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Processo nº 1108/06
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
 1.1.        A. e sua mulher B. reclamam para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76º da Lei 28/82 de 25 de Novembro (LTC), 
 contra a decisão que, no Tribunal da Relação de Coimbra, lhes não admitiu o 
 recurso que pretendiam interpor nos termos das alíneas a), b) e i) do n.º 1 do 
 artigo 70º da citada Lei. Alegam o seguinte:
 
  
 
                  “[…]
 
 1º
 Os ora reclamantes, inconformados com o Douto Acórdão proferido no Recurso de 
 Apelação, interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra por C., 
 dele apresentaram reclamação (fls. 354 a 360), reclamação essa que não foi 
 atendida. 
 
 2º
 Irresignados contra esta Decisão, dela interpuseram Recurso para o Tribunal 
 Constitucional que, todavia, foi indeferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra. 
 Infundadamente, porém. 
 
 3º
 O indeferimento do recurso foi proferido com fundamento no artigo 76º nº 2 da 
 Lei nº 28/82, de 15/11, merecendo, para o efeito, acolhimento do Parecer do 
 Ministério Público (fls. 398 a 401) o qual afastou a recorribilidade da decisão 
 do TRC para o TC com fundamento na al. b) do artigo 70º da referida Lei nº 
 
 28/82, pelo facto de no requerimento, dos ora recorrentes, não é suscitada a 
 inconstitucionalidade de qualquer norma “o que se toma desde logo bem patente 
 pela circunstância da palavra Constituição e Inconstitucionalidade ou qualquer 
 outra referência à Convenção Europeia dos Direitos do Homem não constarem do 
 texto do requerimento”(sic). 
 
 4º
 Este Parecer do Mº. Pº., tão solicitamente acolhido pelo TRC é juridicamente 
 infundado. Com efeito, 
 
 5º
 Na Reclamação apresentada e que consta de fls. 354 a 360 dos Autos, é dito, no 
 nº 2 das Conclusões, que ao condenar os ora reclamantes (aqui recorrentes) no 
 reconhecimento, por destinação de pai de família, quando tal pedido não foi 
 formulado pelos Autores na sua p.i., torna nula a sentença por violação da al. 
 e) do artigo 668º do C.P.C. porque tal condenação é feita em objecto diverso do 
 pedido. E, 
 
 6º
 No recurso interposto a fls. 371 a 373 dos Autos, é dito que: 
 a) O tribunal da Relação de Coimbra exorbitou os limites enunciados na matéria 
 alegada na p.i. 
 b) O Tribunal da Relação de Coimbra ultrapassou os limites enunciados na alínea 
 h) do pedido dos AA. 
 e) O tribunal da Relação de Coimbra violou o princípio do dispositivo na 
 vertente relativa à conformação objectiva da instância, na medida em que 
 considerou factos e razões de facto não só não alegados pelos AA. na p.i. como, 
 sobretudo, excluídos pelos AA. 
 d) Consequentemente, violou os princípios da proporcionalidade, do contraditório 
 e da igualdade das partes, bem como o da proibição de excessos, que ao julgador 
 se impõe, perante o objecto do Processo. 
 Porque ao considerar de per si matéria de facto estranha à própria vontade 
 expressa pelos AA. não deu qualquer oportunidade aos RR., ora recorrentes, de 
 sobre a mesma se pronunciarem e debaterem tempestivamente, com utilidade e 
 eficácia. 
 e) Ofendendo de igual modo, os princípios da segurança, da certeza, da 
 previsibilidade e da adequação prática, sintetizados no princípio da proibição 
 de decisões surpresa, que é elementar e estruturante de qualquer Estado de 
 Direito. 
 
  
 
 7º
 Por isso, conclui-se, no requerimento deste recurso (fls. 371 a 373) que, se 
 encontram, assim, violados os princípios e as normas constantes do artigo 6º nº 
 
 1 da CEDH; artigos nºs. 1º, 2º, 3º nº 3, 8º, 9º b), 12º, 13º, 16º, 17º, 18º, 20º 
 nºs 1 e 4, 202º, 204º e 205 nº 1, da Constituição da República Portuguesa. 
 
 8º
 Ora, o teor deste Requerimento é fundado nos mesmos motivos que foram alegados 
 na reclamação (fls.354 a 360) e uma vez mais, realçado na resposta ao Despacho 
 de fls. 386, constante de fls. 387 a 389, onde se diz claramente, que no Douto 
 Acórdão contra o qual foi apresentada Reclamação, foram cometidas ilegalidades 
 que violam princípios constitucionais, ilegalidades estas que se pretende que o 
 Tribunal Constitucional aprecie, dando assim, cumprimento ao disposto no artigo 
 
 75º-A da Lei nº 28/82, sendo ainda certo, que até o próprio recorrente C. viu e 
 leu, conforme é dito na sua resposta de fls. 375 a 376, onde se pode ler que “os 
 artigos da constituição enlencados pelos reclamantes, como alegadamente 
 violados...” 
 
 9º
 Assim, todos os sujeitos processuais leram e encontraram referências a normas 
 constitucionais feitas pelos reclamantes, menos o Mº. Pº. e a meritíssima 
 Desembargadora Relatora. 
 
 10º
 Fácil é de perceber e entender que o artigo 668º do C.P.C., expressamente 
 referido na Reclamação, é o repositório de normas e princípios constitucionais, 
 especialmente o do contraditório e da certeza jurídica contra os excessos e as 
 decisões surpresa, que o texto constitucional consagra corno, aliás, a nossa 
 jurisprudência e doutrina, há muito vem entendendo. 
 
 11º
 Assim e concluindo, o Mº.Pº. não tem qualquer razão jurídica no seu parecer nem 
 a Meritíssima Relatora que o acolheu procedeu em conformidade com o direito. 
 
  
 Termos em que, deve a presente Reclamação ser recebida e instruída, 
 procedendo-se, posteriormente, ao seu envio para o Tribunal Constitucional, nos 
 termos dos artigos 76º e seguintes da Lei 28/2, de 15/11”
 
  
 
 1.2.        Sobre o mérito esta reclamação diz o representante do Ministério 
 Público neste Tribunal:
 
  
 
 “A presente reclamação é manifestamente infundada, já que – como resulta da 
 actuação processual dos reclamantes – o recurso interposto para este Tribunal 
 Constitucional é ostensivamente desprovido de base normativa, sendo, pois, 
 inidóneo o respectivo objecto.”
 
  
 
 1.3.        O requerimento de interposição do recurso é do seguinte teor:
 
  
 
 “[…]
 O recurso é interposto ao abrigo das alíneas a), b) e i) do n.º 1 e n.º 2 do 
 artigo 70º da lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), 
 na redacção dada pela lei n.º 85/89, de 7 de Setembro e pela lei n.º 88/95 de 1 
 de Setembro e pela lei n.º 13-A/98 de 26 de Fevereiro. 
 Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade das normas e dos entendimentos 
 nela ancorados e delas extraídos, de onde resultou: 
 a. — Que o Tribunal da Relação de Coimbra exorbitou os limites enunciados na 
 matéria de facto alegada na petição inicial. 
 Isto porque: 
 a.a. — Ao longo da petição inicial os Autores, ora Recorridos, limitaram-se tão 
 somente a alegar factos integradores da pretensa propriedade do poço de nascente 
 de água por via de contrato (Escritura Notarial de Doação e acordo escritural e 
 registral - cfr. Artigos n.ºs 2, 3, 4, 6, 7, 8, 10, 11, 12 e 13 da petição 
 inicial). 
 a.b. — Na mesma petição inicial, os Autores limitaram-se a invocar factos 
 integradores da suposta constituição de servidão de águas por usucapião (Cfr. 
 Artºs n.ºs 37 a 51 da petição inicial). 
 a.c. – Estes factos e apenas estes, foram levados à base instrutória sob os 
 pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14, conformando-se os 
 Autores, que dela (b.i)) nunca reclamaram. 
 b. — Do mesmo modo o Tribunal da Relação de Coimbra ultrapassou os limites 
 enunciados na alínea h) do pedido dos Autores. 
 c. — Esta ampliação que a Relação de Coimbra fez, relativamente aos limites 
 definidos pelos Autores sob os artigos 37 a 51 e sintetizados, única e 
 exclusivamente, sob a alínea h) do pedido constante do final da petição inicial. 
 
 
 c.a. — Violou o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação 
 objectiva da instância, na medida em que: 
 Considerou factos e razões de facto não só alegados pelos Autores na p.i. 
 Como sobretudo excluídos pelos Autores! 
 E, por consequência, absolutamente omissos da base instrutória. 
 c.b. — Consequentemente, violou os princípios da proporcionalidade, do 
 contraditório e da igualdade das partes, bem como o da proibição de excessos, 
 que ao julgador se impõem, perante o objecto do processo. 
 Porque ao considerar de per si matéria de facto estranha à própria vontade 
 expressa pelos Autores, não deu qualquer oportunidade aos RR., ora Recorrentes, 
 de sobre a mesma se pronunciarem e debaterem tempestivamente, com utilidade e 
 eficácia. 
 c.c. — Ofendendo de igual modo, os princípios da segurança, da certeza, da 
 previsibilidade e da adequação prática, sintetizados no principio da proibição 
 de decisões surpresa, que é elementar e estruturante de qualquer Estado de 
 Direito. 
 Encontram-se assim, violados os princípios e as normas constantes do artigo 6.º 
 n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; artigos n.º 1º, 2º, 3 n.º 3, 
 
 8º, 9º b), 12º, 13º, 16º, 17º, 18º, 20º, n.ºs 1 e 4, 62º, 202º n.º 2, 204º e 
 
 205º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. 
 A questão da inconstitucionalidade e das nulidades foi suscitada nos Autos a 
 fls...., da minuta da reclamação, que deu entrada nos Autos a 22/05/06. 
 Por terem legitimidade e estarem em tempo, requerem a Vª Ex.ª se digne admitir a 
 interposição deste Recurso, a subir imediatamente nos próprios Autos com efeito 
 suspensivo, seguindo-se os demais termos legais.”
 
  
 
 1.4.        Os ora reclamantes foram convidados no Tribunal da Relação de 
 Coimbra «(…) a justificar, alínea por alínea, a invocação efectuada a respeito 
 do art. 70º n.º 1 da citada Lei, considerando a necessária conexão de tal 
 preceito com os dos n.º 2 e 4 do referido art. 75-A, então se destacando os 
 trechos das peças processuais em que, porventura, e correspondentemente, haja 
 sido suscitada a “questão da inconstitucionalidade”» e « (…) igualmente, a 
 fundamentar, artigo por artigo, as denunciadas violações aos nomeados textos 
 fundamentais de direito (CEDH e CRP).».
 Responderam os recorrentes da seguinte forma:
 
  
 
                  “[…]
 
 1. Na sua Reclamação feita do Douto Acórdão desse Venerando Tribunal, os 
 recorridos dizem expressamente: Ao condenar os ora reclamantes no reconhecimento 
 da servidão, por destinação de pai de família, quando tal pedido não foi 
 formulado pelos Autores (recorrentes) na sua petição inicial, torna igualmente 
 nula a sentença por violação da al. e) do artigo 668° do C.P.C. porque tal 
 condenação é feita em objecto diverso do pedido— nº 2 da conclusão. 
 
 2. Por outro lado, no nº 7 da Reclamação, vai dito que a não especificação dos 
 fundamentos de facto que justificam a decisão, constitui nulidade da sentença 
 nos termos do previsto no artigo 668 nº 1. a) e b) do C.P.C., até porque, é 
 escrito no nº 6 da mesma reclamação, que o Douto Acórdão apenas refere simples 
 suposições. 
 Daqui que é com enorme perplexidade que se lê a resposta da reclamação feita 
 pelos recorrentes e a desajustada resposta dos mesmos recorrentes ao recurso 
 interposto para o Tribunal Constitucional. 
 Vejamos:
 No Tribunal da 1ª Instância, foi julgado improcedente a Acção interposta pelos 
 Recorrentes, absolvendo-se os Recorridos do pedido. Por isso, os Recorrentes 
 apelaram para esse Venerando Tribunal. Nas suas contra-alegações, os Recorridos 
 dizem que ao Recurso deve ser negado provimento porque, entre outras razões, os 
 Recorrentes formulam pedido e causa de pedir que exorbitam os constantes nos 
 articulados e até a matéria de facto constante na Base instrutória com a qual se 
 conformaram. 
 O Douto Acórdão do Tribunal da Relação, dado o valor da Acção, não admite 
 recurso para o Supremo Tribunal da Justiça. 
 Os recorridos, e bem, ao reclamarem de tal acórdão, ofereceram aos Julgadores a 
 possibilidade de corrigirem ilegalidades por eles cometidas ao darem provimento 
 ao Recurso interposto. 
 Ao decidirem como decidiram os Venerandos Desembargadores cometeram ilegalidades 
 que violam princípios constitucionais. 
 Daí, a razão de ser do Recurso interposto para o Tribunal Constitucional. 
 De facto, é elemento básico do Estado de Direito os princípios da certeza, do 
 contraditório, da proporcionalidade e da igualdade das partes, todos eles 
 sufragados na Constituição da República Portuguesa. Por isso, qualquer Acção 
 Judicial, vê os seus limites construídos nos articulados das partes, sendo 
 expressamente proibido ao julgador condenar em pedido diferente ao formulado 
 pelo Autor ou conhecer de causa de pedir não invocada pelas partes. 
 Se por lapso, desconhecimento ou falta de consistência os Autores não formularam 
 este ou aquele pedido ou não invocaram esta ou aquela causa de pedir, a 
 responsabilidade de tal falta a eles se deve imputar; nesta circunstância, ao 
 julgador é vedado decidir sobre meras suposições ou invocar, ele próprio, 
 fundamentos ou causas de pedir que os Autores se “esqueceram”, não souberam ou 
 não quiseram formular, sob pena de todo o processo judicial ficar viciado. 
 
 É isto e apenas isto que se pretende que o Tribunal Constitucional reconheça. De 
 facto, a decisão contida no Acórdão do Tribunal da Relação é inconstitucional e 
 tal inconstitucionalidade foi invocada no único tramite processual que aos 
 recorridos foi possível suscitar tal inconstitucionalidade ou ilegalidade, ou 
 seja, na Reclamação. 
 Por outro lado, o artigo 75°-A da Lei 28782, de 15/11, no seu nº 1, dispõe, 
 claramente, em norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o 
 Tribunal aprecie. 
 Na Reclamação, os reclamantes, aludem a ilegalidades que ferem princípios 
 constitucionais como facilmente se vislumbra nos nºs 4°,5°,6° e 7° do texto da 
 Reclamação e nos nºs 1 e 2 das respectivas conclusões. 
 Termos em que se conclui como no requerimento da Interposição do Recurso para o 
 Tribunal Constitucional.” 
 
  
 
 1.5.        Em seguida, o Relator indeferiu, nos termos do n.º 2 do artigo 76º 
 da LTC, o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional, nos seguintes termos:
 
  
 
  
 
 “[…]
 Não atendido o convite formulado a fls. 386 e adoptadas aqui as razões 
 enunciadas no parecer do Ministério Público (fls. 399/401) — de que se dará 
 conhecimento às partes — indefiro, nos termos do art. 76º n.º 2 da Lei n.º 
 
 28/82, de 15/11, o requerimento de fls. 371/373.”
 
  
 
 2.            Cumpre decidir.
 
  
 O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade interposto ao abrigo 
 da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC tem como pressuposto a desaplicação, 
 na decisão recorrida, de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade; 
 o recurso previsto na alínea b) do mesmo preceito cabe das decisões que apliquem 
 norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Por sua 
 vez, o recurso interposto ao abrigo da aliena i) do mesmo preceito pressupõe a 
 recusa de aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na 
 sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a aplicação dessa norma em 
 desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal 
 Constitucional.
 Trata-se, em qualquer daqueles casos, de recursos de natureza normativa, devendo 
 obrigatoriamente a questão de constitucionalidade reportar-se a uma norma 
 aplicada, ou desaplicada, na decisão recorrida. 
 Ora, a verdade é que os ora reclamantes não pretendem suscitar qualquer questão 
 de inconstitucionalidade normativa. 
 O que disseram no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade 
 tem a ver com a sua discordância directa com o julgamento do Tribunal recorrido, 
 sem pôr em causa, com fundamento na sua inconstitucionalidade, qualquer norma 
 que a decisão tenha aplicado ou desaplicado. E tanto assim é que, quando 
 convidados, nos termos do n.º 5 do artigo 75º-A da LTC, a indicar os elementos a 
 que se referem os n.ºs 2 e 4 do mesmo preceito, os recorrentes revelaram 
 claramente, na resposta, que pretendiam sindicar a própria decisão recorrida.
 
 É, por isso, certo que os ora reclamantes não definiram nenhuma questão de 
 constitucionalidade normativa susceptível de constituir o objecto idóneo do 
 recurso de constitucionalidade, em qualquer das modalidades previstas nas 
 alíneas a), b) e i) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
 
  
 
 3.            Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação, confirmando 
 o despacho de não admissão do recurso.
 Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 Lisboa, 8 de Fevereiro de 2007
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos