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Processo n.º 74/06
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 A.  reclama ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da Lei 28/82 de 15 de Novembro 
 
 (LTC) para este Tribunal contra a decisão que, na Relação de Coimbra, lhe não 
 admitiu o recurso que pretendia interpor nos termos da alínea b) do n. 1 do 
 artigo 70º da citada LTC.
 O reclamante requerera a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional 
 nos seguintes termos:
 
  
 A., recorrente melhor identificado nos autos à margem referenciados vem ao 
 abrigo do artigo 70° n.º1 alínea b) da Lei nº 28/82 interpor recurso para o 
 Tribunal Constitucional
 Nos termos e com os seguintes fundamentos
 
 1º
 Por sentença proferida em processo comum singular foi o ora recorrente condenado 
 pela prática como autor material, em concurso, de um crime de condução de 
 veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292 n.º l C.P, um crime de 
 desobediência. qualificada, p. e p. pelo artigo 348 n.º 1 e 2 e um crime de 
 desobediência p. e p. pelo artigo 348° n.º1 alínea a) todos do mesmo diploma.
 
 2º
 Tendo-lhe sido aplicada a pena de 10 meses de inibição de conduzir, 100 dias de 
 multa a taxa diária de € 5, no montante de 500 €, e ainda a pena de 7 meses de 
 prisão.
 
 3º
 Sucede, porém, que o ora recorrente no recurso que interpõe para o tribunal da 
 Relação de Coimbra afere que se verifica a violação do artigo 70° do Código 
 Penal pela não aplicação de uma pena não privativa da liberdade
 
 4º
 Tanto mais que o que está em causa tanto no recurso para a Relação como no 
 presente são as penas de prisão efectiva em que o arguido foi condenado dado não 
 se obter com elas os fins das penas previstos no artigo 40° do C.P.
 
 5°
 Nomeadamente em termos de prevenção geral e especial da doença de alcoolismos e 
 da reintegração social do arguido, que é pai, marido, gerente de uma empresa que 
 dá trabalho a cinco pessoas.
 
 6°
 Se por um lado podemos considerar o enquadramento social e profissional do 
 arguido,
 
 7º
 por outro, o facto de se invocar na decisão, a falta de elementos no processo 
 que permitam avaliar da doença do arguido, mais concretamente alcoolismo,
 
 8.º
 o que é certo é que se esta uma conclusão que o tribunal da Relação tira., 
 também não é menos certo, que por maioria de razão e sem qualquer pressuposto 
 virtual o Tribunal da Relação tem em conta as práticas criminais do arguido 
 derivadas do seu abuso de substâncias alcoólicas.
 
 9°
 Aliás estes factos são invocados para a determinação da medida da pena para 
 aquilatar a culpa do mesmo.
 
 10°
 Tendo em conta que o tribunal não teve em consideração a doença do arguido, e 
 uma vez que a CRP protege este tipo de situações terá de se concluir que no 
 presente caso salvo melhor opinião verificou-se uma violação de lei porquanto;
 
 1lº
 O presente acórdão recorrido ao negar ao ora recorrentes o direito à 
 substituição da pena de prisão por uma pena não privativa da liberdade que lhe 
 permitisse recuperar a sua saúde frequentando terapias de alcoolismo em 
 Instituições Públicas, ou outras, viola claramente o disposto no artigo 64º da 
 CRP o qual prescreve como dever do Estado a garantia de todos os cidadãos aos 
 cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;
 
 12º
 Por que não foi cumprido o estabelecido no artigo 64° da CRP estamos perante uma 
 ilegalidade que põe em causa os direitos liberdades e garantias do ora 
 recorrente.
 Conclusões
 
 1.            A decisão que condenou o arguido em pena efectiva de prisão não 
 teve em conta os elementos de prova que permitem concluir que a pena não 
 privativa da liberdade era a que melhor se aplicava ao caso sub judice.
 
 2.            Na verdade, os elementos que servem de base à medida da pena e que 
 se consubstanciam na prática de crimes relacionados com álcool, por maioria de 
 razão também servem para o tribunal através da sua livre apreciação da prova, 
 padronizada pela figura do bonus pater familiae poder aferir da doença do 
 arguido.
 
 3.            O acórdão recorrido ao negar ao ora recorrente o direito à 
 substituição da pena de prisão por uma pena não privativa da liberdade que lhe 
 permitisse recuperar a sua saúde frequentando terapias de alcoolismo em 
 Instituições Públicas ou outras viola claramente o disposto no artigo 64.º da 
 CRP o qual prescreve como dever do estado a garantia de todos os cidadãos aos 
 cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;
 
 4.            Em face do exposto e uma vez estabelecido no artigo 64º da CRP 
 estamos perante uma ilegalidade que põe em causa os direitos liberdades e 
 garantias do ora recorrente.
 Termos em que deve o presente recurso ser admitido, com efeito suspensivo e 
 mandado subir ao Tribunal Constitucional, seguindo-se aí os demais termos até 
 final.
 
  
 
  
 Este requerimento foi indeferido por despacho do seguinte teor:
 
  
 
  
 O arguido A. veio a fls. 374 interpor recurso para o Tribunal Constitucional, 
 
 “ao abrigo do art. 70º n.º 1 alínea b) da Lei 28/82”.
 Nos termos da invocada disposição legal “Cabe recurso para o Tribunal 
 Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais: que apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
 Ora acontece que, analisando o processo não se vislumbra onde é que o recorrente 
 suscita a inconstitucionalidade do artigo 70º do Código Penal, norma essa 
 indicada na motivação do recurso para o Tribunal Constitucional agora 
 apresentado.
 Nestes termos, é evidente que não pode tal recurso ser admitido.
 Assim sendo, não o admito.
 
  
 
 É deste despacho que o recorrente reclama nos seguintes termos:
 
  
 A., recorrente melhor identificado nos autos à margem referenciados, notificado 
 do despacho que indeferiu o requerimento de interposição de recurso, vem nos 
 termos do disposto no artigo 76° n.º 5 da Lei nº 28/82 apresentar a sua 
 reclamação
 Nos termos e com os fundamentos seguintes:
 
 1º
 Por despacho datado de 16 de Setembro de 2005, foi o recurso interposto pelo 
 recorrente indeferido, tendo sido alegado que não se vislumbrava onde é que o 
 recorrente havia suscitado a inconstitucionalidade do artigo 70° do Código 
 Penal, norma essa indicada nas motivações de recurso para o Tribunal 
 Constitucional.
 
 2º
 Sucede porém que, no entender do recorrente, a indicação concreta da norma 
 violada só se vislumbra obrigatória no momento do recurso para o Tribunal 
 Constitucional, para que desse modo o mesmo possa aferir da violação ou não de 
 uma conduta.
 
 3°
 Daí que o recorrente aquando da interposição de recurso para o Tribunal da 
 Relação não tenha indicado em concreto a disposição legal violada, muito embora 
 tenha suscitado a questão da inconstitucionalidade subjacente à violação do 
 artigo 70° do Código Penal,
 
 4°
 uma vez que alegou a violação da aplicação de uma norma que põe em causa os 
 direitos liberdades e garantias. Senão vejamos,
 
 5°
 em recurso para o Tribunal da Relação o recorrente nas suas conclusões no ponto 
 
 18 refere: “a aplicação de pena de prisão efectiva pela sentença recorrida, no 
 entender do arguido viola o disposto no artigo 70° do Código Penal pelo que 
 aquelas deverão ser substituídas por penas de multa e/ou por outras não 
 privativas da liberdade nos termos do artigo 44° do C.P.”
 
 6°
 Mais se refira que o recorrente para a interposição do recurso indica a violação 
 de mais do que uma norma.
 
 7º
 Refere também que o Tribunal da Relação violou o disposto no artigo 64° da 
 C.R.P., e isto porquanto o Tribunal da Relação ao invocar na decisão a falta de 
 elementos no processo que permitam avaliar a doença do arguido, mais 
 concretamente alcoolismo não deixa de ter em conta as práticas criminais do 
 arguido derivadas do abuso de substâncias alcoólicas.
 
 8°
 Aliás estes factos são tidos em conta na determinação da medida da pena como 
 fito de aquilatar a culpa do mesmo.
 
 9º
 Tendo em conta que o Tribunal não teve em consideração a doença do arguido, 
 nomeadamente por invocar falta de elementos no processo que permitam concluir 
 que o mesmo é doente, e uma vez que a C.R.P. protege este tipo de situações, 
 terá de se concluir que no presente caso e salvo melhor opinião, se verificou 
 uma violação de lei porquanto:
 
  
 
  
 
 10°
 O acórdão recorrido ao negar ao recorrente o direito à substituição da pena de 
 prisão por uma pena não privativa da liberdade que lhe permitisse recuperar a 
 sua saúde frequentando terapias de alcoolismo em Instituições Públicas ou outras 
 viola claramente o disposto no artigo 64° da CRP o qual prescreve como dever do 
 estado a garantia de todos os cidadãos aos cuidados da medicina preventiva, 
 curativa e de reabilitação;
 
 11°
 No que concerne a esta matéria a mesma é referida pelo arguido no ponto 16 e 17 
 das suas conclusões apresentadas junto do Tribunal da Relação.
 
 12º
 Mais se acrescenta que estas matérias se encontram referidas no recurso 
 interposto para o Tribunal da Relação não sendo portanto necessário invocar in 
 concreto qualquer violação de disposição legal, mas sim aflorar a matéria ou as 
 razões subjacentes aos preceitos constitucionais que agora junto desse tribunal 
 se vêm invocar para que se possa tomar conhecimento das matérias relativas aos 
 preceitos constitucionais violados.
 Termos em que deve a presente reclamação ser admitida e julgada procedente por 
 provada e em consequência ser o recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional admitido.
 
  
 
  
 O representante do Ministério Público responde à reclamação nos seguintes 
 termos:
 
  
 A presente reclamação carece ostensivamente de fundamento sério, já que se não 
 mostra suscitada pelo recorrente – nem durante o processo, nem no requerimento 
 de interposição de recurso para este Tribunal, nem sequer no âmbito da presente 
 reclamação – qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para 
 servir de objecto ao recurso de fiscalização concreta interposto.
 
  
 O recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC, como é o caso em 
 presença, tem carácter normativo (artigo 79º-C da LTC) e só pode ser interposto 
 por quem 'haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de 
 modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer' – artigo 72º n.º 2 
 da mesma LTC.
 São, assim, requisitos da interposição deste recurso quer a suscitação adequada 
 da questão de constitucionalidade, quer ainda o seu carácter normativo. Ora, o 
 recurso foi indeferido em virtude de se não verificar o requisito relativo à 
 suscitação da questão de constitucionalidade, cuja verificação é, como se viu, 
 obrigatória. E é patente que o recorrente não suscitou perante o Tribunal 
 recorrido qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Aliás, é ainda 
 patente que, no recurso, não se pretende questionar a conformidade 
 constitucional de qualquer norma, visando-se sindicar a própria decisão 
 recorrida em si mesma considerada.
 Razão tem, portanto, a Relação de Coimbra ao não admitir o recurso.
 Termos em que se decide indeferir a reclamação, confirmando o despacho de não 
 admissão do recurso.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 22 de Fevereiro de 2006
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 
  
 Maria Helena Brito
 
  
 Rui Manuel Moura Ramos