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Processo n.º 405/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         A. reclama para o Tribunal Constitucional, nos termos do 
 artigo 76.º, n.º 4, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 
 alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), do 
 despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Abril de 
 
 2006, que não admitiu recurso de constitucionalidade por ele interposto, ao 
 abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, contra o acórdão do mesmo 
 Supremo Tribunal, de 1 de Março de 2006, que denegara a revisão do acórdão do 
 Tribunal Judicial de Vieira do Minho, de 24 de Março de 2003, já transitado em 
 julgado, que o condenara, pela prática de três crimes de receptação, previstos e 
 punidos pelo artigo 231.º, dez crimes de falsificação, previstos e punidos pelo 
 artigo 256.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, e nove crimes de burla, previstos e 
 punidos pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena única 
 de 6 anos e 6 meses de prisão.
 
  
 
                         1.1. O pedido de revisão foi formulado ao abrigo da 
 alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal (CPP) e apoiado 
 na invocação de inimputabilidade do arguido ao tempo dos factos por que foi 
 condenado, inimputabilidade não suscitada durante o processo. Realizada a 
 perícia requerida, emitida informação judicial no sentido do indeferimento da 
 pretensão e emitido parecer do Ministério Público no mesmo sentido (artigos 
 
 453.º, n.º 1, 454.º e 455.º, n.º 1, do CPP), o Supremo Tribunal de Justiça, pelo 
 acórdão de 1 de Março de 2006, denegou a revisão, com a seguinte fundamentação:
 
  
 
 “VIII – O recurso de revisão tem tradução no artigo 29.º, n.º 6, da 
 Constituição, que, consignando‑o, remete, no que respeita às suas condições, 
 para a lei ordinária.
 Somos, assim, conduzidos, no que agora nos interessa, ao artigo 449.º, n.º 1, 
 alínea d), e n.º 3, do Código de Processo Penal.
 E, então, levanta-se logo a primeira dúvida.
 
  
 IX – Nos termos deste n.º 3, com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é 
 admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção 
 aplicada.
 Teremos aqui a ideia ventilada pelos autores espanhóis Emílio Orbaneja e Vicente 
 Quemada, citados por Simas Santos e Leal Henriques em Recursos em Processo 
 Penal, p. 215, no sentido de que a revisão só deve caber quando esteja em causa 
 a relação condenação‑absolvição.
 Esta ideia foi recebida por este Tribunal, nomeadamente nos Acórdãos de 13 de 
 Março de 2003 (Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de 
 Justiça, ano 2003, tomo I, p. 231) e de 20 de Novembro de 2003 (disponível em 
 
 www.dgsi.pt).
 Ora, se a acolhermos aqui, temos logo o naufrágio da pretensão. A imputabilidade 
 atenuada referida pela perícia médica nunca poderá levar da condenação à 
 absolvição, mas tão‑só – e isso mesmo não seria seguro, como infra vamos referir 
 
 – à minoração da pena.
 Maia Gonçalves, na anotação a este artigo, alude a interpretação deste n.º 3 no 
 sentido de que se pode admitir esta minoração da pena neste tipo de recurso, 
 desde que este determine um diferente enquadramento jurídico‑criminal dos 
 factos.
 Mas, mesmo se acolhêssemos esta interpretação, a improcedência aqui impor‑se‑ia, 
 já que a falada imputabilidade atenuada não envolve qualquer alteração do 
 enquadramento jurídico‑penal dos factos.
 
  
 X – Estas construções levantam, todavia, dúvidas de constitucionalidade, não 
 obstante, como vimos, o texto constitucional remeter, quanto às condições de 
 exercício deste direito, para a lei ordinária.
 Na verdade, tal texto refere‑se aos cidadãos «injustamente condenados» e tanto é 
 injustamente condenado aquele que deveria ter sido absolvido como aquele que o é 
 a pena de prisão mais longa do que a que lhe devia ter sido aplicada.
 As «condições que a lei prescrever» podem, então, não ser as condições 
 materiais. Estas estarão em tal texto constitucional, ínsitas na palavra 
 
 «injustamente».
 Para concretizarmos estas reservas sobre a constitucionalidade daquele n.º 3 do 
 artigo 449.º, basta pensarmos em casos de condenação a penas severas em que, 
 depois do trânsito em julgado, se adquire plena convicção de que havia que ter 
 em conta factos integrantes de atenuantes que levariam a um abaixamento 
 manifesto da pena concreta. Se o condenado a um ou dois anos de prisão pode 
 obter a revisão de sentença para almejar a absolvição, mal se compreenderia – 
 atento até o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição – 
 que o condenado, por exemplo, a 15 anos de prisão não pudesse obter uma revisão 
 de sentença para que a pena fosse diminuída para, ainda exemplificando, 10 anos 
 de prisão.
 
  
 XI – Estas dúvidas de constitucionalidade levam‑nos a avançar para outro 
 capítulo, qual seja o da necessária força que os fundamentos da revisão hão‑de 
 ter para abalarem a particular segurança que é apanágio do caso julgado.
 Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal, de 12 de Maio de 2005 (também 
 disponível em www.dgsi.pt):
 
 «Há‑de, pois, tratar‑se de “novas provas” ou “novos factos” que, no concreto 
 quadro de acto em causa, se revelem tão seguros e (ou) relevantes – seja pela 
 patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, 
 verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos 
 novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescindente que 
 neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como 
 superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação 
 e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem 
 serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em 
 bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão 
 revidenda.»
 
  
 
 [XII] – No nosso caso, temos novos factos e novas provas, ambos reportados à 
 perícia levada a cabo.
 O valor desta deve, para o que nos interessa, ser avaliado em três prismas 
 diferentes:
 No que respeita à perícia em si;
 No que concerne ao seu conteúdo;
 Nos possíveis efeitos da «imputabilidade atenuada».
 
  
 
 [XIII] – A perícia em si é um meio de prova que tem sido considerado 
 insuficiente por várias decisões deste tribunal para efeitos deste recurso. 
 Assim, o Acórdão de 9 de Junho de 1997 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 
 
 469, p. 342), os acórdãos neste citados e, bem assim, o Acórdão de 16 de Outubro 
 de 2002 (disponível também em www.dgsi.pt).
 
  
 
 [XIV] – É certo que a perícia fundamentante do recurso de revisão pode assentar 
 em factos novos ou pode constituir apenas um novo avaliar de uma situação já 
 objecto de perícias tidas em conta na condenação. E que, nestas, a força da nova 
 perícia será necessariamente menor.
 
  
 
 [XV] – Vamos, pois, para o nosso caso, buscar a segurança para a decisão de 
 improcedência ao conteúdo da perícia que serve de base ao presente recurso.
 Os factos objecto de condenação reportam‑se a 1996, 1997 ou 1998. A perícia 
 referida foi feita em 29 de Julho de 2005 (folhas 349), 7 de Maio de 2005 
 
 (folhas 352) e Agosto de 2005 (folhas 365). Ou seja, mas de seis anos depois.
 A mesma perícia incidiu sobre a avaliação da imputabilidade ao tempo dos factos.
 Por natureza, temos aqui uma enorme possibilidade de não correspondência com a 
 verdade.
 Esta insegurança quanto à correspondência com o real é acrescida pela natureza 
 da própria doença que é referida na perícia como «perturbação 
 obsessiva‑compulsiva grave numa sintomatologia psicopatológica compatível com 
 psicose esquizofrénica» e que, como é do conhecimento geral, determina 
 sintomatologia manifesta, pouco coadunável com a abstenção da sua invocação 
 aquando do julgamento em primeira instância.
 E tanto assim é que é o próprio perito psiquiatra que, solicitado a prestar 
 esclarecimento quanto à imputabilidade ao tempo dos factos, começa por referir 
 que se trata de um doente que está medicado, o que, por si só, pode atenuar a 
 gravidade da doença de que é portador e que «este facto dificulta a avaliação 
 da sua capacidade crítica e comportamental no passado, nomeadamente à data da 
 prática dos factos». Para depois concluir que «relativamente à data do início de 
 perturbação passível de conferir imputabilidade atenuada, pode afirmar‑se que a 
 mesma será há pelo menos 10 anos. O grau de perturbação à data da ocorrência 
 dos factos de que é acusado não é possível de determinar com segurança, dado o 
 carácter oscilante da perturbação e ainda devido a eventual tratamento a que 
 estivesse a ser submetido ...».
 Quer dizer: o próprio perito não vai mais longe do que a simples admissão da 
 imputabilidade atenuada. E esta postura não depende das inseguranças próprias da 
 ciência psiquiátrica, quanto a possíveis discussões sobre o diagnóstico ou 
 sobre a capacidade do doente. Depende, no essencial, do tempo decorrido.
 Estamos, pois, por aqui, bem longe daquela segurança que o atingimento da força 
 do caso julgado pressupõe.
 Segurança que, manifestamente, não é alcançada pela perícia realizada no 
 processo de Felgueiras, a qual, além do mais, nada adianta quanto às dúvidas 
 emergentes do mencionado lapso de tempo.
 
  
 
 [XVI] – A isto acresce que a própria imputabilidade atenuada ou diminuída não 
 implica necessariamente a minoração da pena.
 A este propósito, chamamos para aqui as palavras de Figueiredo Dias, de que, se 
 as qualidades especiais do agente com imputabilidade diminuída «forem 
 especialmente desvaliosas de um ponto de vista jurídico‑penalmente relevante, 
 elas fundamentarão – ao contrário do que sucederia na perspectiva tradicional – 
 uma agravação da culpa e um aumento da pena» (Direito Penal, vol. I, p. 540). E 
 atentamos nos Acórdãos deste Tribunal de 17 de Junho de 1995 (proc. n.º 46 858), 
 de 18 de Abril de 1996 (Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo 
 Tribunal de Justiça, ano IV, tomo 2, p. 173) e de 30 de Julho de 1998 (proc. n.º 
 
 720/98), precisamente neste sentido.
 
             
 
 [XVII] – Face a todo o exposto, julga‑se improcedente o presente recurso de 
 revisão.”
 
                         1.2. Foi contra este acórdão que o ora reclamante 
 intentou interpor recurso para o Tribunal Constitucional, aduzindo no respectivo 
 requerimento de interposição:
 
 “2. No recurso de revisão por si interposto, o recorrente peticionou a revisão 
 do douto acórdão proferido a 24 de Março de 2003, pelo Tribunal Judicial de 
 Vieira do Minho, já transitado em julgado, que o condenou na pena unitária de 6 
 anos e 6 meses de prisão.
 
 3. Invocou a inimputabilidade ao tempo dos factos por que foi condenado, 
 questão não suscitada durante o processo, tendo procedido à junção de relatórios 
 médicos e avaliação psicológica.
 
 4. O recurso foi admitido e foi ordenada a realização da perícia requerida.
 
 5. Produzidas as provas, consideradas relevantes, esse Colendo Supremo Tribunal 
 de Justiça considerou que a «perícia constitui um meio de prova que tem sido 
 considerado insuficiente para efeitos do recurso de revisão», existindo, 
 portanto, «uma enorme possibilidade de não correspondência com a verdade», pelo 
 que «estamos (...) bem longe daquela segurança que o atingimento da força do 
 caso julgado pressupõe», 
 
 6. sendo que «a própria imputabilidade atenuada ou diminuída não implica 
 necessariamente a minoração da pena».
 
 7. Em consequência, foi julgado improcedente o aludido recurso de revisão.
 
 8. O relatório pericial constante a fls. … dos autos de revisão conclui pela 
 existência de «imputabilidade diminuída» do recorrente.
 
 9. Ora, se o artigo 163.º do Código de Processo Penal determina que «o juízo 
 técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume‑se subtraído 
 
 à livre apreciação do julgador», não se compreende, salvo o devido respeito por 
 melhor opinião, como pode esse Colendo Tribunal de Justiça afirmar no douto 
 acórdão proferido a 1 de Março de 2006 que «a perícia em si é um meio de prova 
 que tem sido considerada insuficiente por várias decisões deste tribunal para 
 efeitos deste recurso».
 
 10. O artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa estatui que 
 
 «os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei 
 prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».
 
 11. Assim, parece ao recorrente, salvo o devido respeito por melhor opinião, que 
 a interpretação dada por esse Colendo Supremo Tribunal de Justiça, quer ao 
 artigo 449.º, n.º 1, alínea d), quer ao artigo 163.º do Código de Processo 
 Penal, suscita fortes dúvidas de inconstitucionalidade, nomeadamente tendo em 
 conta o vertido nos artigos 29.º, n.º 6, e 32.º, n.º 1, da CRP.
 
 12. Acresce ao exposto que se a imputabilidade diminuída de um arguido pode 
 eventualmente não garantir a sua absolvição, o que não se concede mas se admite 
 por hipótese de raciocínio, temos como certo que tal imputabilidade diminuída se 
 traduzirá numa atenuação especial da pena concreta aplicada ao arguido.
 
 13. Atento o disposto no artigo 29.º, n.º 6, da CRP, a menção na dita norma de 
 que «as condições que a lei prescrever», poderão ser reconduzidas ao aludido 
 artigo 449.º do Código de Processo Penal,
 
 14. o qual dispõe no seu n.º 3 que «com fundamento na alínea d) do n.º 1 não é 
 possível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da pena 
 aplicada».
 
 15. É patente, pois, a colisão das duas normas, que levantam fortes dúvidas 
 acerca da constitucionalidade do citado artigo 449.º, n.º 3, do Código de 
 Processo Penal.
 
 16. É que o artigo 29.º, n.º 6, da CRP garante a revisão da sentença aos 
 indivíduos injustamente condenados, sendo tão injustamente condenado aquele que 
 deveria ter sido absolvido e não o foi, como aquele que foi condenado numa pena 
 de prisão mais longa e severa do que aquela que lhe deveria ter sido aplicada.
 
 17. Aliás, o próprio artigo 13.º da CRP, ao prever o princípio da igualdade, 
 impõe que assim seja.
 
 18. Conforme se refere no douto Acórdão de 27 de Novembro de 2003 do STJ, 
 proferido no processo n.º 03P2020, disponível in www.dgsi.pt: «O recurso de 
 revisão inscreve‑se também, parcialmente, nas garantias de defesa, no princípio 
 da revisão que resulta da Constituição ao dispor que os cidadãos injustamente 
 condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de 
 sentença e à indemnização pelos danos sofridos (n.º 6 do artigo 29.º)».
 
 19. Entender de forma diversa é, salvo o devido respeito por melhor opinião, 
 violar flagrantemente os mais elementares direitos constitucionais reconhecidos 
 ao recorrente, nomeadamente, o direito ao recurso, previsto no artigo 32.º, n.º 
 
 1, da Constituição da República Portuguesa.
 
 20. Assim, entende o recorrente, salvo o devido respeito por melhor opinião, 
 que a interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça à norma do artigo 
 
 449.º, n.º 1, alínea d), e n.º 3, do Código de Processo Penal não assegura todas 
 as garantias de defesa do arguido.
 
 21. Foi, assim, violado o disposto nos artigos 29.º, n.º 6, 13.º e 32.º, n.º 1, 
 da Constituição da República, pelo que o recorrente pretende que seja apreciada 
 a inconstitucionalidade dos artigos 449.º, n.º 1, alínea d), e n.º 3, bem como 
 do artigo 163.º do Código de Processo Penal, na interpretação atribuída a tais 
 normas por aquele douto Tribunal.
 
 22. Assim, deverá o presente recurso ser admitido, com subida imediata e nos 
 próprios autos e efeito suspensivo.”
 
  
 
                         1.3. O despacho de não admissão do recurso de 
 constitucionalidade, de 5 de Abril de 2006, do Conselheiro Relator do Supremo 
 Tribunal de Justiça, é do seguinte teor:
 
  
 
 “II – O arguido veio a folhas 445 a 447 interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, por entender que a nossa decisão violou o disposto nos artigos 
 
 29.º, n.º 6, 13.º e 32.º, n.º 1, da Constituição.
 Como se pode ver da decisão, a trave‑mestra em que esta assentou diz respeito à 
 dúvida que encerram os relatórios médicos sobre a situação de imputabilidade 
 diminuída do arguido ao tempo dos factos.
 O demais é aduzido como reforço argumentativo, mas não determinante da decisão. 
 O sentido desta estava alcançado com aquele fundamento.
 Não vemos, pois, razão para ser chamado para aqui, nomeadamente para efeitos de 
 constitucionalidade, o artigo 163.º do CPP.
 III – Por outro lado, o artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República, ao 
 acolher o recurso de revisão de sentença, fá‑lo não em termos absolutos, mas 
 deixando à lei ordinária a liberdade para estabelecer as condições em que tal 
 direito pode ser exercido. Nem outro sentido pode ter a expressão «nas 
 condições que a lei prescrever».
 Estas «condições» podem efectivamente ser de tal modo limitantes que na prática 
 afastem o instituto e aí surgiria a inconstitucionalidade. Será até discutível 
 se a disposição do n.º 3 do artigo 449.º do CPP não será inconstitucional.
 Mas, no nosso caso, está‑se bem longe.
 Não se julgou improcedente o recurso por não se admitir o fundamento da 
 minoração da pena. Julgou‑se improcedente porque não se atribuiu ao conteúdo 
 dum exame médico a força necessária para afastar o valor do caso julgado.
 O texto constitucional (também considerando os invocados artigos 13.º e 32.º, 
 n.º 1) nada dispõe que afecte a nossa decisão.
 O que, como resulta do exposto, é manifesto, sendo certo que esta afirmação 
 vale para efeitos do disposto na parte final do artigo 76.º, n.º 2, parte final, 
 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
 IV – Face ao exposto, não admito o recurso interposto.”
 
  
 
                         1.4. É contra este despacho que vem deduzida a presente 
 reclamação, com a seguinte fundamentação:
 
  
 
 “1. Por douto despacho proferido em 5 de Abril do ano corrente, foi decidida a 
 não admissão do recurso interposto pelo recorrente, ora reclamante, para esse 
 Venerando Tribunal Constitucional,
 
 2. por ter entendido o Digníssimo Conselheiro Relator que a decisão objecto de 
 recurso baseou‑se «na dúvida que encerram os relatórios médicos sobre a situação 
 de imputabilidade diminuída do arguido ao tempo dos factos»,
 
 3. mais se referindo em tal decisão que o recurso de revisão de sentença 
 apresentado foi julgado improcedente porque não se atribuiu ao conteúdo de um 
 exame médico a força necessária para afastar o valor de caso julgado.
 
 4. Ora, com todo o respeito e a mais subida vénia, dos relatórios médicos 
 juntos aos autos extrai‑se claramente que o recorrente apresenta delírios, 
 alucinações, alterações de pensamento, expressões faciais e gestos estranhos sem 
 razão aparente, alterações de afectividade, depressão, diminuição da motivação, 
 dificuldade de concentração, desconfiança excessiva, indiferença completa e 
 apatia e falta de energia por tudo quanto se passa à sua volta,
 
 5. mais se concluindo que aquele padece dos seguintes diagnósticos 
 psicopatológicos: perturbação obsessiva compulsiva, perturbação depressiva sem 
 outra explicação e esquizofrenia,
 
 6. sendo que, de acordo com o mesmo relatório, tal sintomatologia psicótica 
 caracteriza‑se por alterações ao nível do pensamento e da afectividade e, 
 consequentemente, de todo o comportamento e performance existencial do 
 recorrente, sendo certo que este não é susceptível de ajuizar, podendo cometer 
 de forma não consciencializada actos ilícitos, 
 
 7. concluindo pela imputabilidade diminuída do recorrente.
 
 8. Assim, quanto mais não houvesse, e há, e permanecendo latente qualquer dúvida 
 sobre a imputabilidade do recorrente se manter à data da prática dos factos 
 pelos quais foi condenado em primeira instância,
 
 9. sempre seria de autorizar a solicitada revisão da decisão condenatória, de 
 harmonia com as normas supra aludidas e ainda o artigo 453.º do Código de 
 Processo Penal, dada a grave e séria dúvida sobre a justiça da referida 
 condenação, sendo de suspeitar, pelo menos, da imputabilidade do requerente, o 
 que poderia traduzir‑se na sua inocência.
 
 10. Ademais, muito embora se refira na decisão que não admitiu o recurso para 
 esse douto Tribunal que não existirá razão para alegar a inconstitucionalidade 
 do artigo 163.º do CPP, o certo é que, produzidas as provas consideradas 
 relevantes, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que a «perícia constitui um 
 meio de prova que tem sido considerado insuficiente para efeitos do recurso de 
 revisão», existindo, portanto, «uma enorme possibilidade de não correspondência 
 com a verdade», pelo que «estamos (...) bem longe daquela segurança que o 
 atingimento da força do caso julgado pressupõe».
 
 11. Ora, se o artigo 163.º do Código de Processo Penal determina que «o juízo 
 técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume‑se subtraído 
 
 à livra apreciação do julgador», não se compreende, salvo o devido respeito por 
 melhor opinião, como pôde o Supremo Tribunal de Justiça afirmar no douto acórdão 
 proferido a 1 de Março de 2006 que «a perícia em si é um meio de prova que tem 
 sido considerada insuficiente por várias decisões deste tribunal para efeitos 
 deste recurso».
 
 12. O artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa estatui que 
 
 «os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei 
 prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».
 
 13. Assim, parece ao recorrente, salvo o devido respeito por melhor opinião, que 
 a interpretação dada pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça, quer ao artigo 
 
 449.º, n.º 1, alínea d), quer ao artigo 163.º do Código de Processo Penal, 
 suscita fortes dúvidas de inconstitucionalidade, nomeadamente tendo em conta o 
 vertido nos artigos 29.º, n.º 6, e 32.º, n.º 1, da CRP.
 
 14. Acresce ainda que se a imputabilidade diminuída de um arguido pode 
 eventualmente não garantir a sua absolvição, o que não se concede mas se admite 
 por hipótese de raciocínio, temos como certo que tal imputabilidade diminuída se 
 traduzirá numa atenuação especial da pena concreta aplicada ao arguido.
 
 15. Atento o disposto no artigo 29.º, n.º 6, da CRP, a menção na dita norma de 
 que «as condições que a lei prescrever» poderão ser reconduzidas ao aludido 
 artigo 449.º do Código de Processo Penal,
 
 16. sendo a própria decisão de que ora se reclama, a mesma a referir que será 
 discutível se o n.º 3 do artigo 449.º do CPP não será inconstitucional.
 
 17. É patente, pois, a colisão das duas normas, que levantam fortes dúvidas 
 acerca da constitucionalidade do citado artigo 449.º, n.º 3, do Código de 
 Processo Penal.
 
 18. É que o artigo 29.º, n.º 6, da CRP garante a revisão da sentença aos 
 indivíduos injustamente condenados, sendo tão injustamente condenado aquele que 
 deveria ter sido absolvido e não o foi, como aquele que foi condenado numa pena 
 de prisão mais longa e severa do que aquela que lhe deveria ter sido aplicada.
 
 19. Aliás, o próprio artigo 13.º da CRP, ao prever o princípio da igualdade, 
 impõe que assim seja.
 
 20. Entender de forma diversa é, salvo o devido respeito por melhor opinião, 
 violar flagrantemente os mais elementares direitos constitucionais reconhecidos 
 ao recorrente, nomeadamente, o direito ao recurso, previsto no artigo 32.º, n.º 
 
 1, da Constituição da República Portuguesa.
 
 21. Assim, entende o recorrente, salvo o devido respeito por melhor opinião, que 
 a interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça à norma do artigo 449.º, 
 n.º 1, alínea d), e n.º 3, do Código de Processo Penal não assegura todas as 
 garantias de defesa do arguido.
 
 22. Foi, assim, violado o disposto nos artigos 29.º, n.º 6, 13.º e 32.º, n.º 1, 
 da Constituição da República, pelo que o recurso apresentado pelo recorrente 
 para esse Tribunal Constitucional, pretendendo que seja apreciada a 
 inconstitucionalidade dos artigos 449.º, n.º 1, alínea d), e n.º 3, bem como do 
 artigo 163.º do Código de Processo Penal, na interpretação atribuída a tais 
 normas por aquele douto Tribunal, deve ser admitido,
 
 23. não se vislumbrando, com todo o respeito e a mais subida vénia qualquer 
 situação eventualmente integrável na parte final do artigo 76.º, n.º 2, da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro.
 
 24. E diz-se que não se vislumbra por duas razões, quer porque não ocorre, no 
 caso vertente, qualquer situação ou alegação, eventualmente enquadrável na 
 citada norma, mesmo na parte final,
 
 25. quer porque, como de tal decisão ressalta, não consta da mesma qualquer 
 alusão a eventual razão que leve a considerar o recurso interposto 
 manifestamente infundado,
 
 26. já que, segundo tal decisão, «a trave mestra em que esta assentou diz 
 respeito à dúvida que encerram os relatórios médicos sobre a situação de 
 imputabilidade diminuída do arguido ao tempo dos factos».
 Nestes termos, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser 
 admitido o recurso em toda a sua extensão.”
 
  
 
                         1.5. Neste Tribunal Constitucional, o representante do 
 Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
 
  
 
             “A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
             Na verdade, a rejeição do recurso de revisão, interposto pelo 
 reclamante, não assentou – como ratio decidendi do acórdão recorrido – em 
 qualquer específica interpretação normativa dos preceitos indicados pelo 
 recorrente (sem que, aliás, haja indicado ou especificado, em termos 
 inteligíveis, qual a interpretação ou dimensão normativa, aplicada no acórdão 
 recorrido, que pretendia contoverter), mas, mais singelamente, na valoração das 
 conclusões da perícia médica realizada, considerando – em termos obviamente 
 insindicáveis por este TC – que não estava demonstrada a «imputabilidade 
 diminuída» do arguido à data dos factos motivadores da sua condenação.” 
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         2.1. No sistema português de fiscalização de 
 constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional 
 cinge‑se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões 
 de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas (ou a 
 interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve indicar, com 
 clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa 
 inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas 
 directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção 
 entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação 
 normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em 
 que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um 
 critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com 
 carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras 
 situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos 
 critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso 
 concreto.
 
                         Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente 
 caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos 
 de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada “durante o 
 processo”, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu 
 a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 
 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua 
 ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente.
 
                         Acresce que, quando o recorrente questiona a 
 conformidade constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar 
 essa interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, 
 o uso de fórmulas como “na interpretação dada pela decisão recorrida” ou 
 similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que 
 
 (utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) “ao suscitar‑se a questão de 
 inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte 
 dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido 
 
 (essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso 
 de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua 
 decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os 
 operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido 
 com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a 
 Constituição.”
 
  
 
                         2.2. No presente caso, diversas razões concorrem para a 
 inadmissibilidade do recurso interposto.
 
                         Desde logo, antes de proferido o acórdão recorrido, o 
 recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, 
 sendo certo que não se vislumbra que a aplicação feita, nesse acórdão, dos 
 preceitos legais tidos por pertinentes possa ser qualificada de inesperada, 
 anómala ou insólita, em termos de dispensar o recorrente desse ónus de 
 suscitação.
 
                         Acresce que nem sequer no requerimento de interposição 
 de recurso para o Tribunal Constitucional o recorrente ensaiou identificar, como 
 o mínimo de precisão, quais as interpretações normativas que reputava 
 inconstitucionais, reportadas aos artigos 449.º, n.º 1, alínea d), e 163.º do 
 CPP, não sendo suficiente, como atrás se explicitou, o uso de expressões como 
 
 “na interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça”, sem substanciar em que 
 consiste tal interpretação.
 
                         Depois, o dito acórdão não aplicou, como ratio 
 decidendi, a norma do n.º 3 do artigo 449.º do CPP, que considera inadmissível a 
 revisão fundada na alínea d) do n.º 1 (“se descobrirem novos factos ou meios de 
 prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, 
 suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”) “com o único fim de 
 corrigir a medida concreta da sanção aplicada” – antes expressamente a afastou, 
 justamente por a mesma lhe suscitar “dúvidas de constitucionalidade” (cf. pontos 
 IX, X e XI do acórdão).
 
                         Finalmente, como se assinala no parecer do Ministério 
 Público, a razão determinante da negação da revisão impetrada consistiu em o 
 Supremo Tribunal de Justiça não ter considerado como suficientemente 
 demonstrada, com a segurança tida por necessária para postergar o respeito pelo 
 caso julgado, a existência de uma situação de imputabilidade diminuída do 
 arguido à data da prática dos crimes por que foi condenado. A correcção deste 
 juízo factual é obviamente insusceptível de ser questionada em sede de recurso 
 de constitucionalidade.
 
                         Pelo conjunto destas razões, é patente a 
 inadmissibilidade do recurso que o ora reclamante intentou interpor.
 
                         
 
                         3. Decisão
 Em face do exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
 
                         Custas pelo reclamante, fixando a taxa de justiça em 20 
 
 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 9 de Maio de 2006.
 Mário José de Araújo Torres 
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos