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Processo nº 182/06
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I – Relatório.
 
  
 
 1. A., ora reclamante, requereu, no Tribunal Judicial de Oeiras, a notificação 
 de B., na qualidade de director do jornal “…”, para que este procedesse à 
 publicação da resposta, por si apresentada, a uma crítica ao seu filme “Tudo 
 isto é fado”, publicada naquele semanário em 3 de Abril de 2004, considerando 
 que nesta são feitas referências insultuosas à sua pessoa. A pretensão do 
 requerente foi julgada improcedente por aquele Tribunal por duas ordens de 
 razões: por um lado, por o texto de resposta não ter sido dirigido ao requerido 
 enquanto director do jornal; e, por outro, por o artigo em causa não ter 
 ofendido o bom nome do requerente.
 
  
 
 2. Inconformado com a decisão, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, 
 que, por acórdão de 2 de Dezembro de 2004, considerou o recurso improcedente e 
 confirmou a decisão da primeira instância. Sustentou, então, o Tribunal que, 
 
 “não tendo o … publicado qualquer notícia menos honrosa para com o ora 
 recorrente - limitando-se apenas a exercer o direito de crítica - não tem o este 
 qualquer direito de resposta. Confirma-se, pois, o teor da decisão da 1ª 
 instância no segmento em que defendeu a inexistência de qualquer violação à 
 honra do ora recorrente, não tendo este, em consequência, direito de resposta.” 
 Assim, entendeu também que “não faz sentido averiguar se tal pretenso direito 
 foi exercido de forma legal.”
 
  
 
 3. Inconformado com esta decisão, o ora reclamante pretendeu recorrer para o 
 Tribunal Constitucional, invocando, nomeadamente, o seguinte:
 
 “[...] O recurso tem por objecto a apreciação e julgamento da 
 constitucionalidade da norma do artigo 26.º, n.º 7 da Lei de Imprensa (LI), na 
 interpretação que dela fez o Acórdão recorrido, face ao disposto no artigo 37.º, 
 n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
 Entende o recorrente que o Acórdão recorrido funda a sua razão de decidir numa 
 interpretação do artigo 26. º, n. º 7 da LI que viola frontalmente o disposto no 
 artigo 37.º , n. ° 4 da CRP.
 Efectivamente, ao negar provimento ao recurso - com fundamento em alegada 
 manifesta falta dos pressupostos do direito de resposta [“(...) é de todo em 
 todo infundada a interpretação que o ora recorrente deu à frase transcrita pelo 
 autor da notícia (..;)”] -, o Acórdão recorrido mais não fez do que recusar, ele 
 próprio, a publicação pedida pelo recorrente, interpretando o artigo 26.º, n.º 7 
 da LI no sentido de que não existe necessidade de recusa expressa e fundamentada 
 por parte do órgão de comunicação social, podendo os tribunais recusar ou negar 
 o direito de resposta nas situações em que não tenha havido recusa, nos termos 
 exigidos pelo citado preceito legal.
 
 [...]
 Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido interpretou a norma do artigo 26., 
 n.º 7, de uma forma que, simplesmente, ignorou o disposto no artigo 37.º, n.º4 
 da CRP , substituindo-se, de forma extemporânea e totalmente inesperada, aos 
 
 órgãos competentes do jornal em causa, para recusar a publicação.
 Ora, tal interpretação, consubstancia uma negação efectiva de um direito cuja 
 relevância constitucional é expressa e inequívoca.
 Nestes termos, e face ao que dos autos consta, a interpretação que do artigo 
 
 26.º, n.º 7 da LI se faz no Acórdão recorrido é inconstitucional e, como tal, 
 deverá ser considerada pelo Tribunal Constitucional em sede de recurso.
 Acresce, que a questão da (in)constitucionalidade da norma citada não foi 
 suscitada no processo, nos termos exigidos pelas disposições conjugadas dos 
 artigos 70. n.º 1, al. b) e 72.º, n.º 2, ambos da LTC, por a referida 
 interpretação ser, de todo em todo, imprevisível, surpreendente e irrazoável.
 
 [...]”
 
  
 
 4. Por parte do Relator do processo no Tribunal da Relação de Lisboa foi 
 proferido o seguinte despacho, não admitindo este recurso:
 
 “Ao contrário do que acontecia no âmbito da anterior Lei de Imprensa (cfr. art. 
 
 53°, n.º 2 do D.-L. 85-C/75, de 26 de Fevereiro), em que da decisão proferida em 
 
 1ª instância sobre direito de resposta não havia recurso (vide Vital Moreira, in 
 O Direito de Resposta na Comunicação Social, pág. 152), na lei actual, há 
 recurso não só da decisão da 1ª instância, como também da proferida pela Relação 
 
 - é o que resultado n.° 2 do art. 27° da Lei n.° 2/99, de l3 de Janeiro.
 Com efeito, este último preceito limita-se a dizer que da decisão da 1ª 
 instância há recurso com efeito devolutivo, não limitando esse recurso ao 
 tribunal da Relação. Assim sendo, como é, da decisão proferida por esta 
 instância cabia sempre recurso para o S.T.J..
 Não tendo esgotado todos os recursos ordinários previstos na lei, não cabe 
 recurso para o Tribunal Constitucional, por força do disposto no n.° 2 do art. 
 
 70° da Lei n.º28/82, de 15 de Novembro.
 Como assim, decido não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional, 
 indeferindo o requerimento em análise, com custas pelo requerente.”
 
  
 
 5. Na sequência desta decisão, foi interposta a presente reclamação, do seguinte 
 teor:
 
 “[...] vem, nos termos do disposto nos artigos 76.º, n.º 4 e 77.º, da Lei do 
 Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC) e 
 
 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do disposto no artigo 
 
 69.º da LTC, porque com tal despacho de não admissão se não conforma, dele 
 RECLAMAR, nos termos e com os fundamentos seguintes:
 
 [...]
 
 6. Salvo o devido respeito, entende, porém, o ora reclamante que não assiste 
 razão ao Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator .
 
 7. Efectivamente, o reclamante esgotou todos os recursos ordinários previstos na 
 lei - art. 70.º, n.º 2 da LTC -, sendo o Acórdão objecto de recurso para o 
 Tribunal Constitucional irrecorrível, a dois títulos:
 a) por a lei apenas admitir o recurso em um grau de jurisdição, e
 b) por a causa não ser de valor superior ao da alçada do tribunal recorrido, in 
 casu o Tribunal da Relação.
 
 [...]
 EM CONCLUSÃO
 Entende o ora reclamante que o recurso, interposto para o Tribunal 
 Constitucional do Acórdão proferido nos autos em 02/12/2004, deveria ter sido 
 admitido nos termos do disposto nos artigos 70.º, n.º 2, 72.º, n.º 2 e 76.º, n.º 
 
 2 (a contrario) todos da LTC.
 Mesmo a considerar-se que tal Acórdão admitia recurso para o STJ, nos termos do 
 artigo 27.º, n.º 2 da LI (o que apenas em tese se admite), a verdade é que, em 
 concreto e face ao que dos autos resulta, não podia o reclamante - e também por 
 essa razão não o fez -, dele recorrer por o valor da causa não lho permitir 
 
 (678.º, n.º 1, do CPC, e 24.º da LOFTJ).”
 
  
 
 6. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se 
 pronunciou nos seguintes termos:
 
 “Independentemente da questão do “esgotamento” dos recursos ordinários 
 possíveis, consideramos manifestamente improcedente a reclamação ora deduzida, 
 já que:
 
 - por um lado, a “ratio decidendi” do acórdão recorrido não consistiu na 
 interpretação normativa especificada pelo recorrente, mas antes na consideração 
 de que o recorrente, “não tem qualquer direito de resposta, pela singular razão 
 de que não houve da parte do jornal qualquer ofensa à sua honra ou ao seu bom 
 nome”, pelo que “não faz sentido averiguar se tal pretenso direito foi exercido 
 de forma legal”;
 
 - por outro lado, e como o recorrente reconhece, não foi suscitada, durante o 
 processo e em termos processualmente adequados, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso 
 interposto, sendo óbvio que o decidido pela Relação – que se limitou a confirmar 
 o decidido na 1ª instância – não pode configurar-se como “decisão surpresa”, 
 que, pelo seu carácter insólito ou imprevisível, dispensasse a parte do 
 cumprimento dos ónus existentes no âmbito do recurso tipificado na alínea b) do 
 n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82.”
 
  
 Dispensados os vistos, cumpre decidir.
 
  
 
  
 II. Fundamentação.
 
  
 
 7. O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional pressupõe, designadamente, que a decisão de que se recorre seja 
 definitiva, que o recorrente tenha suscitado, de modo processualmente adequado 
 perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, a inconstitucionalidade de 
 determinada norma jurídica - ou de uma sua dimensão normativa - e que, não 
 obstante, a decisão recorrida a tenha efectivamente aplicado, como ratio 
 decidendi, no julgamento do caso.
 
  
 Ora, destinando-se “as reclamações sobre não admissão dos recursos intentados 
 para o Tribunal Constitucional a verificar a eventual preterição da devida 
 reapreciação, pelo Tribunal Constitucional, de uma questão de 
 constitucionalidade, em sede de recurso”, como se afirma no Acórdão n.º 641/99 
 
 (disponível na página Internet do Tribunal em 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), “mais que apreciar a 
 fundamentação do despacho de indeferimento do recurso, há, pois, que verificar o 
 preenchimento dos requisitos do recurso de constitucionalidade que se pretendeu 
 interpor”, sendo certo que, ao decidir a reclamação, a decisão do Tribunal 
 Constitucional faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso, nos termos 
 do artigo 77º, n.º 4, da Lei n.º 28/82.
 
  
 Assim, no presente caso, independentemente da questão de saber até que ponto 
 estão ou não esgotados os recursos ordinários que no caso caberiam e da questão 
 de saber em que medida terá a interpretação normativa questionada pelo 
 reclamante constituído ratio decidendi da decisão recorrida, o facto é que, como 
 o próprio reclamante admite, a questão de constitucionalidade submetida a 
 apreciação deste Tribunal “não foi suscitada no processo, nos termos exigidos 
 pelas disposições conjugadas dos artigos 70. n.º 1, al. b) e 72.º, n.º 2, ambos 
 da LTC” (itálico aditado). Alega, porém, o ora reclamante que p não fez por “a 
 referida interpretação ser, de todo em todo, imprevisível, surpreendente e 
 irrazoável.” Não tem, contudo, qualquer razão.
 
  
 Na verdade, tendo o Tribunal da 1ª instância julgado improcedente a pretensão do 
 ora reclamante, nomeadamente por ter considerado que o artigo em causa não tinha 
 ofendido o bom nome do reclamante, era efectivamente previsível a possibilidade 
 de o Tribunal da Relação de Lisboa vir a confirmar a referida interpretação. 
 Entendendo o ora reclamante que tal interpretação é inconstitucional, era-lhe 
 exigível que, antecipando essa confirmação, suscitasse a questão da sua 
 inconstitucionalidade em termos de o tribunal recorrido estar obrigado a sobre 
 ela se pronunciar. É que, como este Tribunal também tem afirmado repetidamente, 
 recai sobre a parte o ónus de analisar as diversas possibilidades 
 interpretativas susceptíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão e 
 de utilizar as necessárias precauções, de modo a poder, em conformidade com a 
 orientação processual considerada mais adequada, salvaguardar a defesa dos seus 
 direitos (cfr., nesse sentido, entre muitos outros, o acórdão n.º 479/89, 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14º vol., pgs. 149 e 150).
 
  
 Não o tendo feito, quando podia e deveria fazê-lo, ou seja, não tendo sido 
 suscitada pelo ora reclamante, de modo processualmente adequado perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, a questão da constitucionalidade que 
 agora pretende ver apreciada, conforme exige o n.º 2 do artigo 72º da Lei do 
 Tribunal Constitucional , não pode, efectivamente, o recurso ser admitido.
 
  
 
  
 III. Decisão.
 
  
 Nestes termos, decide-se desatender a reclamação, confirmando-se a decisão de 
 não admissão do recurso para este Tribunal.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 6 de Março de 2006
 Gil Galvão
 Bravo Serra 
 Artur Maurício