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Processo nº 414/05
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
    Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Tributário:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
    1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 
 
 78-Aº da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da 
 Decisão Sumária proferida pelo relator que julgou não tomar conhecimento do 
 recurso interposto para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal 
 de Justiça (STJ), de 11 de Janeiro de 2005, completado pelo acórdão posterior 
 que indeferiu o pedido da sua aclaração, acórdão aquele que negou a revista 
 pedida no recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de 
 Lisboa, de 18 de Março de 2004.
 
  
 
    2 – A decisão sumária, ora reclamada, é do seguinte teor:
 
  
 
    «1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na 
 alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua 
 actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 11 de 
 Janeiro de 2005, completado pela decisão posterior que indeferiu o pedido da sua 
 aclaração, acórdão aquele que negou a revista pedida no recurso interposto do 
 acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Março de 2004.
 
  
 
    2 – O ora recorrente interpôs ao abrigo do disposto no art. 369º do Código 
 Administrativo, acção declarativa, com processo ordinário, contra o Estado 
 Português, pedindo a sua condenação a pagar ao Município de Abrantes, a título 
 de indemnização por perdas e danos, a quantia de 10.800.000.000$00, acrescida 
 dos juros que se vencerem, à taxa legal de 15% ao ano, desde a citação até 
 integral pagamento ou, subsidiariamente, apenas para a hipótese de improcedência 
 do pedido principal, a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de 
 
 2.700.000.000$00, acrescida de juros calculados sobre esse montante, à taxa 
 legal de 15% ao ano, desde 20 de Dezembro de 1993 até integral pagamento.
 
    Como causa de pedir alegou, em síntese, que, por força da isenção da sisa 
 devida pela constituição, por escritura de 24/11/1993, de um direito de 
 superfície sobre dois prédios urbanos por banda da B., S.A., em favor da C, 
 S.A., que foi concedida por despacho do Sudirector-Geral das Contribuições e 
 Impostos, o Município de Abrantes deixou de receber a quantia de 2 
 
 700.000.000$00. Todavia, por força do disposto no art. 7º, n.º 7, da Lei das 
 Finanças Locais, n.º 1/87, de 6 de Janeiro, as isenções e reduções de sisa “que 
 venham a ser concedidas” e que não sejam determinadas ipso jure pela lei 
 vigente, categoria na qual se inclui a concedida, dão lugar à compensação em 
 favor do respectivo município. 
 
    Todavia, não obstante, a concessão dessa compensação tivesse sido objecto de 
 discussão a quando da apreciação do Orçamento para o ano de 1994, o certo é que 
 a mesma veio a ser omitida na Lei que o aprovou – a Lei n.º 75/93, de 20 de 
 Dezembro. 
 
    Deste modo, “a rejeição da inscrição da verba correspondente no Orçamento 
 Geral do Estado para 1994 teve como consequência a produção, por parte da 
 Assembleia da República, de uma lei que, por omissão, violou frontalmente o 
 direito do referido Município e infringiu o princípio constitucional da 
 autonomia financeira das autarquias locais”, causando ao Município de Abrantes 
 um prejuízo de 2. 700.000.000$00, a título de dano emergente, e um dano global 
 no valor de 10 800.000.000$00, tendo em conta os investimentos que poderia 
 fazer, em regime de comparticipação com o Fundo Europeu de Desenvolvimento 
 Regional e o Estado, com aquela quantia.
 
  
 
    3 – A acção foi julgada improcedente e o Estado absolvido do pedido, por se 
 haver considerado que a norma do art. 7º, n.º 7, da Lei nº 1/87 fora tacitamente 
 revogada.
 
  
 
    4 – Desta sentença, o Autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação de 
 Lisboa que negou provimento à apelação, com base, em resumo, nas seguintes 
 considerações que aqui se deixam transcritas, por haverem sido assumidas, por 
 inteiro, pelo acórdão recorrido, do STJ:
 
  
 
 «1. Da responsabilidade civil
 Pretende o Apelante seja o Estado condenado no pagamento de uma indemnização em 
 virtude de a Assembleia da República, na discussão na especialidade da proposta 
 de Lei do Orçamento Geral do Estado para o ano de 1994, ter rejeitado duas 
 propostas que visavam a introdução de um artigo no sentido de atribuir uma 
 compensação ao Município de Abrantes relativa à isenção do imposto de sisa que 
 seria devido pela constituição, a favor da sociedade C., S.A., de um direito de 
 superfície sobre dois prédios urbanos situados naquele Município. 
 Consequentemente, por omissão, tal verba não foi inscrita no Orçamento Geral 
 para o ano de 1994, assim lesando a Autarquia.
 
  
 Comecemos por analisar o instituto da responsabilidade civil.
 Como refere Manuel Carneiro da Frada[1] a responsabilidade civil é um instituto 
 jurídico que comunga da tarefa primordial do Direito que consiste na “ordenação 
 e distribuição dos riscos e contingências que afectam a vida dos sujeitos e a 
 sua coexistência social”.
 Mas seja qual for o ponto vista sobre o qual se encare este instituto, para o 
 Apelante ver ressarcido o alegado prejuízo do Município, sempre terão de se 
 mostrar reunidos determinados pressupostos da responsabilidade civil, 
 genericamente enunciados pelo art. 483, nº 1, CC, consistindo esta “na obrigação 
 de reparar os danos sofridos por alguém. Trata-se de indemnizar os prejuízos de 
 que esse alguém foi vítima”[2].
 Adoptando-se a sistematização avançada por Antunes Varela[3], diga-se que, para 
 existir a responsabilidade civil, necessária se torna a presença de um facto, da 
 ilicitude, da imputação do facto ao lesante, a existência de danos e de um nexo 
 de causalidade entre o facto e o dano.
 Excepcionalmente, e tal como resulta do regime constante dos arts. 499º a 510º, 
 do Código Civil, pode alguém ser responsabilizado, independentemente de culpa: é 
 o caso de responsabilidade objectiva, pelo risco, em determinadas 
 circunstâncias, quando as necessidades sociais de segurança se sobrepõem às 
 considerações de justiça alicerçadas sobre o plano das situações individuais.
 A excepcionalidade dos tipos de casos de responsabilidade pelo risco, para além 
 de prescindir da culpa do lesante, não exige, sequer, como pressuposto 
 necessário, a ilicitude da conduta. A responsabilidade pode assentar aqui sobre 
 um facto natural (um acontecimento), um facto de terceiro ou até um facto do 
 próprio lesado.
 
  
 
 2. O art. 22º da CRP
 Estamos, no entanto, diante de uma situação de características particulares: em 
 causa está a responsabilidade civil do Estado, por actos legislativos.
 Dispõe o art. 22º da Constituição da República Portuguesa:
 
 “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma 
 solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções 
 ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse 
 exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou 
 prejuízos para outrem.
 Ele abrange, inter alia, a responsabilidade do Estado pelos danos causados aos 
 cidadãos (art. 22º, CRP).
 Consagra este dispositivo da nossa Constituição, um direito fundamental de 
 natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias e, por consequência, é 
 directamente aplicável e pode ser invocado pelos particulares para fazer valer 
 uma pretensão de indemnização contra o Estado legislador: “Corolário do Estado 
 de Direito Democrático, o princípio da responsabilidade do Estado, desenhado nas 
 disposições constitucionais referidas, parece abranger todas as actividades do 
 Estado causadoras de dano, sem excluir as exercidas pelos órgãos políticos, 
 legislativos e jurisdicionais, pelo menos, quando os prejuízos resultem da 
 violação de direitos liberdades e garantias constitucionalmente consagradas” 
 
 [4].
 O princípio da responsabilidade do Estado é um dos princípios estruturantes do 
 Estado de Direito democrático, enquanto elemento do direito geral das pessoas à 
 excepção dos danos causados por outrem.
 Citando Vital Moreira e Gomes Canotilho[5], na sua “vertente de Estado de 
 Direito, o princípio do Estado de Direito democrático, mais do que constitutivo 
 de preceitos jurídicos, é sobretudo integrador de um amplo conjunto de regras e 
 princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia da 
 sujeição do poder a princípios e regras jurídicas”.
 O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma 
 solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções 
 ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse 
 exercício, resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo 
 para outrem[6].
 Ou seja, o art. 22º da CRP estatui o princípio da responsabilidade patrimonial 
 directa das entidades públicas por danos causados aos cidadãos. Embora confira 
 dignidade constitucional ao princípio da responsabilidade civil extracontratual 
 das entidades públicas, o art. 22º da Constituição não especifica se os actos 
 que podem dar origem a essa responsabilidade do Estado são apenas os actos de 
 administração ou também actos legislativos e actos judiciais. Assim, deixada à 
 lei ordinária eventual concretização de diferentes tipos dessa responsabilidade 
 e a fixação dos especiais pressupostos de cada um deles, tem-se, no entanto, 
 aceite a aplicação directa e imediata desse preceito em relação a todos os actos 
 supramencionados.
 
  
 Impõe-se, pois, dilucidar a questão da responsabilidade civil do Estado por 
 factos lícitos – danos resultantes da Função Legislativa.
 No domínio da nossa Constituição de 1933, inexistia qualquer princípio idêntico 
 ao consagrado no art. 22º da nossa Lei Fundamental actual.
 Opinava, então, a generalidade dos autores, que de uma lei nunca poderia derivar 
 um especial e particular prejuízo dado que tal situação estaria afastada pelo 
 carácter geral da lei – sua essencial característica. Se a lei é por essência 
 uma regra geral e impessoal, nunca pode ser causa de um prejuízo especial e 
 individualizado, pois isso repugnaria à sua própria natureza.
 Face ao teor do art. 22º da CRP actual geram-se opiniões diversas.
 Para alguns constitucionalistas houve uma posição de recusa em admitir que a 
 citada disposição legal, estatuísse uma obrigação de indemnização por violação 
 pelo Estado, no exercício da função legislativa, de direitos, liberdades e 
 garantias.
 Contudo, é hoje profusa a Doutrina e Jurisprudência que ancoram, no art. 22º da 
 CRP, o direito do particular à reparação por virtude da prática de acto 
 legislativo lesivo dos seus direitos, liberdades e garantias.
 
  
 A discussão surge, porém, quanto a saber se no predito art. 22º estão 
 englobadas, quer a responsabilidade civil por actos legislativos ilícitos, quer 
 pelos lícitos, quer a responsabilidade civil objectiva do Estado.
 Propendemos a defender, que aquele preceito legal apenas consagra a 
 responsabilidade por factos ilícitos e culposos.
 Na esteira do Acórdão da Relação de Lisboa de 20/05/1997[7], sufragamos, por 
 inteiro, a opinião constante do estudo “Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do 
 Estado por Actos Legislativos”, de Rui Medeiros, de acordo com a qual, o art. 
 
 22º da CRP, se refere unicamente à responsabilidade por factos ilícitos e 
 culposos por parte do Estado.
 Diz Rui Medeiros[8] que “o art. 22º da CRP prescreve uma responsabilidade 
 solidária do Estado com os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes”.
 Ora, “mal se compreenderia que a Constituição afirmasse um princípio geral de 
 responsabilidade objectiva do Estado e, ao mesmo tempo, impusesse uma 
 responsabilidade solidária dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes: a 
 responsabilização dos autores materiais do facto que causa um prejuízo especial 
 e anormal, independentemente da ilicitude e da culpa, constituiria, para eles, 
 um encargo insuportável e totalmente injustificado.
 A referência do art. 22º à obrigação solidária dispensa, por isso, uma alusão 
 expressa à culpa, pois este requisito está implícito na previsão da 
 responsabilidade dos titulares dos órgãos ou agentes do Estado que praticaram o 
 facto”.
 A responsabilidade solidária consagrada no art. 22º da CRP, depende, portanto, 
 da existência de um facto ilícito e culposo”[9].
 
 À afirmação de Gomes Canotilho-Vital Moreira de que o art. 22º não pode deixar 
 de abranger a responsabilidade por actos lícitos e pelo risco pois, caso 
 contrário, ficaria lesado o princípio geral da reparação de danos causados a 
 outrem, responde aquele autor que, em “primeiro lugar, alguns dos casos mais 
 graves de danos resultantes de factos não culposos, seja no domínio do direito à 
 liberdade, seja no vasto campo dos direitos patrimoniais, são expressamente 
 previstos pela Constituição” e em segundo lugar, que “o princípio do Estado de 
 Direito pode, excepcionalmente, fundamentar uma pretensão autónoma de 
 indemnização não expressamente prevista na Constituição, designadamente em 
 relação a danos graves resultantes da violação não culposa de direitos, 
 liberdades e garantias, não sendo por isso necessário o alargamento do âmbito do 
 art. 22º da CRP”[10].
 Por outro lado, segundo este autor, há ainda que considerar que o Estado de 
 Direito não postula a aceitação generalizada da responsabilidade objectiva. A 
 Lei Constitucional e a lei ordinária “… poderão alargar o âmbito do direito de 
 indemnização por danos resultantes de acções ou omissões não culposas, mas o 
 art. 22º na sua redacção actual não impõe esse alargamento”[11].
 No mesmo sentido, Marcelo Rebelo de Sousa refere que a “Constituição que nos 
 rege, quer no art. 22º, quer no art. 271º, nºs 1, 2 e 3, é tributária da visão 
 hoje mais clássica, ainda que democrática, de relacionamento entre 
 responsabilidades. Do facto decorre que não cabe no art. 22º a responsabilidade 
 de entidades públicas que não suponha responsabilidade de titulares dos seus 
 
 órgãos ou agentes”.
 
 “Como a responsabilidade destes supõe sempre a ilicitude, o art. 22º não 
 comporta a responsabilidade civil de entidades públicas por acto lícito. A sua 
 expressão final ‘prejuízo de outrem’ visa englobar todos os casos de ilicitude 
 que não se reconduzem à violação de direitos, liberdades e garantias, a saber a 
 violação de outros ‘direitos e interesses legalmente protegidos’, ou interesses 
 legítimos (…)[12].
 E acrescenta, ainda, o referido Autor, “quer do art. 22º, quer do art. 271º, n.º 
 
 1, não consta qualquer referência a culpa mas tão-somente a ilicitude, 
 relativamente à conduta de funcionários e agentes. Simplesmente, (…) não faz 
 sentido a responsabilidade civil objectiva do funcionário e agente. Assim sendo, 
 
 é com base na responsabilidade civil em princípio subjectiva de ambos e de 
 titulares dos órgãos administrativos que se perfila a responsabilidade civil das 
 correspondentes entidades públicas”[13].
 
  
 Em súmula, o art. 22º da CRP prevê tão só a responsabilidade civil do Estado 
 assente na culpa, quando ocorra violação de um direito subjectivo 
 constitucionalmente protegido ou quando de acção ou omissão resulte prejuízo 
 para o cidadão.
 No dizer de Dimas Lacerda[14], só “com uma interpretação abrogante do preceito 
 nos pareceria possível incluir nele a responsabilização por danos decorrentes da 
 prática de actos lícitos danosos e de actividades portadoras de risco ou excluir 
 a responsabilidade dos agentes em casos de mera culpa, quando a norma, 
 explicitamente, consagra a responsabilidade solidária”.
 E assim, embora o disposto no art. 22º da Constituição da República Portuguesa 
 possa ser invocado pelos particulares, visando a atribuição de uma indemnização 
 pelo Estado, este apenas poderá ser responsabilizado por omissão legislativa, 
 desde que esta seja reconhecidamente considerada ilícita e culposa[15]. 
 Ficando assim delimitado o conteúdo do art. 22º da CRP aos casos de 
 responsabilidade civil por facto ilícito impõe-se a análise da verificação, no 
 caso sub úria, dos pressupostos decorrentes da lei geral – art. 483º, do Código 
 Civil – ínsitos ao dever de indemnizar.
 In casu, está em questão a eventual caracterização do acto legislativo do Estado 
 
 (omissão de legislação) como acto ilícito.
 
 “Acto ilícito é o acto contrário ao direito. No contexto do instituto da 
 responsabilidade civil, o conceito da ilicitude tem um significado bem preciso: 
 indica ele aquela forma particular de contraditoriedade ao direito que fornece 
 um pressuposto típico da génese de um dever de indemnizar; que contém em si 
 mesma força suficiente para dar vida a uma relação obrigacional nos termos da 
 qual o autor do acto ilícito se constitui em dever de ressarcir”[16].
 Como refere Gomes Canotilho[17], ao Estado, no exercício do poder legislativo, 
 
 “está vedada a emanação de leis inconstitucionais lesivas de direitos, 
 liberdades e garantias (dimensão proibitiva da cláusula de vinculação); por 
 outro lado, incumbe-lhe o dever de conformar as relações da vida, as relações 
 entre o Estado e os cidadãos e as relações entre os indivíduos segundo as normas 
 garantidoras daqueles direitos, liberdades e garantias (dimensão positiva da 
 vinculação do legislador). Apontando a Constituição para a vinculação de todos 
 os actos normativos (leis, regulamentos, estatutos, contratos colectivos de 
 trabalho…), isto significa que a cláusula de vinculação se refere a legislador 
 em sentido extensivo”.
 
  
 
 3. A Lei das Finanças Locais
 Vejamos agora o caso sub úria.
 Em causa está a omissão legislativa que consiste no facto do Orçamento do Estado 
 para 1994, aprovado pela lei nº 75/93 de 20/12, não ter previsto a compensação a 
 que alude o art. 7º nº 7 da lei de Finanças Locais.
 Efectivamente, ficou provado que o Estado isentou, em 06/10/93, a C., S.A. do 
 pagamento do imposto de sisa devido pela constituição a favor desta do direito 
 de superfície sobre dois prédios sitos em Abrantes. Tal isenção baseou-se no 
 disposto no art. 11º, n.º 26, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do 
 Imposto sobre as Sucessões e Doações.
 Ora, o citado art. 7º, n.º 7, da LFL, aprovada pela lei nº 1/87 de 06/01, 
 vigente à data dos factos, refere que: “Os municípios serão compensados através 
 de verba a inscrever no Orçamento do Estado ou nos Orçamentos das Regiões 
 Autónomas pela isenção ou redução dos impostos referidos na alínea a) do nº 1 do 
 art. 4º que venham a ser concedidas para além das actualmente estabelecidas pela 
 legislação em vigor.
 E, de acordo com a al. A) do referido art. 4º, n.º 1, a), o imposto de sisa é 
 receita do município.
 Porém, o Orçamento do Estado para 1994, não previu a compensação a que alude o 
 art. 7º, n.º 7, da lei de Finanças Locais, ou seja, não inscreveu a verba 
 correspondente à receita que o Município de Abrantes deixou de arrecadar. 
 Argumenta o Apelante que o legislador violou o art. 7º, n.º 7, da Lei das 
 Finanças Locais, que sendo especial relativamente à Lei de Enquadramento do 
 Orçamento Geral do Estado (como resulta do art. 240º da CRP), de harmonia com o 
 art. 7º, n.º 3, do Código Civil, não pode ser (tacitamente) revogada pela lei 
 geral.
 
  
 
 3.1. Lei com valor reforçado
 Segundo Gomes Canotilho[18] a Lei do Orçamento é hoje considerada uma lei 
 material e não meramente formal, nada impedindo em princípio que ela altere ou 
 revogue leis materiais existentes. Apenas incorrerá em ilegalidade se a lei 
 alterada ou revogada for uma lei “reforçada”.
 As leis de valor reforçado aparecem concretizadas no art. 112º, nº 3, da 
 Constituição e que podem ser de quatro categorias: as leis orgânicas, as leis 
 que carecem de aprovação por maioria de dois terços, as leis que por força da 
 Constituição sejam pressuposto normativo necessário de outras leis, as leis que 
 por outras devem ser respeitadas.
 Na ausência de uma definição expressa, o valor reforçado das leis, com esse 
 valor, há-de decorrer da conjugação de dois critérios essenciais: o da sua 
 proeminência funcional enquanto fundamento material da validade normativa de 
 outros actos e o da sua força formal negativa, enquanto portadora de uma 
 especial protecção face aos efeitos derrogatórios produzidos por lei posterior.
 A garantia de autonomia financeira das autarquias locais que a Constituição 
 consagra depende do concreto regime acolhido na Lei das Finanças Locais a que 
 alude o n.º 2 do art. 240º da Constituição, subordinando as finalidades da justa 
 repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e da necessária 
 correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau.
 Ora, no nosso sistema constitucional, “a Lei do Orçamento constitui uma lei 
 material especial, não confinada no seu conteúdo ao mero quadro contabilístico 
 de receitas e despesas, aprovada ao abrigo da competência política e legislativa 
 do Parlamento, definida, assim, como elemento integrante da reserva de 
 Parlamento e sujeita a reserva absoluta de lei formal, emitida no quadro da 
 participação do Parlamento no exercício da função de direcção política estadual, 
 que plasma no seu conteúdo um programa económico-financeiro anual, desfrutando o 
 Parlamento de uma assinalável amplitude de poderes de apreciação, expressa, 
 desde logo, na liberdade de iniciativa dos Deputados para apresentação de 
 propostas de alteração não sujeitas a qualquer limite especifico”[19] 
 Sendo a nossa Lei Fundamental um diploma decididamente intervencionista, 
 configurado num Estado social e democrático de direito, parece claro que a 
 actividade financeira do Estado não pode permanecer imune a essa vertente 
 intervencionista e transformadora da sociedade.
 
 “Esta marca intervencionista do Estado de direito democrático traduz-se (…) na 
 atribuição a Lei do Orçamento do particular valor de lei especial de programação 
 económico-financeira da actividade do Estado, cuja elaboração e aprovação 
 constitui parte integrante do exercício da função de direcção política do Estado 
 em que directamente participa a instituição parlamentar, na base da qual estão 
 valorações de ordem política, económica e social de relevo que explicam a “força 
 expansiva” do diploma orçamental e a inelutável superação da sua tradicional 
 vocação de mero quadro contabilístico de receitas e despesas totalmente 
 vinculado a execução do ordenamento jurídico pré-existente”[20].
 A regra do n.º 2 do artigo 108º da Constituição, quando estatui que o Orçamento 
 deve ser elaborado de harmonia com as grandes opções do plano anual e tendo em 
 conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato, refere-se ao Orçamento 
 propriamente dito e apenas a este, produzindo uma vinculação do seu conteúdo 
 face ao ordenamento úr-existente, mas em tal vinculação não se pode ter por 
 compreendida a própria Lei do Orçamento.
 Segundo António Vitorino,[21] “o citado preceito constitucional tem o sentido 
 
 útil de garantir a inscrição orçamental das verbas necessárias ao cumprimento 
 das obrigações decorrentes de lei ou de contrato que não tenham sido objecto de 
 alteração expressa na própria Lei do Orçamento, isto é, em relação às quais o 
 livre poder de apreciação do Parlamento quanto às suas implicações orçamentais, 
 quando cotejadas com as prioridades definidas no plano económico-financeiro 
 anual, não tenha levado a conclusão da sua insubsistência ou suspensão em termos 
 directamente assumidos.
 Conclui-se, no Acórdão do TC de 11/11/92, a que vimos fazendo referência, que se 
 tem por constitucionalmente legítimo que a Lei do Orçamento altere a Lei das 
 Finanças Locais (fonte legal das obrigações a que alude o nº 2 do art. 108º da 
 Constituição).
 Por isso, o art. 240º da Constituição não constitui elemento suficiente para se 
 poder afirmar que, no sistema constitucional, a Lei das Finanças Locais 
 beneficia de um tal valor reforçado, pois a previsão de que o regime das 
 finanças locais será estabelecido por lei em nada difere de inúmeras remissões 
 para a lei que a Constituição contem em diversos preceitos.
 Assim, a Constituição não postula nenhum sistema de autovinculação da Assembleia 
 da República ao regime das finanças locais.
 Ainda que se possa considerar como mais adequado – tendo em vista os fins 
 constitucionalmente fixados ao regime das finanças locais e os valores da 
 previsibilidade e da segurança da gestão financeira das autarquias locais em 
 função da garantia da sua própria autonomia – um sistema que assente em regras 
 dotadas de especial valor normativo e de condições de estabilidade, a verdade é 
 que não é o modelo constitucionalmente exigido.
 Em suma, a Lei do Orçamento pode revogar ou alterar a Lei das Finanças Locais, 
 pois esta não assume em relação àquela o valor de “lei com valor reforçado”.
 
  
 
 3.2. Lei especial
 Alega o Apelante que a Lei das Finanças Locais é lei especial do regime 
 financeiro das autarquias locais, em contraponto com a Lei do Enquadramento do 
 Orçamento do Estado, que é a lei geral do regime financeiro do sector público, 
 pelo que a Lei do Orçamento Geral não pode revogar aquela.
 Porém, como também notou o Digno Magistrado do MP nas contra-ordenações 
 apresentadas, não foi a Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado que, por 
 omissão, violou o alegado direito de compensação, mas sim a Lei do Orçamento 
 Geral do Estado para o ano de 1994, ao não inscrever a verba correspondente.
 A questão que se coloca é, pois, a de saber se a Lei da Finanças Locais deve ser 
 tida como especial relativamente à Lei do Orçamento Geral do Estado.
 De acordo com o art. 7º do CC a lei só deixa de vigorar se for revogada, podendo 
 essa revogação resultar, como refere o nº 2, da incompatibilidade entre as novas 
 disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a lei regular toda a 
 matéria da anterior lei.
 O n.º 3 do citado preceito refere ainda que a lei geral não revoga a lei 
 especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.
 
 “A revogação será tácita quando deriva de um conflito directo e substancial 
 entre os preceitos das duas leis ou a circunstância de uma lei estabelecer um 
 novo regime completo das relações em causa, regulando toda a matéria já 
 disciplinada pela anterior, pois daqui se deduz a vontade do legislador de 
 liquidar o passado estabelecendo um novo sistema de princípios completo e 
 autónomo”[22].
 
  
 Consoante a maior ou menor extensão das relações jurídicas que tutelam, as leis 
 podem ser gerais, especiais e excepcionais.
 As primeiras determinam ou fixam condições as condições e limites dentro dos 
 quais tem que desenvolver-se a actividade de cada um nas suas relações com os 
 outros ou com a sociedade. A igualdade de todos perante a lei, e a conveniência 
 de uniformizar o procedimento dos cidadãos em casos idênticos, dão às leis, 
 ordinariamente, o carácter de generalidade, que as torna aplicáveis a todas as 
 pessoas, a todos os bens e a todos os actos, a respeito dos quais possam 
 verificar-se as relações jurídicas, a que as mesmas leis se referem.
 No entanto, algumas vezes, em atenção a considerações de carácter político, ou 
 económico, julga-se necessário estabelecer normas particulares para certas 
 matérias especiais, que só a estas normas, e não ao direito geral e comum, ficam 
 sujeitas. As leis que regulam estas matérias denominam-se especiais.
 Mas nem só as leis especiais restringem a natural extensão das leis gerais. 
 Assim, as leis excepcionais, que são todas aquelas que regulam de modo contrário 
 ou diverso do estabelecido na lei geral ou especial certos factos ou casos, que 
 por sua própria natureza deviam compreender-se nelas[23].
 De onde se conclui que a diferença essencial entre as normas especiais e as 
 excepcionais assenta no facto de as primeiras, regulando um sector relativamente 
 restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que, ao contrário das 
 segundas, não está em directa oposição com a disciplina geral.
 Logo, a Lei das Finanças Locais não se encontra, no tocante à Lei do Orçamento 
 Geral do Estado, numa relação de especialidade, na medida em que não regula uma 
 matéria que constitua espécie do género da que é regulada pela Lei do Orçamento.
 A Lei das Finanças Locais não contém o plano financeiro das autarquias locais – 
 ao contrário do que sucede com a lei do Orçamento Geral do Estado que contém o 
 plano financeiro do Estado para um determinado ano económico. 
 Assim, a Lei do Orçamento Geral do Estado pode revogar, ou conter normas 
 revogatórias, da Lei das Finanças Locais e essa revogação tanto poderá ser 
 expressa como tácita, sendo que esta última se há-se inferir a partir de uma 
 conduta concludente do legislador, determinada por via interpretativa.[24]
 Neste aspecto, os trabalhos preparatórios de aprovação da lei do orçamento 
 relativo ao ano de 1994, têm um valor elucidativo acerca da vigência ou não do 
 art. 7º, n.º 7, da lei das Finanças Locais, dado que fornecem uma indicação 
 directa sobre a vontade efectiva do legislador quanto à manutenção da vigência 
 daquela norma.
 Ora, ao contrário do afirmado pelo Apelante, não podem restar dúvidas de que a 
 recusa, expressa, de inserção na Lei do Orçamento, de norma prevendo o direito 
 do Município de Abrantes à compensação resultante da isenção de sisa 
 
 –representada pela rejeição, no debate na especialidade, de duas propostas de 
 introdução na lei do orçamento, de uma norma com esse preciso conteúdo – tem que 
 ser entendida como uma conduta concludente do legislador no sentido da cessação 
 da vigência da referida norma da lei das Finanças locais.
 Ainda que se entendesse a Lei das Finanças Locais é lei especial, sempre seria 
 de concluir que o seu art. 7º, n.º 7, estava tacitamente revogado, com 
 fundamento no n.º 3 do art. 7º do CC, na medida em que, atento o acima referido, 
 mostra-se inequívoca a vontade do legislador em fazer cessar a vigência da 
 mencionada norma da Lei das Finanças Locais.
 Com isto se afasta igualmente a afirmação contida nas conclusões do Apelante, de 
 que admitir a revogação tácita de qualquer das normas da Lei das Finanças 
 Locais, por efeito da sua inobservância pelas sucessivas Leis do Orçamento Geral 
 do Estado, significaria admitir a violação do princípio da confiança, ínsito na 
 ideia de Estado de Direito democrático, afrontando directamente o artigo 2º da 
 CRP.
 
 É que, como se viu, não estamos perante uma inobservância da Lei das Finanças 
 Locais, mas sim perante a revogação tácita de um dos seus normativos legais, por 
 força da Lei do Orçamento de 1994. E não houve violação do princípio da 
 confiança – os cidadãos têm de poder confiar, de algum modo, na previsibilidade 
 do direito, como forma de orientação de vida, de modo a que a lei, no seu devir, 
 nunca afecte aquele mínimo de certeza ou segurança – na medida em que tal 
 princípio não pode, em direito público, colidir com as justificadas opções da 
 Assembleia da República, no uso da ampla competência política e legislativa que 
 detém, em ordem à realização da política económica, social e financeira que 
 repute mais justa e que incluiu a aprovação das leis do plano e do orçamento 
 
 (art. 164º da Constituição).
 
  
 Por último há que ter presente que a competência política significa que, em 
 termos constitucionais, o acto orçamental exige uma participação necessária do 
 Parlamento – reserva do Parlamento e o exercício dessa competência política é 
 indelegável, sendo o orçamento aprovado através da lei (art. 164º, al. H)), 
 facto que se traduz na indispensabilidade de reserva absoluta de lei formal.
 Tal significa que, a pretensão do Apelante colide, desde logo, com o âmbito da 
 exclusiva e indelegável competência material, funcional e orgânica, da 
 Assembleia da República (que rejeitou duas propostas de lei), não podendo, por 
 via da presente acção, obter o mesmo efeito jurídico, que, inequivocamente, 
 aquele órgão quis rejeitar.
 Na verdade, na nossa ordem jurídica vigora o princípio da separação orgânica e 
 política – constitucional de poderes e da indisponibilidade de competências, nos 
 termos do qual nenhum órgão de soberania pode delegar ou intrometer-se no núcleo 
 de funções pertencente a outro órgão (art. 114º da CRP).
 Os tribunais, enquanto órgãos do Estado dotados de independência, têm por função 
 administrar a justiça (art. 205º da CRP) e não a de proceder à alteração ou 
 criação de leis.
 Aos tribunais cabe, certamente, declarar o direito constituído, mas, jamais a 
 criação ou a alteração de leis.
 Como faz notar Gomes Canotilho[25], quando hoje se defende a pretensão à 
 legislação e o correspondente direito de acção perante os tribunais não se pode 
 pretender a substituição do legislador pelo juiz com a consequente emanação 
 judicial de uma norma, nem pela correcção, a título incidental, da omissão 
 legislativa.
 Em conclusão, não estamos, no caso concreto, perante um comportamento ilícito do 
 Estado Português no exercício da função legislativa, pelo que, faltando o 
 pressuposto da ilicitude, afastada fica a violação do art. 22º da CRP e a 
 consequente responsabilidade civil do Estado».
 
  
 
    5 – Inconformado, o Autor interpôs recurso para o STJ, pedindo a revista da 
 decisão recorrida, com base, na parte que interessa à economia desta decisão, 
 nos seguintes fundamentos, condensados nas conclusões da sua alegação:
 
  
 
 «1ª) Ao contrário do que foi decidido pelo acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça, de 30 de Outubro de 1996 (B.M.J./460º/753), não é possível 
 considerar-se tacitamente revogada uma disposição legal, sem que na ordem 
 jurídica seja introduzida, de novo, qualquer norma com ela incompatível, que 
 tenha o efeito de fazer cessar a vigência da primeira, por incompatibilidade 
 entre as novas disposições e as regras precedentes, ou uma nova lei que regule 
 toda a matéria da lei anterior, nos termos previstos pelo artigo 7º do Código 
 Civil;
 
 2ª) Muito menos pode admitir-se o entendimento, nesse mesmo acórdão adoptado, 
 segundo o qual se pudesse considerar como tacitamente revogada uma norma legal, 
 pelo simples facto de no Orçamento Geral do Estado, e na respectiva Lei de 
 aprovação, não terem sido levadas em conta obrigações dessa norma decorrentes, 
 com a sua consequente inobservância, sem que tal norma tivesse sido 
 expressamente revogada pela Lei do Orçamento Geral do Estado, e sem que da mesma 
 Lei, ou de qualquer outra, constem novas regras legais, com aquela 
 incompatíveis, que importassem a sua revogação tacita;
 
 3ª) Seria bizarro admitir-se, mesmo que apenas de modo implícito, a 
 possibilidade de que uma norma legal fosse objecto de revogação tácita, 
 sucessivamente, por sucessivas leis, nomeadamente, Leis do Orçamento Geral do 
 Estado; repristinando-se, e renascendo das cinzas, como a Fénix, logo a seguir, 
 retomando a sua vigência no preciso momento em que seria tacitamente revogada, 
 isto é, no momento do início da vigência de cada respectiva Lei do Orçamento 
 Geral do Estado;
 
 4ª) Semelhante entendimento, além de ilógico, introduziria no sistema jurídico 
 um mecanismo perverso, gravemente atentatório do princípio da confiança, ínsito 
 na ideia de Estado de Direito, pelo que a inconstitucionalidade material de tão 
 abstrusa quanto arbitrária solução normativa decorreria da flagrante violação, 
 que necessariamente implicaria, do artigo 2º da Constituição da República;
 
 5ª) Não pode, por conseguinte considerar-se tacitamente revogado o artigo 7º, 
 n.º 7, da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro (Lei das Finanças Locais) pelo simples 
 facto de não terem sido levadas em conta as obrigações decorrentes do respectivo 
 comando legal, pelas sucessivas Leis do Orçamento Geral do Estado, aprovadas 
 durante a sua vigência, que se manteve, sem interrupção, até à entrada em vigor 
 da nova Lei das Finanças Locais, nº 42/98, de 6 de Agosto;».
 
  
 
    6 – O STJ, pelo acórdão ora recorrido, negou provimento à revista, com base 
 na fundamentação que, na parte, agora, pertinente, se transcreve:
 
  
 
 «A questão colocada nas ditas conclusões resume-se, praticamente, na apreciação 
 do artigo 7º, n.º 7, da Lei nº 1/87 Lei das Finanças Locais), melhor dito, se 
 este preceito foi, ou não, tacitamente revogado pela proposta de Lei n.º 75/93, 
 de 20.12, que rejeitou – e aqui reside a vontade política supra referida – (no 
 debate na especialidade), duas propostas que visavam a introdução de um artigo 
 que possibilitasse a atribuição ao Município de Abrantes de uma compensação pelo 
 não recebimento por parte desse Município do imposto de sisa que, em termos de 
 normalidade, deveria ter recebido pela constituição a favor da C. de um direito 
 de superfície sobre dois prédios.
 Temos, assim, que houve discussão na Assembleia da República da questão sub 
 judicie, tendo-se optado e decidido pela não inclusão de tal artigo.
 Não estamos, desta forma, perante uma “omissão legislativa” pura, qual lapso 
 motivado por falta de melhor reflexão ou oportunidade, mas antes perante decisão 
 política de não atribuição da dita compensação, com as consequências normais de 
 tal decisão decorrentes, seja, o propósito de revogar o artigo 7º, n.º 7, da Lei 
 das Finanças Locais.
 Acresce, e é certo, o facto de, indubitavelmente, com base no artigo 22º da 
 Constituição da República, qualquer particular poder solicitar uma indemnização 
 ao Estado, em caso de verificação de uma omissão legislativa, impondo-se, no 
 entanto que essa omissão seja ilícita e também culposa.
 Mas tal não é bastante.
 Na verdade, como este Supremo Tribunal de Justiça já decidiu (cfr. Acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça de 7.2.2002 publicado na Colectânea de 
 Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano 2002, Tomo I, Pg. 86, “I- Do 
 artigo 22º da C.R.P. resulta também a possibilidade do Estado ser 
 responsabilizado por omissão de oportuno e capaz exercício da função 
 legislativa. II- Porém, a existência de tal responsabilidade depende ainda da 
 verificação dos pressupostos consignados no artigo 483ºdo Código Civil, e bem 
 assim de outros eventualmente previstos em legislação especial (avulsa).
 E se, como referimos, não estamos face a uma “pura” “omissão legislativa”, mas 
 antes, como se disse, perante uma opção parlamentar (concorde-se, ou não, com 
 ela), por outro lado, não se mostra também que esses referidos pressupostos 
 gerais previstos no artigo 483º do Código Civil estejam integralmente 
 preenchidos.
 Sem dúvida que a questão é melindrosa e de não muito fácil resolução.
 Porém, analisando, como, de facto, analisámos com todo o pormenor e atenção, 
 todo o acórdão recorrido, a uma conclusão chegámos: nada temos a censurar, mas 
 muito pelo contrário, à forma estruturada e escalpelizada, assim como 
 fundamentada, como o dito acórdão foi produzido. Todas as questões que 
 importavam ser tratadas, foram abordadas de uma forma sequencial correcta, 
 expressando uma cadeia de raciocínio adequado, que merece, da nossa parte, uma 
 adesão absoluta.
 De resto o dito acórdão apoia-se na jurisprudência dos nossos mais Altos 
 Tribunais, quer deste Supremo Tribunal de Justiça, como mesmo do próprio 
 Tribunal Constitucional. E também nos nossos mais consagrados especialistas em 
 Direito Constitucional e doutrinadores em geral, que amiudadas vezes, não só são 
 referidos, como, muitas das vezes até citados, sendo os seus ensinamentos 
 transcritos como meios justificativos das opções/decisões dos autores do acórdão 
 recorrido, ora posto à nossa consideração.
 A inexistência de qualquer inconstitucionalidade, assim como a conclusão de que 
 o artigo 7º, n.º 7, da Lei das Finanças Locais foi, tacitamente, revogado, pela 
 Lei do Orçamento Geral de 1994 – cerne da questão que nos ocupa – foram tratadas 
 de forma altamente pormenorizada e com toda a razoabilidade e mestria, tendo, 
 para tanto, assumido especial importância a conclusão (demonstrada) que não 
 sendo a Lei das Finanças Locais uma lei de “valor reforçado”, nem mesmo 
 especial, nada obstava a que pudesse ser revogada tacitamente pela Lei do 
 Orçamento Geral do Estado; e tacitamente, será bom aqui o relevar, porque, 
 discutida que foi a inclusão, ou não, na dita Lei de um artigo que viabilizasse 
 a aludida “compensação”, foi decidido que o não seria, decisão essa tomada por 
 quem tinha o poder de o fazer.
 
 É indiscutível a incompatibilização entre a Lei das Finanças Locais 
 
 (nomeadamente o seu artigo 7º nº 7), que meramente é relativa a concelhos, com a 
 Lei do Orçamento Geral do Estado, que pela sua própria natureza, visa e se 
 destina a um país inteiro, pelo que não se torna defensável, no nosso 
 entendimento também, que esta não pudesse revogar aquela, caso fosse esse, como 
 se demonstrou que foi, a vontade política dos representantes do povo, seja os 
 deputados.
 Finalmente, não é crível que se possa defender que por via dos tribunais se 
 possa pretender atingir os fins que o próprio poder legislativo, pretendeu, logo 
 
 à partida, denegar.».
 
  
 
    7 – Notificado desta decisão do STJ, o Autor apresentou, em 24 de Janeiro de 
 
 2005, perante esse Tribunal o requerimento do seguinte teor:
 
  
 
 «A., A. Nos autos acima referenciados, 
 
  
 
 - notificado do douto acórdão neles proferido,
 
  
 
 - não se conformando com a, aliás, douta decisão proferida,
 
  
 
 - sendo certo que ela aplicou norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada 
 durante o processo,
 
  
 
 - da mesma pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
 
  
 A peça processual na qual foi, pelo Requerente, suscitada a questão da 
 inconstitucionalidade foi, nomeadamente, e além de outras, a alegação oferecida 
 no recurso de revista, expressamente, na 4ª das conclusões aí enunciadas.
 
  
 O preceito constitucional violado é o do art. 2º da Constituição da República.
 
  
 A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie é a 
 constante do artigo 1º da Lei nº 75/93, de 20 de Dezembro, interpretada no 
 sentido em que o foi, segundo o qual comporta a revogação tácita do artigo 7º, 
 n.º 7, da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro.
 
  
 Sem embargo, e porque não foi explicitamente citado esse normativo, único 
 dispositivo do citado diploma com a virtual potencialidade de dele se poder 
 extrair um sentido revogatório do dito artigo 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87, de 6 
 de Janeiro – ao abrigo do disposto nos artigos 669º, n.º 1, al. A), do Cód. 
 Proc. Civil, aplicável ex vi do disposto nos respectivos artigos 716º e 732º, 
 requer-se o esclarecimento do douto acórdão impugnado, em termos de se indicar 
 como norma interpretada e aplicada com o indicado alcance, materialmente 
 inconstitucional, salvo o devido respeito, de comportar e implicar a revogação 
 tácita do falado art. 7º, nº 7, da Lei das Finanças Locais, a do artigo 1º da 
 Lei nº 75/93, de 20 de Dezembro.
 
  
 Nestes termos, esclarecido que seja o douto acórdão proferido, por ter 
 legitimidade e estar em tempo, requer a V. Exa. Se digne julgar interposto o 
 recurso, o qual deverá subir imediatamente, nos autos, com efeito meramente 
 devolutivo, de harmonia com o disposto no art. 78º, nº 3, do citado diploma 
 legal.».
 
  
 
    8 – Por despacho do relator, no STJ, de 15 de Fevereiro de 2005, foi admitido 
 o recurso interposto pelo recorrente para o Tribunal Constitucional.
 
  
 
    9 – Notificado deste despacho de admissão do recurso, veio o Autor 
 apresentar, no STJ, o requerimento do seguinte teor:
 
  
 
 «A., A. Nos autos acima referenciados,
 
  
 
 - notificado do douto despacho que admitiu o recurso que interpôs para o 
 Tribunal Constitucional,
 
  
 
 - com a devida vénia, vem dizer que não foi tomado em consideração, o pedido de 
 esclarecimento constante da parte final do respectivo requerimento, feito em 
 tempo devido, nos seguintes termos
 
 “Sem embargo, e porque não foi explicitamente citado esse normativo, único 
 dispositivo do citado diploma com a virtual potencialidade de dele se poder 
 extrair um sentido revogatório do dito artigo 7º, n.º 7, da Lei nº 1/87, de 6 de 
 Janeiro – ao abrigo do disposto nos artigos 669º, nº 1, al. A), do Cod. Proc. 
 Civil, aplicável ex vi do disposto nos respectivos artigos 716º e 732º requer-se 
 o esclarecimento do douto acórdão impugnado, em termos de se indicar como norma 
 interpretada e aplicada com o indicado alcance, materialmente inconstitucional, 
 salvo o devido respeito, de comportar e implicar a revogação tácita do falado 
 art. 7º, nº 7, da Lei das Finanças Locais, a do artigo 1º da Lei nº 75/93, de 20 
 de Dezembro.”
 
  
 Não parece que outra possa ser a norma alegadamente revogatória, senão aquela 
 que se indicou, interpretada nesse sentido, de cuja inconstitucionalidade se 
 reclama.
 
  
 Como, porém, o douto acórdão recorrido a não mencionou explicitamente, e atento 
 o disposto no art. 75º-A, n.º 1, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, 
 entende o ora Requerente que, salvo o devido respeito, pode e deve esse Alto 
 Tribunal pronunciar-se sobre o requerido esclarecimento.
 
  
 Aliás, na conclusão do anterior requerimento, expressou-se o ora Requerente com 
 bastante clareza:
 
 “Nestes termos, esclarecido que seja o douto acórdão proferido, por ter 
 legitimidade e estar em tempo, requer a V Exa se digne julgar interposto o 
 recurso, o qual deverá subir imediatamente, nos autos, com efeito meramente 
 devolutivo, de harmonia com o disposto no art. 78º, n.º 3, do citado diploma 
 legal.”
 
  
 Decerto por lapso, mau grado ter sido cumprido o disposto no art. 670º, n.º 1, 
 do Cód. Proc. Civil, esse esclarecimento não foi feito, podendo ainda ter lugar, 
 sem prejuízo do douto despacho de admissão do recurso, por ser independente 
 dele, visando apenas um esclarecimento complementar da fundamentação do douto 
 acórdão proferido, cujo conteúdo decisório não é afectado.».
 
    
 
    10 – Apreciando o pedido de aclaração formulado pelo Autor, o STJ proferiu, 
 em 19 de Abril de 2004, o acórdão do seguinte teor:
 
  
 
 «A. veio, para além de interpor recurso para o Tribunal Constitucional do 
 acórdão de fls. 948 e segs., pedir o esclarecimento do mesmo acórdão, em termos 
 de ser expressamente indicada e citada a norma da Lei n.º 75/93, de 20.12, 
 
 “único dispositivo do citado diploma com a virtual potencialidade de dele se 
 poder extrair um sentido revogatório do dito artigo 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87, 
 de 6 de Janeiro”.
 Faz este pedido ao abrigo do prescrito no artigo 669º, n.º 1, al. A) do Código 
 Processo Civil.
 Porém, nos termos do artigo 666º, n.º 1, do Código Processo Civil “proferida a 
 sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à 
 matéria da causa”, referindo o seu n.º 2 que “ é lícito, porém, ao juiz 
 rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na 
 sentença e reformá-la, nos termos dos artigos seguintes.
 E prescreve o artigo 669º do mesmo diploma, a propósito da possibilidade de 
 esclarecimento ou reforma da sentença, que:
 
 “1. Pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença:
 
 9               O esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela 
 contenha;
 Ora será neste quadro legal que importará apreciar da bondade do requerido.
 Constata-se, então, que nenhuma obscuridade ou ambiguidade se verificam no 
 acórdão recorrido,  que é absolutamente claro, mesmo linear, tendo-se nele 
 aderido, inteiramente, à decisão e correspondente fundamentação do acórdão 
 proferido pela Relação, pelo que, obviamente nada haverá a esclarecer ou a 
 reformar.
 O acórdão será obscuro quando contenha algum passo cujo sentido seja 
 ininteligível e será ambíguo quando alguma passagem se preste a interpretações 
 diferentes.
 Este o entendimento da nossa jurisprudência, bem expressa, por exemplo, no 
 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.3.1995, publicado no Boletim do 
 Ministério da Justiça nº 445º, 388.
 Entende o requerente que se deveria ter citado com precisão o artigo 1º da Lei 
 n.º 75/93, cuja inconstitucionalidade se pretende venha a ser apreciada, já que 
 no acórdão recorrido apenas se referiu a Lei n.º 75/93 como “normativo” que 
 tacitamente terá revogado o artigo 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87 (Lei das Finanças 
 Locais), cerne da questão.
 
  
 
 É certo que tal preceito não foi citado de forma expressa, antes se referindo, 
 meramente, a Lei nº 75/93.
 No entanto, também não é agora possível fazê-lo, porquanto tal facto não 
 constitui qualquer obscuridade ou ambiguidade, sendo certo que está esgotado o 
 poder jurisdicional deste tribunal.
 Porém, o interessante é que o requerente nas suas alegações de recurso, também 
 nunca referiu, com precisão, o dito artigo, antes argumentando, tão só, com 
 referências à Lei n.º 75/93.
 Em suma: jamais esse preceito foi expressamente invocado por quem agora invoca a 
 necessidade da sua inequívoca explicitação…
 Assim ACORDAM, em conferência, os juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em 
 indeferir ao requerido.
 Custas pelo requerente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi atribuído».
 
  
 
    11 – Como resulta do acima exposto, o recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional foi admitido por despacho do relator, no STJ. Todavia, como se 
 diz no n.º 3 do art. 76º da LTC, este despacho não vincula o Tribunal 
 Constitucional. E porque se configura uma situação que se enquadra na hipótese 
 recortada no n.º 1 do art. 78º-A da LTC, passa a proferir-se imediatamente 
 decisão sobre o recurso.
 
  
 
    12 – Vem o presente recurso interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º, 
 n.º 1, da LTC. Para poder conhecer-se deste tipo de recurso, torna-se 
 necessário, a mais do esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma 
 impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que 
 a inconstitucionalidade desta tenha sido suscitada durante o processo. E este 
 requisito deve ser entendido, segundo a jurisprudência constante deste Tribunal 
 
 (veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 352/94, in Diário da República II Série, de 
 
 6 de Setembro de 1994), “não num sentido meramente formal (tal que a 
 inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas 
 
 “num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido 
 feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”, 
 
 “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma 
 questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é exigido 
 pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em via de 
 recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal 
 recorrido pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º 
 
 560/94, Diário da República, II, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o Acórdão n.º 
 
 155/95, in Diário da República, II série, de 20 de Junho de 1995). 
 
    É por isso que se entende que não constituem já momentos processualmente 
 idóneos aqueles que são abrangidos pelos incidentes de arguição de nulidades, 
 pedidos de aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a obtenção de 
 decisão com aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento ou 
 modificação, com base em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia ter 
 pronunciado (cf., entre outros, os acórdãos n.º 496/99, publicado no Diário da 
 República II Série, de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 33º vol., p. 663; n.º 374/00, publicado no Diário da República 
 II Série, de 13 de Julho de 2000, BMJ 499º, p. 77, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 47º vol., p.713; n.º 674/99, publicado no Diário da República II 
 Série, de 25 de Fevereiro de 2000, BMJ 492º, p. 62, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 45º vol., p. 559; n.º 155/00, publicado no Diário da República 
 II Série, de 9 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º 
 vol., p. 821, e n.º 364/00, inédito).
 Por outro lado, recorde-se que no direito constitucional português vigente, 
 apenas as normas são objecto de fiscalização de constitucionalidade concentrada 
 em via de recurso (cfr., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 
 
 18/96, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Maio de 1996, e J. 
 J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 
 Coimbra, 1998, p. 821), com exclusão dos actos de outra natureza, 
 designadamente, das decisões judiciais em si mesmas.
 Assim, se a norma que se pretende ver apreciada corresponde apenas a uma 
 dimensão interpretativa de um ou mais preceitos, exige-se, pelo menos, que se 
 enuncie ou se deixe clara tal interpretação. Como este Tribunal afirmou, por 
 exemplo, no Acórdão n.º 178/95 (Diário da República II Série, de 21 de Junho de 
 
 1995), impõe-se que o recorrente tenha “(…) indicado (…) o segmento de cada 
 norma, a dimensão normativa de cada preceito – o sentido ou interpretação, em 
 suma – que [tem] por violador da Constituição”. 
 De facto, tendo a questão da constitucionalidade de ser suscitada de forma clara 
 e perceptível (cf., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, in Diário da República, 
 II Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma 
 certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa 
 interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme 
 com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o 
 tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários 
 daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em 
 causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental.
 
  
 
 13 – Ora, face ao exposto, resulta que o recorrente devia ter suscitado “durante 
 o processo”, entendido este requisito nos termos acima expostos, a questão de 
 inconstitucionalidade, por violação do disposto no art. 2º da Constituição, “da 
 norma do art. 1º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, interpretada no sentido de 
 a mesma estatuir uma revogação tácita do art. 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87, de 6 
 de Janeiro”, cuja apreciação agora pretende do Tribunal Constitucional.
 Todavia, o recorrente apenas identificou essa norma do art. 1º da Lei n.º 75/93 
 como constituindo a norma a cuja aplicação imputa a solução do caso, e que apoda 
 como sendo desconforme com o disposto no art. 2º da Constituição, no 
 requerimento em que pediu a aclaração do acórdão que lhe negou a revista 
 interposta do acórdão da Relação de Lisboa.
 Por outro lado – e independentemente da correcção do entendimento jurídico 
 adoptado pelas instâncias, de tomar como possível, juridicamente, o 
 estabelecimento de uma estatuição de uma revogação tácita da norma do art. 7º, 
 n.º 7, da referida Lei n.º 1/87, com base apenas na actuação adoptada pelo 
 legislador parlamentar nos trabalhos de discussão que conduziram à aprovação da 
 Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro (Lei que aprovou o Orçamento do Estado para o 
 ano de 1994) – constata-se que nem, sequer, o acórdão recorrido (aliás, na 
 esteira do acórdão da Relação que sindicou) identificou essa norma, tida por 
 inconstitucional, como constituindo a norma revogatória do regime constante do 
 art. 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87. 
 Todo o discurso argumentativo desenrolado pelas instâncias – e ao qual o acórdão 
 recorrido aderiu – é no sentido de a estatuição normativa revogatória decorrer 
 da concreta atitude que o legislador parlamentar tomou na discussão da Lei que 
 veio a aprovar o Orçamento do Estado para o ano de 1994.
 Quer dizer que nem tão pouco se pode entender que o acórdão recorrido haja 
 considerado que a estatuição normativa de revogação do art. 7º, n.º 7, da Lei 
 n.º 1/87 se mostra estabelecido em uma norma, concretamente precisada, da Lei 
 n.º 75/93 ou sequer em um conjunto da suas normas.
 Foi precisamente por se ter dado conta que lhe faltava a identificação de uma 
 norma constante de um diploma legal cujo conteúdo normativo prescrevesse a 
 revogação do art. 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87, que pudesse constituir o objecto 
 do recurso de constitucionalidade que pretendeu interpor que o ora recorrente 
 lançou mão do pedido de aclaração acima transcrito.
 Só que o STJ entendeu que – bem ou mal decidida a causa – nada havia a aclarar 
 no discurso que ditara a sua solução.
 Sendo assim, verifica-se que o recorrente nunca suscitou a questão da 
 inconstitucionalidade da referida norma do art. 1º da Lei n.º 75/93 e, 
 consequentemente, que esta não pode constituir objecto do presente recurso.
 Por outro lado, não podem tomar-se como constituindo objecto do recurso de 
 constitucionalidade todos os preceitos que integram a Lei n.º 75/93, pois que 
 estes dispõem sobre as mais variadas matérias, envolvendo, entre o mais, quer a 
 autorização anual para a cobrança dos impostos previstos na lei e a realização 
 das despesas previstas nos diversos mapas que integram o Orçamento, quer a 
 alteração ou o aditamento de normas fiscais, de natureza substantiva ou 
 adjectiva, quer a concessão de autorização de endividamento público, etc.
 Deste modo, não pode ver-se em todo o leque de normas que integram a Lei n.º 
 
 75/93 a estatuição revogatória do art. 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87 cuja 
 constitucionalidade o recorrente pretende sindicar. 
 
  
 
 14 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar 
 conhecimento do recurso.
 Custas pelo recorrente (sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia), com 
 taxa de justiça que se fixa em 8 Ucs».
 
  
 
    3 – Como fundamentos da sua reclamação, o reclamante aduz a seguinte 
 argumentação:
 
  
 
    «A., Recorrente nos autos acima referenciados,
 
  
 
    - notificado da douta decisão sumária, que antecede, da mesma reclama para a 
 conferência, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º 3, da Lei Orgânica do 
 Tribunal Constitucional, nos termos e com os fundamentos seguintes:
 
  
 
    Na sua primitiva redacção, a Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, Lei de 
 Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional, remetia a tramitação do 
 recurso em processos de fiscalização concreta para “as normas do Código de 
 Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação (art. 69º).
 
  
 
    Para tentar obviar ao abuso verificado na interposição de recursos para o 
 Tribunal Constitucional (no exercício, aliás, embora exaustivo, do legítimo 
 direito de defesa, que não resultaria prejudicado, estancando-se o abuso, se se 
 adoptasse o regime de subida imediata, em separado, e com efeito meramente 
 devolutivo) – a Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, introduziu alterações, 
 nomeadamente consubstanciadas nos requisitos definidos no art. 75º-A, que 
 aditou.
 
  
 
    A razão de ser da necessidade de indicação da norma cuja 
 inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie e da 
 norma ou princípio constitucional que se considera violado prende-se com aquele 
 escopo, e traduz-se na imposição de uma metodologia de rigor, tendente a 
 disciplinar a interposição dos recursos, por forma a impedir, logo à partida, 
 recursos manifestamente inviáveis e infundados, que não assentam, numa 
 justificada arguição de inconstitucionalidade de concretas normas jurídicas.
 
  
 
    Ilustrando, insofismavelmente, a natureza metodológica, ou o carácter 
 instrumental, dessas indicações, a levar em conta no requerimento de 
 interposição do recurso, o n.º 5 do art. 75º-A, citado, prescreve que, “se o 
 requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos 
 previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa 
 indicação no prazo de 10 dias”.
 
  
 
    E, mais, preceitua o respectivo n.º 6 que “o disposto nos números anteriores 
 
 é aplicável pelo relator no Tribunal Constitucional, quando o juiz ou o relator 
 que admitiu o recurso de constitucionalidade não tiver feito o convite referido 
 no n.º 5” (redacção introduzida pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro).
 
  
 
    E só “se o requerente não responder ao convite efectuado pelo relator no 
 Tribunal Constitucional, o recurso é logo julgado deserto” (n.º 7).
 
  
 
    Ou seja, para começar, e salvo o devido respeito, não foi observado o 
 disposto no n.º 6 do art. 75º-A da Lei de Organização e Funcionamento do 
 Tribunal Constitucional – o que tem como consequência a prática de nulidade 
 processual, que assim, deste modo, expressamente se invoca, pela omissão de acto 
 que a lei prescreve, susceptível de influir no exame ou na decisão de causa 
 
 (arts. 69º, da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional, e 
 
 201º, n.º 1; e 205º, n.º 1, do Cód. Proc. Civ.).
 
  
 
    Curiosamente, porém (ou nem tanto!), se tivesse sido observado, como cumpria, 
 o disposto no art. 75º-A, n.º 6, da Lei da Organização e Funcionamento do 
 Tribunal Constitucional, o Recorrente teria de repetir aquilo que já disse no 
 requerimento de interposição do recurso.
 
  
 
    “A peça processual na qual foi, pelo Requerente, suscitada a questão da 
 inconstitucionalidade foi, nomeadamente, e além de outras, a alegação oferecida 
 no recurso de revista, expressamente, na 4ª das conclusões aí enunciadas.
 
  
 
    O preceito constitucional violado é o do art. 2º da Constituição da 
 República.”
 
  
 
  
 
    Ou seja, o que é espantoso: 
 
  
 
    O requerimento de interposição do recurso observa inteiramente os requisitos 
 exigidos pelo citado artigo 75º-A, nºs 1 e 2, da Lei de Organização e 
 Funcionamento do Tribunal Constitucional.
 
  
 
    Com efeito, também dele consta, ipsis verbis, o seguinte: 
 
  
 
    “A peça processual na qual foi, pelo Requerente, suscitada a questão da 
 inconstitucionalidade foi, nomeadamente, e além de outras, a alegação oferecida 
 no recurso de revista, expressamente, na 4ª das conclusões aí enunciadas.”
 
  
 
    Na verdade, também, nas conclusões da alegação do recurso da revista ficou 
 consignado, também ipsis verbis, o seguinte, com destaque para o teor da 4ª 
 Conclusão, que se sublinha: 
 
    “1ª) Ao contrário do que foi decidido pelo acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça, de 30 de Outubro de 1996 (B.M.J./460º/753), não é possível 
 considerar-se tacitamente revogada uma disposição legal, sem que na ordem 
 jurídica seja introduzida, de novo, qualquer norma com ela incompatível, que 
 tenha o efeito de fazer cessar a vigência da primeira, por incompatibilidade 
 entre as novas disposições e as regras precedentes, ou uma nova lei que regule 
 toda a matéria da lei anterior, nos termos previstos pelo artigo 7º do Código 
 Civil;
 
  
 
    2ª) Muito menos pode admitir-se o entendimento, nesse mesmo acórdão adoptado, 
 segundo o qual se pudesse considerar como tacitamente revogada uma norma legal, 
 pelo simples facto de no Orçamento Geral do Estado, e na respectiva Lei de 
 aprovação, não terem sido levadas em conta obrigações dessa norma decorrentes, 
 com a sua consequente inobservância, sem que tal norma tivesse sido 
 expressamente revogada pela Lei do Orçamento Geral do Estado, e sem que da mesma 
 Lei, ou de qualquer outra, constem novas regras legais, com aquela 
 incompatíveis, que importassem a sua revogação tácita;
 
  
 
    3ª) Seria bizarro admitir-se, mesmo que apenas de modo implícito, a 
 possibilidade de que uma norma legal fosse objecto de revogação tácita, 
 sucessivamente, por sucessivas leis, nomeadamente, Leis do Orçamento Geral do 
 Estado, repristinando-se, e renascendo das cinzas, como a Fénix, logo a seguir, 
 retomando a sua vigência no preciso momento em que seria tacitamente revogada, 
 isto é, no momento do início da vigência de cada respectiva Lei do Orçamento 
 Geral do Estado;
 
  
 
    4ª) Semelhante entendimento, além de ilógico, introduziria no sistema 
 jurídico um mecanismo perverso, gravemente atentatório do princípio da 
 confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito, pelo que a 
 inconstitucionalidade material de tão abstrusa quanto arbitrária solução 
 normativa decorreria da flagrante violação, que necessariamente implicaria, do 
 artigo 2º da Constituição da República;”
 
  
 
  
 
    Mas, o que vem a ser a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade que 
 há-de ter sido suscitada?
 
  
 
    Responde o Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 306/92, de 29 de Setembro 
 de 1992 (“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 23º/283): são as “questões de 
 inconstitucionalidade ou ilegalidade implicadas nas decisões recorridas”.
 
  
 
    Segundo doutrinou também o Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 132/98, de 
 
 5 de Fevereiro de 1998 (“Boletim do Min. Justiça, 474º/76) “a 
 inconstitucionalidade de uma norma só se suscita ‘durante o processo quando tal 
 se faz em termos e em tempo de o tribunal recorrido poder decidi-la”.
 
  
 
    E, segundo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 115/98, de 4 de Fevereiro 
 de 1998 (“Boletim do Min. Justiça, 474º/31), para se considerarem preenchidos os 
 pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, fundado na 
 alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, “basta que o tribunal a quo 
 tenha aplicado de forma implícita a norma cuja constitucionalidade fora 
 suscitada durante o processo”.
 
  
 
    Ora, o tribunal a quo aplicou implicitamente uma norma, isto é, um preceito 
 de Direito, uma disposição legal, uma regra jurídica, contida na Lei do 
 Orçamento Geral do Estado para o Ano de 1994, que interpretou no sentido de que 
 tal normativo implicaria a revogação do art. 7º, n.º 7, da Lei das Finanças 
 Locais, ao tempo em vigor.
 
  
 
    E o Recorrente, na verdade, não tem feito outra coisa que não seja suscitar a 
 questão da inconstitucionalidade de tal entendimento normativo.
 
  
 
    Logo na alegação de Direito, oferecida em 1ª instância:
 
  
 
    “Salvo o devido respeito, a artificiosa construção engendrada pelo acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Outubro de 1996, não só carece, portanto, 
 de qualquer base legal, como é manifestamente repudiada pelas normas que 
 disciplinam a matéria cessação da vigência da lei.
 
  
 
    Mesmo, porém, que, ressalvado sempre o devido respeito, tão obnóxio 
 procedimento legislativo se mostrasse formalmente admissível, revelar-se-ia 
 seguramente incompatível com o princípio da confiança, “ínsito na ideia de 
 Estado de Direito democrático (ac. Trib. Const., citado, BMJ 421º, pág. 110) – 
 do mesmo passo que atentaria contra o princípio da proibição do arbítrio, que 
 
 “constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos 
 poderes públicos” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República 
 Portuguesa Anotada”, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 127).
 
  
 
    Decerto que esse hipotético procedimento, fazendo lei, derrogando-a, e 
 tornando imediatamente a fazê-la, para de novo a derrogar, tudo por entre um 
 silêncio tão eloquente quanto florentino, violaria incontornavelmente os 
 
 “limites externos da discricionariedade legislativa”, configurando “infracção do 
 princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio”, por se tornar manifesto 
 que “a medida legislativa não tem adequado suporte material” (ibidem) – com a 
 consequente inconstitucionalidade material desses ínvios expedientes 
 derrogatórios…”
 
  
 
    Depois na alegação da apelação, na respectiva conclusão 5ª:
 
  
 
    “5º) Admitir a revogação tácita e instantânea e imediata repristinação de 
 qualquer das normas da Lei das Finanças Locais, por efeito da sua inobservância 
 pelas sucessivas Leis do Orçamento Geral do Estado significaria admitir a 
 violação do princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito 
 democrático, afrontando directamente o artigo 2º da Constituição da República, 
 do qual decorre a inconstitucionalidade material de tão abstrusa solução 
 normativa;”
 
  
 
    Afirmar-se, pois, que a questão de inconstitucionalidade não foi suscitada 
 pelo Recorrente, salvo o devido respeito, não é exacto.
 
  
 
    Ius novit úria: quem tinha tido obrigação de especificar o numerozinho do 
 artigo era o Tribunal, eram as instâncias.
 
  
 
    Precipitando aquele princípio do conhecimento oficioso do Direito pelo 
 Tribunal, o art. 664º do Cód. Proc. Civil dispõe que “o juiz não está sujeito às 
 alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das 
 regras do Direito”. 
 
  
 
    Portanto, salvo no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal 
 Constitucional, por exigência do artigo 75º-A, n.º 1, da Lei de Organização e 
 Funcionamento do Tribunal Constitucional, quem deveria ter indicado com precisão 
 e rigor a norma aplicada, por referência a artigos de lei, e à interpretação de 
 preceitos neles contidos, eram as instâncias, que o não fizeram, e não o 
 Recorrente, que o fez, quando da lei para ele resultou a obrigação de o fazer.
 
  
 
    O pedido de esclarecimento do acórdão recorrido fê-lo o Recorrente, de boa 
 fé, porque nestes autos má fé processual não se poderá vislumbrar na postura do 
 Recorrente!
 
  
 
    Mas não era obrigado a fazê-lo.
 
  
 
    E não foi nesse momento, como é bom de ver, que se suscitou a questão da 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
    De resto, quando as instâncias falam, genericamente, na revogação da Lei das 
 Finanças Locais pela Lei do Orçamento Geral do Estado, em globo, talvez 
 enquadrem melhor a questão do que o fez o Recorrente, ao indicar como norma 
 ferida de inconstitucionalidade aquela que aprovou o Orçamento.
 
  
 
    Na verdade, porque se trata, se tratará, ou se trataria, de revogação tácita, 
 como é óbvio, o sentido revogatório há-de resultar de todo o conjunto normativo, 
 e não apenas de uma específica norma, desligada de todas as outras.
 
  
 
    A declaração é tácita “quando se deduz de factos que, com toda a 
 probabilidade, a revelam” (art. 217º, n.º 1, do Cód. Civil).
 
  
 
    Por conseguinte, e salvo o devido respeito, contrariamente ao que se sustenta 
 na douta decisão de que se reclama, por se tratar de revogação tácita, embora o 
 preceito de cuja interpretação se pode extrair o sentido revogatório haja de 
 ser, necessariamente, aquele que no requerimento de interposição do recurso se 
 indicou, que aprovou o Orçamento, só a sua leitura à luz de todo o conteúdo, não 
 só do Orçamento aprovado, mas também de todos os demais normativos contidos na 
 Lei do Orçamento Geral do Estado, permitirá fundar a interpretação, que 
 prevaleceu, no sentido de ter operado a pretendida revogação tácita.
 
  
 
    O Recorrente, calejado pela vida, não mantém mais ingenuidades, de espécie 
 nenhuma.
 
  
 
    Sente-se assim como se estivesse a ser estrangulado, na antecâmara…
 
  
 
    Mas há-de morrer na rua, e de pé!
 
  
 
    CONCLUINDO:
 
  
 
    1º) No requerimento de interposição do recurso, observaram-se todos os 
 requisitos exigidos pelo art. 75º-A da Lei de Organização e Funcionamento do 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 
    2º) Nomeadamente, indicou-se a norma legal cuja interpretação no sentido de 
 ter importado a revogação tácita do artigo 7º, n.º 7, da Lei das Finanças 
 Locais, reputa de inconstitucional, e referiu-se a peça processual na qual a 
 inconstitucionalidade foi suscitada, mencionando-se, especificadamente, a 
 conclusão da alegação do recurso de revista que expressamente a suscita;
 
  
 
    3º) Não era o Recorrente obrigado antes a ter precisado qual o artigo de lei 
 cuja interpretação e aplicação, feita pelas instâncias, argui de 
 inconstitucionalidade;
 
  
 
    4º) Quem o deveria ter feito era o Tribunal, as instâncias, que conhecem 
 oficiosamente do Direito, como se estabelece no art. 664º do Cód. Proc. Civil;
 
  
 
    5º) Se não o fizeram, e se o Recorrente o fez, na altura própria, isto é, na 
 peça processual em que a lei imperativamente o obrigava a fazê-lo, decidir, como 
 se decidiu, não tomar conhecimento do recurso, constitui, salvo o devido 
 respeito, procedimento que não releva do velho adágio Summum ius, summa iniuria, 
 porque se traduz, pura e simplesmente, em summa iniuria;
 
  
 
    6º) Ademais, tão-pouco foi observado, como cumpria, o disposto no art. 75º-A, 
 n.º 6, da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional – 
 omissão essa, de acto que a lei impõe, manifestamente susceptível de influir no 
 exame e decisão da causa, pelo que é nula a douta decisão reclamada, nos termos 
 resultantes das disposições conjugadas dos arts. 69º da Lei da Organização e 
 Funcionamento do Tribunal Constitucional; 201, n.º 1, e 205º, n.º 1, do Cód. 
 Proc. Civil.
 
  
 
  
 
    Termos em que anulada ou revogada que seja a douta decisão sumária de que se 
 reclama, deve o recurso ser admitido, seguindo-se os demais termos para se 
 fazer».
 
  
 
    4 – Posteriormente à dedução da reclamação, o reclamante juntou aos autos 
 dois pareceres jurídicos e requereu ao Presidente do Tribunal Constitucional o 
 julgamento da reclamação por parte do Plenário do Tribunal, tendo esse pedido 
 sido indeferido.
 
  
 
    5 – O Ministério Público respondeu, defendendo a improcedência da reclamação, 
 nos termos seguintes:
 
  
 
    «1 – A presente reclamação é, a nosso ver, improcedente, em nada abalando os 
 fundamentos da decisão reclamada.
 
    2 – Importa, desde logo, diferenciar claramente os planos dos pressupostos do 
 recurso e dos requisitos formais do requerimento de interposição – sendo 
 evidente que a decisão reclamada assenta na inverificação dos pressupostos do 
 recurso tipificado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, pelo que se não compreende a pretensão de ser formulado um 
 convite ao aperfeiçoamento de deficiências ou insuficiências formais do 
 requerimento de interposição do recurso.
 
 3 – Ora, tendo a fiscalização da constitucionalidade carácter estritamente 
 
 “normativo”, é evidente que cumpria ao recorrente o ónus de ter suscitado, 
 durante o processo, a questão de inconstitucionalidade normativa que pretendia 
 submeter ao Tribunal Constitucional, identificando adequadamente tal questão, 
 naturalmente por referência aos preceitos legais que serviam de suporte à 
 
 “norma” questionada.
 
    4 – Não constituindo objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta a 
 imputação de inconstitucionalidade, por violação do princípio da confiança, ao 
 procedimento político-legislativo que culminou na derrogação pela Lei do 
 Orçamento de Estado de certa norma constante de precedente Lei das Finanças 
 Locais.
 
    5 – E sendo certo que, em rigor, terá sido esta a perspectiva seguida pelo 
 recorrente, durante o processo, e acolhida pelos acórdãos proferidos na ordem de 
 tribunais judiciais – em que a derrogação da norma do artigo 7º, n.º 7, da Lei 
 das Finanças Locais aparece conexionada e como meramente consequencial do acto 
 político de aprovação do Orçamento Geral de Estado do ano de 1994 pela 
 Assembleia da República.
 
    6 – Não cumprindo obviamente ao Tribunal Constitucional sindicar da possível 
 
 “inconstitucionalidade” de actos políticos ou de certo procedimento legislativo 
 concretamente seguido pelo órgão parlamentar, é inidóneo o objecto do recurso 
 interposto».
 
  
 
    Cumpre decidir.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
  
 
    6 – E cumpre começar pela apreciação da questão de nulidade imputada à 
 decisão sumária reclamada. Para o reclamante, esta decisão seria nula, de acordo 
 com o disposto nos art. 201º, n.º 1, e 205º, n.º 1, do Código de Processo Civil, 
 aplicáveis ao processo constitucional por mor do disposto no art. 69º da LTC, 
 porque o relator teria omitido o convite a que se referem os nºs 5 e 6 do seu 
 art. 75º-A, para este indicar o preceito legal cuja inconstitucionalidade 
 pretende ver apreciada.
 
    Mas não tem razão. A deficiência a cujo suprimento aludem os nºs 5 e 6 do 
 art. 75º-A da LTC é a que se traduz na falta de indicação, no requerimento de 
 interposição de recurso, da norma cuja inconstitucionalidade o recorrente 
 pretende ver apreciada. 
 
    Ora, no caso em questão está não a falta de indicação dessa norma no 
 requerimento de interposição do recurso, onde, ao contrário, ela se mostra 
 identificada como sendo o artigo 1º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, mas a 
 falta de suscitação em tempo e por modo adequados da questão de 
 inconstitucionalidade da norma que, por interpretação, foi extraída pelo 
 recorrente de tal preceito de direito positivo e cuja inconstitucionalidade 
 pretende ver apreciada.
 
    Enquanto aquela deficiência se traduz num vício do requerimento de 
 interposição do recurso de constitucionalidade, susceptível de ser sanado, já 
 esta omissão encarna a falta de cumprimento de um pressuposto específico do 
 recurso de constitucionalidade, não passível de sanação – o ónus de adequada e 
 atempada suscitação da questão de constitucionalidade – mas tão só de dispensa, 
 na hipótese de o recorrente ser surpreendido com uma interpretação insólita ou 
 imprevisível da decisão recorrida, o que seguramente não é o caso.
 
    Conclui-se, portanto, que não ocorre a arguida nulidade processual que 
 pudesse contaminar subsequentemente a decisão sumária.
 
  
 
    7 – Ao contrário do que o reclamante argumenta, não pode considerar-se que 
 tenha suscitado adequadamente, maxime, nas alegações para o STJ, a questão de 
 inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, lei esta 
 que aprovou o Orçamento do Estado para 1994, na interpretação segundo a qual 
 dele consta “a revogação tácita do artigo 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87, de 6 de 
 Janeiro”.
 
    Nesta perspectiva a fundamentação da decisão reclamada merece ser acompanhada 
 e reiterada.
 
    Face, todavia, ao teor da reclamação importa, todavia, deixar mais algumas 
 notas. 
 
    A primeira é a de que o reclamante, no recurso para o STJ – e como se 
 constata pelo teor das conclusões das suas alegações, que acima se deixaram 
 transcritas – se limitou apenas a defender que: (i) “não é possível 
 considerar-se tacitamente revogada uma disposição legal, sem que na ordem 
 jurídica seja introduzida, de novo, qualquer norma com ela incompatível, que 
 tenha o efeito de fazer cessar a vigência da primeira, por incompatibilidade 
 entre as novas disposições e as regras precedentes, ou uma nova lei que regule 
 toda a matéria da lei anterior, nos termos previstos pelo artigo 7º do Código 
 Civil”; (ii) “muito menos pode admitir-se o entendimento, nesse mesmo acórdão 
 adoptado, segundo o qual se pudesse considerar como tacitamente revogada uma 
 norma legal, pelo simples facto de no Orçamento Geral do Estado, e na respectiva 
 Lei de aprovação, não terem sido levadas em conta obrigações dessa norma 
 decorrentes, com a sua consequente inobservância, sem que tal norma tivesse sido 
 expressamente revogada pela Lei do Orçamento Geral do Estado, e sem que da mesma 
 Lei, ou de qualquer outra, constem novas regras legais, com aquela 
 incompatíveis, que importassem a sua revogação tácita” e (iii) “seria bizarro 
 admitir-se, mesmo que apenas de modo implícito, a possibilidade de que uma norma 
 legal fosse objecto de revogação tácita, sucessivamente, por sucessivas leis, 
 nomeadamente, Leis do Orçamento Geral do Estado, repristinando-se, e renascendo 
 das cinzas, como a Fénix, logo a seguir, retomando a sua vigência no preciso 
 momento em que seria tacitamente revogada, isto é, no momento do início da 
 vigência de cada respectiva Lei do Orçamento Geral do Estado” [conclusões a), b) 
 e c)].
 
    A posição do reclamante foi, pois, a de que inexistia na ordem jurídica 
 qualquer preceito legal donde pudesse ser inferida uma norma cujo sentido fosse 
 o da revogação, mesmo que tácita, da norma constante do preceito do artigo 7º, 
 n.º 7, da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro.   
 
    Só ao ter equacionado a admissibilidade de uma tese contrária à sua, é que o 
 reclamante se limitou a afirmar: “semelhante entendimento, além de ilógico, 
 introduziria no sistema jurídico um mecanismo perverso, gravemente atentatório 
 do princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito, pelo que a 
 inconstitucionalidade material de tão abstrusa quanto arbitrária solução 
 normativa decorreria da flagrante violação, que necessariamente implicaria, do 
 artigo 2º da Constituição da República”.
 
    Se é verdade que não merece discussão que, de acordo com o velho aforismo 
 latino jus novit úria, o tribunal conhece oficiosamente do direito, por força da 
 natureza da função jurisdicional (o tribunal dita o direito para o caso concreto 
 em litígio), e que o acórdão da Relação, então recorrido para o STJ não 
 identificava qualquer preceito legal ao qual imputasse a norma de revogação da 
 norma constante do art. 7º. Nº 7, da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro – sendo até 
 que, como se diz na decisão sumária, tal aresto é até “no sentido de a 
 estatuição normativa revogatória decorrer da concreta atitude que o legislador 
 parlamentar tomou na discussão da Lei que veio a aprovar o Orçamento do Estado 
 para o ano de 1994” e que “nem tão pouco se pode entender que o acórdão 
 recorrido haja considerado que a estatuição normativa de revogação do art. 7º, 
 n.º 7, da Lei n.º 1/87 se mostra estabelecido em uma norma, concretamente 
 precisada, da Lei n.º 75/93 ou sequer em um conjunto da suas normas – 
 verifica-se, igualmente, que não logrou, também, o recorrente suprir, então, ou, 
 tão pouco, demandar do tribunal ad quem, a identificação da disposição legal em 
 cujo texto se pudesse colher a norma revogatória, de modo a poder questionar a 
 sua validade constitucional, quer perante esse tribunal ad quem, quer, 
 posteriormente, perante o órgão jurisdicional de fiscalização concentrada de 
 constitucionalidade.
 
    Ora, tal atitude era, seguramente, de se lhe exigir, tanto mais que, no 
 acórdão da Relação, se considerara que a referida Lei n.º 75/93, de 20 de 
 Dezembro, revogara o art. 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, em cuja 
 falta de cumprimento o recorrente fundara o pedido de indemnização, sem que, na 
 mesma decisão, se identificasse o preceito de tal lei que condensava tal 
 estatuição revogatória e ao qual o mesmo recorrente imputava o vício de 
 inconstitucionalidade. Nesta perspectiva, não pode considerar-se, para efeitos 
 de dispensar o recorrente do cumprimento do ónus de atempada e adequada 
 suscitação da questão de inconstitucionalidade, que a posição do acórdão do STJ, 
 de continuar a não identificar o preceito revogatório, possa ter-se por 
 imprevisível ou “insólita”. 
 
    A indicação do concreto preceito legal sob cuja veste a norma aparece no 
 nosso sistema jurídico é elemento essencial para o conhecimento da questão de 
 constitucionalidade, não podendo ter-se por adequadamente suscitada uma questão 
 de constitucionalidade sem uma tal identificação, em virtude de, no nosso 
 sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade, apenas, poderem 
 constituir objecto do recurso normas jurídicas que estejam recortadas em 
 disposições ou preceitos que resultem do exercício de um poder normativo 
 
 (conceito funcional de norma).
 
    A este respeito, escreveu-se no Acórdão n.º 90/05, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, o seguinte, que aqui se reitera:
 
    “[…] só pode apresentar-se como sendo interpretação de uma determinada norma 
 jurídica, mesmo quando ela seja lida conjugadamente com outra ou outras normas 
 jurídicas, um sentido que seja referível ao seu teor verbal: é que, o intérprete 
 não pode considerar ‘o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um 
 mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso’ e deve 
 presumir ‘que o legislador […] soube exprimir o seu pensamento em termos 
 adequados’” (itálico nosso).
 
    E no Acórdão n.º 531/05, disponível no mesmo site, disse-se, dentro da mesma 
 linha, o seguinte, que aqui também se renova:
 
    “[…] em sede de recurso de constitucionalidade, “a norma sujeita a 
 fiscalização aparece sob a veste de um texto, de um preceito ou disposição 
 
 (artigo, base, número, parágrafo, alínea) e é a partir dessa forma verbal que 
 ela há-de ser encontrada, através dos métodos hermenêuticos” (Jorge Miranda, 
 Manual de Direito Constitucional, Coimbra Editora, vol. VI, 2ª edição, 2005, p. 
 
 166). Não pode, pois, no caso vertente, em que não houve sequer indicação do 
 preceito legal em causa, ter-se por observado o ónus de suscitação de uma 
 questão de inconstitucionalidade”.
 
    A identificação da base legal à qual se imputa a norma cuja 
 constitucionalidade se pretende ver apreciada é, pois, um momento insuprível do 
 controlo de constitucionalidade, na medida em que importa saber se essa base 
 legal elegida para a fiscalização de constitucionalidade se apresenta como 
 idónea a suportar esse sentido (cf. Neste sentido, o Acórdão n.º 416/03, 
 publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 57º vol., p. 279).
 
    E não se argumente que uma tal determinação, funcionalmente orientada para o 
 recurso de constitucionalidade, se deve ter por desnecessária com base no 
 argumento de a Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro ter a natureza de uma Lei 
 Orçamental e de a falta de previsão da verba orçamental cujo pagamento o ora 
 recorrente reclama, à qual se imputa a revogação do regime constante do art. 7º, 
 n.º 7, da Lei n.º 1/87, se poder constatar, imediatamente, da norma do seu 
 artigo 1º, onde se confere a autorização orçamental para cobrar as receitas 
 previstas nas diversas leis e para realizar as despesas previstas no Orçamento 
 
 [Diz esse preceito o seguinte: “É aprovado pela presente lei o Orçamento do 
 Estado para 1994, constante dos mapas seguintes…”].
 
    Todavia, quando muito, o que pode dizer-se é que essa norma enuncia o que, 
 segundo o art. 105º, o Orçamento do Estado para 2004 deve conter: a 
 descriminação das receitas e despesas desse ano fiscal. Mas daí – da simples 
 omissão da previsão de uma verba como despesa consignada para o pagamento de uma 
 compensação ao Município de Abrantes pela isenção do imposto de sisa, concedida 
 pela administração fiscal – a ter qualquer aplicador do direito, e dentre deles 
 o Tribunal Constitucional, de inferir, insofismavelmente, uma estatuição 
 revogatória do art. 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87 vai um grande passo. A omissão de 
 previsão de uma despesa, no Orçamento, não tem de ter, necessariamente, um 
 sentido revogatório da norma que prevê a necessidade pública a satisfazer, 
 podendo ter, antes, uma outra justificação, como a de corresponder a uma simples 
 opção política do legislador de, nesse ano fiscal, não dar satisfação a essa 
 específica necessidade pública. Ora, não cabe seguramente na competência do 
 Tribunal Constitucional determinar qual, entre esses dois ou mais sentidos 
 possíveis, se mostra corporizado na norma. 
 
    Por outro lado, não pode desconhecer-se que as leis orçamentais – e a que 
 está em causa não escapa à regra – são, na linguagem de certa doutrina, “leis 
 complexas”, “porque paralelamente aos preceitos meramente autorizativos da 
 cobrança de receitas e da efectivação de despesas (lei formal orçamental), 
 outros nela figuram que modificam determinados impostos ou fixam regras para a 
 sua liquidação e cobrança (lei material tributária)”, surgindo estes assim como 
 
 “cavaliers budgétaires” (cf. Acórdão n.º 358/92, publicado no Diário da 
 República I Série-A, de 26 de Janeiro de 1993). 
 
    Ora, uma norma que revogasse o direito dos municípios de serem compensados 
 pela concessão de isenção de impostos cuja arrecadação constituem receitas 
 locais, como a constante do art. 7º, n.º 7, da Lei n.º 1/87, não poderia deixar 
 de ser incluída nesta segunda espécie de normas orçamentais. Sendo assim, não 
 poderia ser distraído da norma formal orçamental, constante do referido artigo 
 
 1º, tal efeito revogatório.
 
    De qualquer modo, esse é um problema que só o acórdão recorrido poderia ter 
 resolvido, por dizer respeito à determinação do direito infraconstitucional que 
 constitui o objecto do recurso de constitucionalidade. Dito de outro modo, a 
 apreciação da argumentação do recorrente, tendente a demonstrar que o objecto do 
 recurso de constitucionalidade (a norma jurídica corporizada em certo preceito 
 legal) apenas se poderia cingir a essa norma, envolveria o controlo, por parte 
 do Tribunal Constitucional, da correcção da actividade interpretativa que o 
 tribunal a quo levou ou deveria ter levado a cabo, que não cabe nos seus poderes 
 de cognição. 
 
    Temos, portanto, de concluir não poder considerar-se ter o recorrente 
 suscitado adequadamente a questão de inconstitucionalidade da norma constante do 
 artigo 1º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, como se concluiu na Decisão 
 Sumária reclamada. 
 
  
 
    8 – Mas independentemente das razões esgrimidas na Decisão Sumária reclamada, 
 outra existe que conduz ao mesmo resultado, do não conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade, sendo certo que a conferência não se encontra limitada ao 
 simples reexame dos fundamentos da decisão reclamada. Enquanto concernente aos 
 pressupostos do recurso de constitucionalidade, a matéria pode ser conhecida 
 independentemente de reclamação, como decorre do disposto no art. 77º, n.º 4, 
 entendido conjugadamente com o disposto no art. 76º, nºs 2 e 3, todos da LTC.
 
  
 
    É que o acórdão recorrido, depois de considerar que a responsabilidade civil 
 do Estado se encontra prevista no artigo 22º da CRP e que nela se inclui a 
 
 “indemnização […], em caso de verificação de uma omissão legislativa, 
 impondo-se, no entanto que essa omissão seja ilícita e também culposa”, ajuizou, 
 também, que “[…] a existência de tal responsabilidade depende ainda da 
 verificação dos pressupostos consignados no artigo 483º do Código Civil, e bem 
 assim de outros eventualmente previstos em legislação especial (avulsa), e que 
 
 “não se mostra também que esses referidos pressupostos gerais previstos no 
 artigo 483º do Código Civil estejam integralmente preenchidos”.
 
    Ora, não vindo impugnado, sob o prisma da constitucionalidade, o entendimento 
 deste artigo 483º do Código Civil – na acepção que foi aplicada, e segundo a 
 qual, a responsabilidade civil do Estado, fundada na omissão de previsão 
 orçamental de uma verba que compensasse a isenção de sisa, concedida pela 
 administração fiscal, de acordo com o disposto no art. 7º, n.º 7, da Lei n.º 
 
 1/87, responsabilidade essa a que alude o art. 22º da Constituição se encontra 
 sujeita aos pressupostos da ilicitude e da culpa e que estes não se verificam – 
 constata-se que seria inútil o juízo de constitucionalidade que o Tribunal 
 Constitucional eventualmente viesse a tirar, por insusceptível de fundar uma 
 reforma da decisão recorrida.
 
    Dada a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, traduzida na 
 possibilidade de determinar a reforma da decisão recorrida, a utilidade do seu 
 conhecimento constitui um dos seus pressupostos específicos. Faltando ele, não 
 há que tomar conhecimento do recurso.
 
    Deste modo, também por esta razão falece a reclamação.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
    9 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide 
 indeferir a reclamação.
 
    Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs, e sem 
 prejuízo do apoio judiciário concedido.
 
    
 
  
 Lisboa, 8 de Março de 2006
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 [1] Manuel Carneiro da Frada, Uma «terceira via» no Direito da Responsabilidade 
 Civil?, Almedina, 1997, pág. 15.
 
 [2] Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição, Coimbra Editora, 1989, 
 pág. 194.
 
 [3] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 8ª edição, Almedina, 1994, pág. 
 
 532.
 
 [4] Dimas de Lacerda, Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, Revista 
 do Ministério Público, ano VI, vol. 21, 1995, págs. 44-45.
 
 [5] Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3ª ed., Coimbra Editora, 1993, 
 pág. 63.
 
 [6] Neste sentido Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol. II, 3ª 
 edição, Coimbra, 1996, pág. 375.
 
 [7] In CJ, III, pág. 91 e ainda, Acs. 5T J de 7.2.2002, in CJSTJ, Ano X, I, pág. 
 
 86, (Relator Oliveira Barros; de 24.04.94, in BMJ 434º-396 (Relator Mário 
 Cancela); de 30.01.97, in CJSTJ, IV- T1, pág. 107 (Relator Nascimento Gomes).
 
 [8] Rui Medeiros, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos 
 Legislativos, Coimbra, 1992, pág. 93.
 
 [9] ob. cit., págs. 93-94.
 
 [10] ob. cit., pág. 109
 
 [11] ob. cit., pág. 109
 
 [12] Marcelo Rebelo de Sousa, Responsabilidade dos Estabelecimentos Públicos de 
 Saúde: Culpa do Agente ou Culpa da Organização?, in Direito da 5aúde e Bioética, 
 obra colectiva, AAFDL, 1996, págs.161-163.
 
 [13] ob. cit., pág. 163.
 
 [14] Dimas de Lacerda, ob. cit., pág. 75.
 
 [15] Neste sentido, ainda, Maria Lúcia Pinto Correia, in Responsabilidade do 
 Estado e Dever de Indemnizar do Legislador, Coimbra, 1998, pág. 423.
 
 [16] Maria Lúcia Pinto Correia, ob. cit., pág. 423.
 
 [17] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 2ª edição 1988, 
 pág. 401 e 402.
 
 [18] Gomes Canotilho, A lei do Orçamento na teoria da lei, Estudos em Homenagem 
 ao Prof. Teixeira Ribeiro, BFDC, II, pág. 558.
 
 [19] Ac. TC de 11.11.92, Relator António Vitorino, publicado no DR de 26.01.93 
 
 (vide in www.dgsi.pt).
 
 [20] Ac. TC de 11.11.92 citado.
 
 [21] Ac. TC de 11.11.92 citado.
 
 [22] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Noções Fundamentais de Direito 
 Civil, I vol., pág. 45.
 
 [23] Neste sentido vide Teixeira de Abreu, Curso de Direito Civil, vol. I, 
 Introdução, págs. 111 e segs.
 
 [24] Neste sentido e em caso idêntico, vide Ac. RP de 18.4.1996, Relator Alves 
 Velho, in www.dgsi.pt, confirmado pelo Ac. STJ de 31/10/1996, Relator Nascimento 
 Costa, in BMJ 460º-752.
 
 [25] Gomes Canotilho, A lei do Orçamento na Teoria das Leis, Estudos em 
 Homenagem ao Prof. Doutor Teixeira Ribeiro, BFDC, II, 1979, pág. 576.