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Processo nº 998/2005
 
 2ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.            Nos presentes autos, o Tribunal Judicial da Comarca de 
 Montemor-o-Novo proferiu a seguinte decisão:
 
  
 Vem o arguido acusado de no dia 27 de Maio de 2004, na barreira de portagem de 
 Montemor-Oeste, comarca de Montemor-o-Novo, sublanço Marateca/Vendas Novas da A 
 
 6, Auto-estrada Marateca/Elvas, se ter recusado a pagar a taxa de portagem 
 devida no montante de 4, 30 euros.
 Na referida acusação é-lhe imputada a prática da contravenção prevista e punida 
 nos nº 1° da base XVIII anexa ao D.L. n° 294/97, de 24 de Outubro. Dispõe o 
 mencionado preceito que “a falta de pagamento de qualquer taxa de portagem é 
 punida com multa, cujo montante mínimo será igual a 10 vezes o valor da 
 respectiva taxa de portagem, mas nunca inferior a 5 000$00 e o máximo o 
 quíntuplo do mínimo”,
 Esta norma encontra-se inserta num diploma elaborado pelo Governo ao abrigo do 
 disposto no art. 198, n° 1, al. A) da Constituição da República Portuguesa.
 Ou seja, no exercício das funções legislativas que lhe permite fazer 
 Decretos-Leis em matérias não reservadas à Assembleia da República.
 De facto, o escopo fundamental do D.L. n° 294/97, de 24 de Outubro é o de 
 regular a concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas.
 Por esse motivo, não terá sido solicitada qualquer autorização à Assembleia da 
 República.
 No entanto, o diploma “supra” referido tem inserta uma norma que estipula 
 expressamente a aplicação de uma pena de multa.
 Constitui, por esse motivo uma tipificação ao nível do direito criminal ou de 
 mero ilícito de ordenação social.
 Ora, a possibilidade de legislar sobre estas matérias está vedada ao Governo, 
 pois face ao estipulado nas als. C) e d) do n° 1 do artigo 165 “é da exclusiva 
 competência da Assembleia da República legislar sobre a definição dos crimes, 
 penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo 
 criminal e sobre o regime geral de punição das infracções disciplinares, bem 
 como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo”.
 Ou seja, o Governo legislou sobre a aplicação de uma multa, matéria de reserva 
 relativa de competência legislativa da Assembleia da república sem ter tido 
 autorização prévia para o efeito.
 Mais, a norma que atribui competência aos portageiros para levantarem autos de 
 notícia, equiparando-os a funcionários públicos também se encontra inserta no 
 D.L. n° 294/97, de 24 de Outubro que regula a concessão da construção, 
 conservação e exploração de auto-estradas.
 Esta norma não podia ter sido elaborada pelo Governo pois também se encontra no 
 
 âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da 
 República.
 Note-se que tais autos, fazem fé um juízo.
 A necessidade de a Assembleia da República autorizar o Governo a legislar sobre 
 tais matérias já foi até reconhecida pelo legislador quando através da Lei n° 
 
 20/90, de 3 de Agosto foi concedida autorização ao governo para legislar sobre 
 processamento e julgamento de contravenções e transgressões.
 Foi com base nessa Lei que o Governo, posteriormente elaborou o Decreto-Lei n° 
 
 17/91, de 10 de Janeiro no qual se estabeleceram as normas para o processamento 
 das contravenções e transgressões.
 Resulta expressamente da mencionada Lei de autorização legislativa que a 
 autorização em causa é dada ao abrigo do art. 168, n° 1, als. C) e d) da CRP (ou 
 seja, o correspondente ao actual 165 n° 1, als. C) e d) da CRP).
 Ou seja, o legislador não tem qualquer dúvida que a matéria das contravenções 
 constitui matéria de competência relativa da AR.
 Mais, segundo Gomes Canotilho (in Constituição Anotada), o artigo 165 da CRP “ao 
 referir o ilícito de mera ordenação social, omitindo toda a referência à figura 
 das contravenções (que era tradicional no direito português até ao Código Penal 
 de 1982), a Constituição deixa entender claramente que ela desapareceu como tipo 
 sancionatório autónomo, pelo que as contravenções que subsistirem ou que forem 
 de novo criadas) têm de ser tratadas de acordo com a natureza que no caso 
 tiverem (criminal ou de mera ordenação social).
 Do “supra” referido resulta que a norma referida na acusação que imputa ao 
 arguido a prática da contravenção prevista e punida na base XVIII anexa ao D.L. 
 n° 294/97, de 24 de Outubro padece do vício da inconstitucionalidade orgânica.
 Cabe a este Tribunal efectuar um controlo difuso e concreto da 
 constitucionalidade, podendo e devendo o juiz recusar a aplicação de uma norma 
 inconstitucional.
 Esse princípio resulta claramente do disposto no artigo 204 da nossa Lei 
 Fundamental que dispõe: “nos feitos submetidos a julgamento não podem os 
 Tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os 
 princípios nela consignados”.
 Mais, “o dever judicial de não aplicar normas inconstitucionais estendesse a 
 todos os casos em que os Tribunais são chamados a aplicar normas 
 infraconstitucionais, portanto independentemente de qualquer feito submetido a 
 julgamento e mesmo quando desempenham funções não jurisdicionais, como 
 consequência directa do princípio da subordinação à lei, o que começa por ser 
 submissão à Lei Fundamental (op. Cit., pág. 797)”.
 Decisão:
 Face ao exposto, por considerar organicamente inconstitucional a norma prevista 
 e punida na base XVIII anexa ao D.L. n° 294/97, de 24 de Outubro e, porque não 
 irei aplicar a mencionada norma, recuso-me a receber a acusação dirigida contra 
 o arguido A..
 
  
 O Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Montemor-o-Novo 
 interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora.
 O recurso foi admitido, por despacho de fls. 28 e 29.
 O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora emitiu parecer no 
 sentido de os autos serem remetidos ao Tribunal Constitucional (fls. 36 e 37).
 Os autos foram remetidos ao Tribunal Constitucional, a fls. 51.
 
  
 
  
 
 2.  Junto do Tribunal Constitucional, foi proferido Despacho a abrigo do artigo 
 
 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, ao qual o Ministério Público respondeu 
 do seguinte modo:
 
  
 O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para 
 proceder ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso 
 interposto no processo em epígrafe – estando a vontade de recorrer para este 
 Tribunal Constitucional expressa no visto exarado a fls. 36/37, que corrigiu o 
 requerimento de recurso originariamente interposto na 1ª instância – vem 
 fazê-lo nos termos seguintes:
 O presente recurso, fundado na alínea a) do n° 1 do artigo 70° da Lei n° 28/82, 
 tem como objecto a norma constante da Base XVIII anexa ao Decreto-Lei n° 294/97, 
 de 24 de Outubro, cuja aplicação foi recusada, na sentença proferida no Tribunal 
 da Comarca de Montemor-o-Novo, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, 
 decorrente de preterição das alíneas c) e d) do n° 1 do artigo 165° da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
  
 Notificado para alegações o recorrente alegou, concluindo o seguinte:
 
  
 
 1 – As normas dos nºs 1 e 5 da Base XVIII, anexa ao Decreto-Lei n° 294/97, de 24 
 de Outubro, reportando-se a matéria contravencional, devem ter um tratamento 
 correspondente ao que é conferido às contraordenações, relativamente às quais a 
 Constituição não exige a prévia definição do tipo e da punição concreta em lei 
 parlamentar a qual igualmente não é necessária para credenciar o Governo a 
 legislar sobre a equiparação a funcionários públicos das autoridades com poderes 
 de disciplina de tráfego, afectos à entidade concessionária, tendo em vista o 
 levantamento de autos de notícia.
 
 2 – Tais normas, que não introduzem, aliás, qualquer inovação na ordem jurídica, 
 não padecem do vício de inconstitucionalidade orgânica, pelo que deverá o 
 presente recurso proceder.
 
  
 
  
 O recorrido não contra-alegou.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
 3.  As normas que o tribunal a quo considerou inconstitucionais têm a seguinte 
 redacção:
 
  
 
 1 – A falta de pagamento de qualquer taxa de portagem é punida com multa, cujo 
 montante mínimo será igual a 10 vezes o valor da respectiva taxa de portagem, 
 mas nunca inferior a 5000$, e o máximo o quíntuplo do mínimo. 
 
 (…)
 
 5 – Além das entidades com competência para a fiscalização do trânsito, podem 
 levantar os autos referidos no número anterior os portageiros da entidade 
 concessionária, os quais se consideram, para esse efeito, equiparados a 
 funcionários públicos.
 
 (…)
 
  
 
  
 Tais normas foram aprovadas ao abrigo do artigo 198º, nº 1, alínea a), da 
 Constituição.
 O tribunal recorrido considerou que a matéria abrangida pelas normas integra a 
 reserva parlamentar referida nas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 165º da 
 Constituição, pelo que recusou a aplicação de tais normas por 
 inconstitucionalidade orgânica.
 Porém, tal juízo de inconstitucionalidade não procede pelas razões que seguem.
 
  
 
  
 
 4.  As normas transcritas supra correspondem, respectivamente, aos nºs 7 e 10 da 
 Base XVIII anexa ao Decreto-Lei n.º 315/91, de 20 de Agosto, na redacção do 
 Decreto-Lei n.º 193/92, de 8 de Setembro. O Tribunal Constitucional 
 pronunciou-se sobre a conformidade à Constituição do referido nº 7 que, tal como 
 o actual nº 1 da Base XVIII consagrava a punição da contravenção consistente na 
 passagem na portagem sem título. No Acórdão nº 61/99 (DR, II Série, de 31 de 
 Março de 1999) considerou o Tribunal Constitucional o seguinte:
 
  
 
 (…)
 
  
 
 3.1. Efectivamente, haverá, em primeira linha, que acentuar que, 
 independentemente da questão de saber se, após a Revisão Constitucional operada 
 pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, é possível a criação, ex 
 novo, de contravenções, o que é certo é que a norma em apreço veio instituir (e 
 para se utilizarem algumas das palavras do artº 3º do Código Penal de 1886) a 
 previsão de um comportamento consubstanciado na prática de um “facto voluntário” 
 
 “punível” (in casu tão só com uma pena pecuniária) e que “consiste unicamente na 
 violação ou na falta de observância das disposições preventivas das leis e 
 regulamentos, independentemente de toda a intenção maléfica” (cfr., sobre o 
 conceito de contravenção, Eduardo Correia, Direito Criminal, I, 218 a 221, e 
 Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal, ed. Da A.A.F.D.L., I, 168). 
 De outro lado, atento o momento temporal em que a norma em apreço foi editada 
 
 (1992), a sanção pecuniária nela prevista  não podia ser convertível em prisão, 
 por se ter de haver por revogado, pela entrada em vigor do Código Penal aprovado 
 pelo Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro, o artº 123º do Código Penal 
 aprovado pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886 (cfr., quanto a este último 
 aspecto, por entre outros, os Acórdãos deste Tribunal números  188/87 e 308/94, 
 publicados na 2ª Série do Diário da República de, respectivamente, 5 de Agosto 
 de 1987 e 29 de Agosto de 1994).
 Ora, torna-se inquestionável que o comportamento em causa (o não pagamento da 
 
 «taxa» de portagem devida pela utilização das auto-estradas) não pode ter uma 
 ressonância ética tal que o haja de o qualificar como um crime; e, se se 
 ponderar que esse comportamento foi, já em 1992, tido como integrando um ilícito 
 passível de ser publicamente sancionado com uma pena meramente pecuniária, então 
 
 (tal como se disse no referido Acórdão nº 308/94, embora a propósito de outra 
 norma) há-de concluir-se que “o tratamento que lhe deve ser conferido há-de ser 
 o correspondente às contra-ordenações, para as quais a Constituição não exige a 
 prévia definição do tipo e da punição concreta em lei parlamentar”.
 Neste particular, não se pode olvidar que a prática do facto punível pela norma 
 sub specie representa, sem que grandes dúvidas a esse respeito se possam 
 levantar, uma infracção no domínio estradal, cumprindo recordar que práticas 
 semelhantes foram sancionadas anteriormente, verbi gratia pelos Decretos-leis 
 números 43.705, de 22 de Maio de 1961 (punição, com pena pecuniária, pelo não 
 pagamento da taxa de portagem pela utilização do lanço de auto-estrada 
 Lisboa/Vila Franca de Xira – cfr. Artº 6º), e 47.107, de 19 de Julho de 1966 
 
 [punição, com pena pecuniária, pelo não pagamento da taxa de portagem pela 
 utilização da Ponte sobre o Tejo – hoje denominada Ponte 25 de Abril – cfr. Artº 
 
 3º, § 4 -, e a que, por intermédio do Decreto-Lei nº 199/95, de 31 de Julho, 
 veio a ser dada a natureza de contra-ordenação -  cfr. Artº 1º, alínea c)).
 
        
 
 3.1.2. E, a este propósito, convém respigar alguns passos que se podem ler no 
 citado Acórdão nº 308/94.
 Assim, disse-se nesse aresto, a propósito da questão de saber se era possível, 
 no caso ali apreciado, a criação de um novo tipo contravencional:
 
  
 
 “(…) 
 Ou seja: o Governo poderia criar aqui esta nova infracção contravencional, uma 
 vez que não lhe corresponde sanção restritiva de liberdade, isto a admitir que a 
 figura das contravenções ainda tem cobertura constitucional (…)
 Tradicionalmente, quer a definição de cada concreto ilícito contravencional, 
 quer a fixação da respectiva pena, sempre puderam ser efectuadas por 
 regulamento, inclusivamente por regulamentos locais, como expressamente 
 resultava do preceituado no artigo 486º do velho Código Penal de 1886. E o mesmo 
 entendimento se manteve na generalidade da doutrina e na jurisprudência, após a 
 entrada em vigor da Constituição de 1976.
 Com a revisão constitucional de 1982, suscitou-se o problema de saber qual o 
 destino, em geral, da figura das contravenções. A este propósito, escrevem J. 
 J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 3ª ed., anotação X ao artigo 168º, pág. 673):
 Ao referir o ilícito de mera ordenação social, omitindo toda a referência à 
 figura das contravenções (que era tradicional no direito português até ao 
 Código Penal de 1982), a Constituição deixa entender claramente que ela 
 desapareceu como tipo sancionatório autónomo, pelo que as contravenções que 
 subsistirem (ou que  forem ex novo criadas) têm de ser tratadas de acordo com a 
 natureza que no caso tiverem (criminal ou de mera ordenação social).
 
  
 Ora, dúvidas não restam que, no caso vertente, não deparamos com uma infracção 
 com a ressonância ética suficiente para poder ser qualificada como de natureza 
 criminal. E, assim sendo, e também porque lhe não corresponde qualquer sanção 
 privativa ou restritiva da liberdade, o tratamento que lhe deve ser conferido 
 há-de ser o correspondente às contra-ordenações, para as quais a Constituição 
 não exige a prévia definição do tipo e da punição concreta em lei parlamentar.
 
 É bem verdade que, estabelecendo-se na Lei Fundamental que cabe à Assembleia da 
 República – ou ao Governo, quando por ela devidamente autorizado – legislar 
 sobre o regime geral dos actos ilícitos de mera ordenação social [artigo 168º, 
 nº 1, alínea d)] e constando do Decreto‑Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que 
 veio fixar esse regime geral, que «só será punido como contra‑ordenação o facto 
 descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua 
 prática» (artigo 2º), bem se poderia perguntar se  não é hoje exigível a 
 intervenção legislativa para a definição e a punição em concreto de cada 
 contra‑ordenação.  
 Tal solução, contudo, não se impõe, para além de se afigurar manifestamente 
 contrária a todas as opções do legislador nesta matéria – assinale-se que se 
 privaria o Governo, no exercício do poder regulamentar, e as autarquias locais, 
 estas em qualquer caso, do poder de definir contra-ordenações. Trata-se, no 
 fundo, de aqui reeditar, e com reforçados motivos, as razões que já 
 anteriormente valiam para justificar a intervenção regulamentar em matéria 
 contravencional.
 Neste sentido, assinalam, em anotação ao artigo 2º do Decreto-Lei nº 433/82, 
 Manuel Lopes Rocha, Mário Gomes Dias e Manuel C. Ataíde Ferreira 
 
 (Contra-Ordenações, Escola Superior de Polícia, pág. 17):
 Parece não haver dúvidas de que o preceito não exclui a possibilidade de os 
 regulamentos da administração central e local criarem contra-ordenações e 
 preverem as correspondentes coimas, desde que dentro dos limites da lei.
 
 É esta, aliás, a opinião de da doutrina quanto às contravenções (Cf. J. de Sousa 
 e Brito, ‘A lei penal na Constituição’, nos Estudos sobre a Constituição, 2º 
 Vol. Pp 238 e segts; de Maia Gonçalves, ‘Código Penal Português na Doutrina e na 
 Jurisprudência’, 6ª ED., pág. 826; e, especificamente quanto às 
 contra-ordenações, o Parecer nº 4/81, da Comissão Constitucional, nos 
 
 ‘Pareceres da Comissão Constitucional’, Vol. 14º, págs. 240 e segts.). Uma 
 achega para esta doutrina poderá hoje ver-se no art. 168º, 1, alínea d), da Lei 
 Fundamental embora o argumento que daí pode tirar-se não seja, só por si, 
 decisivo.
 Historicamente, aliás, e entre nós, as coimas eram as sanções cominadas para as 
 transgressões a posturó e regulamentos municipais (cf. Código Penal de 1886, 
 art. 485º; Luís Osório, ‘Notas ao Código Penal’, Vol. 4º, notas ao art. 485º). 
 O que o art. 2º do Decreto-Lei nº 433/82 verdadeiramente quer dizer não é coisa 
 diferente do que diz o correspondente art. 1º, 1, do Código Penal, isto é, 
 tornar claro que, também no domínio do ilícito de mera ordenação social, vigora 
 o princípio da legalidade, num dos seus aspectos mais significativos, o da não 
 retro-actividade da lei sancionadora.    
 
  
 
 (…)” 
 
  
 
 (…)”
 
  
 As considerações desenvolvidas pelo Tribunal Constitucional no aresto transcrito 
 são aplicáveis nos presentes autos. Com efeito, também agora a norma em 
 apreciação consagra a punição de uma infracção que não tem a ressonância ética 
 bastante para que lhe possa ser atribuída natureza criminal, e a punição 
 prevista não se traduz na privação da liberdade. Desse modo, o regime aplicável 
 será o das contra-ordenações, não sendo exigível, na perspectiva constitucional, 
 a emissão de lei parlamentar.
 
  
 
  
 
 5.      O tribunal a quo julgou igualmente inconstitucional a norma que permite 
 o levantamento do auto de notícia pelo portageiro, e que equipara este agente a 
 funcionário (nº 5 da Base VIII, transcrito supra). Considerou o tribunal que 
 está em causa matéria também abrangida pela reserva parlamentar.
 Da argumentação desenvolvida na decisão recorrida resulta que o fundamento do 
 juízo de inconstitucionalidade orgânica assenta na circunstância de tais autos 
 de notícia fazerem fé em juízo.
 Ora, o Tribunal Constitucional já afirmou mais de uma vez que a fé em juízo 
 
 (nomeadamente dos autos de notícia) não acarreta qualquer presunção de 
 culpabilidade, nem envolve, necessariamente, qualquer manifestação arbitrária do 
 princípio in róo ró reo (Acórdãos nºs 87/87 e 118/87 – DR, II Série, de 16 de 
 Abril e de 2 de Junho de 1987, respectivamente).
 E, decisivamente, tratando-se de uma infracção que, nesta matéria, segue o 
 regime das contra-ordenações, como se demonstrou anteriormente, carece de 
 fundamento a inclusão da questão da competência para lavrar o auto de notícia no 
 
 âmbito da reserva parlamentar.
 Não se trata, pois, de matéria abrangida pela reserva parlamentar. Improcede, 
 portanto, o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.
 
  
 
  
 
 6.      Conceder‑se‑á provimento ao recurso.
 
  
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
 7.                              Em face do exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide não julgar organicamente inconstitucional as normas dos nºs 1 e 5 da Base 
 XVIII anexa ao Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, revogando 
 consequentemente a decisão recorrida que deverá ser reformulada de acordo com o 
 presente juízo de não inconstitucionalidade.
 
  
 Lisboa, 23 de Março de 2006
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos