 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 422/05
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira  Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal de Instrução Criminal do 
 Porto, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto 
 recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 
 
 1, alínea a), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal, de 14 de Outubro de 2004.
 
  
 
 2. Em 12 de Maio de 2004, o Ministério Público determinou a suspensão provisória 
 do processo em que é arguido A., por um período de 6 meses, impondo-lhe a 
 injunção de entregar, na instituição denominada Centro de Solidariedade B., a 
 quantia de 300€, devendo fazer prova no processo da referida entrega, no prazo 
 estabelecido para a suspensão.
 Conclusos os autos ao juiz de instrução, nos termos e para os efeitos do artigo 
 
 281º, nº 1, do Código de Processo Penal, foi proferida a seguinte decisão:
 
  
 
 “Discordamos da decisão de suspensão provisória do processo pelas seguintes 
 razões:
 
 - primeira – O Ministério Público não tem competência jurisdicional para decidir 
 e impor injunções e regras de conduta ao arguido.
 O Ministério Público faz uma interpretação literal do artigo 281.º do Código de 
 Processo Penal, interpretação que deve ser considerada inconstitucional, 
 conforme nos parece dever resultar do Ac. n.º 7/87, de 9 de Janeiro de 1987, do 
 Tribunal Constitucional, publicado no D.R., I Série, de 9 de Fevereiro de 1987. 
 Nesse douto acórdão, apreciando a constitucionalidade do artigo 281.º do Código 
 de Processo Penal, na redacção que havia sido aprovada em 4 de Dezembro de 1986 
 pelo Conselho de Ministros, e que não continha qualquer referência ao juiz de 
 instrução, refere-se o seguinte:
 
 “Naturalmente que, praticados os actos necessários, compete também ao MP 
 encerrar o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação (artigos 276.º, 277.º e 
 
 283.º).
 O artigo 281.º consagra, porém, uma inovação nesta matéria, estabelecendo o 
 princípio da oportunidade do exercício da acção penal pelo MP relativamente à 
 pequena criminalidade, atribuindo-lhe o poder de suspender o processo, quando se 
 verifiquem conjuntamente certas condições [as constantes do proémio do n.º 1 e 
 das alíneas a) a e) do mesmo número], mediante a imposição – pelo próprio MP – 
 de injunções e regras de conduta (as definidas nas alíneas a) a i) do n.º 2].
 
 É a inconstitucionalidade de todo este processo que vem suscitada.
 A questão posta, ou seja, a suspensão do processo do MP, findo o inquérito, pode 
 cindir-se em duas: uma, a da admissibilidade da suspensão, em si mesma 
 considerada; a outra, a da competência para ordenar a suspensão e a imposição 
 das injunções e regras de conduta.
 A admissibilidade da suspensão não levanta, em geral, qualquer obstáculo 
 constitucional.
 Já não se aceita, porém a atribuição ao MP da competência para a suspensão do 
 processo e imposição das injunções e regras de conduta previstas na lei, sem a 
 intervenção de um juiz, naturalmente o juiz de instrução, e daí a 
 inconstitucionalidade, nessa medida, dos n.os 1 e 2 do artigo 281.°, por 
 violação dos artigos 206.º e 32.º, n.° 4, da CRP.”
 
 (sublinhado nosso).
 Ora, o artigo 206.º da CRP na redacção anterior à Revisão de 1989, tinha o teor 
 que hoje corresponde ao artigo 202.º, n.º 2, da Constituição, sob a epígrafe 
 
 “Função jurisdicional”:
 
 “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos 
 direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da 
 legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e 
 privados”.
 Os actos que devam constituir “actos judiciais” para os efeitos do artigo 202.º 
 da Constituição (artigos 205.º e 206.º antes da Revisão de 1989) devem ser 
 praticados pelo juiz de instrução, como foi expressamente afirmado no Acórdão 
 n.º 7/87, de 9 de Janeiro, à semelhança do entendimento defendido pelo Prof. 
 Figueiredo Dias, e publicado em “Para Uma Nova Justiça Penal”, 1983, págs. 189 e 
 segs., citado no acórdão (DR n.º 33, de 9/02/1987, pág. 504-(6).
 Como refere José António Barreiros, “o Ministério Público actua no processo 
 penal como órgão autónomo de administração de justiça, o que se não confunde com 
 a acção dos órgãos judiciais, nem com a função jurisdicional e lhe garante 
 independência de actuação face ao Ministro da Justiça.” (…) O Ministério Público 
 não é, assim, órgão judicia1, nem lhe cabe a função jurisdicional, a qual é 
 património exclusivo do poder judicial (artigo 205.°da Constituição).” (“Sistema 
 e Estrutura do Processo Penal Português”, II, págs. 109 e 110).
 No mesmo sentido, pode ler-se Germano Marques da Silva: “Sujeitos processuais 
 são o juiz, a quem cabe o exercício da jurisdição, o Ministério Público, o 
 arguido, o assistente e o defensor, aos quais cabe o exercício de poderes e 
 deveres que soe conglobar-se na noção de acção, que na forma de acusação, quer 
 na forma de defesa. (…) Tomamos aqui a acção num sentido muito amplo, como o 
 conjunto de poderes e deveres da acusação e da defesa em ordem ao reconhecimento 
 do direito pela jurisdição.” (Curso de Processo Penal”, 1993, tomo 1, págs. 95 e 
 
 96).
 Citando Figueiredo Dias, “a específica função judicial há-de caracterizar-se 
 materialmente pela declaração do direito do caso, através de uma decisão 
 susceptível de transitar em julgado” (Direito Processual Penal, Coimbra, 1974, 
 pág. 366).
 No entanto, no regime da suspensão provisória do processo não é isso que se 
 verifica. Nos termos do artigo 281.º do Código de Processo Penal, o juiz de 
 instrução não decide a suspensão provisória do processo e não escolhe nem aplica 
 as injunções e regras de conduta. Quem decide é o Ministério Público, e o juiz 
 encontra-se numa situação idêntica à do arguido e à do assistente: concorda ou 
 discorda (artigo 281.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, e similar à 
 que o Ministério Público tem na instrução, fase em que “é correspondentemente 
 aplicável o disposto no artigo 281.º, obtida a concordância do Ministério 
 Público” (artigo 307.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
 Ou seja, nos termos do artigo 281.º do Código de Processo Penal, como se 
 verifica no caso dos autos, o juiz não decide, nem tem qualquer intervenção na 
 decisão do Ministério Público. Ou seja, atribui-se a função jurisdicional ao 
 Ministério Público, que decide o caso concreto, cabendo ao juiz de instrução uma 
 intervenção processual acessória e não jurisdicional, de mera concordância, sem 
 qualquer intervenção na escolha das injunções ou regras de conduta a aplicar ao 
 arguido. Nesse mesmo sentido se pronunciou o Tribunal da Relação de Évora, de 
 
 8/04/97 – in C.J., XXII, 2, p. 275: “Quem decide pela suspensão provisória do 
 processo é o Ministério Público. Quem impõe ao arguido as injunções e regras de 
 conduta é o Ministério Público. (…) O juiz de instrução não pode substituir-se 
 ao Ministério Público no sentido de impor por sua iniciativa injunções e regras 
 de conduta que não sejam as propostas pelo Ministério Público.”
 Ao atribuir-se ao Ministério Público a competência para a prática daqueles actos 
 jurisdicionais, viola-se o princípio de tutela jurisdicional dos direitos 
 fundamentais, e a reserva de jurisdição dos tribunais a quem compete 
 
 “administrar a justiça em nome do povo”, “assegurar a defesa dos direitos e 
 interesses legalmente protegidos dos cidadãos” bem como “reprimir a violação da 
 legalidade democrática” (artigo 202.º, nº 1 e nº 2, da Constituição).
 
 - segunda – O artigo 281.º do Código de Processo Penal viola o princípio da 
 independência dos tribunais consagrado no artigo 203.º da Constituição, uma vez 
 que não prevê qualquer intervenção do juiz de instrução para a escolha e 
 determinação da solução de direito do caso concreto. O Ministério Público decide 
 a suspensão provisória e determina as injunções ou regras de conduta a aplicar 
 ao arguido, sem qualquer intervenção do juiz de instrução, que é depois colocado 
 diante do “facto consumado”, por vezes com a injunção já cumprida pelo arguido.
 Nas palavras de Castro Mendes, “a independência dos Juízes é a situação que se 
 verifica quando, no momento da decisão, não pesam sobre o decidente outros 
 factores que não os judicialmente adequados a conduzir à legalidade e à justiça 
 da mesma decisão” (“Estudos sobre a Constituição”, 3.º vol., 1979, pág. 654). O 
 que manifestamente não sucede na previsão do artigo 281.º do Código de Processo 
 Penal, condicionando o juiz pela anterior decisão do Ministério Público, 
 nomeadamente quanto à selecção das injunções e regras de conduta e à 
 determinação do período de suspensão, de uma forma ofensiva da dignidade da 
 função de julgar.
 
 - terceira – Acresce que o artigo 281.º do Código de Processo Penal é também 
 inconstitucional quando interpretado em conjunto com o disposto no artigo 64.º 
 do Código de Processo Penal, no sentido de ser dispensada a assistência de 
 defensor ao arguido no acto em que este é chamado a concordar com a suspensão 
 provisória do processo e com as injunções e regras de conduta que lhe são 
 apresentadas pelo Ministério Público.
 Na verdade, ainda que se defenda que as injunções ou regras de conduta não 
 constituem uma pena no sentido do direito penal material nem uma sanção de 
 natureza para-penal (Lowe/Rosenberg, citados por Manuel da Costa Andrade, 
 
 “Consenso e Oportunidade”, in “Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo 
 Código de Processo Penal”, pág. 353), as mesmas representam sempre uma limitação 
 aos direitos e liberdades do arguido.
 
 “Do ponto de vista do direito penal substantivo, trata-se aqui de uma sanção de 
 
 índole especial não penal a que não está ligada a censura ético-jurídica da pena 
 nem a correspondente comprovação da culpa. Significativo para o efeito que o 
 arguido não possa ser coagido nem à aceitação das injunções e regras nem ao 
 respectivo adimplemento: o efeito de sanção que lhe está ligado assenta na 
 liberdade de decisão (FreiwilligKeit) do arguido” (Riess, citado por Manuel da 
 Costa Andrade, Ob. cit. p. 353).
 No entanto, essa liberdade de decisão não existe se ao arguido não for garantida 
 a assistência de um defensor, nomeadamente para o efeito de se poder pronunciar 
 sobre a necessidade e adequação das regras de conduta e injunções apresentadas 
 pelo Ministério Público. Só há verdadeira liberdade quando esta é esclarecida e 
 informada, nomeadamente quanto à “ponderação das vantagens e desvantagens 
 ligadas às alternativas em causa”, na expressão utilizada por Costa Andrade (Ob. 
 cit.). E esse esclarecimento deve resultar da obrigatoriedade de assistência do 
 defensor no acto de audição do arguido sobre a pretendida suspensão provisória 
 do processo.
 No caso do autos, essa assistência não se verificou. O arguido foi chamado a 
 prestar o seu consentimento para a suspensão provisória do processo sem a 
 adequada assistência de defensor.
 Salvo melhor opinião, estas razões explicam de forma suficiente o nosso 
 dissentimento em relação à aliás douta decisão do Ministério Público».
 
  
 
 3. Foi então interposto o presente recurso de constitucionalidade, pretendendo o 
 recorrente:
 
 «A apreciação da inconstitucionalidade do artº 281º do C.P.Penal por, no 
 entendimento do Sr. Juíz de Instrução, violar o princípio de independência dos 
 Tribunais consagrado no artº 203° da C.R.P., o princípio de tutela jurisdicional 
 dos direitos fundamentais, e a reserva de jurisdição dos Tribunais consagrado no 
 artº 202° nºs 1 e 2 da C.R.P., e ainda o artº 32° n° 3 da C.R.P. por dispensar a 
 assistência de defensor ao arguido no acto em que é chamado a dar a sua 
 concordância à suspensão provisória do processo».
 
  
 
 4. Notificado para alegar, o Ministério Público formulou as seguintes 
 conclusões:
 
  
 
    «1 – A suspensão provisória do processo regulada no artigo 281º do Código do 
 Processo Penal, configurando um mecanismo que requer uma co-decisão do 
 Ministério Público e do juiz de instrução criminal, não podendo em caso algum 
 ser aplicada sem a concordância expressa deste último, não colide com qualquer 
 norma ou princípio constitucionais, designadamente, com os que regem a função 
 jurisdicional e a independência dos tribunais.
 
 2 – Não é exigência constitucional a assistência obrigatória de advogado ao 
 arguido, em acto processual em que está em causa a sua eventual concordância com 
 a aplicação de uma injunção consistente na entrega de quantia não superior a 500 
 euros a uma instituição de solidariedade social.
 
 3 – Termos em que deverá proceder o presente recurso».
 
  
 
 5. Notificado o recorrido não apresentou alegações.
 
  
 II. Fundamentação
 Sobre as questões de constitucionalidade que são objecto do presente recurso, 
 pode ler-se no Acórdão o Tribunal Constitucional nº 67/2006 o seguinte:
 
  
 
 «3. Cumpre apreciar e decidir as seguintes questões de constitucionalidade, que 
 constituem o objecto do recurso:
 
 1.ª - Se a norma do artigo 281.º do Código de Processo Penal, no segmento em que 
 atribui ao Ministério Público o poder de decidir-se, com a concordância do juiz 
 de instrução, pela suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de 
 injunções e regras de conduta, viola o artigo 202.º (reserva de função 
 jurisdicional) ou o artigo 203.º (independência dos tribunais) da Constituição;
 
 2.ª - Se a norma do artigo 281.º em conjunto com o disposto no artigo 64.º do 
 mesmo Código de Processo Penal, interpretados no sentido de ser dispensada a 
 assistência de defensor ao arguido no acto em que este é chamado a dar a sua 
 concordância à suspensão provisória do processo, viola o n.º 3 do artigo 32.º da 
 Constituição.
 
 4. Dispõe o artigo 281.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 
 
 7/2000, de 27 de Maio:
 
  
 
 “Artigo 281.º
 
 (Suspensão provisória do processo)
 
 1. Se o crime for punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com 
 sanção diferente da prisão, pode o Ministério Público decidir-se, com a 
 concordância do juiz de instrução, pela suspensão do processo, mediante a 
 imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, se se verificarem os 
 seguintes pressupostos:
 a) Concordância do arguido e do assistente;
 b) Ausência de antecedentes criminais do arguido;
 c) Não haver lugar a medida de segurança e internamento;
 d) Carácter diminuto da culpa; e
 e) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda 
 suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
 
 2. São oponíveis ao arguido as seguintes injunções e regras de conduta:
 a) Indemnizar o lesado;
 b) Dar ao lesado satisfação moral adequada;
 c) Entregar ao Estado ou a instituições privadas de solidariedade social certa 
 quantia;
 d) Não exercer determinadas profissões;
 e) Não frequentar certos meios ou lugares;
 f) Não residir em certos lugares ou regiões;
 g) Não acompanhar, alojar ou receber certas pessoas;
 h) Não ter em seu poder determinados objectos capazes de facilitar a prática de 
 outro crime;
 i) Qualquer outro comportamento especialmente exigido pelo caso.
 
 3. Não são oponíveis injunções e regras de conduta que possam ofender a 
 dignidade do arguido.
 
 4. Para apoio e vigilância do cumprimento das injunções e regras de conduta 
 podem o juiz de instrução e o Ministério Público, consoante os casos, recorrer 
 aos serviços de reinserção social, a órgãos de polícia criminal e às autoridades 
 administrativas.
 
 5. [ … ]
 
 6. [ … ]”
 
  
 
  
 Destacam-se os seguintes traços marcantes do regime legal da suspensão 
 provisória do processo com particular interesse para apreciação das questões 
 relativas à violação da reserva de função jurisdicional e à independência dos 
 tribunais:  
 
  - O processo suspende-se na fase de inquérito, por decisão do Ministério 
 Público, mas com o consenso do arguido e do assistente e a concordância do juiz 
 de instrução, durante um prazo determinado que pode ir até 2 anos (artigo 282.º, 
 n.º1), mediante a sujeição do arguido a injunções e regras de conduta; 
 
 - Se o arguido cumprir as injunções ou as regras de conduta a que a suspensão 
 tenha ficado condicionada, o processo é arquivado (n.º 3 do artigo 282.º), isto 
 
 é, não chega a haver acusação e termos posteriores; 
 
 - Se o processo tiver entrado na fase de instrução, ainda pode optar-se pela 
 suspensão provisória do processo, obtida a concordância do Ministério Público, 
 sendo agora a decisão primária do juiz de instrução (n.º 2 do artigo 307.º).
 
  
 Estamos perante um instituto introduzido no ordenamento jurídico português pelo 
 Código de Processo Penal de 1987, constituindo uma limitação ao dever de o 
 Ministério Público deduzir acusação sempre que tenha indícios suficientes de que 
 certa pessoa foi o autor de um crime (artigo 283.º, n.º 1, do Código de Processo 
 Penal), deixando o princípio da legalidade na promoção do processo penal de ser 
 comandado por uma ideia de igualdade formal, para ser norteado pelas intenções 
 político-criminais básicas do sistema penal, assentes na ideia de que, visando 
 toda a intervenção penal a protecção de bens jurídicos e, sempre que possível, a 
 ressocialização do delinquente, é adequado que a intervenção formal de controlo 
 tenda para observar as máximas da mais lata diversão e da menor intervenção 
 socialmente suportáveis (Discutindo-se se esta realidade melhor se exprime pelo 
 conceito de oportunidade regulada ou de legalidade atenuada. No sentido de que 
 as hipóteses de cessação do dever de acusar positivadas no direito português não 
 significam necessariamente uma mudança de paradigma na perseguição penal, Pedro 
 Caeiro, “Legalidade e oportunidade: a perseguição penal entre o mito da ‘justiça 
 absoluta’ e o fetiche da ‘gestão eficiente’ do sistema”, in Revista do 
 Ministério Público, n.º 84, Outubro/Dezembro 2000, págs. 31 e segs.). Do ponto 
 de vista substantivo, é um dos casos de introdução de medidas de diversão 
 
 (diversão com intervenção; cf. sobre a tipologia das formas de diversão, 
 socorrendo-se da lição de Faria Costa em “Diversão (Desjudiciarização) e 
 Mediação: Que Rumos”, BFD-LXI, p. 91 e sgs, Pinto Torrão, A Relevância 
 Político-Criminal da Suspensão Provisória do Processo, p. 121) e consenso na 
 solução do conflito penal relativamente a situações de pequena e média 
 criminalidade, para cuja consagração concorrem tanto razões de funcionalidade do 
 sistema de justiça penal (desobstrução da máquina judicial e promoção da 
 economia e celeridade processuais, com isso se fortalecendo globalmente a crença 
 na efectividade dos mecanismos de reacção penal, com o que simultaneamente se 
 realiza o objectivo de prevenção), como de prossecução imediata de objectivos do 
 programa político-criminal substantivo (evitar a estigmatização e o efeito 
 dissocializador, ligados à submissão formal a julgamento, relativamente a 
 delinquentes ocasionais com prognóstico favorável, o que se insere no princípio 
 de redução da aplicação das sanções criminais ao mínimo indispensável).
 
  
 Além do consenso dos demais sujeitos processuais (Ministério Público, arguido e 
 assistente), a lei exige a concordância do juiz de instrução. Esta intervenção 
 de um juiz na suspensão provisória do processo em fase de inquérito não estava 
 inicialmente prevista (também não estava previsto que a suspensão pudesse ser 
 decretada na fase de instrução, o que veio a ser permitido pela Lei n.º 59/98, 
 de 25 de Agosto). Resultou de o Tribunal Constitucional se ter pronunciado, no 
 acórdão n.º 7/87, publicado no Diário da República, I Série, de 9 de Fevereiro 
 de 1987 (cf. também, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9º, págs. 7 e 
 segs.), pela inconstitucionalidade dos nºs 1 e 2 do artigo 281.º do Código de 
 Processo Penal, então ainda só aprovado em Conselho de Ministros pelo decreto 
 registado sob o n.º 754/86, que foi submetido a fiscalização preventiva de 
 constitucionalidade. De notar que o Tribunal não viu obstáculos de 
 constitucionalidade ao instituto da suspensão provisória do processo, em si 
 mesmo. O que não aceitou foi “a atribuição ao MP da competência para a suspensão 
 do processo e imposição das injunções e regras de conduta previstas na lei, sem 
 a intervenção de um juiz, naturalmente o juiz de instrução, e daí a 
 inconstitucionalidade, nessa medida, dos n.ºs 1 e 2 do artigo 281.º, por 
 violação dos artigos 206.º e 32.º n.º 4 da CRP”. E, posteriormente à entrada em 
 vigor do Código, o Tribunal reiterou o mesmo juízo de que a admissibilidade da 
 suspensão não levanta, em geral, qualquer obstáculo constitucional, no acórdão 
 n.º 244/99, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Julho de 1999.
 
  
 
 5. Não há que recuar na análise da questão de constitucionalidade ao ponto de 
 reabrir o debate sobre se a intervenção do juiz é (continua a ser) 
 constitucionalmente exigida para a suspensão provisória do processo, na fase de 
 inquérito, mediante a imposição ao arguido de injunções ou regras de conduta. O 
 que cumpre ao Tribunal averiguar, no presente recurso de fiscalização concreta 
 de constitucionalidade, é se dos termos em que o n.º 1 do artigo 281.º do Código 
 de Processo Penal consagra a intervenção do juiz de instrução criminal resulta a 
 violação de normas ou princípios constitucionais, designadamente dos que se 
 inscrevem nos artigos 202.º (reserva de função jurisdicional) e 203.º 
 
 (independência dos tribunais) da Constituição. 
 
  
 Comecemos por recordar que o artigo 202.º da Constituição preceitua no n.º 1 que 
 os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a 
 justiça em nome do povo e o n.º 2 que na administração da justiça incumbe aos 
 tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos 
 dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os 
 conflitos de interesses públicos e privados. É o princípio da reserva da função 
 jurisdicional aos tribunais [sobre este princípio, cf. os Acórdãos deste 
 Tribunal n.ºs 72/84, 56/85, 98/88 e 143/88 (Diário da República, II série, de 10 
 de Janeiro de 1985, de 28 de Maio de 1985, de 22 de Agosto de 1988 e de 15 de 
 Setembro de 1988, respectivamente)]. E que o artigo 203.º dispõe que os 
 tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei. Correspondem a 
 disposições constitucionais que se mantêm inalteradas desde a versão inicial da 
 Constituição, embora com aglutinações e renumerações [O artigo 202.º foi gerado 
 pela RC/89 que aglutinou no então artigo 205.º, que passou na RC/97 a artigo 
 
 202.º, os primitivos artigos 205.º e 206.º (correspondendo aos n.ºs 1 e 2 
 respectivamente, que são os que para o caso interessam) e 209.º (corresponde 
 actualmente ao n.º 3) e aditou o n.º 4. O artigo 203.º corresponde à renumeração 
 do artigo 206.º da RC/89 que renumerara o primitivo artigo 208.º].
 
  
 Um dos corolários ou dimensões do princípio da independência dos tribunais é o 
 de que o juiz, no exercício da sua função jurisdicional, apenas está submetido 
 
 às fontes de direito jurídico-constitucionalmente reconhecidas (independência 
 funcional). Por outro lado, como diz Gomes Canotilho, Direito Constitucional e 
 Teoria da Constituição, pág. 658, a independência judicial postula o 
 reconhecimento de uma reserva de jurisdição, entendida como reserva de um 
 conteúdo material típico da função jurisdicional, o que implica que em 
 determinadas matérias cabe ao juiz não apenas a última, mas também a primeira 
 palavra. É o que se passa, desde logo, no domínio tradicional das penas 
 restritivas da liberdade e das penas de natureza criminal na sua globalidade. Os 
 tribunais são os “guardiões da liberdade” e daí a consagração do princípio nulla 
 poena sine judicio (artigo 32.º, n.º 2, da CRP).
 
  
 A questão que agora é colocada ao Tribunal Constitucional tem relevantes pontos 
 de contacto com o que foi versado a propósito do sistema de determinação 
 concreta de competência permitido pelo n.º 3 do artigo 16.º do Código de 
 Processo Penal. Melhor dizendo: a crítica de constitucionalidade que é dirigida 
 
 à atribuição ao Ministério Público do poder de decidir a suspensão provisória do 
 processo mediante injunções e regras de conduta filia-se na mesma compreensão 
 das imposições que decorrem dos princípios constitucionais invocados na 
 modelação do processo penal quanto à repartição de funções entre o Ministério 
 Público e o juiz que levou a que se tivesse questionado a conformidade 
 constitucional daquela outra opção do legislador. Também a constitucionalidade 
 dessa norma foi posta em causa, além de outras razões, por violação da reserva 
 constitucional da função jurisdicional e da independência dos tribunais, em 
 virtude de permitir que a opção do Ministério Público condicionasse ou limitasse 
 o conteúdo da decisão hipoteticamente possível do juiz face ao conteúdo 
 abstracto da lei.
 
  
 
    O Tribunal julgou sempre essas críticas improcedentes, em abundante 
 jurisprudência iniciada com o acórdão n.º 393/89 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, n.º 13, págs. 1057 e segs.), de que se evidenciam as seguintes 
 passagens:
 
  
 
 “A independência dos tribunais conclama a independência dos juízes.
 A independência dos juízes, que é, acima de tudo, um dever ético-social, vem a 
 traduzir-se no dever de julgar «apenas segundo a Constituição e a lei», sem 
 sujeição, portanto, a quaisquer ordens ou instruções. Na interpretação e 
 aplicação das leis, hão-de, pois, os juízes agir sem outra obediência que não 
 seja aos ditames da sua própria consciência [cf. artigo 4.º da Lei n.º 21/85, de 
 
 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais)].
 Nenhum destes princípios é violado pelo artigo 16.º, n.º 3, do Código de 
 Processo Penal, pois quem julga é o juiz, e não o Ministério Público. É aquele, 
 e não este, quem fixa a medida concreta da pena, movendo-se para tanto dentro da 
 moldura abstracta fixada na lei.
 Sucede é que o juiz, ao fixar a pena do caso, não pode exceder três anos (cf. 
 citado artigo 16.º, n.º 4). Isso, porém, significa tão-só que ele não pode 
 utilizar toda a moldura abstracta constante do tipo.
 O Ministério Público condiciona, assim, a fixação da pena do caso: como 
 porta-voz que é do poder punitivo do Estado, diz ao juiz que, face às 
 circunstâncias do caso e tendo presentes os critérios legais de aplicação 
 concreta das penas, a colectividade que ele representa não pretende que ao réu 
 se aplique por aquele caso pena superior a três anos. E di-lo no exercício de um 
 poder expressamente definido na lei.
 Ora, isto não viola qualquer dos apontados princípios constitucionais.
 Escreve a propósito Figueiredo Dias:
 
   “O problema que então ficava para resolver era outro: era o de saber se, no 
 caso (decerto, excepcional) em que, no fim do julgamento, o juiz lograsse a 
 convicção de que deveria aplicar uma sanção em medida superior à 
 pré-determinada, deveria ter competência para a aplicar (e não há rigorosamente 
 nada na Constituição que o impedisse), ou seria preferível que limitasse a sua 
 convicção pelo máximo de medida da sanção que estava na sua competência normal 
 aplicar. A Comissão decidiu-se, no artigo 16.º, n.º 3, pela última alternativa 
 e, quanto a mim, com excelentes razões político-criminais, que seria deslocado 
 explanar aqui.
 
   O que interessa é acentuar que, deste modo – e como agora, porventura, já se 
 terá tornado claro –, o princípio da reserva da função jurisdicional permanece 
 intocado: é o juiz singular que julga, como é ele que determina concretamente a 
 sanção dentro dos limites abstractos em que a lei lhe permite que mova a sua 
 discricionaridade vinculada. A lei acrescento e acentuo – e só ela, de sorte 
 que a independência do juiz também não é, no que quer que seja, afectada. O que 
 sucede é que – e é isto o que há de singular no método de determinação concreta 
 da competência – «lei» não é apenas o preceito do Código Penal onde se prevêem 
 os limites abstractos das sanções aplicáveis; «lei» é também, e a igual título, 
 o preceito do Código que limite a convicção do juiz pelo máximo das sanções que 
 ele pode aplicar, quando o Ministério Público – como representante do Estado e 
 porta-voz, portanto, do seu poder punitivo – entenda que, no caso, aquele máximo 
 não deve ser ultrapassado. Esse entendimento tem na base um processo de 
 
 «aplicação do direito»? Decerto que sim, como o tem qualquer outro que o 
 Ministério Público assuma no exercício da acção penal e, nomeadamente, na sua 
 decisão de acusar ou antes de arquivar o processo: «aplicação do direito», 
 porém, não «jurisprudência». O Ministério Público co-determina deste modo, em 
 certa medida, o sentido da decisão final? Decerto que sim, como o codetermina 
 qualquer acto próprio de um sujeito processual, nomeadamente a sua decisão de 
 recorrer ou de não recorrer! Os poderes do juiz são assim limitados, para além 
 do que resulta da lei penal substantiva aplicável? Decerto que sim, como o são 
 através de inúmeros comportamentos dos sujeitos processuais, nomeadamente aquele 
 em que se traduz a fixação do objecto do processo pelo Ministério Público, ou – 
 
 de uma forma ainda mais paradigmática para o caso aqui em discussão – aquele 
 outro que põe em funcionamento a proibição de «reformatio in peius». De uma 
 forma ainda mais paradigmática, digo, porque a argumentação dos opositores desta 
 proibição – que, durante tantos anos, impediu a verdadeira conquista 
 democrática em que uma tal proibição se traduz – não era no fundo outra senão a 
 de que o regime próprio desta proibição tornaria parcialmente disponível o 
 objecto do processo e permitiria assim que a actuação processual dos eventuais 
 recorrentes subtraísse ao juiz funções que deveriam caber-lhe de forma 
 indisponível! 
 
   Toda esta linha de argumentação não colhe face a um processo penal dotado, nos 
 termos do artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, de «estrutura acusatória», Não 
 quero significar com isto que a estrutura acusatória do processo penal implique 
 por necessidade soluções como a da proibição da reformatio in peius ou a 
 constante do artigo 16.º, n.ºs 2 e 3. Digo, sim, que estas soluções são 
 compatíveis com aquela estrutura acusatória e devem ser compreendidas à sua luz; 
 e, ainda mais, que elas representam «um autêntico reforço da estrutura 
 acusatória do processo penal», sem por isso porem em causa o princípio da 
 investigação ou o carácter indisponível do objecto do processo: que elas 
 representam, numa palavra, a realização da «máxima acusatoriedade do processo 
 penal» compatível com os restantes princípios gerais que lhe presidem. Pela 
 simples e boa razão – que o conjunto do presente trabalho, mas nomeadamente a 
 sua parte final, procura tornar clara – de que levar ao ponto de censura 
 soluções como aquelas de que aqui se trata não significaria respeito pelos 
 princípios da indisponibilidade e da investigação: significaria, sim, conceder 
 a um processo de estrutura inquisitória, ou de estrutura mista 
 acusatória/inquisitória – esse, na verdade, irremediavelmente inconstitucional 
 perante o disposto no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição. 
 
   Julgo poder agora concluir: face à Constituição, tanto o sistema do projecto 
 como o do Código, relativos ao artigo 16.º, são perfeitamente legítimos. Não é, 
 pois, no domínio da arguição de inconstitucionalidade – que, a este como a 
 outros propósitos, mal encobre o circunstancialismo político e sociológico em 
 que hic et nunc se processam as relações institucionais e corporativas entre as 
 magistraturas judicial e do Ministério Público – que a discussão entre os dois 
 sistemas deve ser colocada. E, sim, no domínio das vantagens e desvantagens 
 político-criminais que cada um apresenta para a máxima realização possível das 
 finalidades antinómicas do processo penal que o problema deve ser posto e – 
 assim se espera – aprofundado no futuro. [cf. «Sobre os sujeitos processuais no 
 novo Código de Processo Pena1», Centro de Estudos Judiciários, Jornadas de 
 Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1988, pp. 3 
 e segs., especialmente pp. 19-22.]”.
 
  
 Esta doutrina é perfeitamente transponível para a crítica que a decisão 
 recorrida faz à violação da reserva de jurisdição e do princípio da 
 independência dos tribunais pela posição em que o juiz de instrução é colocado 
 face ao entendimento do Ministério Público de utilizar o mecanismo instituído 
 pelo artigo 281.º do Código de Processo Penal. 
 
  
 
 6. O facto de o juiz de instrução estar condicionado pela decisão do Ministério 
 Público, nomeadamente quanto à selecção das injunções e regras de conduta e à 
 determinação do período de suspensão do processo, mais precisamente, de o seu 
 leque de opções decisórias estar limitado à concordância ou discordância com a 
 anterior aplicação do direito ao caso feita pelo Ministério Público e pela 
 aceitação dos demais sujeitos processuais, não contende com o princípio 
 constitucional da independência dos tribunais. Do mesmo modo que não pode 
 considerar-se que assuma essa natureza ou tenha esse efeito o poder que o 
 Ministério Público tem de pôr ou não em funcionamento o órgão judicial através 
 do exercício da acção penal (cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I 
 Vol., p. 383) ou os termos em que apresenta a pretensão punitiva do Estado (ac. 
 n.º 393/89), também não belisca a independência funcional do juiz de instrução a 
 circunstância de o Ministério Público submeter a concordância judicial uma 
 decisão sua, que obteve já a aceitação dos restantes sujeitos processuais e que 
 consiste em renunciar à submissão imediata do caso a julgamento, sempre que as 
 exigências de prevenção geral e especial não requeiram a efectiva aplicação e 
 cumprimento de uma pena. Os termos em que o juiz decidirá se deve ou não dar a 
 sua concordância não dependem senão do que, em sua consciência, decorra da 
 situação de facto revelada pelo processo e dos comandos legais. Seja qual for a 
 extensão dos seus poderes – ainda naquela interpretação mais restritiva de que 
 ao juiz não cabe senão a apreciação dos pressupostos e condições da suspensão 
 que se analisem (ou na parte em que se analisem) num mero juízo verificativo de 
 conformidade à lei, estando-lhe vedada a intervenção nos juízos de prognose ou 
 na margem de apreciação por parte do titular da acção penal (a previsão da 
 alínea e) do n.º 1 e a adequação das injunções ou regras de conduta adoptadas) 
 
 –, a decisão do juiz não depende de quaisquer ordens ou instruções mas, 
 directamente e só, das fontes normativas a que constitucionalmente deve 
 obediência.  
 
  
 A limitação do campo de pronúncia judicial relativamente às possibilidades 
 abstractas da lei substantiva em decorrência das opções dos sujeitos processuais 
 
 é, aliás, embora sem carácter absoluto, postulada relativamente a todo o 
 processo judicial pelo princípio da imparcialidade e vai implicada noutros 
 princípios constitucionais do processo penal, designadamente no princípio do 
 acusatório e da proibição da reformatio in pejus. Mas a liberdade do acto de 
 julgar, que é a única vertente ou perspectiva da independência judicial de que 
 tem sentido falar-se a propósito da norma em causa, não sofre com o facto de não 
 caberem ao juiz de instrução quer a opção primária por suspender ou não o 
 processo, quer a escolha das injunções ou regras de conduta. O juiz de instrução 
 concordará ou não com a solução que lhe é apresentada, (i) livre de instruções 
 de qualquer tipo e provenientes de qualquer entidade, (ii) livre de toda a 
 espécie de pressões, directas ou indirectas, susceptíveis de influenciar a 
 declaração do direito do caso, (iii) cabendo-lhe encontrar a solução 
 juridicamente imposta, no âmbito dos poderes que é chamado a exercer. São estas 
 as condições da independência funcional dos juízes. Neste sentido, a maior ou 
 menor extensão dos poderes que exerce não torna o juiz mais ou menos 
 independente. 
 
  
 Acresce dizer, com Figueiredo Dias, «A “pretensão” a um juiz independente como 
 expressão do relacionamento democrático entre o cidadão e a justiça”», Sub 
 Judice, n.º 14 – Janeiro/Março de 1999, p. 27 e segs., que o estrito dever do 
 juiz de obediência à lei é um “mero limite externo da independência, que nada 
 tem a ver estruturalmente com ela e em nada pode, por isso, afectá-la”. É um 
 contrapolo da independência judicial, sem o que a função jurisdicional poderia 
 resvalar para o exercício de um poder democraticamente ilegítimo.
 
  
 Conclui-se, pois, que a norma em causa não viola o princípio da independência 
 dos tribunais e dos respectivos juízes, consagrado no artigo 203.º da 
 Constituição.
 
  
 
 7. Entende a decisão recorrida que também é infringido o artigo 202.º da 
 Constituição na medida em que não é um juiz (o juiz de instrução) quem decide a 
 suspensão do processo e a imposição de injunções e regras de conduta, mas antes 
 o Ministério Público. Passando a analisar este fundamento do juízo de 
 inconstitucionalidade efectuado pelo tribunal a quo, importa averiguar se a 
 decisão do Ministério Público pela suspensão provisória do processo 
 consubstancia um acto materialmente jurisdicional.
 
  
 O Ministério Público constitui, ao lado do tribunal, um órgão autónomo de 
 administração da justiça, constitucionalmente incumbido de “exercer a acção 
 penal orientada pelo princípio da legalidade”, que goza de estatuto próprio e de 
 autonomia, nos termos da lei, sendo integrado por magistrados hierarquicamente 
 subordinados que não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos 
 senão nos caos previstos na lei (artigo 219.º da Constituição). Cabe-lhe dirigir 
 o inquérito, o que implica necessariamente aplicar o direito e formular juízos. 
 Ao decidir-se, nesta fase, pela suspensão provisória do processo, o Ministério 
 Público opta por não exercer imediatamente a acção penal. Esse acto, em si 
 mesmo, não colide mais nem menos com o monopólio da função jurisdicional pelos 
 juízes do que o seu reverso: a dedução imediata da acusação. 
 
 É certo que tal opção pode tornar-se definitiva se as injunções ou regras de 
 conduta forem cumpridas. Mas não é por isso, pelo facto de a opção ser 
 potencialmente definitiva ou, mais exactamente, de coenvolver a expectativa de 
 que o processo virá a ser arquivado, sem a qual a opção pela suspensão não seria 
 tomada, que pode dizer-se que o Ministério Público pratica um acto materialmente 
 jurisdicional. Haverá, apenas, se esse vier a ser o desenvolvimento do processo, 
 um conflito que acabará por ser dissipado ou suprimido; não a sua resolução e, 
 muito menos a aplicação de qualquer pena, por entidade diversa do juiz. 
 
  
 Por outro lado, como o Tribunal reconheceu logo no acórdão n.º 7/87, 
 centrando-se sobretudo no parâmetro específico do n.º 4 do artigo 32.º da 
 Constituição, não há obstáculo de ordem constitucional à direcção do inquérito 
 pelo Ministério Público, como ele vem desenhado no Código, e a que lhe compita 
 encerrá-lo, arquivando-o ou deduzindo acusação. Não pode também havê-lo quanto a 
 algo que é um minus relativamente ao arquivamento, sempre que as exigências de 
 prevenção não justifiquem os custos do prosseguimento formal típico para os 
 propósitos político-criminais da intervenção mínima, da não-estigmatização do 
 agente, do consenso e da economia processual. E também o não há face ao artigo 
 
 202.º, porque a concretização da reserva para administrar justiça mediante a 
 atribuição de competência aos tribunais para reprimir a violação da legalidade 
 democrática (artigo 202.º, n.º 2 da Constituição) não é incompatível com 
 soluções em que a actuação do tribunal, mesmo no processo penal, seja 
 condicionada pelo impulso processual inicial ou sucessivo de outros sujeitos 
 processuais, nem impede que a intervenção do juiz de instrução se limite, na 
 fase de inquérito, a uma função de garantia, sempre que se torne necessária a 
 prática de actos que colidam com a esfera dos direitos, liberdades e garantias 
 
 (juiz de garantias ou juiz das liberdades).
 
  
 Acresce, por último, que o acto processual em causa – a decisão primária de 
 suspensão e escolha das injunções e regras de conduta – também não cabe em 
 qualquer das hipóteses singulares de reserva de acto jurisdicional ou “casos 
 constitucionais de reserva judicial” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pág. 792) no domínio do 
 processo penal, designadamente no n.º 2 do artigo 27.º da Constituição, porque 
 as injunções e regras de conduta não revestem a natureza jurídica de penas, 
 embora se consubstanciem em medidas que são seus “equivalentes funcionais” (Cf. 
 neste sentido Pinto Torrão, op. cit., pág. 192, Anabela Miranda Rodrigues, 
 Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal, pág. 
 
 193, e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2.ª ed., pág. 
 
 112). 
 E é assim por três razões fundamentais. Trata-se de uma sanção a que não está 
 ligada a censura ético-jurídica da pena, nem a correspondente comprovação da 
 culpa. Ao arguido cabe decidir, na sua estratégia de defesa, se aceita 
 submeter-se a tais injunções e regras de conduta ou se prefere que o processo 
 prossiga para julgamento. E a todo o momento pode a elas subtrair-se – 
 obviamente se não forem de execução instantânea –, bastando-lhe deixar de 
 cumpri-las (n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal).
 
  
 Em conclusão, a norma do artigo 281.º do Código de Processo Penal, na 
 interpretação de que, na fase de inquérito, cabe ao Ministério Público a 
 competência para decidir a suspensão provisória do processo, com a concordância 
 do juiz de instrução, também não viola a reserva de função jurisdicional 
 consagrada nos n.ºs 1 e 2 do artigo 202.º da Constituição.
 
  
 
 8. Na razão terceira do despacho recorrido, o tribunal a quo considerou, ainda, 
 que o artigo 281.º do Código de Processo Penal também é inconstitucional quando 
 interpretado em conjunto com o disposto no artigo 64.º do Código de Processo 
 Penal, no sentido de ser dispensada a assistência de defensor ao arguido no acto 
 em que este é chamado a concordar com a suspensão provisória do processo e com 
 as injunções e regras de conduta que lhe são apresentadas pelo Ministério 
 Público.
 
  
 Quanto a esta questão é conveniente começar por precisar um aspecto: no contexto 
 do despacho recorrido “ser dispensada a assistência de defensor ao arguido” 
 significa “não ser imposta a obrigatoriedade de assistência de defensor ao 
 arguido”. Aquilo que o juiz “a quo” censura ao legislador ordinário não é violar 
 o direito do arguido “a não estar só”, mas infringir o dever do Estado de “não 
 deixá-lo só” perante as autoridades judiciárias.
 
  
 O n.º 3 do artigo 32º da Constituição remete para a lei a definição dos casos em 
 que é obrigatória a assistência por advogado, o que significa que cabe no âmbito 
 da liberdade de conformação do legislador a selecção das situações em que a 
 assistência deve ser obrigatória. E, embora seja constitucionalmente exigível 
 que essa selecção seja materialmente adequada à relevância dos diversos actos e 
 fases do processo criminal, desde logo por ser condição de garantia dos direitos 
 de defesa do arguido (cf. acórdão n.º 413/2004, Diário da República, II Série, 
 de 23 de Julho de 2004), a verdade é que não se encontra razão para que essa 
 obrigatoriedade se imponha ao legislador, de modo taxativo, para todos os casos 
 de suspensão provisória do processo, como subjaz ao entendimento perfilhado pelo 
 despacho recorrido.
 
  
 Efectivamente, o que aqui pode estar em causa, o objectivo específico da 
 assistência de defensor para o acto de concordância, é assegurar que a 
 aceitação, pelo arguido, da suspensão do processo e das injunções ou regras de 
 conduta, traduza um consentimento informado, isto é, que seja o produto de uma 
 vontade esclarecida quanto à ponderação das vantagens e desvantagens ligadas às 
 alternativas em presença. Alternativas e consequências que, na generalidade dos 
 casos, são facilmente inteligíveis e representáveis, sem necessidade de 
 aconselhamento técnico-jurídico, por um arguido dotado de normal capacidade 
 intelectual e volitiva e experiência da vida. 
 
  
 Assim, o legislador não faz um uso materialmente inadequado da margem de 
 conformação que lhe é outorgada no n.º 3 do artigo 32.º da Constituição ao não 
 incluir o acto de concordância pelo arguido com a suspensão provisória do 
 processo no elenco daqueles em que taxativamente e sem excepção tem de ser 
 assegurada a presença de defensor (n.º 1 do artigo 64.º do Código de Processo 
 Penal). Basta, para que o comando constitucional se considere cumprido, 
 relativamente às situações cabíveis no tipo de acto em causa no artigo 281.º, o 
 disposto na cláusula geral do n.º 2 do artigo 64.º do Código de Processo Penal 
 que prescreve, além dos casos previstos no número anterior, o poder-dever de o 
 tribunal nomear defensor ao arguido, oficiosamente ou a pedido deste, sempre que 
 as circunstâncias do caso revelarem a necessidade ou a conveniência de o arguido 
 ser assistido por defensor.
 
  
 Cumpre, aliás, recordar que o presente recurso de constitucionalidade respeita a 
 uma situação em que está em causa a aceitação da suspensão provisória do 
 processo, pelo período de dois meses, mediante o pagamento de duas prestações 
 mensais a favor de uma instituição de solidariedade social e não praticar, 
 durante o período de suspensão do processo, qualquer facto criminalmente punível 
 a título de dolo. O que demonstra, pela evidência do exemplo, que a preocupação 
 que afligiu o despacho recorrido só em concreto pode ser resolvida e tem na 
 claúsula geral solução normativa idónea.
 
  
 Tanto basta para que se conclua que a norma do artigo 281.º em conjunto com o 
 artigo 64.º do mesmo Código, interpretada no sentido de ser dispensada a 
 assistência de defensor ao arguido no acto em que este é chamado a dar a sua 
 concordância à suspensão provisória do processo, não viola o n.º 3 do artigo 
 
 32.º da Constituição».
 
  
 
 É esta jurisprudência – para cuja fundamentação se remete – que agora se 
 reitera.
 
  
 III. Decisão
 
    Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, determinando a 
 reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido quanto à questão de 
 constitucionalidade.
 
    Sem custas.
 Lisboa, 8 de Fevereiro de 2006
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício