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Processo n.º 267/06                         
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I
 
  
 
 1.      A. deduziu reclamação do despacho do Conselheiro Relator do Tribunal da 
 Relação do Porto que não admitiu o recurso que pretendia interpor para o 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 
 2.      Resulta dos autos que:
 
  
 
 2.1.   No 1º Juízo do Tribunal Criminal do Porto, foi o arguido A. condenado, 
 entre o mais, como autor de um crime de ofensa à integridade física, previsto e 
 punível pelo artigo 143º do Código Penal, na pena de 150 dias de multa à razão 
 diária de € 35. 
 
  
 
 2.2.   Na motivação do recurso que interpôs para o Tribunal da Relação do Porto 
 
 (fls. 377 a 411 v.º), o recorrente A. apresentou, entre outras, as seguintes 
 conclusões: 
 
  
 
 “[…]
 III. Perante a prova produzida nos autos não foi aplicado o princípio «in dubio 
 pro reo»;
 JJJ. Há clara intenção de condenar o Recorrente de qualquer maneira;
 
 […]
 MMM. O Recorrente prestou depoimento claro e credível;
 NNN. Há manifesta insuficiência de prova para a matéria dada como provada:
 OOO. Para não dizer contradição manifesta;
 PPP. Não se fez Justiça;
 QQQ. Foi violado o artº 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa;
 RRR. Assim como foram violados os artºs 128º e 169º do Código do Processo Penal;
 SSS. Assim como o artº 340º do Código do Processo Penal à contrário;
 
 [...].”.
 
  
 
 2.3.   O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 27 de Abril de 2005 (fls. 
 
 464 e seguintes), concedeu provimento parcial ao recurso, fixando em € 25 a taxa 
 diária de multa em que o arguido foi condenado, mantendo no mais a sentença 
 recorrida. Disse o Tribunal da Relação do Porto, para o que agora importa 
 considerar: 
 
  
 
 “[…]
 Invoca ainda a violação do princípio in dubio pro reo.
 Este princípio é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar 
 de forma favorável ao réu, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos 
 para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões 
 díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser 
 absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um 
 estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada quando, do 
 texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na 
 dúvida, optou por decidir contra o arguido – ac. STJ de 24-3-99 CJ-STJ tomo I, 
 pág. 247.
 Ora no texto da sentença não se vislumbra que a Sra. Juiz tenha tido dúvidas 
 sobre a prova de qualquer dos factos que considerou provado.
 
 [...].”.
 
  
 
 2.4.   Requerida pelo recorrente a aclaração do acórdão, foi tal pedido 
 indeferido por acórdão de 13 de Julho de 2005 (fls. 496 e seguinte).
 
  
 
 2.5.   Da decisão da Relação pretendeu A. interpor recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça (fls. 500 e seguintes), mas tal recurso não foi admitido 
 
 (despacho de fls. 515).
 
  
 
 2.6.   A. veio então interpor recurso para o Tribunal Constitucional, através de 
 requerimento assim redigido (fls. 521):
 
  
 
 “[…] vem apresentar recurso para o Tribunal Constitucional nos termos do 
 disposto nos artºs 70º, n.º 1 al. b) da Lei 2[8]/1982 de 15/11 com as alterações 
 da Lei n.º 13-A/1998 de 26/02, por violação do disposto no artº 32º, 208º, 206º 
 da CRP e artºs 412º, 127º, e do princípio «in dubio pro reo».
 
 […].”.
 
  
 
 2.7.   O Desembargador Relator, no Tribunal da Relação do Porto, decidiu não 
 admitir o recurso para o Tribunal Constitucional (despacho de 10 de Janeiro de 
 
 2006, a fls. 522):
 
  
 
 “Nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos artºs 76º n.º 2 da Lei 
 n.º 28/82, de 15/11, não admito o presente recurso para o Tribunal 
 Constitucional, por manifestamente infundado – cfr. art. 72º, n.º 2 da Lei n.º 
 
 28/82, de 15/11, na redacção da Lei n.º 13-A/98, de 26/02.
 
 [...].”.
 
  
 
 2.8.   A. veio, sem invocar qualquer disposição legal, deduzir reclamação do 
 despacho de não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, através do 
 requerimento de fls. 525 e seguintes (fls. 528 e seguinte), em que se lê:
 
  
 
 “1. No requerimento de interposição de recurso deu o recorrente cumprimento ao 
 disposto nos artºs 70º, n.º 1, al. b) da Lei 2[8]/1982 de 15/11 com as 
 alterações da Lei 13-A/1998 de 26/02;
 
 2. O Meritíssimo Desembargador relator não admitiu o recurso por «manifestamente 
 infundado»;
 
 3. No entanto não fundamenta tal decisão;
 
 4. Ora o Recorrente no seu requerimento de interposição respeitou todas as 
 obrigações legais e processuais para que o recurso fosse admitido;
 
 5. Sendo certo que apenas em sede de alegações, fase processual que ainda não 
 está em causa, se demonstrará da sua razão ou não;
 
 6. Facto é que o Recorrente alegou em fase própria a violação do princípio «in 
 dubio pro reo»;
 
 7. Certo é que o Recorrente não tem mais fase processual para recorrer;
 
 8. Certo é que o Recorrente invocou a violação dos artºs 32º, 208º, e 206º da 
 CRP e artºs 412º e 127º do CPP, assim como do princípio «in dubio pro reo»;
 
 9. Ora deu-se por parte do Recorrente cumprimento a todos os requisitos formais 
 para que o recurso fosse admitido;
 
 10. Mesmo que se achasse que o requerimento precisava de qualquer aclaração 
 teria de ser dado cumprimento ao disposto no artº 75º-A da Lei 2[8]/1982 de 
 
 15/11 com as alterações da Lei 13-A/1998 de 26/02, o que pelo Digníssimo 
 Desembargador relator não foi feito;
 
 11. Pelo que existe manifesta violação de tal disposição legal;
 
 12. Assim não é o recurso «manifestamente infundado»;
 
 13. Antes formalmente está devidamente fundamentado e cumpre todas as obrigações 
 impostas por lei;
 
 14. Desta forma, ou o douto despacho tinha de ser devidamente fundamentado, e 
 não é, ou então teria de o recurso ter sido devidamente aceite.
 
 15. Ou mandado corrigir nos termos do artº 75-A, o que também não foi.
 
 16. Pelo que há manifesta violação de lei.
 
 [...].”.
 
  
 
 3.      O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 emitiu parecer, do seguinte teor (fls. 534 v.º): 
 
  
 
 “A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 Na verdade – e como decorre da própria argumentação expendida pelo reclamante – 
 o recurso interposto carece da indispensável base «normativa», não se 
 pretendendo questionar a constitucionalidade de qualquer norma do ordenamento 
 infraconstitucional, limitando-se o recorrente a imputar directamente à decisão 
 recorrida a pretensa violação de princípios ou preceitos da Lei Fundamental.
 Carecendo, deste modo, o recurso de objecto idóneo, é manifesta a inverificação 
 dos respectivos pressupostos de admissibilidade.”. 
 
  
 
          Cumpre apreciar e decidir, aceitando que o pedido deduzido configura a 
 reclamação prevista no artigo 76º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 II
 
  
 
 4.      O ora reclamante pretendeu interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, invocando 
 
 “violação do disposto no artº 32º, 208º, 206º da CRP e artºs 412º, 127º, e do 
 princípio «in dubio pro reo»” (supra, 2.6.). 
 
  
 
          O Desembargador Relator, no Tribunal da Relação do Porto, não admitiu o 
 recurso por entender que o mesmo era “manifestamente infundado”, apoiando-se nas 
 disposições conjugadas dos artigos 76º, n.º 2, e 72º, n.º 2 da Lei do Tribunal 
 Constitucional (supra, 2.7.).
 
  
 
          Na reclamação agora deduzida, o reclamante vem sustentar, em síntese, 
 que no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional 
 
 “deu o recorrente cumprimento ao disposto nos artºs 70º, n.º 1, al. b) da Lei 
 
 2[8]/1982 de 15/11 com as alterações da Lei 13-A/1998 de 26/02” e “invocou a 
 violação dos artºs 32º, 208º, e 206º da CRP e artºs 412º e 127º do CPP, assim 
 como do princípio «in dubio pro reo»” (supra, 2.8.).
 
  
 
 5.      É manifesto que o recurso que o ora reclamante pretendia interpor não 
 pode ser admitido.
 
  
 
          O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do 
 Tribunal Constitucional – a disposição mencionada pelo ora reclamante no 
 requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional – é o 
 recurso que cabe das decisões dos tribunais “que apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
 
  
 
          Para que o Tribunal Constitucional possa conhecer de um recurso fundado 
 nessa disposição, exige-se que o recorrente suscite, durante o processo, a 
 inconstitucionalidade da norma (ou interpretação normativa) que pretende que 
 este Tribunal aprecie e que tal norma (ou tal norma, com essa interpretação) 
 seja aplicada no julgamento da causa, não obstante a acusação de 
 inconstitucionalidade que lhe foi dirigida.
 
  
 
          Decorre claramente dos autos que o ora reclamante não suscitou, durante 
 o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Observe-se, 
 designadamente, a motivação do recurso para o Tribunal da Relação do Porto (fls. 
 
 377 e seguintes, supra, 2.2.) – a peça processual a ter em conta, atento o 
 disposto no artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 
          Nessa peça processual o ora reclamante limitou-se a imputar 
 directamente à decisão então recorrida a pretensa violação de princípios ou 
 preceitos da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
          Aliás, nem no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal 
 Constitucional (supra, 2.6.), nem na reclamação do despacho de não admissão de 
 tal recurso (supra, 2.8.) – que, de todo o modo, não poderiam ser considerados 
 momentos adequados para dar como cumprido o ónus de invocação da questão de 
 inconstitucionalidade “durante o processo” perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida – o ora reclamante identificou a norma ou interpretação 
 normativa aplicada na decisão recorrida que considera inconstitucional e que 
 pretende submeter ao julgamento deste Tribunal.
 
  
 
          Por outras palavras, o ora reclamante não chegou sequer a definir o 
 objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade. 
 Limitou-se a invocar certas normas ou princípios constitucionais que, em sua 
 opinião, teriam sido violados nas decisões proferidas no processo, o que é 
 substancialmente diferente e insuficiente para dar como verificado o ónus a que 
 se referem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 
          Tanto basta para concluir que o recurso não podia ser admitido e que a 
 presente reclamação tem de ser indeferida.
 
  
 III
 
  
 
  
 
 6.      Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir a presente reclamação.
 
  
 
          Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) 
 unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 29 de Março de 2006
 
  
 Maria Helena Brito
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Rui Manuel Moura Ramos