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Processo nº 1062/2005
 
 2ª Secção
 Relatora: Conselheira  Maria Fernanda Palma
 
 
 
  
 Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
 1.  Nos presentes autos foi proferida a seguinte Decisão Sumária:
 
  
 
 1.  Nos presentes autos, a Freguesia de Seda instaurou, junto do Tribunal 
 Judicial de Fronteira, acção declarativa sob a forma ordinária, contra A. e 
 mulher, pedindo o reconhecimento da natureza jurídica de determinados caminhos.
 Os réus suscitaram a questão de ilegitimidade da autora, tendo o tribunal negado 
 provimento a tal questão. Os réus interpuseram recurso.
 O tribunal, por decisão de 11 de Junho de 2003, julgou a acção improcedente, 
 absolvendo os réus do pedido.
 
  
 
 2.  A Junta de freguesia de Seda interpôs recurso para o Tribunal da Relação de 
 
 Évora, tendo o recurso sido julgado procedente, por acórdão de 14 de Julho de 
 
 2004. O Tribunal da Relação de Évora considerou ainda parte legítima a Junta de 
 freguesia de Seda.
 
  
 
 3.  Os réus interpuseram recurso do acórdão de 14 de Julho de 2004 para o 
 Supremo Tribunal de Justiça, sustentando, entre o mais, que não havia sido 
 alegado, pela autora, a saída do caminho em questão.
 A autora contra‑alegou, não suscitando qualquer questão de constitucionalidade 
 normativa.
 O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 6 de Julho de 2005, considerou o 
 seguinte:
 
  
 III. O DIREITO:
 
 1. Considerações Preliminares:
 a) A qualificação de um caminho como público (por isso se integrando, 
 necesariamente, no instituto do domínio público, no sistema viário, ao que não 
 faz óbice, flagrantemente, o art. 84º nº 1 d) da CRP tão só aludir as estradas, 
 ponderado o carácter exemplificativo da enumeração, em sede da Lei Fundamental, 
 dos bens pertencentes ao domínio público, como ressuma do plasmado na al. f) do 
 nº 1 e no nº 2 de tal artigo – cfr., neste sentido, José de Oliveira Ascensão, 
 in “Caminho Público, Atravessadouro e Servidão de Passagem” – “O DIREITO”, Ano 
 
 123º - 1991 – IV (Outubro‑Dezembro), pág. 536), poderá basear‑se:
 
 1º. Em ser ele propriedade de autoridade de direito público, ocorrendo a sua 
 afectação à produção efectiva de utilidade pública – cfr. Marcello Caetano, in 
 
 “Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9ª Edição, págs. 880 e segs., bem 
 como in “Princípios Fundamentais do Direito Administrativo”, Almedina – Coimbra, 
 
 96, págs. 323 e segs., e, entre outros, Acs. deste Tribunal, de 2-2-93, 10-11-93 
 e 15-6-00, in CJ-Acs. do STJ, Ano I – tomo I, págs. 115 e segs., tomo III, págs. 
 
 135 e segs., e Ano VIII – tomo II, págs. 117 e segs., respectivamente.
 
 2º No, de harmonia com o Assento de 19‑04‑89, in DR de 2‑6‑89 (hoje com o valor 
 de acórdão proferido nos termos dos artigos 732º‑A e 732º‑B do CPC – vide art. 
 
 17º nº 2 do DL nº 329‑A/95 -, o objectivo de tal assento não tendo sido o de 
 estabelecer a distinção entre caminhos públicos e atravessadouros (arts. 1383º e 
 
 1384º do CC) e (ou) a figura jurídica do atravessadouro excluir, antes o 
 assinalado por Oliveira Ascensão, in artigo citado, págs. 543 e 544), 
 interpretado, restritivamente, como importa, “ex vi” do dissecado nos já citados 
 Acs. de 10-11-93 e 15-06-00, bem como no Ac. deste Tribunal, de 19-11-02 
 
 (CJ-Acs. do STJ-Ano X-tomo III, págs. 139 e segs.), estar no uso directo e 
 imediato do público, desde tempos imemoriais, ocorrendo a sua afectação à 
 utilidade pública, à, enfim, satisfação “de interesses colectivos de certo grau 
 ou relevância”, consoante referido, também, em Acórdão. de 10‑04-03, disponível 
 em www.dgsi.pt/jstj. (doc. nº SJ200304100047142).
 b) Os atravessadouros (esses, também podendo ser constituídos em benefício do 
 público em geral) distinguem‑se dos caminhos públicos, por se dirigirem a coisa 
 móvel determinada, como meta de acesso, enquanto o caminho público, 
 
 'integrando‑se no sistema viário, permite a cada um atingir todos os destinos, 
 pois todos os caminhos comunicam entre si' (cfr. Oliveira Ascensão, in estudo 
 citado, pág. 539), tendo de 'ter acesso e saída através de outra via dominial', 
 como destacado no já aludido Ac. de 15-06-00 independentemente de também dar 
 acesso de pessoas e veículos a prédios particulares (vide Ac. de 03‑02‑15, 
 proferido nos autos de Revista registados sob o nº 4805/04-7ª Secção, in 
 Sumários, nº 88 - pág. 26).
 Atravessadouros reconhecidos são, de acordo com o art. 1384º do CC, para além 
 dos admitidos em legislação especial, de natureza administrativa (Pires de Lima 
 e Antunes Varela, in 'Código Civil Anotado', vol. III (2ª Edição Revista e 
 Actualizada - Reimpressão), pág. 284), os com posse imemorial, que se dirigem a 
 objectivos de interesse público de incontroversa relevância - pontes e fontes -, 
 enquanto não existirem vias públicas destinadas a utilização ou aproveitamento 
 de uma ou outra.
 c) Quanto à servidão de passagem, uma das possíveis qualificações de passagem 
 que uma generalidade de pessoas utiliza, essa, é sempre em benefício, tão só, de 
 um prédio, o dominante, de destino, mesmo que sejam muitas as pessoas que tiram 
 benefício de tal prédio.
 Isto, à guisa de intróito, expandido, retornando à hipótese 'sub judice', 
 dir-se-á:
 
 2. É inegável que a autora filiou a justeza da qualificação, como públicos, dos 
 caminhos (2) a que alude na petição inicial, no estarem no uso directo e 
 imediato do público, desde tempos imemoriais, não, consequentemente, no expresso 
 em III. 1. a) 1º.
 Tinha a demandante, como flui do art. 342º nº 1 do CC, o ónus de alegar e provar 
 factualidade donde decorresse, a provar‑se, naturalmente, a dominialidade 
 pública dos caminhos em causa, a, em suma, ocorrência dos requisitos 
 caracterizadores de tal dominialidade, de acordo com o Assento de 19-04-89.
 Só provando tal a acção poderia, 'in totum', proceder, já que, tão só havendo 
 caminho público, a passagem se faz por chão público, a via sendo dominial e 
 estando “desintegrada do prédio ou prédios que atravessa' (vide Oliveira 
 Ascensão, in estudo à colação já chamado, pág. 543).
 No Ac. sob recurso, foi a acção julgada procedente por se ter entendido, 'inter 
 alia', que do apurado resultavam provados os requisitos da dominialidade pública 
 dos caminhos em apreço, à luz do Assento de 19‑04‑89, interpretado 
 restritivamente.
 Entendemos que com menos acerto tal se decidu, se bem que o naufrágio da acção, 
 com o fundamento encontrado na 1ª instância, também não mereça acolhimento.
 A montante do expresso na sentença apelada e no Ac. de que vem trazida revista, 
 deve encontrar-se o fundamento para o justo decreto da improcedência da acção, 
 adianta-se já.
 Atentemos:  
 
 3. Estamos ante uma acção que, por carência de alegação, não suprida, no 
 momento, para tanto, processualmente azado (art. 508º nº 1 a) e 3 a 5 do CPC), 
 de factos necessários para a procedência da acção, no despacho saneador, por 
 deficiência da petição inicial (cfr. José Alberto dos Reis, in “Comentário ao 
 Código de Processo Civil', vol. 2°, pág. 372), devia ter sido julgada 
 improcedente (artigo 510º nº 1 b) do CPC).
 Na verdade:
 Não alegou a Autora, desde logo, que os caminhos referidos no art. 5º da p.i. 
 têm saída através de outra via dominial, antes do ao articulado primeiro levado 
 tão só resultando, no concernente às entradas e saídas dos caminhos em causa, 
 que o 1º, o citado na al. E) da matéria de facto assente, o que liga a E.N. nº 
 
 369 à Ribeira da Seda, no prédio rústico denominado “…”, pertença dos 
 demandados, ligando também, em tal prédio, a um outro caminho que se estende e 
 acompanha toda a margem da ribeira dita, caminho esse a que se reportam, 
 designadamente, os nºs 15, 30 e 31 da base instrutória e que, prolongando‑se 
 pela distância a que se alude na resposta ao último número da base instrutória, 
 desaparece a partir dessa altura.
 Face a tal omissão, tão só resultando do provado que a passagem, o “caminho”, 
 referido na nomeada al. E), tem entrada por via dominial (art. 84º nº 1 d) da 
 CRP) ao contrário do segundo, ambos se não tendo, assim, provado terem saída por 
 via dominial (vista a significância da resposta negativa ao nº 30º da base 
 instrutória, aquela sendo a de que não se provou o facto levado a tal peça 
 processual, sob o nº 30, e não que se tenha demonstrado o facto contrário, tudo 
 se passando como se aquele facto não tivesse sido articulado), jamais se 
 poderia, com acerto, tais “caminhos” qualificar como de públicos (cfr . III. 1. 
 b)), antes, é líquido, como atravessadouros não reconhecidos (art. 1384º do CC), 
 as passagens, assim, se fazendo por chão particular, o dos ora recorrentes.
 O ter-se provado estarmos ante 'passagens', 'caminhos', que estão no uso directo 
 e imediato do público em geral, desde tempos imemoriais, ocorrendo a sua 
 afectação ao constante dos nºs 2., 3., 15., 17., 23 e 25 da base instrutória, 
 não é suficiente para a sua qualificação como caminhos públicos, “caminhos do 
 domínio público', integrantes do sistema viário, tal como não é, sequer, o 
 destinarem-se os caminhos, apenas, a fazer ligação entre caminhos públicos, por 
 prédio particular, com vista ao encurtamento não significativo de distâncias 
 
 (cfr. António Carvalho Martins, in “Caminhos Públicos e Atravessadouros' – 
 Coimbra Editora, Limitada, 87, págs. 64 e segs., e citados Acs. de 10-11-93 e 
 
 15-06-00).
 Os caminhos cujo reconhecimento como públicos a freguesia de Seda peticiona têm, 
 mas manifestamente, como meta de acesso, coisa imóvel determinada, o que é, ao 
 cabo e ao resto, em substância, reconhecido no Ac. sob recurso, nem sequer se 
 tendo provado, o que não é despiciendo, à base instrutória levado sob os nºs 18º 
 a 20º, não se integrando, pelo dilucidado, no sistema viário, o que, em nosso 
 entender, decisivo obstáculo à procedência da acção constitui, sob pena de 
 violação dos arts. l383º e 1384º do CC.
 Enfim:
 Colhendo o referido na conclusão 3ª da alegação dos recorrentes, prejudicado 
 ficando o conhecimento de outras questões suscitadas nas conclusões de tal 
 alegação (art.s 660º nº 2 e 713º nº 2 do CPC), merece provimento o recurso.
 
  
 
 4.  A Junta de freguesia de Seda interpôs recurso de constitucionalidade nos 
 seguintes termos:
 
  
 A Freguesia de Seda, recorrida nos autos em referência, em que são recorrentes 
 A. e mulher, tendo sido notificada do douto Acórdão e da decisão que recaiu 
 sobre o pedido de nulidade que se lhe seguiram, vem, nos termos do art. 280° n° 
 
 1 b) da Constituição da República Portuguesa e do art. 70° n° 1 b) da Lei do 
 Tribunal Constitucional, interpor Recurso para o Tribunal Constitucional, nos 
 termos e com os fundamentos seguintes:
 
 1. No douto Acórdão recorrido a fls. 4 e 5 pode ler-se que: 'Estamos ante uma 
 Acção que, por carência absoluta de alegação, não suprida, no momento, para 
 tanto, processualmente azado (art. 508° n° 1 a), 3 e 5 do C.P.C.), de factos 
 necessários para a procedência da Acção, no despacho saneador, por deficiência 
 de petição inicial (...) deveria ter sido Julgado improcedente (art. 510° n° 1 
 b) do C.P.C.).
 Na verdade, não alegou a Autora, desde logo, que os caminhos públicos referidos 
 no art. 5° da P.I. têm saída através de outra via dominial, antes o articulado 
 primeiro levado tão só resultando, no concernente às entradas e saídas dos 
 caminhos em causa, que o 1° o citado na alínea e) da matéria de facto assente, o 
 que liga a E. N. n° 369 à Ribeira de Seda no prédio rústico denominado Casal 
 Novo pertença dos demandados, ligando também, em tal prédio, a um outro caminho 
 que se estende e acompanha toda a margem da ribeira...”.
 Parece poder depreender-se do trecho citado do douto Acórdão que devia a Autora, 
 desde logo ter alegado o fim dos caminhos, o que na ausência dessa alegação 
 determinou a improcedência da Acção. 
 Tal como já se defendeu em requerimentos anteriormente apresentados neste 
 Supremo Tribunal, não tinha a Autora de alegar o fim do caminho pois ele está 
 implícito no pedido e na própria legitimidade activa desta para a propositura da 
 presente Acção. Vejamos:
 Para efeitos da presente Acção o fim do caminho que acompanha a margem da 
 ribeira há-de coincidir com o fim do limite geográfico da própria freguesia. 
 Ora, se o caminho acompanha a ribeira e esta se estende por várias freguesias e 
 tendo a Freguesia de Seda peticionado a sua qualificação como público é óbvio 
 que para efeitos desta Acção se terá como implícito que o reconhecimento dessa 
 qualificação se estende até ao limite do território da freguesia e não para além 
 desse limite.
 Aliás, esta questão já foi tratada nos presentes autos e está definitivamente 
 coberta pelo caso julgado. Vejamos:
 Neste processo os Réus, ora recorrentes, tinham pendente um recurso de agravo 
 para a Relação de Évora onde suscitaram a questão da legitimidade activa da 
 Freguesia de Seda para propor a presente Acção. No douto Acórdão daquela Relação 
 que veio a julgar o Agravo improcedente, a este respeito referiu-se art. 26° nº 
 
 1 e 3 do C.P.C., não parece haver dúvida que uma Junta de Freguesia ao defender 
 a dominialidade de um caminho que se situa dentro dos seus limites territoriais 
 tem interesse directo em demandar, desde logo porque por imperativo 
 constitucional o seu escopo é a prossecução dos interesses próprios das 
 populações respectivas (art. 235º nº 2 da Constituição) e embora o art. 34° nº 1 
 c) da Lei 169/99 de 18 de Setembro apenas preveja a sua competência para 
 
 'instaurar pleitos e defender-se neles' (...) isso não exclui a capacidade mais 
 genérica e abrangente para demandar em Juízo quem ofenda os interesses das 
 populações ...'.
 A este respeito o douto Acórdão continua: “Tão pouco a circunstância alegada 
 pelos agravantes de outros pessoas que não apenas os habitantes da Freguesia de 
 Seda poderem vir a beneficiar da utilização dos caminhos têm qualquer relevância 
 no que respeita à legitimidade activa porquanto se trata de uma consequência 
 indirecta ou reflexa do pedido que não retira à Freguesia o direito que tem de 
 agir em defesa dos interesses dos seus habitantes; certamente que não lhe cabe 
 pleitear em prol do público em geral, mas pode fazê-lo a favor daquela parte do 
 público integrado na sua circunscrição territorial...”.
 Temos assim que é a própria legitimidade activa da Autora ao propor a presente 
 Acção que delimita o âmbito territorial do seu pedido que necessariamente recai 
 sobre o caminho em causa pedindo o reconhecimento da sua dominialidade até ao 
 limite da sua circunscrição territorial.
 Nos termos dos artigos 264° e 661° do C.P.C., onde se regula o princípio do 
 dispositivo, levava a que V. Exa., em consonância com o decidido no douto 
 Acórdão da Relação de Évora, tivesse concluído que a legitimidade activa da 
 Autora tinha implícito que o fim do caminho coincidia com o limite geográfico da 
 própria freguesia.
 No nosso entendimento, V. Exas. fizeram uma inte1pretação do princípio do 
 dispositivo previsto nos artigos 264° e 661° do C.P.C. de tal forma rígida e 
 restritiva que não encontra eco no Código Processo Civil, fazendo assim uma 
 interpretação daqueles preceitos que no caso viola o princípio da 
 intangibilidade do caso julgado previsto nos artigos 29° n° 4 e 282° n° 3 da 
 Constituição.
 Na verdade, o Acórdão da Relação de Évora que julgou o Agravo acabou por decidir 
 definitivamente esta questão em termos de se poder considerar assente que a 
 Freguesia de Seda com a presente acção pode solicitar a qualificacão pública dos 
 caminhos até ao limite da sua área territorial, sendo de fazer coincidir o fim 
 do caminho com esse limite, não necessitando que da matéria de facto alegada e 
 provada isso conste expressamente.
 Ora, como V. Exas. negaram provimento à posição da Autora com o motivo de não 
 indicação do fim do caminho e estando implícito no pedido e no julgamento da 
 questão da legitimidade activa que o seu fim coincide com o limite da área 
 territorial da freguesia, fizeram Vossas Excelências uma interpretação daqueles 
 preceitos (artigos 264° e 661° do C.P.C. - Princípio do dispositivo) que viola o 
 princípio da intangibilidade do caso julgado previsto nos artigos 29° n° 4 e 
 
 282° n° 3 do C.R.P. por força do decidido pelo Acórdão da Relação de Évora que 
 julgou o agravo improcedente e já transitado em julgado.
 Conforme ensina o Prof. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da 
 Constituição – 7ª Edição - Almedina, pág. 265: «Embora o princípio da 
 intangibilidade do caso julgado não esteja previsto expressis verbis, na 
 Constituição, ele decorre de vários preceitos do texto constitucional CCRP art. 
 
 29/4, 282/3 e é considerado como sub princípio inerente ao princípio de estado 
 de direito na sua dimensão de princípio garantidor da certeza jurídica'.
 
 2. A presente questão da inconstitucionalidade do douto Acórdão do STJ já havia 
 sido suscitada pela ora recorrente no requerimento em que se arguiu a nulidade 
 do referido Acórdão. Não o tinha sido em momento anterior em virtude da mesma 
 nunca se ter colocado, pois só com a prolação do Acórdão do STJ é que pela 
 primeira vez nestes autos o tribunal levantou a questão.
 Assim, por estar em tempo, ter legitimidade (art. 72° n° 1 b) da Lei Tribunal 
 Constitucional), ter interesse no recurso e porque a decisão não admite recurso 
 ordinário (art. 70° n° 2 da LTC), requer que V. Exa. se digne admitir o recurso 
 para o Tribunal Constitucional nos termos dos artigos 75°‑A e 76° n° 1 da LTC, o 
 qual tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos.
 
  
 Proferido Despacho ao abrigo do artigo 75º‑A da Lei do Tribunal Constitucional, 
 a recorrente respondeu o seguinte:
 
  
 A Freguesia de Seda, recorrente nos autos em referência, em que são recorridos 
 A. e mulher, tendo sido notificados do despacho de V.Exa., vem expor e requerer 
 o seguinte:
 A interpretação que a recorrente pretende submeter à apreciação do Venerando 
 Tribunal Constitucional é a seguinte:
 A interpretação do princípio do dispositivo consagrado nos artigos 264° e 661° 
 do C.P.C., na qual, em Acção Declarativa em que se peticiona o reconhecimento de 
 um caminho como público, em que seja Autora uma Autarquia Local, se exija que 
 esteja alegado e provado nos autos o fim físico desse caminho como condição de 
 procedência da Acção, quando por decisão já transitada em julgado no mesmo 
 processo se reconheceu a legitimidade activa da Autora para defender a 
 dominialidade de um caminho que se situa dentro dos limites territoriais dessa 
 Autarquia, é inconstitucional por violação do princípio da intangibilidade do 
 caso julgado consagrado nos artigos 29° n° 4 e 282° n° 3 da Constituição.
 Requer-se por isso que V. Exa. admita o recurso, seguindo os ulteriores termos 
 legais.
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
 5. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea 
 b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é 
 necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que a questão 
 de constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
 O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De 
 acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se 
 pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente 
 identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma 
 constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que 
 sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma 
 questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a 
 afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem 
 indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a 
 inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo.
 Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão 
 de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão 
 recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se 
 considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade 
 normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade 
 ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre 
 muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
 Nos presentes autos, a recorrente não sustentou nas contra‑alegações qualquer 
 questão de constitucionalidade reportada à falta de alegação de factos 
 constitutivos do direito por si invocado. Alega a recorrente que não teve 
 oportunidade processual para o fazer. No entanto, um dos argumentos invocados 
 pelos então recorrentes foi precisamente a não alegação do fim do caminho cujo 
 domínio público se pretende ver reconhecido.
 Desde logo, tal é fundamento suficiente para o não conhecimento do objecto do 
 recurso.
 Por outro lado, na resposta ao Despacho proferido, a recorrente limita‑se a 
 estabelecer uma pretensa relação entre a decisão que reconheceu a sua 
 legitimidade na acção e o ónus de invocar os factos constitutivos do direito que 
 invoca, relação que, tendo exclusivamente uma conexão estreita com tal decisão 
 do caso concreto, não consubstancia uma dimensão normativa com as necessárias 
 generalidade e abstracção, ou seja, não é um critério material (normativo) de 
 decisão dos casos.
 De resto, sempre se dirá que o reconhecimento da legitimidade para a acção não 
 isenta a parte do ónus de alegar e provar os factos constitutivos do direito que 
 invoca.
 Não se verificam, portanto, os pressupostos processuais do recurso interposto, 
 nomeadamente nenhuma questão de constitucionalidade normativa foi suscitada no 
 processo, pelo que não se tomará conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
 6.  Em face do exposto, decide‑se não tomar conhecimento do objecto do presente 
 recurso.
 
  
 A Freguesia de Seda reclamou para a Conferência, ao abrigo do artigo 78º‑A, nº 
 
 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
 
  
 A Freguesia de Seda, recorrente nos autos em referência, em que são recorridos 
 A. e outra, não se conformando com a douta decisão sumária de não admissão de 
 recurso, dela vem reclamar para a conferência nos termos do art. 78°‑A n° 3 da 
 L.O.T.C., o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
 Da análise da douta decisão sobre reclamação decorre que o recurso não foi 
 admitido por duas ordens de razões:
 A) Em virtude da recorrente não ter suscitado a inconstitucionalidade de forma 
 adequada com a indicação do princípio ou norma constitucional que considera 
 violada com o respectivo fundamento, ainda que sucinto, tendo a recorrente se 
 limitado a afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional 
 sem indicar a norma que enferma desse vício.
 B) Em virtude da inconstitucionalidade não ter sido oportunamente suscitada 
 durante o processo antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao 
 Juiz  “a quo” pronunciar-se sobre ela.
 Analisemos:
 A) Considera a recorrente, no seu entendimento, que a questão da 
 inconstitucionalidade foi correctamente suscitada com a indicação dos preceitos 
 que considera violados e também com indicação na norma e princípio 
 constitucionais violados e bem assim com a indicação da interpretação cuja 
 inconstitucionalidade pretende ver apreciada neste Tribunal Constitucional.
 Logo no requerimento apresentado no S.T.J., em sede de arguição de nulidade da 
 decisão, a recorrente a respeito da questão da inconstitucionalidade disse o 
 seguinte: “Não obstante o presente requerimento se destinar sobretudo à arguição 
 da nulidade atrás referida, entende a Autora - Freguesia de Seda – que, 
 precavendo a possibilidade de se interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, desde já sujeita ao elevado critério de Vossas Excelências o 
 problema da inconstitucionalidade que se entende o douto Acórdão padecer .(...)
 
 É claro que para efeitos da presente Acção o fim do caminho que acompanha a 
 margem da ribeira há-de coincidir com o fim do limite geográfico da própria 
 freguesia. Ora, se o caminho acompanha a ribeira e esta se estende por várias 
 freguesias e tendo a Freguesia de Seda peticionado a sua qualificação como 
 público, é óbvio que para efeitos desta Acção se terá como implícito que o 
 reconhecimento dessa qualificação se estende até ao limite do território da 
 freguesia e não para além desse limite.
 No âmbito das várias aflorações que o princípio do dispositivo tem no C.P.C. 
 
 (cfr. artigos 3°, 265°, 508° e 661º) e que reforça a ideia trazida com a 
 reforma, da auto responsabilização de todos os agentes processuais, 
 abandonando-se a ideia formalista de que o juiz é um mero espectador do processo 
 onde as partes se confrontam, Vossas Excelências poderiam perfeitamente ter 
 apreciado esta questão, pois que ela está implicitamente contida no pedido: o 
 fim do caminho não está determinado mas era determinável pela própria 
 legitimidade processual activa da Autora para a presente Acção, fazendo‑o 
 coincidir com os limites geográficos da Freguesia de Seda. (...)
 Aliás, esta questão já foi tratada nos presentes autos e está definitivamente 
 coberta pelo caso julgado. Vejamos:
 Os Réus, ora recorrentes, tinham pendente um Recurso de Agravo para a Relação de 
 
 Évora onde suscitaram a questão da legitimidade activa da Freguesia de Seda para 
 propor a presente Acção. No douto Acórdão daquela Relação que veio a julgar o 
 Agravo improcedente, a este respeito referiu-se que “à luz do disposto no art. 
 
 26° n° 1 e 3 do C.P.C., não parece haver dúvida que uma Junta de Freguesia ao 
 defender a dominialidade de um caminho que se situa dentro dos seus limites 
 territoriais tem interesse directo em demandar, desde logo porque por imperativo 
 constitucional o seu escopo é a prossecução dos interesses próprios das 
 populações respectivas (art. 235° n° 2 da Constituição) e embora o art. 34° n° 1 
 c) da Lei 169/99 de 18 de Setembro apenas preveja a sua competência para 
 
 'instaurar pleitos e defender-se neles' (...) isso não exclui a capacidade mais 
 genérica e abrangente para demandar em Juízo quem ofenda os interesses das 
 populações…”.
 A este respeito o douto Acórdão continua: 'Tão pouco a circunstância alegada 
 pelos agravantes de outros pessoas que não apenas os habitantes da Freguesia de 
 Seda poderem vir a beneficiar da utilização dos caminhos têm qualquer relevância 
 no que respeita à legitimidade activa porquanto se trata de uma consequência 
 indirecta ou reflexo do pedido que não retira à Freguesia o direito que tem de 
 agir em defesa dos interesses dos seus habitantes; certamente que não lhe cabe 
 pleitear em prol do público em geral, mas pode fazê‑lo a favor daquela parte do 
 público integrado na sua circunscrição territorial ...'.
 Temos assim que é a própria legitimidade activa da Autora ao propor a presente 
 Acção que delimita o âmbito territorial do seu pedido que necessariamente recai 
 sobre o caminho em causa pedindo o reconhecimento da sua dominialidade até ao 
 limite da sua circunscrição territorial…”.
 Daqui resulta, a nosso ver, a desnecessidade de se alegar o fim do caminho 
 atenta a natureza, a finalidade do mesmo e bem assim pelo facto de estar 
 implícito no pedido formulado e na própria posição processual da Autora quando 
 se apresentou a Juízo.
 No nosso modesto entendimento, V. Exas. fizeram uma interpretação do princípio 
 do dispositivo previsto nos artigos 264° e 661° do C.P.C. de tal forma rígida e 
 restritiva que não encontra eco no Código Processo Civil, fazendo assim uma 
 interpretação do art. 661° que no caso viola o princípio da intangibilidade do 
 caso julgado previsto nos artigos 29° n° 4 e 282° n° 3 da Constituição.
 Na verdade, o Acórdão da Relação de Évora que julgou o Agravo acabou por decidir 
 definitivamente esta questão em termos de se poder considerar assente que a 
 Freguesia de Seda com a presente Acção pode solicitar a qualificação pública dos 
 caminhos até ao limite da sua área territorial, sendo de fazer coincidir o fim 
 do caminho com esse limite.
 Ora, como V. Exas. negaram provimento à posição da Autora com o motivo de não 
 indicação do fim do caminho e estando implícito no pedido e no julgamento da 
 questão da legitimidade activa que o seu fim coincide com o limite da área 
 territorial da freguesia, fizeram Vossas Excelências uma interpretação daqueles 
 preceitos que viola o princípio da intangibilidade do caso julgado previsto nos 
 artigos 29° n° 4 e 282° n° 3 do C.R.P. por força do decidido pelo Acórdão da 
 Relação de Évora que na parte que julgou o agravo havia transitado em julgado”
 Posteriormente a isso, no requerimento de interposição de recurso para este 
 Tribunal Constitucional, a requerente voltou a suscitar a questão tendo referido 
 que:
 
 “Na verdade, o Acórdão da Relação de Évora que julgou o Agravo acabou por 
 decidir definitivamente esta questão em termos de se poder considerar assente 
 que a Freguesia de Seda com a presente Acção pode solicitar a qualificação 
 pública dos caminhos até ao limite da sua área territorial, sendo de fazer 
 coincidir o fim do caminho com esse limite, não necessitando que da matéria de 
 facto alegada e provada isso conste expressamente.
 Ora, como V. Exas. negaram provimento à posição da Autora com o motivo de não 
 indicação do fim do caminho e estando implícito no pedido e no julgamento da 
 questão da legitimidade activa que o seu fim coincide com o limite da área 
 territorial da freguesia, fizeram Vossas Excelências uma interpretação daqueles 
 preceitos (artigos 264° e 661° do C.P.C. - Princípio do dispositivo) que viola o 
 princípio da intangibilidade do caso julgado previsto nos artigos 29° n° 4 e 
 
 282° n° 3 do C.R.P. por força do decidido pelo Acórdão da Relação de Évora que 
 julgou o agravo improcedente e já transitado em julgado”.
 Na sequência do despacho da Exma. Senhora Conselheira Relatora no sentido da 
 recorrente vir “indicar a interpretação dos artigos 264° e 661° do Código do 
 Processo Civil que pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional”, a 
 recorrente disse que:
 
 “A interpretação do princípio do dispositivo consagrado nos artigos 264° e 661° 
 do C.P.C., na qual, em acção Declarativa em que se peticiona o reconhecimento de 
 um caminho como público, em que seja Autora uma Autarquia Local, se exija que 
 esteja alegado e provado nos autos o fim físico desse caminho como condição de 
 procedência da Acção, quando por decisão já transitada em julgado no mesmo 
 processo se reconheceu a legitimidade activa da Autora para defender a 
 dominialidade de um caminho que se situa dentro dos limites dessa Autarquia, é 
 inconstitucional por violação do princípio da intangibilidade do caso julgado 
 consagrado nos artigos 29° n° 4 e 282° n° 3 da Constituição”.
 Com todo o respeito pela posição acolhida pela Exma. Senhora Conselheira 
 Relatora não sabe a recorrente o que mais pode dizer para levantar a 
 inconstitucionalidade, pois pela transcrição das partes dos requerimentos atrás 
 referidos pensa que a suscitou de forma adequada.
 A recorrente indicou as normas (artigos 264° e 661° do C.P.C.) que consagram o 
 princípio do dispositivo, indicando que a interpretação que o S.T.J. fez 
 daqueles normativos legais violou o princípio da intangibilidade do caso julgado 
 previsto nos artigos 29° nº 4 e 283° nº 3 do C.R.P. por força do decidido no 
 Acórdão da Relação de Évora proferido nos mesmos autos que decidiu a questão de 
 legitimidade activa da inconstitucionalidade:
 Pode ler-se no despacho sob reclamação que deveria a recorrente ter levantado a 
 questão nas contra-alegações de recurso para o S.T.J. em virtude da outra parte, 
 então recorrentes, nas suas alegações terem suscitado a questão do fim físico 
 dos caminhos.
 Entendemos que a questão da inconstitucionalidade só se verifica com a prolação 
 da decisão judicial, no caso só se concretizou com a prolação do Acórdão do S. 
 T.J. Foi só após ter sido notificada do Ac6rdão do S. T.J. que a recorrente 
 tomou conhecimento das razões que, no seu entendimento, levariam à verificação 
 da inconstitucionalidade do douto Ac6rdão e não antes.
 Não é exigível que a recorrente adivinhe que em resultado das alegações de 
 recurso apresentadas pela outra parte possa verificar-se uma questão de “futura” 
 inconstitucionalidade. É uma exigência que manifestamente não se pode impor à 
 recorrente. Só com a prolação do Acórdão do S.T.J. é que a recorrente pela 
 primeira vez em todo o processo foi confrontada com uma decisão judicial 
 susceptível de estar ferida de inconstitucionalidade nos termos em que se 
 suscitou. Esta decisão do S.T.J. foi, neste ponto, uma decisão surpresa para a 
 recorrente e não é exigível a esta que antes desse momento pudesse alvitrar 
 qualquer inconstitucionalidade da mesma pois em bom rigor nem sequer existia.
 Aliás, este Tribunal Constitucional assim tem entendido. Veja-se o Ac. nº 
 
 669/2005 T. Const. - Proc. n° 818/2005, pág. 1558 e seguintes, DRII série de 
 
 02.02.2006 que reproduz o Ac. 74/2000 e 155/2000: “Ou, dito de outro modo: no 
 caso em apreciação, considerando que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça 
 configura uma autêntica 'decisão-surpresa', o recorrente tanto poderia ter 
 invocado a questão de inconstitucionalidade no pedido de aclaração como no 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. De 
 qualquer modo, encontrava-se já esgotado o poder jurisdicional do tribunal 
 recorrido. Mas o recurso de constitucionalidade teria de ser admitido 
 precisamente porque o recorrente não teve oportunidade processual para, antes de 
 esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido, suscitar a questão.
 Neste sentido, há que reconhecer que, nas circunstâncias do processo, não era 
 razoável exigir ao recorrente o ónus de considerar antecipadamente a 
 interpretação normativa adoptada na decisão, atento o seu cariz imprevisível, 
 anómalo ou insólito. E, por outro lado, face ao teor do acórdão que indeferiu o 
 pedido de aclaração, tornou-se evidente que a questão não se podia reconduzir a 
 uma nulidade por omissão de pronúncia, pelo que também não era exigível a 
 suscitação da questão de constitucionalidade em requerimento que invocasse tal 
 nulidade.
 Similarmente, também se entende que, no presente caso, a não suscitação adequada 
 da questão de inconstitucionalidade no pedido de reforma da sentença não teve 
 por efeito a perda do direito que, perante a natureza inesperada da 
 interpretação normativa nela aplicada, assistia à recorrente de recorrer para o 
 Tribunal Constitucional com dispensa desse requisito específico do recurso 
 previsto na alínea b) do n° 1 do art. 70° da L.T.C., o que conduz ao deferimento 
 desta reclamação”.
 No caso dos autos, a recorrente logo no requerimento em que invocou a nulidade 
 do Acórdão do S.T.J., à cautela, suscitou a questão da inconstitucionalidade.
 Pensamos pois, ao contrário da douta decisão ínsita no despacho sob reclamação, 
 que nada obsta à admissão de recurso por estarem preenchidos os requisitos de 
 que a lei o faz depender.
 Aliás, convém dizer que, embora não constituindo qualquer vínculo para a decisão 
 de V. Exas., o certo é que no S.T.J. o recurso foi admitido passando assim o 
 crivo, sempre formalmente exigente, que o S.T.J. impõe na admissão de recurso 
 para este Tribunal Constitucional o que, no nosso entendimento, alguma 
 relevância terá. Na verdade, caso a inconstitucionalidade tivesse sido 
 incorrecta e inoportunamente suscitada provavelmente o S.T.J. nem sequer havia 
 admitido o recurso.
 Assim, por se entender que este preenche os requisitos para a admissão do 
 recurso, requer-se que Vossas Excelências Senhores Conselheiros concedam 
 provimento à presente reclamação, considerando que a inconstitucionalidade foi 
 adequada e oportunamente suscitada, admitindo assim o recurso interposto para 
 este Tribunal Constitucional.
 
  
 Os reclamados pronunciaram‑se no sentido da improcedência da reclamação.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
  
 
 2.  A reclamante procede, na presente reclamação, à transcrição de várias peças 
 processuais constantes dos autos.
 Ora, tais peças processuais foram devidamente ponderadas na Decisão Sumária sob 
 reclamação.
 A reclamante afirma que “não sabe (…) o que mais pode dizer para levantar a 
 inconstitucionalidade”.
 Como se disse na Decisão Sumária reclamada, uma questão de constitucionalidade 
 considera‑se suscitada quando é indicada a norma ou dimensão normativa que se 
 pretende impugnar, isto é, quando é impugnado um critério material de decisão de 
 casos.
 A impugnação, na perspectiva da constitucionalidade, de uma norma não se 
 confunde com a impugnação da própria decisão.
 A reclamante apenas impugnou, nos presentes autos, a irrelevância atribuída pelo 
 tribunal a quo a uma específica relação entre a decisão que reconheceu a sua 
 legitimidade e o ónus de invocar os factos constitutivos do direito que invoca 
 
 (como se sublinhou na Decisão Sumária e é demonstrado pelas transcrições que a 
 reclamante realizou na presente reclamação). Ter o tribunal recorrido 
 considerado que o reconhecimento da legitimidade da reclamante não a dispensa de 
 alegar e provar os factos constitutivos do direito que invoca não consubstancia 
 uma dimensão normativa ou uma norma susceptível de constituir objecto do recurso 
 de constitucionalidade da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 A reclamante afirma, por outro lado, que só depois da prolação do acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça foi confrontada “com uma decisão judicial 
 susceptível de estar ferida de inconstitucionalidade”.
 Na verdade, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça é a primeira decisão dos 
 autos que apreciou a questão em causa. No entanto, o que se disse na Decisão 
 Sumária (e não é infirmado pela argumentação da reclamante) é que no momento em 
 que apresentou as contra‑alegações já tinha a reclamante sido confrontada com o 
 entendimento acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça ao qual subjaz, na 
 perspectiva da reclamante, uma qualquer dimensão normativa inconstitucional, 
 que, de resto, como se referiu, jamais foi identificada. Impendia, pois, sobre a 
 reclamante o ónus de suscitar a inconstitucionalidade da norma que fundamenta o 
 entendimento expresso pelos então recorrentes e acolhida pelo tribunal a quo, 
 entendimento do qual a reclamante discorda.
 A não suscitação da questão de constitucionalidade normativa em tempo deveu‑se, 
 pois, não a falta de oportunidade processual, mas sim à deficiente estratégia 
 processual da reclamante. A deficiência de tal estratégia processual é mais uma 
 vez evidenciada na presente reclamação, quando a reclamante se refere à 
 inconstitucionalidade da própria decisão (e nunca de uma norma devidamente 
 identificada).
 A reclamante afirma, por último, que invocou a inconstitucionalidade na arguição 
 de nulidade da decisão recorrida.
 Tal momento processual sempre seria tardio (como se sublinhou na Decisão 
 Sumária). Não obstante, em momento algum a reclamante suscitou nos presentes 
 autos uma questão de constitucionalidade normativa.
 Improcede, portanto, a presente reclamação.
 
  
 
  
 
 3.  Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente 
 reclamação, confirmando, consequentemente, a Decisão Sumária reclamada.
 
  
 Lisboa, 23 de Março de 2006
 Maria Fernanda Palma
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos