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Processo nº 86/2006
 
 2ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam em Conferência na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
  
 
 1.  Em recurso de uniformização de jurisprudência, interposto por A., Lda. e 
 outros, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu o seguinte acórdão, datado de 16 
 de Junho de 2005:
 
  
 
 1. B.., C. e mulher D., E.. e mulher F., G. e mulher H., I.. e mulher J., K. e 
 mulher L., M. e mulher N., intentaram, com data de 31-3-03, providência cautelar 
 não especificada contra:
 O. e mulher P., Q., R. e marido S., A..,LDA, pedindo a condenação dos requeridos 
 a cessar de imediato o uso ilícito que vêm dando à fracção «B» do lote 2, da Rua 
 
 … de Lagos, abstendo-se de exercer, neste local a actividade de restauração ou 
 de o cederem, por qualquer título, para o mesmo fim.
 
 2. Citados os requeridos, deduziram oposição, que se encontra inserta a fls. 
 
 188, 365, 381, 426.
 
 3. Com data de 4-9-03, foi proferida decisão de indeferimento da providência 
 cautelar.
 
 4. Inconformados com essa decisão, dela vieram os requerentes, agravar tendo o 
 Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 4-3-04, concedido provimento ao 
 recurso, revogado a decisão recorrida e condenado os requeridos a cessarem de 
 imediato o uso ilícito que vêm dando à fracção «B» do lote 2 da Rua … de Lagos, 
 abstendo-se de exercer nesse local a actividade de restauração ou de o cederem 
 para o mesmo fim; e ainda os requeridos na sanção pecuniária compulsória de 100 
 
 € por cada dia em que deixassem de cumprir a providência decretada. Acórdão esse 
 depois aclarado por acórdão de 29‑4‑04.
 
 6. Notificadas, vieram R. e OUTROS (a fls. 653 e com data de 11-5-04) e A.., LDA 
 
 (fls. 683 e com data de 17-5-04) interpor recursos de uniformização de 
 jurisprudência, que foram liminarmente admitidos ao abrigo do disposto no n° 4 
 do art. 678° do CPC, e os quais foram devidamente alegados e contra-alegados.
 
 7. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar.
 
 8. Tal como propugna o Exmo Magistrado do M. Público no seu douto parecer de 
 fls. 877 e ss, ambos os recursos são de rejeitar.
 Com efeito, nos termos do art° 387°-A do CPC, aditado pelo art° 2° do DL 
 
 373/A99 de 20/9, “das decisões proferidas nos procedimentos cautelares não cabe 
 recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o 
 recurso é sempre admissível”, casos excepcionais esses contemplados nos nºs 2, 
 
 3, 4, 5 e 6 do art° 678° do CPC.
 Os presentes recursos foram precisamente interpostos com base no n° 4 desse art° 
 
 678°, o que não acarreta necessariamente que o respectivo julgamento se processe 
 de harmonia com o disposto nos arts 732°-A e 732°-B do CPC.
 
 É aplicável aos recursos a nova redacção desse n° 4 adoptada pelo DL 38/2003 de 
 
 8/3 que retirou a exigência de o recurso “se processar nos termos dos arts 732°A 
 e 732°‑B”.
 Ora, o recurso interposto pela recorrente A., LDA é claramente indamissível, já 
 que os acórdãos alegadamente em confronto são um (o acórdão fundamento) 
 proferido em sede de recurso de revista pelo Supremo Tribunal de Justiça (com 
 data de 17-394).
 Já quanto ao recurso interposto por R. e OUTROS, ainda que seja indicado como 
 acórdão fundamento um outro da mesma Relação datado de 18-2-93, a verdade é que, 
 por um lado, o acórdão recorrido não foi prolatado já no domínio da mesma 
 legislação adjectiva, nem tão-pouco vem demonstrado que haja uma plena 
 identidade dos pressupostos de facto e de direito subjacentes a ambos os arestos 
 em equação ou suposta contradição e, por último, não se descortina uma premente 
 ou ingente necessidade (quiçá por manifesta reiteração de decisões 
 contraditórias relativamente à mesma questão fundamental de direito) de 
 assegurar uma uniformização de jurisprudência.
 Entendimento este último, de resto, já acolhido por sua Excia o Presidente no 
 seu douto despacho já exarado nos autos.
 De qualquer modo, sempre se dirá, por forma abreviada, que pelo acórdão 
 recorrido, datado de 4-3-04, a Relação de Lisboa condenou os requeridos a 
 cessarem de imediato o uso ilícito que vêm dando à fracção “B” do lote 2 da Rua 
 
 … de Lagos, abstendo-se de exercer nesse local a actividade de restauração ou de 
 o cederem para o mesmo fim” e ainda, no pagamento “de sanção pecuniária 
 compulsória de 100 euros por cada dia em que deixarem de cumprir a providência 
 decretada”.
 Já, porém, o acórdão fundamento proferido pela mesma Relação com data de 18-2-93 
 foi do teor a seguir sumariado:
 
  “Se antes da propositura da providência cautelar se havia consumado tanto o 
 acto violador como a lesão dele resultante - cessação da exploração do 
 restaurante - nem aquele nem esta podem já ser evitados, o que justifica o 
 indeferimento da providência.”
 Logo se alcança pois, sem embargo de se deparar em ambas as decisões uma 
 providência cautelar e se encontrar em causa a actividade de um restaurante, não 
 há identidade de questão fáctica nem sobre a questão fundamental de direito.
 Com efeito, as questões de direito - desvio do fim previsto na escritura de 
 propriedade horizontal, por um lado, e pressupostos da providência cautelar pelo 
 facto do acto violador e da lesão estarem consumados (cessação da exploração do 
 restaurante) - são entre si notoriamente distintas.
 
 9. Decisão:
 Em face do exposto, e porque se não encontram reunidos os pressupostos legais do 
 recurso de uniformização de jurisprudência, exigidos nos termos do disposto nos 
 artigos 678º, 732º-A e 732º-B do CPC, decidem dar ambos os recursos por findos.
 
  
 Os recorrentes interpuseram recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
 
  
 T., Lda , e outros tendo sido notificados em 20 JUNHO 2005 da Douta Decisão e 
 não se conformando com a mesma, dela vêm interpor RECURSO para o TRIBUNAL 
 CONSTITUCIONAL.
 O recurso tem em vista declarar a INCONSTITUCIONALIDADE do artigo 1422-2-C) do 
 Código Civil por violação dos arts. 61-1 e 62-1 da Constituição da República 
 quando entendido que uma loja destinada a comércio não pode englobar a 
 actividade de restauração e incorre em USO DIVERSO do fim a que se destina, o 
 que atenta contra a livre iniciativa privada e o direito à propriedade privada. 
 A questão foi suscitada na CONCLUSÃO 9 do Recurso interposto do Tribunal da 
 Relação para o Supremo Tribunal Justiça.
 Por tempestivo deve o recurso ser admitido.
 
  
 Proferido, pelo tribunal a quo, despacho ao abrigo do artigo 75º‑A da Lei do 
 Tribunal Constitucional, responderam os recorrentes o seguinte:
 
  
 A. Lda., tendo sido notificada, em 16 de Novembro de 2005, da Douta Decisão de 
 V. Exas, a flhas 1091, vem expor o seguinte:
 
 1. O recurso é interposto ao abrigo do disposto no artigo 70°-1-B da Lei do 
 Tribunal Constitucional;
 
 2. A norma que se pretende ver declarada inconstitucional é o art. 1422°-2-C) do 
 Código Civil, por violação dos arts. 61-1 e 62-1 da Constituição da República 
 quando entendido que uma loja destinada a comércio não pode englobar a 
 actividade de restauração e incorre em USO DIVERSO do fim a que se destina, 
 causando de per si uma LESÃO - o que atenta contra a livre iniciativa privada e 
 o direito à propriedade privada.
 
 3. A questão foi suscitada na CONCLUSÃO 9 do Recurso interposto do Tribunal da 
 Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.
 
  
 O recurso de constitucionalidade não foi admitido por despacho com o seguinte 
 teor:
 
  
 Em 16/6/05 (fls. 888) foi proferido acórdão em que foi decidido dar ambos os 
 recursos por findos, por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais do 
 recurso de uniformização de jurisprudência. Em suma, não se conheceu do objecto 
 dos recursos.
 Porém, a recorrente “A., Lda.” vem, dessa decisão interpor recurso para o 
 Tribunal Constitucional dizendo, expressamente, que o interpõe ao abrigo do 
 artigo 70º, nº 1 b) da Lei do Tribunal Constitucional e que a norma que pretende 
 ver declarada inconstitucional é o art 1422 nº 2 c) do Código Civil o normativo 
 que a recorrente invoca para o recurso diz que (cabe recurso para o Tribunal 
 Constitucional das decisões dos tribunais … que apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo).
 Ora, atentos os termos da decisão deste STJ de que a recorrente pretende 
 recorrer verifica‑se que o dito acórdão não aplicou o art 1422 nº 2 c) do Código 
 Civil.
 Como o Tribunal Constitucional tem decidido “o recurso de constitucionalidade 
 tem natureza instrumental o que significa que é condição do conhecimento do 
 respectivo objecto a possibilidade de repercussão do julgamento que nele vier a 
 ser efectuado na decisão recorrida”.
 No caso vertente, o recurso parece não ter utilidade já que a norma cuja 
 inconstitucionalidade se reclama não foi aplicada na decisão de que se recorre.
 Como assim, não se admite o recurso.
 
  
 
  
 
 2.  T., Lda., recorreu da decisão de não admissão do recurso de 
 constitucionalidade nos seguintes termos:
 
  
 T. Lda. recorrente nos autos supra id tendo sido notificada do teor da Douta 
 Decisão de V. Exa. e não se conformando com a mesma dela vem APRESENTAR 
 RECLAMAÇÃO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da Colenda Decisão que não admitiu o 
 recurso.
 A reclamante está condenada a encerrar portas face à interpretação dada ao 
 artigo 1422-2-C) do Código Civil.
 A reclamante:
 
 - não pode recorrer da providência cautelar - vê indeferido o recurso, não 
 admitido...
 
 - todas as pretensões lhe são negadas!
 
 - está condenada à falência ...
 
 - 3 Famílias vão para o desemprego ...
 Pede que, pelo menos, a sua pretensão seja apreciada!
 
  
 O Ministério Público pronunciou‑se do seguinte modo:
 
  
 A presente reclamação é manifestamente infundada. Na verdade, a decisão 
 impugnada – proferida pelo STJ – tem natureza exclusivamente procedimental, 
 versando sobre a condição de admissibilidade do acesso ao STJ em recurso 
 interposto em procedimentos cautelares, pelo que naturalmente não aplicou a 
 norma substantiva indicada como integrando o objecto do recurso de fiscalização 
 concreta.
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
 3.  A recorrente, no recurso de constitucionalidade que pretende ver admitido, 
 submete à apreciação do Tribunal Constitucional a norma do artigo 1422º, nº 2, 
 alínea c), do Código Civil, “quando entendida que uma loja destinada a comércio 
 não pode englobar a actividade de restauração e incorre em uso diverso do fim a  
 que se destina, causando de per si uma lesão”.
 A decisão recorrida é o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 
 
 2005. Nesse aresto, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que os recursos 
 interpostos eram inadmissíveis, por não se verificarem os respectivos 
 pressupostos processuais (cf. transcrições realizadas supra).
 
 É, pois, manifesto que a decisão recorrida não fez aplicação da norma que a 
 reclamante impugna no recurso de constitucionalidade não admitido. Com efeito, a 
 norma impugnada tem a ver com a relação jurídica controvertida nos autos 
 enquanto a decisão recorrida apenas apreciou questões procedimentais, relativas 
 
 à admissibilidade do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
 Assim, qualquer juízo que o Tribunal Constitucional viesse a formular sobre a 
 norma impugnada não teria a virtualidade de alterar a decisão recorrida, uma vez 
 que esta não aplicou essa norma. Tal juízo seria inútil, pelo que o recurso de 
 constitucionalidade não podia ser admitido.
 Deste modo, a presente reclamação é improcedente.
 
  
 
 4.  Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente 
 reclamação, confirmando o despacho reclamado.
 
  
 
  
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs. 
 
  
 Lisboa, 15 de Fevereiro de 2006
 
  
 Maria Fernanda Palma
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 
 
 
 
 
 [ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060134.html ]