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Processo n.º 913/05
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
  
 
  
 Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I – Relatório
 
  
 
 1. Nos autos do processo nº 139/03.OTASTB-A, pendentes no Tribunal da Comarca de 
 Setúbal, em que se procede ao julgamento do arguido A. (ora recorrente), 
 entendeu o tribunal colectivo, no decurso do julgamento, “ser importante para a 
 apreciação dos factos em causa nos autos saber se os cheques que dos mesmos 
 constam foram depositados em conta do arguido ou de terceiro”, pelo que 
 solicitou ao arguido autorização para a quebra do sigilo bancário. 
 
  
 
 2. Não tendo o arguido autorizado a quebra do sigilo bancário solicitada, o 
 colectivo de juízes que procedia ao julgamento deliberou suscitar a intervenção 
 do Tribunal da Relação de Évora. Este, por acórdão de 3 de Maio de 2005, decidiu 
 
 “conceder a solicitada quebra de sigilo bancário”, determinando, em 
 consequência, que “o Banco de Portugal proceda à identificação das contas 
 bancárias de que o arguido A. era titular na data dos factos em referência nos 
 autos” e que “as instituições bancárias identificadas pelo Banco de Portugal 
 forneçam as informações pretendidas […]”.
 
  
 
 3. Inconformado com esta decisão, o arguido pretendeu recorrer para o Supremo 
 Tribunal de Justiça. Por parte do Desembargador relator do processo no Tribunal 
 da Relação de Évora foi proferido despacho que não admitiu o recurso.
 
  
 
 4. Novamente inconformado o recorrente veio, ao abrigo do disposto no artigo 
 
 405º do CPP, reclamar desta decisão para o Presidente do Supremo Tribunal de 
 Justiça, tendo, para o que agora importa, formulado a seguinte conclusão: “10 – 
 Se, porém, se entender – como parece entender o douto despacho de indeferimento 
 de que se reclama – que a correcta interpretação do art. 400º do Código de 
 Processo Penal impede o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões 
 do Tribunal da Relação em matéria de quebra de sigilo bancário, então tal artigo 
 será inexoravelmente inconstitucional [...]”.
 
  
 
 5. Por parte do Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça foi 
 proferida, em 12 de Outubro de 2005, decisão a indeferir a reclamação. É o 
 seguinte, na parte decisória, o seu teor:
 
 “[...] No caso em apreço, está em causa um acórdão da Relação de Évora que 
 decidiu conceder a quebra do sigilo bancário, incidente este que foi suscitado 
 pelo Juiz Presidente do Tribunal a quo, nos termos do art. 135.º, n.º 3 do CPP.
 Trata-se assim de uma decisão da Relação proferida ao abrigo das disposições 
 conjugadas dos arts. 182.º, n.ºs 1 e 2 e 135.º, n.º 3 do CPP.
 Ora, esta situação não é enquadrável na alínea c) do art. 400° do CPP, por não 
 ter sido proferida em recurso pela Relação, nem nas restantes alíneas do mesmo 
 artigo, nomeadamente por não se tratar de um despacho de mero expediente, nem 
 ter sido proferida no uso legal de um poder discricionário.
 Determina o citado art. 135.º, n.º 3 do CPP, que cabe ao tribunal imediatamente 
 superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado decidir da quebra do 
 segredo profissional.
 Assim sendo, estamos perante uma decisão da Relação proferida em 1ª instância. E 
 esta é passível de recurso, nos termos do art. 432.º, n.º 1, alínea a), do CPP, 
 se se reportar exclusivamente a matéria de direito, face ao disposto no art. 
 
 434.º do mesmo Código, o que não ocorre no caso concreto.
 Quanto à invocada inconstitucionalidade da norma do art. 400.º do CPP, refere-se 
 que o art. 32° n.º 1 da CRP , apesar de garantir o direito ao recurso em 
 processo criminal, não o impõe em todos os casos.
 Segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, “...o princípio 
 constitucional das garantias de defesa apenas impõe ao legislador que consagre a 
 faculdade de os arguidos recorrerem das sentenças condenatórias, e bem assim o 
 direito de recorrerem de quaisquer actos judiciais que, no decurso do processo, 
 tenham como efeito a privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros 
 dos seus direitos fundamentais”- Acórdão do T.C. n.º 209/90, de 19-06-90, BMJ, 
 
 398, p.152.
 Ora, não é desse tipo a decisão que se pretende seja apreciada por este S.T.J., 
 uma vez que se reporta a um problema de quebra de sigilo bancário.[...]”
 
  
 
 6. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do 
 artigo 70º da LTC, o presente recurso, através de um requerimento com o seguinte 
 teor:
 
 “[...], vem, a coberto do disposto na alínea b) do nº 1 do art.º 70º da Lei 
 
 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional da 
 douta decisão que não admitiu, com base no preceituado no art.º 400° do CPP, o 
 recurso por si interposto para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão do 
 Tribunal da Relação de Évora que ordenou a quebra do sigilo bancário, recusa que 
 ofende o princípio do duplo grau de jurisdição que é uma das garantias de defesa 
 consagrada no nº 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
 Na verdade,
 Como a douta decisão recorrida reconheceu a Relação julgou em primeira 
 Instância, pelo que a recusa de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 circunscrevendo a matéria a uma única instância, violou o princípio do duplo 
 grau de jurisdição em matéria de grande delicadeza e confinada nos limites da 
 reserva da intimidade da vida privada, onde se insere o sigilo bancário, direito 
 pessoal que a Constituição igualmente garante na parte final do nº 1 do seu art. 
 
 26º.
 A questão da inconstitucionalidade do art. 400º do CPP foi claramente suscitada 
 no processo, designadamente no ponto 10 da reclamação de que se recorre, com 
 aliás a douta decisão recorrida também reconheceu na parte em que indeferiu a 
 arguida inconstitucionalidade”
 
  
 
 7. Já neste Tribunal foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo 
 concluído da seguinte forma:
 
 “1ª – É unanimemente reconhecido nos autos que a Relação julgou matéria de 
 extrema delicadeza como é a quebra do sigilo bancário em única instância.
 
 2ª – Circunstâncias em que, ao indeferir-se o recurso para o STJ da decisão da 
 Relação que ordenou a quebra do sigilo bancário, se violou o nº 1 do art. 32º da 
 Constituição que inclui o duplo grau de jurisdição entre as garantias de defesa 
 que consagra.
 
 3ª – Embora respeitado a Jurisprudência do Tribunal Constitucional citada pelo 
 STJ, observa-se que o sigilo bancário se insere na intimidade da vida privada, 
 direito fundamental, de carácter pessoal, que a Constituição igualmente 
 estabelece – nº 2 do art. 26º da CRP. Pelo que,
 
 4ª – Ao equiparar a situação dos autos àquelas que o art. 400º do CPP declara 
 irrecorríveis fez-se uma interpretação que obriga à declaração de 
 inconstitucionalidade deste preceito legal, por forma a nele não poderem ser 
 abrangidas hipóteses de julgamento em única instância sobre matéria de direitos 
 fundamentais que é o caso da protecção do sigilo bancário.
 
 5ª – Foram assim claramente violados o nº 1 do art. 32º e o nº 2 do art. 26º, 
 ambos da CRP”.
 
  
 
 8. Notificado para responder, querendo, à alegação do recorrente disse o 
 Ministério Público, recorrido, a concluir:
 
 “1 – A «ratio decidendi» da decisão recorrida – que, em processo de reclamação, 
 não admitiu o recurso que o arguido pretendia interpor para o Supremo Tribunal 
 de Justiça do acórdão, proferido pela Relação, no âmbito do incidente regulado 
 no artigo 135º, nº 3, do Código de Processo Penal, concedendo a quebra do sigilo 
 bancário – assenta, não na aplicabilidade ao caso dos autos das excepções à 
 recorribilidade tipificadas no artigo 400º do Código de Processo Penal, mas 
 antes e decisivamente no preceituado nos artigos 432º, nº 1, alínea a) e 434º do 
 Código de Processo Penal – normas que o recorrente não curou de incluir no 
 
 âmbito do presente recurso.
 
 2 – Termos em que – por inverificação dos respectivos pressupostos – não deverá 
 conhecer-se do objecto do recurso”.
 
  
 
 9. Notificado para se pronunciar sobre a questão prévia suscitada pelo 
 Ministério Público, o recorrente disse, nomeadamente, o seguinte:
 
 “1 - Sem ofender o mérito do doutamente alegado pelo Exm.º Magistrado do 
 Ministério Público, cabe apenas recordar que na sequência da actual redacção do 
 art.º 75º A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional não constitui falha irremediável a não indicação no recurso da 
 norma cuja inconstitucionalidade pretende ver-se apreciada.
 
 2 - Tal omissão deve ser suprida por convite dirigido ao recorrente, quer por 
 quem receba o recurso, quer pelo próprio Tribunal Constitucional.
 Assim,
 
 3 - Por maioria de razão, qualquer imperfeição ou omissão que porventura exista 
 na indicação de tal norma deve igualmente ser susceptível de rectificação,
 Pelo que,
 
 4 – Se acrescenta à norma anteriormente indicada, o preceituado na alínea a) do 
 art. 432º e o art. 434º, ambos do Código de Processo Penal, devendo igualmente, 
 caso venha a ser aceite a posição do Exmº Magistrado do Ministério Público, ser 
 apreciadas a inconstitucionalidade destas normas.”
 
  
 Dispensados os vistos, cumpre decidir.
 
  
 
  
 II. Fundamentação.
 
  
 
 10. Tendo sido suscitada uma questão prévia de não conhecimento do recurso, 
 cumpre, antes de mais, decidir se dele se pode conhecer.
 
  
 O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º, da LTC pressupõe, 
 designadamente, que a decisão recorrida tenha efectivamente aplicado, como ratio 
 decidendi, no julgamento do caso, a norma cuja constitucionalidade é questionada 
 pelo recorrente. Ora, como vai sumariamente ver-se já de seguida, tal não 
 aconteceu nos presentes autos.
 
  
 Na verdade, de acordo com o teor da decisão recorrida, a situação em causa no 
 recurso que o recorrente pretendeu interpor para o Supremo Tribunal de Justiça 
 
 “não é enquadrável na alínea c) do art. 400° do CPP, por não ter sido proferida 
 em recurso pela Relação, nem nas restantes alíneas do mesmo artigo, nomeadamente 
 por não se tratar de um despacho de mero expediente, nem ter sido proferida no 
 uso legal de um poder discricionário”. Isto é, estatuindo o artigo 400º do 
 Código de Processo Penal os casos em que não é admitido o recurso, entende a 
 decisão recorrida que a situação em causa não integra nenhuma das hipóteses 
 previstas em tal preceito; o que é o mesmo que dizer que, por força de tal 
 disposição, não estaria excluído o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
 
  
 Ora, face a um tal juízo e tendo sido, todavia, recusada a admissão do recurso, 
 
 é, então, manifesto, que não pode ter sido aquele artigo o fundamento de uma tal 
 decisão. E, de facto, assim é. Com efeito, analisada a decisão recorrida, 
 verifica-se que a mesma entende que a decisão do tribunal da relação “é passível 
 de recurso, nos termos do art. 432.º, n.º 1, alínea a), do CPP, se se reportar 
 exclusivamente a matéria de direito, face ao disposto no art. 434.º do mesmo 
 Código”, não estando excluído tal recurso por força do citado artigo 400º. 
 Acontece, porém, que, sempre no entender da decisão recorrida - insindicável por 
 este Tribunal quanto a este ponto -, “o que não ocorre no caso concreto” é o 
 facto de o recurso se reportar exclusivamente a matéria de direito, conforme 
 exigem as disposições combinadas dos artigos 432º, n.º 1, alínea a) e 434º do 
 Código de Processo Penal. Ou seja, para a decisão recorrida, é por não preencher 
 uma das exigências postuladas por estes artigos, que, deste modo, constituem, 
 efectivamente, a sua ratio decidendi, que o recurso não foi admitido.
 
  
 Assim, não se reportando o presente recurso às normas aplicadas, como ratio 
 decidendi, pela decisão recorrida – como, aliás, o próprio recorrente reconhece 
 
 -, apenas há que concluir que dele não pode o Tribunal Constitucional tomar 
 conhecimento, por manifesta falta de um dos seus pressupostos de 
 admissibilidade.
 
  
 Agora apenas se acrescentará, em resposta ao afirmado pelo recorrente, que só 
 por lapso se pode invocar a possibilidade de utilização do convite previsto no 
 artigo 75º-A da LTC para suprir a falta de um pressuposto de admissibilidade do 
 recurso. É que, como é sabido, tal convite visa suprir a falta de requisitos do 
 requerimento de interposição do recurso, sendo irrelevante em relação à falta de 
 pressupostos de admissibilidade do recurso. No caso, porém, como se pode 
 verificar da transcrição efectuada no ponto 6. supra, o requerimento de 
 interposição do recurso continha todos os elementos previstos no artigo 75º A da 
 LTC, razão pela qual, em caso algum, haveria que emitir despacho de 
 aperfeiçoamento. Por outro lado, como se afirmou, por exemplo, no Acórdão 
 
 286/00, “o requerimento de interposição de recurso limita o seu objecto às 
 normas nele indicadas (cfr. artigo 684º, n.º 2, do Código de Processo Civil, 
 aplicável ex vi do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional, conjugado com o 
 nº 1 do artigo 75º-A desta Lei), sem prejuízo de esse objecto, assim delimitado, 
 vir a ser restringido nas conclusões das alegações (cfr. citado artigo 684º, n.º 
 
 3). O que o recorrente não pode fazer é nas alegações (recte, nas suas 
 conclusões) ampliar o objecto do recurso antes definido (neste sentido, cfr. 
 acórdãos nºs. 71/92, 323/93, 10/95, 35/96, 379/96 e 20/97, publicados na II 
 Série do Diário da República, de 18/8/92, 22/10/92, 22/3/95, 2/5/96, 15/7/96 e 
 
 1/3/97, respectivamente)”. E, se o não pode fazer nas suas alegações, muito 
 menos o pode fazer em resposta a contra-alegações do recorrido.
 
  
 
  
 III - Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 (dez) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 22 de Fevereiro de 2006
 Gil Galvão
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Bravo Serra
 Artur Maurício