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Processo nº 20/2006.
 
 3ª Secção.
 Relator: Conselheiro Bravo Serra.
 
  
 
  
 
                1. Em 30 de Janeiro de 2006 o relator proferiu a seguinte 
 decisão: –
 
  
 
  
 
                1. Pelo 3º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa 
 
 (vindo depois os autos a ser tramitados pelo 2º Juízo do Tribunal Administrativo 
 e Fiscal de Lisboa) intentaram A., S.A., B.. S.A., C., S.A. e D., S.A., contra 
 os Ministro das Finanças, Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Ministro do 
 Trabalho e da Solidariedade e Secretário de Estado da Segurança Social, acção 
 para reconhecimento de um crédito fiscal no montante de Esc. 3.398.652.874$00, 
 que alegaram deterem, pedindo que esse reconhecimento fosse levado a efeito e 
 que tinham as autoras a possibilidade de utilizarem o crédito reconhecendo no 
 pagamento de impostos e outras dívidas de natureza fiscal, onde se incluíam as 
 dívidas à Segurança Social.
 
  
 
                Alegaram, em síntese: –
 
  
 
                – que as autoras são sociedades pertencentes ao grupo empresarial 
 E. e que, em 1996 e 1997, entregaram dois bens imóveis, cujo valor teria sido 
 avaliado em Esc. 5.511.600.000$00, em dação de pagamento das suas dívidas 
 fiscais;
 
  
 
                – que, em Julho de 1997, foi celebrado um acordo, denominado 
 Acordo Global entre o Estado e aquele grupo empresarial, destinado à resolução 
 definitiva e global de todos os diferendos, incluindo dívidas discais e à 
 Segurança Social, que opunham um e outro, tendo, nesse Acordo, aceite o Estado a 
 dação acima referida, não se verificando em nenhum dos momentos de tramitação 
 dos variados processos que culminaram no Acordo a indicação de qualquer crédito 
 fiscal que teria resultado a favor das autoras;
 
  
 
                - que, porém, com a entrada em vigor da Lei Geral Tributária, que 
 teria ocorrido antes que estivessem esgotados todos os actos previstos no dito 
 Acordo, e atento o prazo de prescrição das dívidas fiscais que passou nela a ser 
 consagrado, teriam prescrito determinadas dívidas do grupo, pelo que a diferença 
 entre o montante dessas dívidas, o efectivo montante das dívidas fiscais e à 
 Segurança Social e o valor do bens entregues em dação de pagamento, se haveria 
 de considerar como passando a constituir um aumento do crédito de imposto no 
 quantitativo de Esc. 3.398.652.874$00, crédito esse que poderia ser usado em 
 pagamentos futuros de impostos e outras prestações tributárias;
 
  
 
                – que, desde a outorga da dação em pagamento que as autoras têm 
 assumido novos débitos fiscais, que têm vindo a cumprir, pretendendo que o 
 respectivo pagamento se efectue por intermédio de compensação com o referido 
 crédito, mas, como este não foi reconhecido, tiveram necessidade de instaurar a 
 acção.
 
  
 
                Tendo, por sentença de 3 de Junho de 2004, sido a acção julgada 
 improcedente, com a consequente absolvição dos demandados do pedido, da mesma 
 recorreram as autoras para o Tribunal Central Administrativo Sul.
 
  
 
                Na alegação adrede produzida, as autoras formularam as seguintes 
 
 «conclusões», para o que ora releva: –
 
  
 
 ‘(…)
 
 12. As insuficiências na análise da matéria de facto têm, neste caso, como 
 consequência directa a deficiente análise da matéria de Direito, redundando a 
 sentença ora recorrida numa efectiva denegação de justiça, defraudando e 
 violando assim a garantia constitucional de acesso à justiça (artigo 20.º da 
 CRP).
 
 (…)
 
 30. A sentença recorrida, ao interpretar o n.º 9 do art. 284.º do CPT, no 
 sentido de que o despacho que aceita a dação em pagamento com bens de valor 
 superior ao das dívidas fiscais não constitui, ope legis, um crédito a favor do 
 contribuinte, estando esta constituição dependente de uma declaração expressa 
 nesse sentido que deverá constar do próprio despacho, faz uma errada 
 interpretação da letra e do esp[í]rito do preceito, violando o princípio da 
 proibição do enriquecimento sem causa do Estado (art. 437.º, n.º 1 do CC), e 
 violando o princípio da legalidade tributária (art. 103.º, n.º 2 e art. 165.º, 
 n.º 1, alínea i) da CRP), o que importa uma interpretação da lei contrária à 
 Constituição e uma violação ostensiva do direito fundamental da propriedade 
 privada e da garantia de que ninguém pode ser expropriado sem pagamento de uma 
 justa indemnização (artigo 62.º da Constituição).
 
 (…)
 
 43. Assim, o Meritíssimo Juiz, ao julgar como relevante, para efeitos de valor a 
 considerar na dação em pagamento dos imóveis objecto da mesma, o valor fixado 
 pela ANAM nos termos que resultam dos autos, e não o valor apurado nos termos do 
 art. 284.º, n.º 3 do CPT, [ ] violou frontalmente o expressamente previsto no 
 art.º 284.º, n.º 3 do CPT, bem como o princípio constitucional da legalidade 
 tributária, os princípios da legalidade e da boa-fé a que está subordinada a 
 Administração Pública (art. 266.º, n.º 2 e art. 268.º, n.º 1 e 3 da CRP), e 
 ainda o princípio da proibição do perdão de dívidas tributárias ou concessão de 
 moratórias (art. 36.º da LGT e art. 85.º do CPPT).
 
 (…)
 
 46. Assim, ao julgar que ‘a dação era efectuada em termos globais para a 
 resolução de todos os litígios pendentes entre as partes’, e que a mesma ‘não 
 ficava adstrita a uma exacta verificação da correspondência dos valores dos bens 
 entregues com as dívidas pagas’, o Meritíssimo Juiz a quo violou expressamente o 
 art. 284.º, n.º 9 do CPT, bem como o princípio constitucional da legalidade 
 tributária, a garantia constitucional da propriedade privada e a proibição do 
 enriquecimento sem causa do Estado que lhe está subjacente.
 
 (…)
 
 53. E, ao entender que o crédito constituído a favor do devedor pelo n.º 9 do 
 artigo 284.º do CPT é por este livremente renunciável, a sentença recorrida 
 enferma de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do disposto 
 expressamente no n.º 10 do art. 284.º do CPT, viola o disposto no n.º 1 do art. 
 
 401.º conjugado com o art. 289.º n.º 1 do CC, e viola o princípio constitucional 
 da legalidade tributária, da proporcionalidade e da igualdade, bem como o 
 princípio da proibição do enriquecimento sem causa subjacente à protecção 
 constitucional da propriedade privada.
 
 (…)’
 
  
 
                O Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 8 de 
 Novembro de 2005, negou provimento ao recurso.
 
  
 
                No que agora interessa, pode ler-se nesse aresto: –
 
  
 
 ‘(…)
 
                – À partida cabe referir que o Acordo Global se apresenta como o 
 cerne da questão, atento o desiderato com ele visado ou seja, o da «resolução 
 definitiva e global, por via negocial, de todos os diferendos, incluindo dívidas 
 e acções judiciais, avolumados ao longo de mais de 20 anos» entre as partes que 
 nele outorgaram.
 
                – Ou seja, o que se pretendeu foi acabar com todo o 
 
 ‘contencioso’, no sentido lato do termo, entre as empresas do Grupo E. e o 
 Estado, enquanto subscritores do referido Acordo Global, pelo que todas as 
 restantes vias procedimentais referenciadas no probatório20 não podem deixar de 
 ser analisadas na perspectiva daquele enquanto, nuclearmente, actos integrativos 
 da eficácia do mesmo, sentido em que, aliás, se crê apontar, v. g., o ponto 10.1 
 do Acordo de Fecho, ao submeter o esclarecimento de qualquer dúvida na sua 
 interpretação, ao estipulado no Acordo Global, sem embargo de se ter presente a 
 natureza das dívidas para que foram dados em dação os imóveis em causa, à luz do 
 que se estipulou na dita cláusula 3.5 e nas als. a) e b), da cláusula 3.1.
 
                – E é dentro esta linha de entendimento que se considera aquele 
 Acordo Global, no seu todo, – e por consequência no que concerne à cláusula de 
 renúncia –, vincula e confere direitos à D., em situação de paridade com as 
 restantes referidas empresas do Grupo, por força do aditamento operado em 
 
 00FEV03 ao despacho conjunto de 00JAN28, e onde, como aliás se dá conta em R). 
 do probatório, foi determinada a inclusão na dação em pagamento das dívidas da 
 D., enquadráveis [n]o espírito do Acordo Global.
 
                – Assim e neste quadro, a referida cláusula mostra-se 
 absolutamente prejudicial relativamente àquelas outras questões levantadas.
 
                – Assim e desde logo, por referência às diligências de avaliação 
 dos referidos bens –, particularmente no que concerne ao F., – tendo em vista a 
 concretização da dação dos mesmos, mostrar-se-á irrelevante qualquer que seja o 
 valor do(s) mesmo(s) a considerar como o devidamente apurado, por tal via e para 
 tal efeito, se se vier a entender que as Recorrentes renunciaram validamente, 
 nos termos consignados na dita cláusula 3.5, já que, então, ainda que para elas 
 resultasse, por princípio, um crédito com o negócio jurídico em questão, – o que 
 apenas se admite antecipada e academicamente, como hipótese de trabalho –, 
 deixar(i)am de ter direito ao mesmo, qualquer que ele fosse.
 
                – E o que se vem de dizer vale, igualmente, para a questão da 
 alegada diminuição do montante das dívidas fiscais, por força do instituto da 
 prescrição, [à], luz do [que] dispôs o art.º 5.º, do Dec-Lei n.º 398/98DEZ17, 
 pois o que, ao que, aqui e agora, nos importa, o que tal, em última análise pode 
 representar é uma diminuição do valor das dívidas a liquidar com a dação em 
 causa, com[ ] inerente incremento do crédito, caso o valor destes fosse, já, 
 superior ao daquelas; Mas se se vier a entender que as recorrentes renunciaram 
 validamente a tal crédito, qualquer que ele pudesse ter sido, é manifesta a 
 redundância da questão de saber qual o valor das dívidas prescritas porque tal 
 não poderá conferir-lhe[s] o direito de que abdicaram.
 
                – Importa, então, debruçarmo-nos sobre a validade ou invalidade 
 da referida cláusula de renúncia.
 
                – E a verdade é que, antecipando desde já o nosso entendimento e 
 mau grado a teses sustentada pelas Recorrentes e, particularmente, as opiniões 
 expressas por ilustres juristas, com quem seria estultícia pretender ombrear, se 
 crê, no entanto, ser absolutamente conforme à lei, a renúncia em questão.
 
 (…)
 
                – De outra banda, não se interpreta, também, o normativo que se 
 diz violado (art.º 284.º do CPT), no sentido de que o eventual pagamento de 
 dívidas fiscais com bens de valor superior ao delas, gere, por força de lei, um 
 crédito a favor do contribuinte que seja impostergável.
 
                – Tal preceito legal, disp(õe)unha, textualmente e ao que aqui 
 importa, o seguinte; «Em caso de aceitação da dação em pagamento de bens de 
 valor superior à dívida exequenda e acrescido, o despacho que autoriza 
 constitui, a favor do devedor, um crédito do montante desse excesso, a utilizar 
 em futuros pagamentos de impostos e outras prestações tributárias, na aquisição 
 de bens ou serviços (…)».
 
                – Ora, sendo princípio vigente na nossa ordem jurídica, o da 
 repetição de indevido ou seja da obrigação de restituição em que se constitui 
 aquele que recebe prestação que lhe não é devida, parece-nos conclusivo que o 
 cerne do texto normativo acabado de transcrever não está na referência à 
 constituição de crédito a favor do devedor, com a prolação de despacho de 
 aceitação em pagamento de bens de valor, comprovada e quantificadamente, 
 superior ao das dívidas a pagar, por se tratar de uma perfeita inutilidade, já 
 que sempre o dito crédito se constituiria, mas antes no seu segundo segmento 
 normativo, na medida em que pretendeu limitar as possibilidade de utilização de 
 tal crédito, por parte do seu titular, sem necessidade procedimental de prévia 
 declaração dessa mesma titularidade.
 
                – E assim entendido, bem se compreende o subsequente n.º 10 de 
 tal preceito legal, enquanto ‘extensão’, daquele n.º 9, na medida em que se se 
 pretendeu limitar a utilização do crédito à satisfação das finalidades aí 
 elencadas, o não se estipular, concomitantemente, a sua intransmissibilidade e 
 impenhorabilidade, poderia significar, e significaria as mais das vezes, no caso 
 de contribuintes manifestamente relapsos, a inocu [i]dade prática daquela 
 referida limitação do n.º 9 referido, pela ‘utilização’ do crédito em fins 
 diversos daqueles que, apenas, se quis permitir.
 
                – Ou seja, nada na lei permite concluir que se pretendeu conferir 
 
 àquele tipo de créditos, aqui em análise, a favor dos devedores-contribuintes, a 
 natureza de direito indisponível, antes tudo indiciando precisamente o 
 contrário.
 
                - De facto e desde logo, se assim fosse, isto é, se se tivesse 
 pretendido atribuir [a] tal direito de crédito a natureza de direito 
 indisponível, por impenhorável e intransmissível, ele tê-la-ia, em todas e 
 quaisquer circunstâncias, pelo simples facto de ser o resultado do pagamento de 
 dívidas fiscais com bens de valor superior ao da dívida.
 
                – Contudo, é o próprio normativo em causa, no seu n.º 11, que lhe 
 retira tal natureza, já que, – quando por razões, alheias ao direito de crédito 
 em si e, por consequência, à sua natureza, e que se prendem com a cessação da 
 actividade do contribuinte, coligadamente com a inexistência de outras dívidas 
 fiscais –, possibilita a sua liquidação em numerário, sem qualquer limitação 
 daquele tipo.
 
                – E assim sendo, entendemos que do pagamento de dívidas fiscais 
 com bens de valor, comprovada e quantificadamente25, superior, o que resulta 
 para o contribuinte não é mais do que um comum direito de crédito, na sua 
 absoluta disponibilidade e, por isso, relativamente ao qual e na esteira do que 
 acima se referiu, tem todo o direito e legitimidade para dele dispor como 
 entender, designadamente, renunciando, renúncia essa que, por contrapartida, o 
 Estado podia manifestamente aceitar, como aceitou.
 
                – E, em nosso entender, não constitui obstáculo ao que se vem de 
 referir o argumento no sentido de que, a ser válida cláusula de renúncia, era 
 inútil proceder-se à diligência de avaliação dos bens, uma vez que, qualquer que 
 viesse a ser o valor encontrado, sempre seria inócuo na prática, pela renúncia 
 ao direito de crédito dele decorrente, em face do montante das dívidas pagas.
 
                – É que, desde logo, o valor de tais bens, enquanto prestação das 
 recorrentes, no Acordo Global, tinha, necessariamente, de ser determinável, sob 
 pena de nulidade, como decorre do disposto, conjuntamente, nos art.ºs 280.º, 
 
 398.º e 400.º do C. Civil; Por seu turno, porque se trata de bens dados em 
 pagamento de dívidas fiscais, o respectivo procedimento, particularmente no que 
 concerne [à] concretização daquela determinabilidade, estava sujeito ao regime 
 adjectivo plasmado no aludido art.º 284.º do CPT, particularmente nos seus n.ºs 
 
 3 e 4, tendo em vista desde logo, uma eventual imputação de ilegalidade na 
 actuação do Estado, por hipotético perdão indevido de dívidas fiscais, no 
 pressuposto de que estas fossem de valor manifesta, comprovada e 
 quantificadamente, superiores.
 
 (…)’
 
  
 
                Do acórdão de que partes acima se encontram extractadas 
 recorreram as autoras para o Tribunal Constitucional, o que fizeram mediante 
 requerimento com o seguinte teor: –
 
  
 
    ‘A., S.A., B., S. A., C., S.A., e D., SGPS, S. A., recorrentes nos autos à 
 margem referenciados, tendo sido notificadas do douto acórdão de fls. que nega 
 provimento ao recurso tempestivamente interposto da sentença proferida pelo 2.º 
 Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, nos autos de acção para o 
 reconhecimento de um direito que aí correram termos com o n.º 1/2002, vem dele 
 
 (do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul) interpor recurso para o 
 Tribunal Constitucional, o que faz nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) 
 e n.º 2 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei n.º 143/85, 
 de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 
 
 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro).
 
    Pretende-se a apreciação da constitucionalidade da norma constante dos n.ºs 
 
 9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de Processo Tributário, na redacção que lhe 
 foi dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 125/96, de 10 de Agosto, quando 
 interpretado e aplicado nos termos em que foi pelo 2.º Juízo do Tribunal 
 Administrativo e Fiscal de Lisboa nos referidos autos de acção para o 
 reconhecimento de um direito, e pelo Tribunal a quo nos presentes autos, de 
 forma a permitir e considerar como válida uma cláusula em que o contribuinte 
 renuncia a um eventual crédito decorrente de pagamento de impostos com bens de 
 valor superior ao da dívida.
 
    A interpretação da norma em causa, sufragada pelo Tribunal a quo, importa a 
 violação (i) do disposto no artigo 13.º da Constituição, que consagra o 
 princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, na vertente da igualdade 
 perante os encargos públicos (ii) do disposto nos artigos 17.º, 18.º e 62.º da 
 Constituição, que consagram a tutela constitucional da propriedade privada 
 enquanto direito análogo aos direitos liberdades e garantias, estando as suas 
 restrições sujeitas ao princípio da proibição do excesso, o que importa a 
 proibição constitucional do enriquecimento sem causa do Estado mediante 
 apropriação do excesso de valor dos bens dados em pagamento de dívidas fiscais e 
 
 (iii) do disposto no n.º 2 do artigo 103.º, e na alínea i) do n.º 1 do artigo 
 
 165.º [ ] da Constituição, que consagram o princípio da legalidade tributária, 
 nas suas dimensões de reserva de lei material e formal, uma vez que a 
 apropriação do excesso de valor dos bens dados em pagamento configura a criação 
 de um verdadeiro imposto inominado, o que se invoca nos termos e para os efeitos 
 do disposto nos artigos 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.ºs 1 e 2 da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
 
    Acresce que a interpretação dos n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de 
 Processo Tributário, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 
 n.º 125/96, de 10 de Agosto, sufragada pelo Tribunal a quo, converte-se numa 
 questão de inconstitucionalidade decisiva para a apreciação do pedido das 
 autoras, ora recorrentes, porque, tivesse o Tribunal a quo procedido a uma 
 interpretação daquela norma legal em conformidade com os princípios e normas 
 constitucionais invocados pelas recorrentes, nunca teria concluído, como 
 concluiu, pela validade da renúncia por parte do contribuinte ao crédito 
 resultante do excesso de valor dos bens dados em pagamento de dívidas fiscais, 
 pois tal importaria um enriquecimento sem causa do Estado em violação do 
 princípio da igualdade, do direito fundamental da propriedade privada e do 
 princípio da legalidade tributária nas suas vertentes formal e material, mas – 
 isso sim – teria revogado a sentença recorrida, mandando realizar o julgamento 
 ou, se entendesse que os autos forneciam os elementos necessários para a decisão 
 da causa, determinado o reconhecimento do crédito invocado pelas autoras, ora 
 recorrentes, conforme peticionado.
 
    A questão foi devidamente suscitada no recurso apresentado pelas recorrentes 
 no Tribunal Central Administrativo Sul – cfr., nomeadamente, as conclusões n.ºs 
 
 30, 43, 46 e 53 – tendo abrangido a dimensão e interpretação concreta conferida 
 
 à norma pelo tribunal de primeira instância, e sufragada pelo Tribunal a quo no 
 acórdão ora recorrido, dimensão essa igualmente englobada no âmbito do presente 
 recurso.
 
                Nestes termos, deve ser admitido o presente recuso e ser 
 decretada a inconstitucionalidade suscitada, sendo – em consequência – reformado 
 o acórdão recorrido na parte em que considera válida a cláusula através da qual 
 o contribuinte renuncia a um eventual crédito decorrente de pagamento de 
 impostos com bens de valor superior ao da dívida, com as consequências legais, 
 nomeadamente as que já acima estão e ficaram mencionadas.’
 
  
 
                O recurso veio a ser admitido por despacho prolatado em 6 de 
 Dezembro de 2005 pelo Relator do Tribunal Central Administrativo Sul, vindo os 
 autos a ser remetidos ao Tribunal Constitucional em 10 de Janeiro de 2006.
 
  
 
  
 
                2. Não obstante o despacho de admissão de recurso, porque o mesmo 
 não vincula este Tribunal (cfr. nº 6 do artº 76º da Lei nº 28/82, e 15 de 
 Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, 
 elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão 
 sumária, por via da qual se não toma conhecimento do objecto da presente 
 impugnação.
 
  
 
                Como resulta do relato supra efectuado, com o recurso ora em 
 apreço, esteado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da indicada Lei nº 28/82, visam 
 as autoras a apreciação da compatibilidade com a Lei Fundamental por banda dos 
 números 9, 10 e 11º do artº 284º do Código de Processo Tributário, quando 
 comportem uma interpretação de molde a permitir e considerar como válida uma 
 cláusula por intermédio da qual o contribuinte renuncia a um eventual crédito 
 decorrente de pagamento de impostos com bens de valor superior ao da dívida.
 
  
 
                Ora, tratando-se, como se trata, de um recurso ancorado na dita 
 alínea b) do nº 1 do artº 70º, mister é que dos normativos cuja apreciação, do 
 ponto de vista da sua conformidade com a Constituição, se solicita a este órgão 
 de administração de justiça, tenha sido, precedentemente ao proferimento da 
 decisão judicial impugnada, suscitada a sua desconformidade constitucional. E, 
 por outro lado, ponto é, também, que sejam esses normativos aqueles sobre os 
 quais incide o equacionamento da questão de inconstitucionalidade, sabido como é 
 que o objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade 
 incide sobre normas e não sobre outros actos do poder público tais como, verbi 
 gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas, como resulta do 
 referenciado nº 1 do artº 70º e do nº 1 do artº 280º do Diploma Básico.
 
  
 
                Ainda de outro lado, se os aludidos normativos forem alcançados 
 mediante um processo interpretativo levado a efeito sobre determinados preceitos 
 da legislação infra-constitucional, necessário é que a decisão judicial 
 intentada impugnar tenha conferido a estes a dimensão interpretativa que foi 
 questionada antes de a mesma ser proferida.
 
  
 
                Neste contexto, haverá, no caso sub specie, que aquilatar se, 
 referentemente às normas vertidas no requerimento de interposição de recurso 
 para este Tribunal, as autoras, de uma banda, cumpriram o ónus da suscitação da 
 sua desarmonia com o Diploma Básico e, de outra, porque o que colocam em crise é 
 um dado sentido interpretativo dos preceitos constantes dos números 9, 10 e 11º 
 do artº 284º do Código de Processo Tributário, se tal sentido, tocantemente a 
 todos ou a algum desses preceitos, foi, efectivamente, aquele que suscitaram 
 antes de ser tirada a decisão judicial impugnanda, e se o suscitado veio a ser o 
 acolhido por essa mesma decisão.
 
  
 
                Deflui do relato acima levado a efeito que as então impugnantes, 
 na alegação do recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, ao brandirem 
 com aquilo que, na sua óptica, constituía violações do Diploma Básico, 
 impostaram quatro questões, a saber: –
 
  
 
                – (a) a violação, pela sentença produzida na 1ª instância, da 
 garantia constitucional de acesso à justiça, por isso que tal sentença 
 acarretava uma deficiente análise da matéria de direito, consequente de uma 
 insuficiência na análise da matéria de facto (cfr. transcrita «conclusão» 12);
 
  
 
                – (b) a violação, pela mesma sentença, dos princípios 
 constitucionais da legalidade tributária, da legalidade e boa fé a que está 
 subordinada a Administração Pública, a garantia constitucional da propriedade 
 privada e a alegada proibição constitucional do enriquecimento sem causa por 
 parte do Estado, já que ela julgou como relevantes, para efeitos de fixação de 
 valor a considerar na dação em pagamento, o valor dos imóveis fixado pela ANAM e 
 julgou que aquela dação era efectuada em termos globais para a resolução de 
 todos os litígios pendentes entre as partes e que não ficava adstrita a uma 
 exacta verificação da correspondência entre o valor dos bens entregues e o das 
 dívidas para cujo pagamento foi efectuada a dação (cfr. «conclusões» 43 e 46); 
 
  
 
                – (c) a violação, pela dita sentença, dos princípios 
 constitucionais da legalidade tributária, da proporcionalidade e da igualdade, e 
 o invocado princípio da proibição de enriquecimento sem causa, que, segundo as 
 autoras, está subjacente à protecção constitucional da propriedade privada, uma 
 vez que entendeu que o crédito constituído a favor do devedor pelo nº 9 do artº 
 
 284º do Código de Processo Tributário era por este livremente renunciável, assim 
 fazendo errada interpretação e aplicação do disposto expressamente no nº 10º 
 daquele artigo (cfr. «conclusão» 53);
 
  
 
                – (d) a violação, pela mencionada sentença, do direito 
 fundamental da propriedade privada e da garantia de que ninguém pode ser 
 expropriado sem pagamento de uma justa indemnização, uma vez que interpretou o 
 referido nº 9 do artº 284º no sentido de que o despacho que aceita a doação em 
 pagamento com bens de valor superior ao do das dívidas fiscais não constitui, 
 ope legis, um crédito a favor do contribuinte, estando dependente de uma 
 declaração expressa nesse sentido, que deverá constar do próprio despacho, 
 interpretação essa contrária àqueles direito e garantia (cfr. «conclusão» 30).
 
  
 
                Ora, os problemas equacionados pelas recorrentes e que 
 imediatamente acima são referidos em primeiro, segundo e terceiro lugares [(a), 
 
 (b) e (c)], postam-se, no que tange a violação de normas ou princípios 
 constitucionais, como vícios, acarretadores daquela violação, dirigidos à 
 própria decisão tomada na 1ª instância e não a qualquer normativo ínsito no 
 ordenamento jurídico ordinário, ainda que resultante de um processo 
 interpretativo incidente sobre determinado preceito desse ordenamento.
 
  
 
                Desta sorte, tendo em conta que, como se disse, objecto dos 
 recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade são normas e não outros 
 actos do poder público, aqui se incluindo as decisões judiciais tomadas em si, 
 não se poderá tomar conhecimento do objecto do recurso no que se prende com tais 
 questões.
 
  
 
  
 
                2.1. Pelo que concerne à questão enunciada em d) supra, poderá 
 aceitar-se que a parte final da «conclusão» 30, ao utilizar a asserção ‘o que 
 importa uma interpretação da lei contrária à Constituição e uma violação 
 ostensiva do direito fundamental da propriedade privada e da garantia de que 
 ninguém pode ser expropriado sem pagamento de uma justa indemnização (artigo 62º 
 da Constituição)’, consubstancia, por um lado, o desiderato de se reportar ao nº 
 
 9 do artº 284º do Código de Processo Tributário e, de outro, o «levantamento» de 
 um problema de enfermidade constitucional quando tal preceito comportasse (como 
 teria sucedido na sentença prolatada na 1ª instância) uma interpretação de 
 acordo com a qual ‘o despacho que aceita a dação em pagamento com bens de valor 
 superior ao das dívidas fiscais não constitui, ope legis, um crédito a favor do 
 contribuinte, estando esta constituição dependente de uma declaração expressa 
 nesse sentido que deverá constar do próprio despacho’.
 
  
 
                Perante uma tal aceitação, impõe-se saber, em primeiro lugar, se 
 a norma atingida pelo processo interpretativo e que lhe conferiu aquela dimensão 
 
 é, ela mesma, objecto do recurso, tal como definido foi no requerimento de 
 interposição da impugnação de que curamos e, em segundo, se a mesma foi aplicada 
 na decisão lavrada pelo Tribunal Administrativo Sul.
 
  
 
                Respeitantemente ao primeiro ponto, como bem se extrai do 
 requerimento de interposição do recurso acima transcrito, torna-se desde logo 
 claro que aquilo que as autoras pretendem é que este Tribunal efectue veredicto 
 sobre a compatibilidade constitucional da norma que se extrai dos números 9, 10 
 e 11 do artº 284º do Código de Processo Tributário (redacção emergente do 
 Decreto-Lei nº 125/94, de 10 de Agosto), quando aqueles preceitos forem 
 interpretados de forma a que deles decorra a validade de uma cláusula de 
 harmonia com a qual o contribuinte, que efectuou dação em pagamento de 
 determinados bens para pagamento de débitos fiscais, sendo o valores daqueles 
 superior ao destes, renuncia ao crédito que para si reverteria da diferença 
 entre aqueles valores.
 
  
 
                Por outro lado, o acórdão sub iudicio não levou a cabo uma 
 interpretação do nº 9 do dito artº 284º por forma a que desse preceito 
 resultasse que, havendo dação de bens em pagamento de dívidas fiscais (lato 
 sensu) e se o valor de tais bens fosse superior ao do das dívidas, não 
 resultaria, por força de lei, um crédito a favor do contribuinte.
 
  
 
                Antes, e pelo contrário, aquele aresto admitiu que expressamente 
 do preceito isso resultava, e impostergavelmente, resultando também dos 
 princípios regentes da nossa ordem jurídica.
 
                
 
                O que constitui ratio decidendi daquela pela processual foi uma 
 interpretação de uma cláusula, contido do Acordo Global e por via da qual as 
 autoras – tendo em conta que com tal Acordo as «partes» nele intervenientes 
 desejavam pôr cobro, definitivamente, a todos os diferendos, incluindo dívidas e 
 acções judiciais, que ocorreram entre elas – renunciavam a um qualquer seu 
 crédito que porventura viesse a decorrer da dação em pagamento realizada, 
 vincando que, numa tal situação, esse seu eventual crédito não assumia 
 características de indisponibilidade.  
 
  
 
                É, assim, patente, de uma banda, que o acórdão em espécie não 
 interpretou e aplicou o preceito contido no nº 9 do artº 284º com o sentido que 
 fora questionado, do ponto de vista da sua compatibilidade constitucional, na 
 
 «conclusão» 30 da alegação de recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul 
 e, de outra, que a questão enunciada em tal «conclusão» e aqueloutra cuja 
 dilucidação se pede a este Tribunal no requerimento de interposição do presente 
 recurso de constitucionalidade se apresentam como diversas. 
 
  
 
                Não se nega que, relativamente ao problema colocado no indicado 
 requerimento de interposição de recurso, o acórdão em apreço, efectivamente, 
 aceitou que à renúncia em causa (que concluiu ter ocorrido em face da matéria de 
 facto que deu por apurada e relativamente à qual este Tribunal não pode 
 censurar) deveria ser conferida validade, pois que se tratava de um direito 
 disponível.
 
  
 
                E, muito embora se deva convir, em face do que se veio de dizer, 
 que aquele entendimento não coincide integralmente com a questão que foi 
 colocada na «conclusão» 53 da alegação para o Tribunal Central Administrativo 
 Sul, o que é certo é que, como se viu, o que contém nessa conclusão não pode ser 
 considerado como uma questão de suscitação de inconstitucionalidade normativa, 
 uma vez que, talqualmente se disse já, as autoras, na mesma, esgrimiram com o 
 argumento segundo o qual era sentença da 1ª instância, ela mesma, a violadora 
 dos princípios da legalidade tributária, da proporcionalidade e da igualdade e 
 do aventado ‘princípio da proibição do enriquecimento sem causa subjacente à 
 protecção constitucional da propriedade privada’, ao ‘entender que o crédito 
 constituído a favor do devedor pelo n.º 9 do artigo 284º do CPT é por este 
 livremente renunciável’.
 
  
 
                Ao se exprimirem desse jeito, as autoras não imputaram, pois, o 
 vício de desarmonia constitucional a qualquer normativo, mas sim à decisão 
 judicial, o que, como se disse, não pode abrir a via da vertente forma de 
 impugnação.
 
  
 
                Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto do 
 recurso, condenando-se as impugnantes, solidariamente, nas custas processuais, 
 fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de conta.”
 
  
 
                Da transcrita reclamação reclamaram as recorrentes, fazendo-o por 
 intermédio de requerimento em que disseram: –
 
  
 
 “1. - Entendem as ora Reclamantes que, ao procurar determinar os termos em que a 
 inconstitucionalidade normativa foi suscitada pelas mesmas nas conclusões 
 apresentadas nas suas alegações de recurso para o Tribunal Central 
 Administrativo Sul, o Venerando Conselheiro Relator adoptou um entendimento de 
 tal forma estreito, que acabou por considerar que, na conclusão 53 dessas 
 alegações (tal como nas conclusões 12, 43 e 46), as Reclamantes não suscitaram 
 qualquer questão de ‘inconstitucionalidade normativa’ pondo apenas em causa a 
 violação pela decisão tomada em 1ª instância de normas ou princípios 
 constitucionais (cfr. penúltimo parágrafo do n.º 2 da decisão reclamada).
 Neste sentido, o Venerando Conselheiro Relator conclui que ‘ao se exprimirem 
 desse jeito, as autoras não imputaram, pois, o vicio de desarmonia 
 constitucional a qualquer normativo, mas sim à decisão judicial, o que, como se 
 disse, não pode abrir a via da vertente forma de impugnação’.
 
 2. - Porém, entendem as ora Reclamantes que este modo de ver não corresponde, 
 nem ao texto, nem ao contexto, da alegação produzida junto do Tribunal Central 
 Administrativo Sul, e muito menos atende à forma como em concreto esse mesmo 
 Tribunal a quo enfrentou os problemas de desconformidade constitucional 
 suscitados na alegação das ora Reclamantes. 
 
 3. - Com efeito, pode ler-se, a fls. 40 e 41 do acórdão do Tribunal a quo, que: 
 
 ‘[…] com o presente Acordo Global, entende-se que as empresas do grupo E. e o 
 Estado, efectuaram um acordo de pagamento de dividas fiscais, pela modalidade de 
 dação em pagamento, ou seja um verdadeiro contrato enquanto transacção fiscal, 
 extintivo de relações de direito fiscal material, alheio ao se e ao quantum.’
 
 ‘[...] ao englobar-se em tal acordo de vontades, uma cláusula em que o 
 contribuinte renuncia a um eventual crédito decorrente de pagamento de impostos 
 com bens de valor superior ao da dívida, não se viola qualquer princípio 
 constitucional, designadamente o da legalidade.’
 
 ‘[...] por consequência, não se vislumbra qualquer violação dos princípios da 
 igualdade e da proporcionalidade, já que, e no que concerne ao primeiro, 
 enquanto obrigação de, no domínio fiscal, se tratar igualmente o que é igual e 
 desigualmente o que é desigual, a cláusula em questão não afronta a igualdade 
 fiscal em qualquer das vertentes em que se desdobra, isto é, quanto à 
 generalidade, ou o que é o mesmo à universalidade, do dever de pagar impostos 
 nem quanto ao critério idêntico da respectiva repartição e que se reconduz ao 
 princípio da capacidade contributiva [...].’
 
 ‘Acresce que se não se vê como acompanhar a afirmação de que, quando os bens 
 dados em pagamento se revelem de valor superior ao das dívidas a pagar, uma 
 renúncia ao crédito daí decorrente, para o contribuinte, signifique um maior 
 pagamento de impostos, já que tal crédito, não se interliga a qualquer dívida 
 fiscal, antes se apresenta como um excesso, depois de liquidadas, integralmente, 
 precisamente, aquelas dívidas fiscais.’
 
 4. - Estranhamente, estas passagens do acórdão recorrido e que dizem 
 manifestamente respeito ao teor da conclusão 53 da alegação produzida perante o 
 Tribunal a quo, onde se discute, precisamente, a questão de saber se a norma 
 constante dos n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de Processo Tributário, 
 
 é compatível com a Constituição, não foram transcritas na decisão ora reclamada.
 Ainda assim, das passagens transcritas pelo Venerando Conselheiro Relator, e 
 também destas que acabamos de mencionar, resulta claro que o Tribunal a quo 
 entendeu e considerou a questão da desconformidade constitucional da norma 
 constante dos n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de Processo Tributário 
 suscitada, tendo – inclusivé – ido, como foi, mais além, pronunciando-se sobre 
 ela.
 Diremos, como – e bem! – o Mestre G.  salienta no documento n.º 1 que juntamos, 
 que certo é que o Tribunal Central Administrativo do Sul, a fls. 40 e 41, se 
 pronunciou expressamente nos termos supra referidos, pronunciando-se pela livre 
 renunciabilidade do crédito e pela conformidade constitucional da norma 
 constante dos n.º 9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de Processo Tributário, 
 quanto interpretada de forma a permitir considerar como válida uma cláusula 
 contratual em que o contribuinte renuncia a um eventual crédito decorrente do 
 pagamento de impostos através da dação de bens com valor superior ao da dívida 
 fiscal.
 
 5. - Pretendeu o Venerando Conselheiro Relator apegar-se à linguagem utilizada 
 pelas ora Reclamantes nas alegações produzidas perante o Tribunal a quo para 
 fundamentar a tese vertida na decisão ora reclamada, de que não teria sido 
 cumprido o ónus de suscitação da questão da inconstitucionalidade de modo 
 processualmente adequado, uma vez que as impugnantes imputaram à sentença 
 produzida em 1ª instância determinados vícios de inconstitucionalidade, que 
 seriam privativos da dita sentença e que, por conseguinte, não seriam dirigidos 
 a qualquer norma constante da lei ordinária.
 Este modo de ver é completamente inaceitável para as Reclamantes, redundando 
 numa verdadeira denegação de acesso à justiça constitucional, uma vez que – nos 
 casos de fiscalização concreta de normas aplicadas através de específicas 
 decisões judiciais, como o presente – qualquer recurso para o Tribunal 
 Constitucional só pode ter por objecto a sentença proferida em anteriores 
 instâncias e é a esse propósito e nesse contexto que qualquer recorrente invoca, 
 ou não, eventuais desconformidades entre normas legais ou a sua interpretação 
 feita nessa sentença e a lei fundamental.
 
 Ê claro, pois, que – neste caso concreto – a referência à sentença da 1ª 
 instância não pode deixar de ser entendida no contexto de um recurso que a tem 
 por objecto, contexto esse em que foram colocados os problemas de 
 desconformidade constitucional da leitura dos n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 284.º do 
 Código de Processo Tributário feita em 1ª instância, pois só essa leitura estava 
 em causa naquele recurso.
 Assim, é fácil de compreender que, como esclarece o Mestre G., o que as 
 Recorrentes, ora Reclamantes, puseram em causa na acima referida conclusão n.º 
 
 53, foi o ‘[...] entendimento seguido na sentença proferida em 1ª instância 
 quanto à questão da renunciabilidade do crédito constituído a favor do devedor 
 pelo n.º 9 do artigo 184.º do CPT, invocando a sua contrariedade face aos 
 princípios constitucionais da legalidade tributário, da proporcionalidade e da 
 igualdade perante os encargos públicos, bem como ao princípio da proibição do 
 enriquecimento sem causa subjacente à protecção constitucional da propriedade 
 privada’ (cf., doc. n.º 1 junto, pág. 5, 2º parágrafo).
 Sobre esta mesma questão esclarece – também – o Prof. H.: – ‘Claro que, o 
 objecto de recurso não é a decisão do tribunal a quo sobre o mérito da questão 
 ou do feito submetido a julgamento, mas apenas o segmento da decisão judicial 
 relativo à questão da inconstitucionalidade. Questão de inconstitucionalidade 
 que foi pelos recorrentes correctamente formulada no requerimento e pedido de 
 recurso dirigido, em última análise, ao Tribunal Constitucional. Bem sabiam os 
 recorrentes que o objecto do recurso não é a decisão judicial em si mesma, mas 
 apenas a parte dessa decisão em que o juiz a quo interpretou uma norma cuja 
 constitucionalidade foi impugnada. Como refere Gomes Canotilho1, «trata-se 
 sempre de uma norma interpretativamente mediatizada pela decisão recorrida, 
 porque a norma deve ser apreciada no recurso segundo a interpretação que lhe foi 
 dada nessa decisão». Daí que os recorrentes tenham posto em questão precisamente 
 a interpretação levada a cabo e que foi suscitada no âmbito da conclusão 53.’ 
 
 (cf., doc. n.º 2, pág. 7, 2.º parágrafo, que juntamos).
 Acrescenta ainda o Prof. H. que ‘foi efectivamente suscitada pelos recorrentes 
 uma questão de inconstitucionalidade, não de uma sentença, mas da interpretação 
 de uma norma que essa sentença veio a acolher’ (cf. doc n.º 2 junto, pág. 9, 4.º 
 parágrafo).
 Do exposto resulta claro, e nesta matéria acompanha-se inteiramente o Mestre G., 
 que as ora Reclamantes não pretendem discutir a ’(…) natureza normativa do 
 objecto do contencioso da fiscalização concreta da constitucionalidade; agora, 
 também não se pode deixar de sublinhar, com CARLOS LOPES DO REGO2, que em muitos 
 casos onde está em causa o controlo da constitucionalidade «se torna assaz 
 duvidosa e incerta a determinação da precisa fronteira entre os figuras do 
 controlo normativo e da fiscalização de concretas e especificas decisões 
 judiciais» pelo que, ‘(…) não é possível concluir com nitidez, como faz o 
 relator, que o modo de expressão utilizado pelas recorrentes naquela conclusão 
 n.º 53 não pode ser considerado como «uma questão de suscitação de 
 inconstitucionalidade normativa» uma vez que se dirige à própria sentença.’ (cf. 
 doc. n.º 1 junto, pág. 5. 4º e 5º parágrafos).
 A tempestividade no levantamento da questão da inconstitucionalidade encontra-se 
 por isso cumprida, pois, tal como afim1a o Professor GOMES CANOTILHO ‘as partes 
 sempre a foram suscitando nos articulados (vide alegações de recurso p. 19-20), 
 embora apenas tenham podido fazer um recorte mais rigoroso da questão de direito 
 imbricada na questão de inconstitucionalidade após a decisão do Tribunal Central 
 Administrativo Sul –pois apenas nessa altura é afirmado expressamente pelo 
 tribunal que a celebração da transacção fiscal extingue a relação jurídica 
 fiscal material (subjacente).’ (…). ‘Assim, apenas no recurso para o Tribunal 
 Constitucional é possível recortar com rigor a questão da inconstitucionalidade 
 e invocar os fundamentos das mesmas com maior precisão, o que, de resto, tem 
 sido aceite pelo tribunal constitucional, como uma solução que não põe em causa 
 o ónus da suscitação do inconstitucionalidade durante o processo.’ (cf. doc. n.º 
 
 3, ponto 2, 1.º e 2.º parágrafos, de que se junta cópia, protestando juntar o 
 original).
 
 6. - Mesmo que se entenda que as Recorrentes, ora Reclamantes, não se 
 exprimiram, nesse contexto, do modo considerado mais adequado, a verdade é que 
 resulta claro das alegações de recurso, da decisão do Tribunal a quo e do 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, que foi 
 suscitada a questão da desconformidade constitucional da norma constante dos 
 n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de Processo Tributário, quando 
 interpretada e aplicada nos termos em que o foi pelo 2.º Juízo do Tribunal 
 Administrativo e Fiscal de Lisboa e pelo Tribunal a quo.
 Ao ser considerada válida, face a esses normativos, uma cláusula em que o 
 contribuinte renuncia a um eventua1 crédito decorrente do pagamento de impostos 
 com bens de valor superior ao da divida fiscal, não pode oferecer dúvidas que a 
 interpretação da norma em causa, sufragada pelo Tribunal a quo, importa a 
 violação (i) do disposto no artigo 13.º da Constituição, que consagra o 
 princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, na vertente da igualdade 
 perante os encargos públicos (ii) do disposto nos artigos 17.º, 18.º e 62.º da 
 Constituição, que consagram a tutela constitucional da propriedade privada 
 enquanto direito análogo aos direitos liberdades e garantias, estando as suas 
 restrições sujeitas ao princípio da proibição do excesso, o que importa a 
 proibição constitucional do enriquecimento sem causa do Estado mediante 
 apropriação do excesso de valor dos bens dados em pagamento de dívidas fiscais e 
 
 (iii) do disposto no n.º 2 do artigo 103.º, e na alínea i) do n.º 1 do artigo 
 
 165.º, n.º 1, da Constituição, que consagram o principio da legalidade 
 tributária, nas suas dimensões de reserva de lei material e formal, uma vez que 
 a apropriação do excesso de valor dos bens dados em pagamento configura a 
 criação de um verdadeiro imposto inominado.
 Ora, não podem as ora Reclamantes concordar com a interpretação da decisão ora 
 reclamada, segundo a qual ‘o acórdão sub indicio hão levou a cabo uma 
 interpretação do n.º 9 do dito art° 284º por forma a que desse preceito 
 resultasse que, havendo dação de bens em pagamento de dividas fiscais (latu 
 sensu) e se o valor de tais bens fosse superior ao do das dívidas, não 
 resultaria, por força da lei, um crédito a favor do contribuinte’ (cf. 4.º 
 parágrafo da página 10, a fls. 1773, da decisão ora reclamada),
 como não podem subscrever o entendimento do Venerando Conselheiro Re1ator do 
 mesmo Tribunal quando escreve na decisão reclamada que ‘O que constitui ratio 
 decidendi daquela peça processual foi uma interpretação de uma cláusula’ - a 
 cláusula de renúncia ao crédito (a cláusula 3.5 do Acordo Global celebrado em 8 
 de Julho de 1997 entre o Grupo E. e o Estado Português).
 Pelo contrário e como defende O Professor GOMES CANOTILHO, a ratio decidendi do 
 Tribunal a quo não é a interpretação da cláusula de renúncia. Aquele Tribunal 
 antes ‘recorta uma norma, ou melhor, um segmento ideal de norma que se poderia 
 formular assim: «a garantia de constituição automática de um crédito fiscal 
 sempre que o valor dos bens objecto de dação em pagamento seja superior aos das 
 dívidas fiscais não se aplica nos caros em que tenha sido celebrado entre o 
 Estado e o contribuinte um acordo (transacção fiscal), cujo equilíbrio ou 
 equação financeira assente numa compensação, nos termos da qual as partes 
 acordem que, para a base negocial existente à data da respectiva celebração os 
 valores são equivalentes, mesmo que alterações legislativas posteriores ponham 
 em causa essa equação financeira, violando as garantias do contribuinte». E 
 aplica esse segmento de norma no caso concreto, que o leva a afastar a aplicação 
 da solução material vertida nos n.ºs 9, 10 e 11 do art. 284° do CPT. É 
 precisamente desse segmento ideal de norma que vai interposto o recurso 
 apresentado pela parte, na medida em que o mesmo viola princípios fundamentais 
 de direito tributário – princípio da igualdade fiscal, da igualdade perante os 
 encargos públicos e principio da justiça fiscal – e sub princípios 
 densificadores do princípio do Estado de direito democrático – princípio da 
 segurança jurídica, protecção da confiança legítima’, (cf. doc n.º 3 junto, 
 ponto 1. 2.º parágrafo).
 Por outras palavras, a ratio decidendi do Tribunal a quo é verdadeiramente a 
 interpretação da norma constante n.ºs 9, 10 e 11 do art. 284° do CPT segundo a 
 qual o crédito constituído a favor das Reclamantes é livremente disponível, e 
 por isso renunciável, nos casos em que tenha sido celebrado um acordo com o 
 Estado, e não a cláusula de renúncia em si mesma, como entende a decisão 
 recorrida.
 
 7. - Não podem, por isso, as ora Reclamantes, aceitar a leitura feita pelo 
 Venerando Conselheiro Relator das alegações por si efectuadas, na medida em que 
 essa leitura põe em causa a impugnação de uma decisão judicial (como não poderia 
 deixar de ser) como correspondendo ao incumprimento do ónus de suscitação da 
 questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado.
 E muito menos o podem aceitar quando verificam que o Venerando Conselheiro 
 Relator compreendeu perfeitamente que a questão de conformidade constitucional 
 sobre a qual se pretende a pronúncia desse Venerando Tribunal é a que se prende 
 com a interpretação dos n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de Processo 
 Tributário, sufragada pelo Tribunal a quo (cfr. penúltimo parágrafo de fls. 
 l774), e que são apenas razões ligadas às formas de expressão utilizadas numa 
 alegação perante o Tribunal Central Administrativo Sul que impedem o Tribunal 
 Constitucional de apreciar um problema com o alcance e a importância daquele que 
 foi suscitado pelas Recorrentes, ora Reclamantes, e que importa a apropriação – 
 por parte do Estado – do excesso de valor dos bens dados em pagamento.
 Não o fazer, por causa do jeito ou da forma como as conclusões de uma alegação 
 estão redigidas é denegação de justiça!
 
 8. - Entendem, por isso, as Recorrentes, ora Reclamantes, que a douta decisão do 
 Venerando Conselheiro Relator deverá ser revista em conformidade, e substituída 
 por outra que – admitindo o recurso para o Tribunal Constitucional e decidindo 
 tomar conhecimento do objecto do mesmo – circunscreva a questão de 
 constitucionalidade a apreciar por esse Venerando Tribunal à conformidade da 
 norma constante dos n.ºs 9, 10 e 11 do artigo 284.º do Código de Processo 
 Tributário, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 
 
 125/96, de 10 de Agosto, quando interpretada e aplicada nos termos em que o foi 
 pelo 2.º Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa e pelo Tribunal a 
 quo, de forma a permitir considerar como válida, ainda que no âmbito de um 
 acordo com o Estado, uma cláusula em que o contribuinte renuncia a um eventual 
 crédito decorrente de pagamento de impostos com bens de valor superior ao da 
 dívida.”
 
  
 
                Com a reclamação foram juntos «pareceres» jurídicos.
 
  
 
                Tendo sido ouvidos sobre a reclamação os Ministros das Finanças e 
 do Trabalho e da Solidariedade Social veio o primeiro apresentar «resposta» na 
 qual formularou as seguintes «conclusões»: –
 
  
 a) O recurso interposto do Acórdão proferido pelo TACS, em 8 de Novembro de 
 
 2005, ao pretender o julgamento de constitucionalidade da interpretação dos nºs 
 
 9,10 e 11 do artigo 284º do CPT, quando aplicados como descrito pelas quatro 
 empresas do grupo E., não é susceptível de conduzir à declaração, na acção para 
 reconhecimento de direito, da invalidade, por inconstitucionalidade, de uma 
 cláusula através da qual as mesmas empresas renunciaram a um eventual crédito 
 decorrente do excesso de valor dos bens entregues para pagamento de obrigações 
 liquidadas por aquelas dações;
 b) Na verdade, como foi claramente demonstrado no referido acórdão, no Acordo 
 Global, assinado entre as empresas do Grupo E. e o Governo (foi homologado por 
 Resolução de Conselho de Ministros!), a questão fundamental foi a resolução 
 definitiva e global de todo o contencioso, por via negocial de todos os 
 diferendos, entre as partes que nele outorgaram;
 c) Sendo assim, e porque as compensações a ocorrer entre as duas partes são 
 muito mais complexas do que, de um lado, o valor dos bens entregues como dação 
 de bens em pagamento e de outro a extinção das dívidas fiscais, o juízo sobre a 
 violação de princípios constitucionais invocados mostra-se completamente 
 injustificável;
 d) E injustificada se torna a invocação de violação de um segmento ideal de 
 norma, construído e apresentado, como tendo sido a ratio decidendi do acórdão do 
 TCAS recorrido já que a equação financeira que tal construção teórica pressupõe 
 não corresponde à realmente verificada;
 e) Ainda que se entenda que o tribunal a quo tomou posição sobre a 
 compatibilidade constitucional da extinção de dívidas fiscais com dação de bens 
 de valor superior à dívida sem que daí resulte um crédito irrenunciável para o 
 contribuinte, isso não garante o direito ao recurso sobre tal entendimento já 
 que o recurso sobre a constitucionalidade da norma aplicada em concreto, não 
 visa apenas propiciar a discussão teórica de questões, por mais interessantes 
 que elas sejam, se da decisão não resultar a satisfação do interesse do 
 recorrente em alterar, quanto à questão de fundo, o sentido da decisão 
 recorrida;
 f) Neste caso tal não sucederia já que a verdadeira ratio decidendi do TCAS foi 
 a interpretação da cláusula de renúncia como uma parte de um acordo de resolução 
 global de conflitos pelo que a decisão, ora reclamada, de indeferimento do 
 recurso não redunda em denegação de justiça, e mostra-se acertada;
 g) É que o recurso interposto do Acórdão do TCAS não visa, efectivamente, a 
 inconstitucionalidade de uma norma (ou da respectiva interpretação), mas a 
 alteração de todo um julgamento de facto e respectiva aplicação de direito, 
 sendo o referido juízo de constitucionalidade irrelevante para a decisão da 
 situação concreta.”
 
  
 
                O segundo – Ministro do Trabalho e da Segurança Social – veio 
 dizer que a decisão impugnada deve ser integralmente mantida.
 
  
 
                Cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                2. Reafirmando-se agora, que, como sabido é, o objecto dos 
 recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade é constituído por 
 normas vertidas no ordenamento jurídico ordinário e não pelas decisões judiciais 
 em si consideradas, e reafirmando-se igualmente que, estando-se em presença de 
 um recurso estado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de 
 Novembro, se impõe a quem deseje lançar mão dessa forma de impugnação o ónus de 
 suscitação, antes da prolação da decisão judicial recorrida perante o Tribunal 
 Constitucional, da desarmonia com a Lei Fundamental por parte da norma que venha 
 a constituir a razão jurídica dessa decisão, a questão que se coloca no presente 
 recurso e que deu origem à decisão ora questionada é a de saber se, de um lado, 
 por banda das recorrentes, foi devidamente cumprido aquele ónus nas diversas 
 vertentes em que se exprime o requerimento de interposição de recurso e, de 
 outro, a sê-lo, ou a sê-lo nalguma vertente, se o preceito ou os preceitos que 
 fundaram a ratio decidendi da decisão judicial impugnada comportaram um sentido 
 interpretativo que foi equacionado como desconforme com a Constituição.
 
  
 
                No tocante à primeira questão, a decisão em crise considerou que 
 na alegação do recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, as matérias 
 condensadas nas «conclusões» 12, 43, 46 e 53 se reportavam a violações das 
 normas ou princípios constitucionais levadas a efeito pela sentença proferida na 
 
 1ª instância.
 
  
 
                Este Tribunal nada tem a censurar sobre o que, neste particular, 
 foi entendido na decisão em causa.
 
  
 
                Na verdade, quer no «teor» da alegação, quer naquelas 
 
 «conclusões», não se lobriga qualquer asserção de onde decorra que as 
 recorrentes imputaram vício de desconformidade constitucional a preceito ou 
 preceitos (ainda que lhes sendo confira dada dimensão interpretativa) do 
 ordenamento ordinário.
 
  
 
                E, sendo assim, na senda de uma jurisprudência mais do que firme 
 que tem sido seguida por este Tribunal, uma tal sorte de impostação daquelas 
 matérias não pode, de todo, abrir a via do recurso que se intentou interpor.
 
  
 
                De facto, como resulta do que se disse, aquela abertura não se 
 pode satisfazer quando a enfermidade constitucional é dirigida à decisão tomada 
 pelos órgão de administração de justiça pertencentes às várias ordens de 
 tribunais e não aos normativos que fundaram essa decisão. 
 
  
 
                Esgrimem as recorrente com o argumento segundo o qual 
 
 “Estranhamente”, a decisão ora sub specie omitiu determinadas passagens do 
 acórdão lavrado no Tribunal Central Administrativo Sul e das quais, na óptica 
 daquelas, se retiraria que aquele órgão judicial teria compreendido que na já 
 aludida «conclusão» 53 estava colocada uma questão de inconstitucionalidade 
 normativa, vindo a discretear sobre ela.
 
  
 
                Existe aqui um manifesto equívoco.
 
  
 
                Em primeiro lugar, mesmo que se aceitasse – embora tão só para 
 efeitos meramente argumentativos – que aquela compreensão tivesse sido levada a 
 efeito, essa circunstância, só por si, não redundaria na conclusão de acordo com 
 a qual se haveriam de ter por preenchidos os pressupostos do recurso, 
 designadamente o que concerne à suscitação prévia da questão de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
                Efectivamente, a verificação de tais pressupostos incumbe em 
 
 última via a este Tribunal, que os analisará objectivamente em face da actuação 
 processual do recorrente, não podendo nem devendo estar dependente de um 
 entendimento que o tribunal a quo fizer daquela actuação no sentido de que com a 
 mesma se quis equacionar uma questão de enfermidade constitucional normativa.
 
  
 
                Em segundo lugar, os passos do acórdão do Tribunal Central 
 Administrativo Sul, agora invocados pelas reclamantes, não se dirigem, de todo, 
 a um juízo de não desarmonia constitucional referente a qualquer  normativo (e 
 mais concretamente aos ínsitos nos números 9, 10 e 11 do artº 284º do Código de 
 Processo Tributário), mas antes ao designado Acordo Global, que, na perspectiva 
 daquele aresto, não incorria em “qualquer violação dos princípios da igualdade e 
 da proporcionalidade”, não afrontando a cláusula do dito Acordo “a igualdade 
 fiscal em qualquer das vertentes em que se desdobra”.
 
  
 
                A isto acresce que é dever das várias ordens de tribunais de 
 recurso decidirem das questões de inconstitucionalidade imputadas às decisões 
 recorridas ou, inclusivamente, aos negócios jurídicos e nos quais se fundaram as 
 
 «acções» (em sentido lato) submetidas aos seus veredictos. Isso não significa, 
 porém, que a pronúncia efectuada sobre essas questões, seja suficiente para se 
 abrir a via de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade ou 
 legalidade normativa.
 
  
 
                E foi isso que, in casu, sucedeu no respeitante à matéria 
 condensada na «conclusão» 53, pelo que a transcrição, na decisão agora 
 questionada, das passagens do acórdão recorrido de que agora se cura, por 
 nenhuma relevância revelarem, não tinha de ser efectuada.
 
  
 
                De onde, como acima se disse, nada haver a censurar quanto ao que 
 se contém na decisão em apreço no seu ponto 2..
 
  
 
                2.1. Pelo que diz respeito ao quem se discorreu no ponto 2.1. da 
 falada decisão, igualmente o Tribunal tem por inaceitável a reclamação 
 apresentada em face da argumentação que foi carreada à decisão.
 
  
 
                Avulta aqui a consideração, devidamente realçada na decisão, de 
 harmonia com a qual se extrai nitidamente do acórdão proferido no Tribunal 
 Central Administrativo Sul que este perfilhou o entendimento segundo o qual 
 defluía inequivocamente do nº 9 do citado artº 284º, bem como dos princípio 
 regentes da nossa ordem jurídica, a possibilidade de, por força da lei, havendo 
 dação de bens para pagamento de dívidas fiscais (lato sensu), caso o valor 
 desses bens seja superior ao das dívidas, resultar um crédito a favor do 
 contribuinte dador, crédito esse que, muito embora pudesse servir para pagamento 
 de futuras dívidas fiscais, não deixava de ser livremente disponível por esse 
 contribuinte.
 
  
 
                E, sendo assim, torna-se claro que a razão de decidir do acórdão, 
 neste específico ponto, foi a livre disponibilidade, por parte de quem, por 
 força da dação, se constitui como credor, da cláusula constante do Acordo Global 
 e não uma interpretação ou recorte de um segmento ideal daquele preceito.
 
  
 
                A decisão em espécie não representa, pois, qualquer denegação de 
 justiça, já que teve em conta o que se comanda constitucionalmente e na lei 
 ordinária quanto aos pressupostos do recurso de constitucionalidade.
 
  
 
                Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se as 
 recorrentes nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte 
 unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 6 de Março de 2006
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Artur Maurício
 
  
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 20 Excepção feita ao Relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar.
 
 25 O que sem entrarmos na análise aprofundada de tal questão, parece evidente 
 não suceder no caso vertente, como o atesta o probatório e de que resulta, desde 
 logo, a divergência quanto ao montante das dívidas por parte do Estado de um 
 lado e das empresas do Grupo E., por outro, sendo certo que estando dependente a 
 constituição do eventual crédito do despacho de aceitação da dação, no caso 
 vertente, e no que se refere ao F., – aqui o factor relevante na controvérsia 
 colocada ao Tribunal –, foi considerado não o valor em que as Recorrentes se 
 estribam para a pretensão formulada, mas no decorrente de uma aventada avaliação 
 da autoria da ANAM, como, manifestamente, o atesta a referência aos n.ºs e 3 e 4 
 do art.º 284.º do CPT, e que não pode deixar de ser entendida em correspe[ 
 
 ]ctividade aos imóveis «Flat 4» e «F.», por esta ordem, no último dos 
 considerandos do despacho dos Secretários de Estado dos Assuntos Fiscais e da 
 Segurança Social, de 00JAN28.
 
 1 Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, pág. 881.
 
 2 Carlos Lopes do Rego, O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta 
 da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal 
 Constitucional, in Jurisprudência Constitucional, 3, pág. 7.