se verificar que a interpretação 
 normativa perfilhada pelo tribunal recorrido não afronta o direito à liberdade, 
 
 à segurança ou às garantias da defesa. Na verdade, o arguido pode, na resposta 
 ao recurso do Ministério Público, alegar o que bem entender no sentido do não 
 agravamento, ou mesmo da redução, da pena que lhe foi aplicada.
 
  
 Tal interpretação também não ofende o princípio da igualdade, pois que, pelas 
 razões expostas, não é arbitrária a distinção entre o processo penal e o 
 processo civil, no que ao regime do recurso subordinado diz respeito.
 
  
 
  
 III
 
  
 
  
 
 10.       Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional 
 decide negar provimento ao recurso.
 
    
 
  
 
             Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)   
 unidades de conta.
 
  
 
  
 Lisboa, 3 de Maio de 2006
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Artur Maurício