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Processo n.º 11/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional,
 
  
 
  
 
                1. Relatório
 
                1.1. A. reclamou para o Tribunal Constitucional, nos termos do 
 artigo 76.º, n.º 4, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e 
 alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o 
 despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 10 de 
 Novembro de 2005, que não admitiu recurso de constitucionalidade por ele 
 interposto, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, contra o acórdão 
 do STJ, de 20 de Outubro de 2005.
 
                De acordo com o respectivo requerimento de interposição, o 
 recorrente pretende que seja “apreciada dupla inconstitucionalidade, a saber: 
 a) do artigo 412.°, n.° 5, do CPP, quando interpretado nos termos em que o foi 
 na decisão recorrida, isto é, no sentido de que o recorrido está obrigado a 
 manifestar nos autos em que recursos retidos está interessado, não se tendo os 
 mesmos tornado inúteis, quando a matéria questionada no recurso interlocutório, 
 não obstante tal impugnação, é utilizada para fundamentar alteração na matéria 
 de facto, por afrontamento do artigo 32.°, n.° 1, da CRP; b) do artigo 412.°, 
 n.° 3, alíneas a) e b), do CPP, quando interpretado nos termos em que o foi na 
 decisão recorrida, isto é, no sentido de que o Ministério Público não é obrigado 
 a especificar os elementos subsumíveis a tais alíneas, podendo mesmo indicar os 
 factos pretensamente errados, a titulo exemplificativo, podendo o juiz ajudar 
 na especificação de tais elementos, por afrontamento do artigo 32.°, n.°s 1 e 
 
 5, da CRP”.
 
  
 
                1.2. O despacho de não admissão do recurso é do seguinte teor:
 
  
 
 “Não recebo o recurso constitucional de fls. 4295.
 Relativamente ao artigo 412.º, n.º 3, alíneas a) e b), do CPP, porque a decisão 
 recorrida o não interpretou «no sentido de que o Ministério Público [recorrente] 
 não é obrigado a especificar os elementos subsumíveis a tais alíneas». Ou seja, 
 o STJ, na decisão ora recorrida, não «aplicou norma cuja inconstitucionalidade 
 haja sido suscitada durante o processo» (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC). 
 Aplicou essa norma, sim, mas com sentido diferente daquele cuja 
 inconstitucionalidade havia sido anteriormente suscitada. E, por isso, «outra» 
 norma. Com efeito, a decisão recorrida pressupôs que o Ministério Público 
 
 «especificou, desde logo, os pontos de facto que considerou incorrectamente 
 julgados (artigo 412.º, n.º 3, alínea a)» (item 7.3) e «ao mesmo tempo, 
 especificou ‘as provas que impunham decisão diversa da recorrida’ (artigo 412.º, 
 n.º 3, alínea b)» (item 7.4): «7.5 Daí que, tendo o recorrente invocado (e 
 especificado), a par do texto da decisão recorrida e das regras da experiência 
 comum, os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados e as provas 
 que impunham decisão diversa, não pudesse – nem devesse – a Relação limitar a 
 sua apreciação – a pretexto de uma (eventualmente) incorrecta (e, porventura, 
 apenas hiperbólica) denominação dada pelo recorrente ao erro invocado – ao 
 
 ‘texto da decisão recorrida’, abstraindo das provas concretamente 
 especificadas, omissão que, a ocorrer, implicaria – essa sim – ‘omissão de 
 pronúncia’ e nulidade do acórdão (artigos 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea 
 c), do CPP)».
 E, relativamente ao artigo 412.º, n.º 5, do CPP, porque o recurso é 
 manifestamente infundado (artigo 76.º, n.º 2, da LTC). Pois que, não obstante a 
 matéria impugnada no recurso interlocutório (do arguido) haver sido utilizada 
 para fundamentar o recurso principal (do Ministério Público), o arguido 
 poderia, em recurso subordinado ou na própria resposta ao recurso do Ministério 
 Público, ter manifestado (e não manifestou) o seu interesse no conhecimento do 
 recurso retido. Tanto bastaria, segundo a decisão recorrida, para que a Relação 
 dele devesse tomar conhecimento. Doutro modo, a Relação nem sequer saberia – 
 nem estaria obrigada a saber – da existência, nas profundezas do processo, de 
 tal remoto e recôndito recurso.
 Recorde‑se, para melhor entendimento, o que, a este respeito, realmente se 
 passou no processo: 
 
 «6.3. O ora recorrente – conformado com a decisão do tribunal colectivo – não 
 interpôs recurso da decisão final. Fê‑lo todavia, em seu detrimento, o 
 Ministério Público, com (essencial) fundamento nas escutas telefónicas cuja 
 legalidade o recorrido havia posto em causa no seu recurso retido. Teria 
 competido a este, por isso, alertar – ‘obrigatoriamente’ – o tribunal, pelo 
 menos na respectiva contramotivação, para os recursos retidos em relação aos 
 quais mantivesse interesse (artigo 412.º, n.º 5).
 
 6.4. E, como esse alerta era ‘obrigatório’ (dele dependendo, por isso mesmo, o 
 conhecimento do tribunal de recurso), o interessado, de duas, uma: a) ou 
 recorria, subordinadamente, da própria sentença com que se conformara (de 
 maneira a alertar o tribunal para o seu interesse no conhecimento – em razão do 
 recurso do Ministério Público – do recurso retido) ou, pelo menos, aproveitava 
 a contramotivação do recurso para manifestar ao tribunal ad quem a manutenção 
 ou repristinação desse seu interesse.
 
 6.5 Não o tendo feito, o seu recurso retido – já que não actualizado no momento 
 processual próprio – perdeu, definitivamente, actualidade.
 
 6.6. Repare‑se, de resto, que o ora recorrente nem sequer reclamou contra essa 
 
 (pretensa) omissão de pronúncia no recurso (de 9 de Agosto de 2004) 
 oportunamente interposto do acórdão (pretensamente) omisso, mas tão‑só, em 
 posterior acto avulso (datado de 28 de Setembro de 2004), em que veio 
 tardiamente explicitar que, ‘para além dos vícios assacados à decisão 
 recorrida, ocorria que a mesma tinha um outro de conhecimento oficioso, a 
 omissão de pronúncia quanto ao recurso interlocutório’. Só que, por não se 
 verificar o apontado vício (já que o interessado no conhecimento de recurso 
 retido não alertara o tribunal ad quem, na resposta ao recurso do Ministério 
 Público ou mesmo em recurso subordinado, para a subsistência do seu interesse), 
 não haveria – nem haverá – que dele tomar conhecimento, agora, 
 oficiosamente.»”
 
  
 
                1.3. Na reclamação contra o precedente despacho, aduz o 
 recorrente:
 
  
 
    “1 – A decisão reclamada entende que o recurso é manifestamente infundado 
 porquanto o reclamante teria de «... alertar – ‘obrigatoriamente’ – o tribunal, 
 pelo menos na respectiva contramotivação, para os recursos retidos em relação 
 aos quais mantivesse interesse (..). E, como esse alerta era ‘obrigatório’, (…) 
 o interessado, de duas uma: a) ou recorria, subordinadamente, da própria 
 sentença com que se conformara (de maneira a alertar o tribunal para o seu 
 interesse no conhecimento – em razão do recurso do Ministério Público – do 
 recurso retido) ou, pelo menos, aproveitava a contramotivação do recurso para 
 manifestar ao tribunal ad quem a manutenção ou repristinação desse seu 
 interesse».
 
 2 – A decisão reclamada parte de triplo pressuposto de facto errado, que se 
 especifica:
 a) que o recorrente tinha obrigatoriamente de alertar para o recurso retido;
 b) que, para isso, ou recorria subsidiariamente da sentença com que se 
 conformara ou
 c) aproveitava a contramotivação do recurso para manifestar ao tribunal 
 superior o seu interesse no recurso retido.
 
 3 – Ora, quanto à obrigatoriedade de alertar o tribunal superior, parte a 
 decisão reclamada de afirmação que não justifica e que a lei não prevê. O que a 
 lei impõe é que o recorrente especifique os recursos retidos em que mantém 
 interesse. Nada diz quanto ao recorrido, pelo que tal ónus não lhe pode ser 
 imposto. O recorrido não tem que contramotivar, ao contrário do recorrente que 
 tem de motivar, por a motivação ser elemento essencial ao recurso.
 
 4 – Era impossível o recurso subordinado, no caso. É que este tipo de recurso só 
 ocorre se ambas as partes ficarem vencidas e quando cada uma delas pretenda 
 obter a reforma da decisão na parte que lhe seja desfavorável. No caso, a 
 decisão, no que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes, foi‑lhe 
 plenamente favorável, pelo que não tinha legitimidade para o recurso (artigo 
 
 401.º, n.º 1, do CPP).
 
 5 – Tal significa que os pressupostos de facto da decisão reclamada não são 
 verdadeiros.
 
 6 – Assim, o recurso tem de ser admitido, já que o direito ao recurso está 
 constitucionalmente garantido (artigo 32.°, n.° 1, da CRP) e as escutas 
 telefónicas – objecto do recurso retido – foram utilizadas contra o recorrente 
 quando o mesmo as tinha questionado, sem que o problema, questão prévia à 
 decisão que colocara, tivesse sido resolvido.
 
 7 – É que as escutas foram elemento de prova considerado válido pela Relação, 
 sem que a mesma tenha analisado que a sua validade estava questionada.”
 
  
 
                1.4. O Conselheiro Relator do STJ, por despacho de 6 de Dezembro 
 de 2005, manteve o despacho reclamado, consignando:
 
  
 
 “Mantenho o despacho reclamado. Tanto mais que o ora reclamante era, no recurso 
 retido, o «recorrente» e, daí, que – se nele mantivesse interesse – se lhe 
 impusesse alertar o tribunal ad quem para a persistência desse seu interesse. 
 Desde logo, no prazo do recurso da decisão final (se dela não recorresse) ou, 
 pelo menos, na contramotivação. De qualquer modo e mesmo que o tribunal ad quem 
 
 (no caso, a Relação) dele tivesse que conhecer mesmo que não alertado para a 
 existência algures nas profundezas do processo, a verdade é que, dessa 
 
 (eventual) omissão, o ora reclamante não reclamou nem recorreu. Donde que o 
 Supremo não tivesse que conhecer, porque não recorrida, dessa pretensa omissão.”
 
  
 
                1.5. No Tribunal Constitucional, o representante do Ministério 
 Público emitiu o seguinte parecer:
 
  
 
    “Afigura‑se que o acórdão, proferido pelo STJ, sobre a «segunda questão» 
 suscitada (fls. 16 verso e 17 dos autos) – a cognoscibilidade pela Relação do 
 recurso interlocutório, interposto pelo arguido e retido nos autos – assentou 
 num duplo fundamento alternativo:
 
    – por um lado, a aplicação da norma constante do artigo 412.º, n.º 5, do CPP, 
 interpretada em termos de o ónus de especificação dos recursos retidos, aí 
 previsto, vincular o arguido que interpôs certo recurso interlocutório, mesmo 
 nos casos em que figure como recorrido no recurso interposto – apenas pelo 
 Ministério Público – da decisão final;
 
    – por outro lado, a conclusão de que a relevância processual de tal recurso 
 interlocutório ficou irremediavelmente precludida no momento em que o recorrente 
 não incluiu a omissão, imputada à Relação, no elenco de questões que levou, no 
 recurso interposto do acórdão por ela proferido, à apreciação do STJ – 
 limitando‑se a equacionar «tardiamente», «em acto avulso» posterior, tal omissão 
 de pronúncia.
 
    Ou seja: na óptica do Supremo, a preclusão na apreciação jurisdicional do 
 recurso interlocutório do arguido assenta no incumprimento de um duplo ónus: o 
 de ter «alertado» a Relação para a relevância e actualidade da pronúncia sobre 
 a matéria que dele era objecto, e o de incluir a omissão de pronúncia que 
 julgasse existir no objecto do recurso que interpôs para o STJ, fazendo‑se, 
 deste modo, aplicação implícita da norma segundo a qual o objecto do recurso é 
 delimitado irremediavelmente pelo elenco das conclusões da motivação, 
 tempestivamente apresentadas.
 
    Ora, não questionando o recorrente este segundo fundamento do acórdão 
 recorrido – autónomo relativamente ao primeiro, esse sim conexionado com a norma 
 constante do artigo 412.º, n.º 5, do CPP – é evidente a inutilidade da dirimição 
 da questão de constitucionalidade suscitada quanto a esta norma, o que determina 
 a improcedência da presente reclamação.”
 
  
 
                Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 
    2. Fundamentação
 
    2.1. O recorrente, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional, mencionou duas questões de constitucionalidade: a primeira 
 reportada a determinada interpretação do artigo 412.º, n.º 5, do Código de 
 Processo Penal (CPP) (relativo à obrigatoriedade da especificação dos recursos 
 retidos que mantêm interesse); a segunda reportada a determinada interpretação 
 das alíneas a) e b) do n.º 3 do mesmo artigo (relativas à obrigatoriedade de 
 especificação, na impugnação da decisão da matéria de facto, dos pontos de 
 facto considerados incorrectamente julgados e das provas que imporiam decisão 
 diversa da recorrida).
 
    O despacho reclamado não admitiu o recurso relativamente a ambas as 
 questões.
 
    Na presente reclamação, o recorrente apenas impugna essa decisão enquanto não 
 admitiu o recurso na parte relativa à primeira questão de inconstitucionalidade.
 
    Considera‑se, assim, assente a decisão de não admissão de recurso quanto à 
 segunda questão de constitucionalidade, reportada ao artigo 412.º, n.º 3, 
 alíneas a) e b), do CPP.
 
  
 
    2.2. Para apreciação do mérito da presente reclamação interessará assinalar 
 as principais vicissitudes processuais verificadas neste processo, conforme 
 resultam do acórdão do STJ de 20 de Outubro de 2005 e de elementos 
 complementares solicitados pelo relator:
 
    1) O reclamante interpôs recurso do despacho (fls. 2384 e seguintes do 
 processo principal) que indeferiu requerimento de declaração de nulidade de 
 escutas telefónicas (requerimento de fls. 2350 a 2353 do processo principal), 
 sustentando na respectiva motivação (fls. 2487 a 2489 do processo principal e 
 
 31 a 33 destes autos) a nulidade das escutas por violação do disposto nos 
 artigos 187.º e 188.º do Código de Processo Penal (CPP), quer por nos despachos 
 que as autorizaram não haverem sido concretizadas as razões pelas quais se 
 entendeu que tal diligência era necessária para a descoberta da verdade e para a 
 prova, quer por falta de acompanhamento judicial das escutas entre a decisão que 
 as ordenou e a que ratificou a sua transcrição, e suscitando a questão da 
 inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da 
 República Portuguesa (CRP), da interpretação dos artigos 97.º, n.º 4, e 188.º, 
 n.º 1, do CPP, no sentido de que é possível autorizar escutas sem concretizar as 
 razões pelas quais se entende que a diligência se revelará de interesse para a 
 descoberta da verdade ou para a prova e tomar posição sobre a manutenção das 
 escutas sem que se tenha acompanhado a evolução destas até à altura de tomar tal 
 decisão;
 
    2) Esse recurso foi admitido, por despacho de 3 de Junho de 2003 (fls. 2491 
 do processo principal e 35 destes autos), para subir a final, nos próprios 
 autos, com o recurso interposto da decisão que pusesse termo à causa;
 
    3) Por acórdão de 1 de Março de 2004, o Tribunal Colectivo do 2.º Juízo 
 Criminal do Seixal condenou o ora reclamante, como autor de um crime previsto e 
 punido pelo artigo 275.º, n.º 1, do Código Penal (detenção de substância 
 radioactiva), na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa por dois anos, e 
 absolveu‑o do crime de tráfico agravado de drogas ilícitas;
 
                4) Contra esse acórdão interpuseram recursos, para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa, três co‑arguidos (B., C. e C.) do ora reclamante e o 
 Ministério Público na parte relativa ao ora reclamante e a outro co‑arguido 
 
 (E.);
 
    5) Na parte do recurso relativa ao ora reclamante, o Ministério Público 
 propugnou o reenvio do processo para novo julgamento, por existência de erro 
 notório na apreciação da prova, essencialmente no que concerne à valoração de 
 conversações interceptadas através de escutas telefónicas, gerador de anulação 
 do julgamento (artigos 410.º, n.º 2, alínea c), e 426.º, n.º 1, do CPP);
 
    6) O ora reclamante não apresentou resposta ao recurso do Ministério Público;
 
                7) Por acórdão de 14 de Julho de 2004 (fls. 4005 a 4060 do 
 processo principal e 36 a 91 destes autos), o Tribunal da Relação de Lisboa 
 concedeu parcial provimento ao recurso do Ministério Público, condenando o 
 arguido, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e 
 punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na 
 pena de 4 anos e 8 meses de prisão e, em cúmulo jurídico com a pena aplicada 
 pelo crime do artigo 275.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de 5 anos e 6 
 meses de prisão;
 
                8) Para atingir esse resultado, o Tribunal da Relação de Lisboa 
 considerou que da decisão recorrida não resultava a existência de erro notório 
 na apreciação da prova, contrariamente ao que sustentava o Ministério Público, 
 mas que a argumentação deste podia ser entendida como integrando pretensão de 
 reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso e, procedendo a esse 
 reexame, com recurso às transcrições das escutas telefónicas, concluiu, 
 diversamente do entendido na 1.ª instância, estarem suficientemente provados 
 factos demonstrativos da participação do ora reclamante na actividade de 
 tráfico de estupefacientes;
 
                9) Nesse acórdão, o Tribunal da Relação de Lisboa não faz 
 qualquer alusão ao recurso retido interposto pelo ora reclamante;
 
                10) O ora reclamante recorreu, em 9 de Agosto de 2004, para o 
 STJ, sustentando a nulidade do acórdão da Relação, quer por ter alterado a 
 matéria de facto sem que o então recorrente (Ministério Público) o pedisse e sem 
 que cumprisse as exigências elencadas no n.º 3 do artigo 412.º do CPP, quer por, 
 sem ter fixado os factos concretos apurados quanto ao ora recorrente, os ter 
 subsumido ao crime de tráfico de estupefacientes (cf. motivação de fls. 4086 a 
 
 4091 do processo principal e 92 a 97 destes autos);
 
    11) Em 28 de Setembro de 2004, veio o ora reclamante explicitar, em 
 requerimento avulso (fls. 4139 do processo principal e 99 destes autos), que 
 
 “para além dos vícios assacados à decisão recorrida, ocorre que a mesma tem um 
 outro de conhecimento oficioso, a omissão de pronúncia quanto ao recurso 
 interlocutório interposto oportunamente pelo recorrente, admitido para ser 
 conhecido, a final, com o que viesse a ser interposto desta decisão, e que, 
 face ao facto de a decisão de V. Ex.as ter utilizado as escutas como elemento de 
 prova, é questão prévia à possibilidade de utilização das mesmas, mantendo, 
 pois, a sua utilidade como recurso”;
 
                12) Por acórdão de 9 de Dezembro de 2004 (fls. 4158 a 4162 do 
 processo principal e 175 a 179 destes autos), o STJ declarou “nula a decisão 
 recorrida no que se refere ao recorrente, devendo ser explicitados os factos 
 que se tiveram por provados em relação a ele, alterando os dados como assentes 
 pela primeira instância e decidindo em conformidade”;
 
    13) Remetido o processo ao Tribunal da Relação de Lisboa, aí, em conferência, 
 foi proferido, em 6 de Abril de 2005, o acórdão de fls. 4177 a 4234 do processo 
 principal e 106 a 159 destes autos, que reproduziu o acórdão anterior anulado, 
 com o acrescentamento do intróito (fls. 106) e da menção dos factos que se 
 aditavam e eliminavam da matéria de facto considerada assente na decisão da 1.ª 
 instância (fls. 147 e 148), continuando a não fazer qualquer alusão ao recurso 
 retido do ora reclamante;
 
    14) O ora reclamante interpôs recurso deste acórdão para o STJ, terminando a 
 respectiva motivação com a formulação das seguintes conclusões:
 
  
 
 “I – O processo foi julgado na Relação, em conferência, quando o deveria ser em 
 audiência. E devia sê‑lo em audiência, porquanto não se verificava nenhuma das 
 circunstâncias que permitem o julgamento em conferência, isto é, as previstas no 
 artigo 419.º, n. °s 3 e 4, do CPP. Ao ter ocorrido tal, cercearam‑se as 
 garantias de defesa do recorrente, por se ter omitido uma diligência de carácter 
 obrigatório: as alegações orais. Ocorreu, assim, uma nulidade, que deve ser 
 sanada ordenando‑se a remessa à 2.ª instância para que o julgamento corra da 
 forma legal.
 II – O recorrente tinha, em tempo oportuno, interposto recurso da decisão que 
 considerara válidas as escutas telefónicas. Tal recurso foi admitido para subir 
 com o que fosse interposto da decisão final, decisão transitada em julgado. Tal 
 recurso não se tomou inútil, porquanto a 2.ª instância veio a interpretar as 
 escutas em sentido diferente da 1.ª instância e, pois, contra o ora recorrente. 
 Sendo assim, a Relação tinha de conhecer do problema da validade das escutas, já 
 que o mesmo era questão prévia à sua utilização como meio de prova contra o 
 recorrente. Não se diga que a Relação não tinha essa obrigação, porquanto o 
 recorrente não cumpriu o ónus imposto pelo artigo 412.º, n.° 5, do CPP. É que 
 esse ónus é imposto apenas e só ao recorrente e não ao recorrido, sendo certo 
 que este nem sequer tem que responder à tese daquele. Por mera cautela, desde já 
 se vem arguir a inconstitucionalidade do artigo 412.º, n.º 5, do CPP, quando tal 
 norma seja interpretada no sentido de que o recorrido está obrigado a manifestar 
 nos autos em que recursos retidos está interessado, não se tendo os mesmos 
 tornado inúteis, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
 III – O âmbito do recurso é fixado pelas conclusões da motivação, conforme 
 entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência. O Ministério Público, em 
 sede de conclusões da 1.ª para a 2.ª instância, restringiu o seu recurso à 
 previsão do artigo 410.º, n.° 2, alínea c), do CPP, que, na sua perspectiva, 
 obrigava ao reenvio do processo para novo julgamento. A decisão recorrida 
 entendeu que se não verificava tal erro. No entanto, alterou a matéria de facto. 
 Não poderia alterar a matéria de facto, porquanto o recorrente não questionou a 
 matéria de facto, a não ser como erro notório na apreciação da prova, isto é, 
 não só não disse quais eram especificadamente os pontos de facto considerados 
 incorrectamente julgados, como não indicou especificadamente as provas que 
 imporiam decisão diversa da recorrida, como o determina a lei (artigo 412.º, 
 n.º 3, do CPP). A decisão recorrida é nula por esse facto, já que se pronunciou 
 para além das questões de que poderia tomar conhecimento, Tal nulidade é 
 subsumível à previsão do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP e impõe que na 
 sanação da mesma o recorrente seja absolvido na parte em discussão. Desde já, e 
 por mera cautela, se vem arguir a inconstitucionalidade do artigo 412.º, n.º 3, 
 na interpretação com que foi acolhido na decisão recorrida, isto é, no sentido 
 de que o juiz se pode substituir ao Ministério Público na especificação dos 
 elementos previstos nas suas alíneas a) e b), por violar a estrutura acusatória 
 do processo penal, prevista no artigo 32.º, n.º 5, da CRP.”
 
  
 
                15) O acórdão do STJ de 20 de Outubro de 2005, relativamente à 
 questão reportada ao artigo 412.º, n.º 5, do CPP, consignou o seguinte:
 
  
 
    “6.1. Em 30 de Maio de 2003, o ora recorrente havia recorrido – 
 intercalarmente (fls. 2487 e seguintes – do despacho de pronúncia («Não foram 
 
 [indicadas] nos despachos que autorizaram as escutas concretizadas as razões 
 pelas quais se entendeu que tal diligência era necessária para a descoberta da 
 verdade e da prova; as escutas não foram acompanhadas judicialmente entre a 
 decisão que as ordenou e a que ratificou a sua transcrição; as decisões que 
 ordenaram as escutas não têm motivação de facto; a sua evolução deveu‑se a 
 estrito critério policial: tal torna‑as nulas»).
 
    6.2. Esse recurso foi recebido, em 3 de Junho de 2003, para «subir a final 
 com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa» (fls. 2491).
 
    6.3. Acontece, porém, que o ora recorrente – conformado com a decisão do 
 tribunal colectivo – não interpôs recurso da decisão final. Fê‑lo todavia, em 
 seu detrimento, o Ministério Público, com (essencial) fundamento nas escutas 
 telefónicas cuja legalidade o recorrido havia posto em causa no seu recurso 
 retido. Teria competido a este, por isso, alertar – «obrigatoriamente» – o 
 tribunal, pelo menos na respectiva contramotivação, para os recursos retidos em 
 relação aos quais mantivesse interesse (artigo 412.º, n.º 5).
 
 6.4. E, como esse alerta era «obrigatório» (dele dependendo, por isso mesmo, o 
 conhecimento do tribunal de recurso), o interessado, de duas, uma: a) ou 
 recorria, subordinadamente, da própria sentença com que se conformara (de 
 maneira a alertar o tribunal para o seu interesse no conhecimento – em razão do 
 recurso do Ministério Público – do recurso retido) ou, pelo menos, aproveitava a 
 contramotivação do recurso para manifestar ao tribunal ad quem a manutenção ou 
 repristinação desse seu interesse.
 
 6.5. Não o tendo feito, o seu recurso retido – já que não actualizado no momento 
 processual próprio – perdeu, definitivamente, actualidade.
 
 6.6. Repare‑se, de resto, que o ora recorrente nem sequer reclamou contra essa 
 
 (pretensa) omissão de pronúncia no recurso (de 9 de Agosto de 2004) 
 oportunamente interposto do acórdão (pretensamente) omisso, mas tão‑só, em 
 posterior acto avulso (datado de 28 de Setembro de 2004), em que veio 
 tardiamente explicitar que, «para além dos vícios assacados à decisão 
 recorrida, ocorria que a mesma tinha um outro de conhecimento oficioso, a 
 omissão de pronúncia quanto ao recurso interlocutório». Só que, por não se 
 verificar o apontado vício (já que o interessado no conhecimento do recurso 
 retido não alertara o tribunal ad quem, na resposta ao recurso do Ministério 
 Público ou mesmo em recurso subordinado, para a subsistência do seu interesse), 
 não haveria – nem haverá – que dele tomar conhecimento, agora, oficiosamente.”
 
  
 
                2.3. Como se assinalou no precedente n.º 1 (em que se fez menção 
 ao teor do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, do 
 despacho que o não admitiu, da reclamação deduzida e do parecer do 
 representante do Ministério Público neste Tribunal), são diversos os 
 fundamentos de inadmissibilidade do recurso invocados no despacho reclamado e no 
 parecer do Ministério Público: aquele assenta na natureza manifestamente 
 infundada da questão de inconstitucionalidade suscitada; este, na inutilidade de 
 conhecimento do recurso de constitucionalidade, por a decisão recorrida se 
 basear em fundamento alternativo autónomo, suficiente, só por si, para manter o 
 sentido da decisão de que se pretendia interpor recurso de constitucionalidade. 
 Segundo esta última posição, “na óptica do Supremo, a preclusão na apreciação 
 jurisdicional do recurso interlocutório do arguido assenta no incumprimento de 
 um duplo ónus: o de ter «alertado» a Relação para a relevância e actualidade da 
 pronúncia sobre a matéria que dele era objecto, e o de incluir a omissão de 
 pronúncia que julgasse existir no objecto do recurso que interpôs para o STJ, 
 fazendo‑se, deste modo, aplicação implícita da norma segundo a qual o objecto do 
 recurso é delimitado irremediavelmente pelo elenco das conclusões da motivação, 
 tempestivamente apresentadas”.
 
                Começando pela apreciação deste último fundamento, entende‑se que 
 o mesmo não procede. Ele radica no que consta do n.º 6.6. do acórdão do STJ de 
 
 20 de Outubro de 2005, acabado de transcrever. Mas o que nessa passagem se 
 afirma – após registar não ter o recorrente reclamado, na motivação do recurso 
 interposto em 9 de Agosto de 2004 para o STJ, contra a pretensa omissão de 
 pronúncia que teria sido cometida pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 
 de 14 de Julho de 2004, ao não conhecer do recurso interlocutório retido, só o 
 tendo feito em posterior acto avulso, datado de 28 de Setembro de 2004 – é que 
 
 “por não se verificar o apontado vício (já que o interessado no conhecimento do 
 recurso retido não alertara o tribunal ad quem, na resposta ao recurso do 
 Ministério Público ou mesmo em recurso subordinado, para a subsistência do seu 
 interesse), não haveria – nem haverá – que dele tomar conhecimento, agora, 
 oficiosamente” (sublinhado acrescentado). Nesta construção, a impossibilidade 
 de conhecimento oficioso do vício surge ligada à própria inverificação do 
 referido vício, o que retira autonomia a este fundamento do acórdão do STJ. 
 Assim sendo, surge como admissível que, se se concluísse pela 
 inconstitucionalidade da interpretação normativa impugnada, com a consequência 
 de que a Relação deveria ter conhecido do recurso retido, já o STJ poderia ter 
 decidido apreciar o vício de omissão de pronúncia. Neste contexto, não se pode 
 afirmar, com a necessária segurança, que o eventual provimento do recurso de 
 inconstitucionalidade que o reclamante pretende interpor é, de todo, 
 insusceptível de se repercutir neste segundo fundamento do acórdão que se visou 
 impugnar, pelo que o conhecimento deste recurso não se antolha como inútil.
 
  
 
                2.4. Resta, assim, o fundamento, invocado no despacho ora 
 reclamado mas a que o representante do Ministério Público neste Tribunal não se 
 associou, de ser manifestamente infundada a questão de inconstitucionalidade 
 suscitada.
 
                Nem o Código de Processo Penal de 1929, nem o de 1987, na sua 
 versão originária, continham disposição equivalente à do actual n.º 5 do artigo 
 
 412.º. Ela foi introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, representando 
 reconhecidamente uma importação (incompleta, como a seguir se verá) da inovação 
 introduzida, pela reforma do processo civil de 1995/1996 (Decretos‑Leis n.ºs 
 
 329‑A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro), com a redacção dada 
 ao artigo 748.º do CPC (inserido na Subsecção dedicada ao Agravo interposto na 
 
 1.ª instância, e cujo regime o artigo 761.º, n.º 2, tornou extensivo ao agravo 
 interposto na 2.ª instância), que passou a ter o seguinte teor (redacção de 
 
 1996, indicando‑se entre parênteses rectos a versão de 1995):
 
  
 
    “1 – Ao apresentar [apresentarem] as alegações no recurso que motiva a subida 
 dos agravos retidos, o agravante especificará [as partes especificarão] 
 obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse [para o 
 agravante].
 
    2 – Se omitir [omitirem] a especificação a que alude o número anterior, o 
 relator convidará a parte a apresentá-la [convidá‑las‑á a apresentá‑la], sob 
 cominação de, não o fazendo, se entender que desiste dos agravos retidos [que 
 deles desistem].”
 
  
 
                Como se lê no relatório do Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, com o 
 estabelecimento destas regras visou‑se – na sequência da eliminação da 
 possibilidade de a alegação do agravo ser apenas apresentada na altura em que o 
 agravo retido devesse subir –, “no que se refere aos agravos retidos que apenas 
 sobem com um recurso dominante”, impor, “com base no princípio da cooperação, 
 um ónus para o recorrente, que deverá obrigatoriamente especificar nas alegações 
 do recurso que motiva a subida dos agravos retidos quais os que, para si, 
 conservam interesse, evitando que o tribunal superior acabe por ter de se 
 pronunciar sobre questões ultrapassadas, para além de se correr o risco, em 
 processos extensos e complexos, de «escapar» a apreciação de algum recurso não 
 precludido. Na verdade, ninguém melhor que o recorrente estará em condições de 
 ajuizar quais os recursos que efectivamente interpôs e qual a utilidade na sua 
 apreciação final”. Por seu turno, como refere Carlos Francisco de Oliveira Lopes 
 do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, Coimbra, 
 
 2004, p. 636), “o n.º 2 procura atenuar – em termos de funcionamento de um 
 princípio geral de proporcionalidade e adequação – o efeito cominatório e 
 preclusivo associado ao incumprimento do ónus previsto no n.º 1: assim, se o 
 recorrente omitir a especificação aí prevista, deverá o relator convidá‑lo a 
 apresentá‑la, em prazo curso (5 dias), sob pena de se entender que desiste dos 
 agravos retidos”.
 
                A doutrina não é unânime quanto à questão de saber se este ónus é 
 extensível (e em que termos) aos recorridos no recurso que determina a subida 
 dos agravos retidos por eles interpostos. Para Jacinto Fernandes Rodrigues 
 Bastos (Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 3.ª edição, Lisboa, 2001, 
 p. 307) “parece que esta norma é de aplicar ao recorrido que tenha interposto 
 agravos que ficaram retidos; na sua contra‑alegação deverá, igualmente, 
 especificar quais os agravos que mantêm interesse para ele, sendo‑lhe aplicável 
 também o n.º 2”. Por seu turno, Fernando Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos 
 em Processo Civil, 6.ª edição, Coimbra, 2005, p. 327) sustenta que “sendo o 
 agravante recorrido no recurso dominante e não contra‑alegar neste, o que aliás 
 não é obrigado a fazer, deve igualmente o relator, por analogia com o que se 
 dispõe no artigo 748.º, n.º 2, convidá‑lo a indicar quais, dos agravos retidos, 
 os que mantêm interesse, sob cominação de, não o fazendo, se entender que 
 desiste deles”. Similar é a opinião defendida por Abílio Neto (Breves Notas ao 
 Código de Processo Civil, Lisboa, 2005, p. 225), para quem “a regra deste 
 preceito deve, por identidade de razão, ser aplicada ao recorrido que tenha 
 interposto agravos retidos: na sua contra‑alegação deverá, também ele, 
 especificar quais os agravos que, para ele mantêm interesse, sendo‑lhe, de igual 
 modo, aplicável o n.º 2”. Diferente é a posição sustentada por Carlos Lopes do 
 Rego (obra e local citados),  para quem “o ónus previsto neste preceito não é 
 aplicável (…) quando o agravante (no agravo retido) for o recorrido no recurso 
 dominante, que determina a respectiva subida: na verdade, inexistindo um ónus de 
 contra‑alegar, não pode impor‑se ao recorrido o encargo de especificar os 
 agravos que, na sua óptica, conservam interesse – já que este pode legitimamente 
 optar por não produzir qualquer alegações”; porém, “tal circunstância não obsta 
 
 (…) a que – se o agravante contra‑alegar efectivamente no recurso dominante – 
 não tenha todo o interesse em fazer também a indicação a que alude o n.º 1; por 
 outro lado, não o fazendo, será lícito ao tribunal, ao abrigo do princípio da 
 cooperação, convidá-lo expressamente a realizá‑la – nomeadamente quando possa 
 haver dúvida fundada sobre o interesse na apreciação do agravo retido, perante o 
 evoluir da causa”. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes (Código de 
 Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Coimbra, 2003, p. 174) manifestam concordância 
 com a posição defendida por Lopes do Rego, precisando, porém, que “se o 
 agravante for recorrido no recurso dominante e não tiver feito tal especificação 
 
 – tenha ou não apresentado contra‑alegação no recurso dominante –, o relator 
 poderá notificá‑lo para que a ela proceda, mas sem que funcione a cominação 
 consignada no n.º 2, em face inclusivamente do disposto no artigo 710.º, n.º 2”.
 
                Como se referiu, foi este regime introduzido na reforma 
 processual civil de 1995/1996 que a reforma processual penal de 1998 acolheu no 
 novo n.º 5 do artigo 412.º do CPP, embora não integralmente, já que deste 
 preceito não consta formulação correspondente à do n.º 2 do artigo 748.º do CPC, 
 isto é, nem se prevê expressamente o dever de o relator, no caso de não 
 especificação espontânea pelo recorrente dos recursos em cujo conhecimento 
 mantém interesse, formular convite para suprimento dessa falta de especificação, 
 nem se comina explicitamente a consequência do incumprimento do ónus em causa.
 
                No entanto, tem sido doutrinal e jurisprudencialmente sustentado 
 que também em processo penal se impõe o convite prévio ao suprimento da falta de 
 indicação, pelo recorrente do recurso dominante, dos recursos retidos em que 
 mantém interesse. Assim, Fernando Amâncio Ferreira (obra citada, p. 327, nota 
 
 655) entende que todo o regime do artigo 748.º do CPC vale em processo penal: 
 
 “quanto à obrigação de especificação dos recursos retidos que mantêm interesse, 
 por aplicação directa do n.º 5 do artigo 412.º do CPP; e quanto à sanção pelo 
 incumprimento da referida obrigação, após convite prévio, por aplicação 
 analógica do n.º 2 do artigo 748.º do CPC” (sublinhado acrescentado). E Simas 
 Santos e Leal‑Henriques (Recursos em Processo Penal, 5.ª edição, Lisboa, 2002, 
 p. 99 e nota 116, e Código de Processo Penal Anotado, II vol., 2.ª edição, 
 reimpressão, Lisboa, 2004, p. 802), após assinalarem que a exigência do n.º 5 do 
 artigo 412.º do CPP “visa permitir ao tribunal superior o saneamento dos vários 
 recursos a apreciar, v. g. no caso de processos volumosos e recheados de 
 impugnações interlocutórias, que entretanto foram perdendo relevância com o 
 desenvolvimento processual”, anotam que “o Acórdão do STJ, de 24 de Outubro de 
 
 2001, proc. n.º 2380/01‑3.ª, decidiu que o incumprimento do prescrito neste n.º 
 
 5 não deve conduzir à imediata rejeição dos recursos retidos, devendo 
 previamente convidar‑se o recorrente a especificar quais deles devem ser objecto 
 de reexame, isto por se justificar a mesma solução que vem sendo adoptada para a 
 falta ou imperfeita especificação dos ónus a que se referem os n.ºs 2 e 3 do 
 preceito”. No entanto, algumas decisões de Tribunais da Relação têm considerado 
 que a falta de especificação, nas conclusões da motivação do recurso dominante, 
 dos recursos retidos em que o recorrente mantém interesse determina, sem mais, o 
 não conhecimento destes recursos, por se presumir que o recorrente deles 
 desistiu: cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6 de Fevereiro de 
 
 2002, proc. n.º 115 603, e do Tribunal da Relação do Porto, de 6 de Junho de 
 
 2001, proc. n.º 110 457, de 6 de Fevereiro de 2002, proc. n.º 140 897, de 27 de 
 Novembro de 2002, proc. n.º 211 003, e de 5 de Fevereiro de 2003, proc. n.º 111 
 
 003, com sumários disponíveis em www.dgsi.pt/jtrl e www.dgsi.pt/jtrp, 
 respectivamente. Também Manuel Lopes Maia Gonçalves (Código de Processo Penal 
 Anotado e Comentando, 14.ª edição, Coimbra, 2004, p. 836), após realçar o muito 
 interesse do dispositivo do n.º 5 do artigo 412.º do CPP por, “em processos 
 volumosos e complexos, [ser] susceptível de facilitar o trabalho dos juízes do 
 tribunal superior”, considera que, apesar de a lei não dizer qual a consequência 
 da omissão desse ónus pelo recorrente, se deve entender, face à formulação 
 terminante do texto legal (“o recorrente especifica obrigatoriamente”), que “a 
 falta de especificação implica a desistência dos recursos retidos que não são 
 especificados”.
 
                Já quanto à relevância de declaração do recorrente no sentido do 
 interesse no conhecimento dos recursos retidos constante de requerimento 
 posterior à apresentação da motivação (donde tal especificação não constava), 
 enquanto o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Julho de 1999, 
 proc. n.º 41 663 (sumário em www.dgsi.pt/jtrl), a negava, já o acórdão da mesma 
 Relação, de 25 de Junho de 2002, proc. n.º 35 155 (texto integral em 
 
 www.dgsi.pt/jtrl), a admitia, em caso com alguma semelhança com o dos presentes 
 autos, consignando‑se nesse aresto que, não esclarecendo a lei “qual a 
 consequência para a falta de cumprimento da obrigação determinada no artigo 
 
 412.º, n.º 5, do CPP, embora seja clara acerca da necessidade de o arguido 
 definir tal questão e de o dever fazer no momento da motivação”, tem‑se 
 normalmente entendido “que, não o tendo feito no momento oportuno, o tribunal 
 concluirá pelo desinteresse do recorrente acerca do conhecimento dos mesmos face 
 ao teor da decisão final proferida”; porém, no caso, “tendo-o feito 
 posteriormente, entende‑se que não deverá deixar de apreciar‑se os recursos 
 retidos nos autos tanto mais que a apreciação do recurso interposto da decisão 
 final envolve a apreciação das questões suscitadas nos recursos das decisões que 
 concluíram pela inexistência de nulidades das escutas telefónicas e do 
 indeferimento de realização de nova perícia”.
 
                Também o Tribunal Constitucional já foi chamado, por duas vezes, 
 a apreciar a constitucionalidade do n.º 5 do artigo 412.º do CPP, embora 
 relativamente a dimensões normativas distintas da que está em causa no processo 
 de que emerge a presente reclamação.
 
                Fê‑lo, primeiro, no Acórdão n.º 191/2003 (Diário da República, II 
 Série, n.º 123, de 28 de Maio de 2003, p. 8287, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 55.º vol., p. 809, e com texto integral disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), que “julg[ou] inconstitucional, por violação das 
 disposições conjugadas do artigo 32.º, n.º 1, e do artigo 20.º, n.º 4, parte 
 final, da Constituição, o artigo 412.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, 
 interpretado no sentido de que é insuficiente para cumprir o ónus de 
 especificação ali consignado a referência a «todos» os recursos, nas conclusões 
 da motivação, sempre que no texto desta tenha sido feita a sua identificação 
 individualizada e seriada”. E fê‑lo, depois, no Acórdão n.º 724/2004 (Diário da 
 República, II Série, n.º 25, de 4 de Fevereiro de 2005, p. 1775, e com texto 
 integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que julgou 
 inconstitucional, com o mesmo fundamento, o mesmo preceito, “interpretado no 
 sentido de que a exigência da especificação dos recursos retidos em que o 
 recorrente mantém interesse, constante do preceito, também é obrigatório, sob 
 pena de preclusão do seu conhecimento, nos casos em que o despacho de admissão 
 do recurso interlocutório é proferido depois da própria apresentação da 
 motivação do recurso interposto da decisão final do processo”. Cumprirá ainda 
 anotar que, no primeiro Acórdão citado, o Tribunal Constitucional entendeu 
 maioritariamente não conhecer autonomamente, por considerar não suscitada, a 
 questão da inconstitucionalidade da norma em causa interpretada no sentido de 
 atribuir efeito irremediavelmente preclusivo ao incumprimento ou deficiente 
 cumprimento do aludido ónus, sem que ao recorrente fosse facultada oportunidade 
 processual de suprir o vício detectado, registando‑se que quer o representante 
 do Ministério neste Tribunal, quer o Juiz Conselheiro que votou pelo 
 conhecimento dessa dimensão normativa, manifestaram‑se no sentido de que a 
 reputariam inconstitucional.
 
  
 
                2.5. Feita a resenha da origem e justificação da norma em foco e 
 das dúvidas que a mesma tem suscitado, quer em sede de interpretação, quer em 
 sede de conformidade constitucional, cumpre apurar se a questão de 
 inconstitucionalidade a seu respeito levantada nestes autos pode ser qualificada 
 de manifestamente infundada.
 
                O critério normativo adoptado no acórdão recorrido foi o de que o 
 
 ónus previsto no n.º 5 do artigo 412.º do CPP é extensível ao arguido que 
 figure como recorrido no recurso que determina a subida dos recursos retidos, em 
 que ele figurou como recorrente, e de que ele deve proceder à especificação dos 
 recursos retidos em que mantém interesse ou em recurso subordinado [“da própria 
 sentença com que se conformara (de maneira a alertar o tribunal para o seu 
 interesse no conhecimento – em razão do recurso do Ministério Público – do 
 recurso retido)”], ou na contramotivação do recurso dominante, sob pena, de, não 
 o fazendo por esses meios e nesse momento processual, o tribunal de recurso não 
 ter o dever de apreciar os recursos retidos.
 
                Reputam‑se ainda relevantes, para aquilatar da pertinência (que 
 não da probabilidade de sucesso, que é realidade distinta) da questão de 
 constitucionalidade suscitada as seguintes considerações:
 
                1) O preceito legal em causa refere‑se ao “recorrente”, e não ao 
 
 “recorrido”, e relativamente à norma do artigo 748.º do CPC [onde a expressão 
 
 “partes”, da versão do Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, foi substituída pela expressão 
 
 “agravante”, na versão do Decreto‑Lei n.º 180/96], em que a ora em causa buscou 
 inspiração, têm‑se suscitado dúvidas quanto à sua extensão ao recorrido, em que 
 termos e com que consequências;
 
                2) O recorrido penal não é obrigado a apresentar contramotivação 
 e existe jurisprudência do STJ no sentido de que, face ao disposto no artigo 
 
 404.º do CPP, não é admissível recurso subordinado em matéria penal, mas apenas 
 na parte relativa à acção civil exercida conjuntamente com a penal (cf. Acórdão 
 do STJ de 11 de Abril de 2002, proc. n.º 1073/02, com texto integral disponível 
 em www.dgsi.pt/jstj, que cita, no mesmo sentido, os Acórdãos de 30 de Novembro 
 de 1993, proc. n.º 44 603, e de 20 de Maio de 1998, proc. n.º 302/98, este 
 
 último publicado em Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal 
 de Justiça, ano VI, tomo II, p. 204);
 
                3) A opção do ora reclamante em não apresentar contramotivação ao 
 recurso do Ministério Público nem manifestar nela a manutenção do seu interesse 
 no conhecimento do seu recurso retido poderia ter resultado do entendimento, 
 face ao pedido formulado pelo Ministério Público (de reenvio do processo para 
 novo julgamento), de que, nos dois desfechos mais plausíveis do recurso 
 dominante (improvimento, com confirmação da sua absolvição pelo crime de tráfico 
 de estupefacientes; ou provimento, com reenvio para novo julgamento), não era 
 crucial para a sua estratégia o prévio conhecimento do recurso interlocutório, 
 cuja relevância só se teria evidenciado por a Relação ter optado por uma 
 terceira via de solução (imediato reexame da decisão da matéria de facto);
 
                4) Tendo este reexame – de que resultou a condenação do 
 reclamante pelo crime de tráfico de estupefacientes, do qual havia sido 
 absolvido na 1.ª instância – assentado, de forma determinante, na reavaliação 
 das escutas telefónicas, é patente o interesse do arguido no conhecimento do 
 recurso que interpusera impugnando a validade das escutas, como o próprio 
 despacho ora reclamado expressamente reconhece;
 
                5) Se antes do primeiro acórdão da Relação (de 14 de Julho de 
 
 2004) o arguido não manifestara expressamente nos autos interesse em que com o 
 recurso do Ministério Público fosse conhecido o seu recurso interlocutório, o 
 certo é que antes do segundo acórdão da Relação (de 6 de Abril de 2005, 
 proferido na sequência da declaração de nulidade do primeiro, pelo acórdão do 
 STJ de 9 de Dezembro de 2004) ele apresentou o requerimento avulso de 28 de 
 Setembro de 2004, do qual resulta inequívoca e expressamente que considera que o 
 recurso interlocutório mantém utilidade, assim trazendo à superfície, em termos 
 de ser facilmente detectável pela Relação, um recurso que até então poderia ser 
 considerado “remoto”, “recôndito” ou perdido “nas profundezas do processo”, e 
 sendo de salientar que é deste segundo acórdão da Relação que foi interposto o 
 recurso para o STJ decidido pelo acórdão ora recorrido, tendo sido no seu âmbito 
 
 (e não no âmbito do primeiro recurso) que foi suscitada a questão da 
 inconstitucionalidade.
 
                Não se pretende, com a exposição das precedentes considerações, 
 apontar qualquer sentido quanto à decisão de mérito da questão de 
 constitucionalidade, a qual competirá exclusivamente à formação deste Tribunal a 
 quem vier a caber o julgamento desse recurso, mas tão‑só carrear elementos que 
 permitem concluir – como se conclui – que tal questão não pode ser rotulada de 
 manifestamente infundada, qualificação que deve ser reservada para situações em 
 que, de modo incontroverso e incontrovertível, se patenteia a carência de 
 fundamento da questão suscitada, o que, salvo o devido respeito por opinião 
 divergente, não ocorre no presente caso.
 
                Na verdade, apesar de o direito ao recurso constituir uma das 
 garantias de processo criminal constitucionalmente assegurada ao arguido, é 
 lícito ao legislador, na sua regulamentação, impor determinados ónus aos 
 diversos intervenientes processuais. Mister é, no entanto, que, ao fazê‑lo, o 
 legislador respeite o princípio da proporcionalidade. Para aferir do acatamento 
 deste princípio, há que, primeiro, apurar se o ónus em causa é apropriado à 
 prossecução do fim por ele visado; depois, se tal opção corresponde à “menor 
 desvantagem possível” para o direito regulamentado ou condicionado; e, por fim, 
 se foi respeitado o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, isto é, 
 se a vantagem obtida é proporcional à carga imposta. Parecendo incontroverso que 
 a imposição do ónus em causa é apropriada a proporcionar uma maior eficiência 
 do sistema jurisdicional, poupando os tribunais de recurso ao dispêndio de tempo 
 quer com o conhecimento de recursos que se teriam tornado inúteis para o 
 respectivo recorrente, quer com a busca, em processos por vezes muito volumosos, 
 de recursos interlocutórios admitidos com subida diferida, já pode ser 
 discutível a razoabilidade da solução se, simultaneamente com a extensão desse 
 
 ónus ao recorrido no recurso dominante, se restringe o modo e o tempo do seu 
 cumprimento à apresentação de peças processuais eventualmente incabíveis 
 
 (motivação de recurso subordinado) ou meramente facultativas (contramotivação 
 no recurso dominante), com irrelevância da manifestação em requerimento avulso 
 do interesse no conhecimento do recurso retido, mesmo em situação de óbvia 
 persistência desse interesse, e com o efeito imediato de libertar o tribunal de 
 recurso de conhecer do recurso retido, sem que previamente o interessado seja 
 convidado a suprir o incumprimento ou o cumprimento defeituoso do ónus em causa.
 
                Assim, não sendo de reputar como manifestamente infundada a 
 questão de inconstitucionalidade suscitada, nem se antolhando inútil o seu 
 conhecimento, dado que o eventual provimento do recurso de constitucionalidade é 
 susceptível de afectar o “segundo fundamento” da decisão recorrida, a presente 
 reclamação merece deferimento.
 
  
 
                3. Decisão
 
                Em face do exposto, acordam em deferir a presente reclamação, 
 devendo o recurso de constitucionalidade ser admitido com o âmbito atrás 
 realçado.
 
                Sem custas.
 Lisboa, 8 de Março de 2006.
 Mário José de Araújo Torres (Relator)
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos