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Processo nº 179/2006.
 
 3ª Secção.
 Relator: Conselheiro Bravo Serra.
 
  
 
  
 
                1. Inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal colectivo 
 do 2º Juízo do Tribunal de comarca de Albufeira que, pela autoria de factos que 
 foram subsumidos ao cometimento de um crime de extorsão, previsto e punível pelo 
 nº 1 do artº 223º do Código Penal, o condenou na pena de dois anos de prisão 
 recorreu para o Tribunal da Relação de Évora o arguido A..
 
  
 
                Na motivação adrede produzida, o arguido não suscitou, directa ou 
 indirectamente, explícita ou implicitamente, qualquer questão de desarmonia com 
 a Lei Fundamental por banda de normas ou normas vertidas no ordenamento 
 infra-constitucional, ainda que alcançada ela ou alcançadas elas por via de um 
 processo interpretativo incidente sobre preceitos constantes daquele 
 ordenamento.
 
  
 
                Na verdade, no que ora releva, somente se descortina naquela 
 motivação a seguinte asserção, em que se menciona o «princípio do in dubio pro 
 reo»: –
 
  
 
 “(…)
 Já apontámos como estão erradas as conclusões da matéria de facto e portanto 
 decorre daí a falácia da fundamentação do acórdão relativa à matéria de facto, 
 mostrando-se como é óbvia a errada apreciação da prova no que toca ao arguido 
 Emílio e como o Tribunal recorrido ignorou o que podia favorecer o arguido ou 
 levantar dúvidas sobre a veracidade do depoimento de Sérgio Lucas, já que 
 nenhuma prova foi feita que, mesmo de longe, seria possível que o arguido 
 fiscalizasse a estrada mencionada por aquela testemunha com a sua ‘zona de 
 trabalho’. Ao contrário, tudo leva a crer que não, sendo claramente o caso de 
 jogar mão do princípio do ‘in dubio pro reo’.
 
 (…)”
 
  
 
                Tendo o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 13 de 
 Dezembro de 2005, negado provimento ao recurso interposto pelo aludido arguido, 
 fez este juntar aos autos requerimento com o seguinte teor: –
 
  
 
                “A., arguido nos autos à margem identificados, ao abrigo do 
 artigo 70º nº 1, alínea b) da Lei 88/89 de 1 de Setembro (Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), vem interpor recurso para 
 o Tribunal Constitucional da decisão proferida nestes autos por a mesma ter dado 
 interpretação à norma do artigo 127º do Código de Processo Penal, de forma que 
 viola o princípio constitucionalmente consagrado do ‘in dubio pro reo’, (artigo 
 
 32º nº 2 da CRP), dado que lê naquele artigo 127º do Código de Processo Penal 
 que lhe é permitido dar por assentes factos e valorar essa prova de forma livre, 
 sem quaisquer limites objectivos, já que a testemunha principal Sérgio Luísa 
 imputa ao arguido factos que os documentos constantes do processo (escalas de 
 serviço) demonstram objectivamente não puderem ser verdadeiros, por demonstrarem 
 que o arguido não podia estar nos lugares referidos por aquele e mesmo assim o 
 arguido foi condenado pela prática de um crime de extorsão na pena de 2 anos de 
 prisão efectiva.
 A questão de dever ser respeitada a aplicação do princípio ‘in dubio pro reo’ 
 foi suscitada na motivação do recurso interposto no Acórdão da 1ª Instância para 
 esta Relação.”
 
  
 
                Não tendo a Desembargadora Relatora do Tribunal da Relação de 
 
 Évora, por despacho de 20 de Janeiro de 2006, admitido o recurso, por isso que, 
 no seu entendimento,  o arguido não suscitara, durante o processo, questão de 
 inconstitucionalidade, podendo tê-lo feito no recurso interposto para aquele 
 Tribunal de 2ª instância, veio o mesmo arguido reclamar do mencionado despacho 
 para o Tribunal Constitucional.
 
  
 
                No requerimento consubstanciador da reclamação, o arguido brandiu 
 com os argumentos segundo os quais na motivação de recurso para o Tribunal da 
 Relação de Évora “suscitou a questão do desrespeito do princípio do ‘in dubio 
 pro reo’, decorrendo das sua alegações, embora de forma imperfeita que a norma 
 violada era o artigo 32º da Constituição, embora qualquer Juiz, como 
 declaratário normal, colocado nas circunstâncias específicas de Juiz de um 
 Tribunal da Relação, possa entender perfeitamente que é a Constituição e o seu 
 artigo 32º que o recorrente põe em causa por o Tribunal fazer uso demasiado 
 desproporcionado do princípio da livre apreciação da prova ínsito no artigo 127º 
 do Código de Processo Penal”, “Violação, aliás, a que a decisão recorrida não 
 deu a mínima importância pois veio a confirmar a decisão da 1ª Instância, 
 reiterando que esta fez um exame escrupuloso da prova, não aludindo à questão de 
 ter ou não sido violado aquele princípio que visa que sejam condenadas pessoas 
 inocentes”, e que “foi só  ao receber a decisão da 2ª instância que pôde ter a 
 certeza que estava a ser violado o princípio do ‘in dubio pro reo’ por errada 
 interpretação do artigo 127º do Código de Processo Penal.”
 
  
 
                Ouvido sobre a reclamação, o Ex.mo Representante do Ministério 
 Público junto deste órgão e fiscalização concentrada da constitucionalidade 
 pronunciou-se no sentido de a mesma ser manifestamente infundada, “já que a 
 questão colocada pelo recorrente carece manifestamente de natureza normativa”, 
 limitando-se ele “a dissentir da concreta e casuística valoração da prova 
 produzida em julgamento – matéria que, como é óbvio, não constitui objecto 
 idóneo de um recurso de fiscalização concreta”.
 
  
 
                Cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                2. Como deflui do relato supra efectuado, aquando do recurso 
 interposto do acórdão proferido pelo Tribunal colectivo do 2º Juízo do Tribunal 
 de comarca de Albufeira, o ora reclamante, na motivação de recurso que fez 
 apresentar, não suscitou qualquer questão de enfermidade constitucional 
 reportada a norma infra-constitucional. Limitou-se, como se viu, a dizer que a 
 decisão tomada naquele tribunal de 1ª instância, ao sê-lo da forma como o foi, 
 fez errada apreciação da prova, ignorando o que poderia favorecer o arguido e, 
 levantando-se dúvidas sobre o depoimento de determinada testemunha, deveria aí 
 funcionar, quanto a este particular, o princípio do in dubio pro reo. 
 
  
 
                Nessa motivação não se lobriga minimamente qualquer desiderato de 
 imputação, ao acórdão da 1ª instância, de violação de um comando adjectivo 
 criminal ou – e seria isso que relevaria para efeitos de abrir a via do recurso 
 ancorada na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro – 
 que aquela peça processual foi esteada numa dada interpretação de um preceito 
 processual que a faria incorrer em desacordo com normas ou princípios 
 constitucionais.
 
  
 
                De outro lado, não colhe o mínimo acolhimento o argumento de 
 harmonia com o qual só com a prolação da decisão ora intentada recorrer é que o 
 reclamante “pôde ter a certeza que estava a ser violado o princípio do ‘in dubio 
 pro reo’ por errada interpretação do artigo 127º do Código de Processo Penal”.
 
  
 
                Efectivamente, se, como o próprio reclamante reconhece, o acórdão 
 produzido no Tribunal da Relação de Évora veio, quanto à matéria de facto, a 
 concluir de modo idêntico ao que constava da decisão proferida na 1ª instância, 
 
 é evidente que com esta segunda decisão, o impugnante foi confrontado com uma 
 dada aplicação de preceito ou preceitos.
 
  
 
                Ora, se este ou estes (ainda que em determinada interpretação) 
 era ou eram, na óptica o então recorrente, desconforme ou desconformes com a 
 Constituição, impunha-se-lhe o ónus de suscitar uma tal questão. E, se a decisão 
 da 2ª instância concluiu de modo semelhante ao perfilhado na decisão da 1ª 
 instância, então torna-se, a todas as luzes, evidente que não teria sido só com 
 a primeira que o agora reclamante foi confrontado com aquela questão.
 
  
 
                Cabida foi, pois, a não admissão do recurso.
 
  
 
                Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o 
 impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em vinte 
 unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 6 de Março de 2006
 Bravo Serra
 Gil Galvão 
 Artur Maurício