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Processo nº 161/06
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 
          Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
   
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é 
 recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do 
 acórdão daquele Supremo Tribunal, de 1 de Fevereiro de 2006.
 
  
 
 2. O Tribunal de Valença condenou o ora recorrente na pena única de onze anos e 
 três meses de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples (artigo 131º 
 do Código Penal), de um crime de detenção de arma ilegal (artigo 6º, nº 1, da 
 Lei nº 22/97, de 27 de Junho) e de um crime contra a preservação da fauna e 
 espécies cinegéticas (artigo 30º, nº 1, da Lei da Caça). 
 Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, o 
 qual foi julgado improcedente, nomeadamente porque se decidiu estar sanada a 
 irregularidade cometida por falta de documentação das declarações prestadas 
 oralmente na audiência de julgamento. O ora recorrente interpôs, então, recurso 
 deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça.
 
  Em 4 de Janeiro de 2006, este Tribunal, considerando procedente a arguição de 
 irregularidade ocorrida durante a audiência de julgamento, acordou “em revogar a 
 decisão sob recurso e determinar a remessa dos autos ao Tribunal de 1ª 
 Instância, a fim de se proceder à documentação das declarações que, na economia 
 do recurso do arguido A., impõem decisão diversa da recorrida, repetindo-se o 
 julgamento”.
 
  
 
 3. Na sequência deste acórdão, o ora recorrente, preso preventivamente, requereu 
 a libertação imediata, com fundamento nos artigos 215º, nºs 1, alínea a), e 2, e 
 
 217º, nº 1, do Código de Processo Penal, por entender esgotado o prazo máximo da 
 prisão preventiva. 
 Por despacho, de 16 de Janeiro de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu 
 indeferir o requerido, por não se encontrar decorrido tal prazo, já que ao caso 
 em apreço era aplicável o fixado no artigo 215º, nºs 1, alínea d), e 2, do 
 Código de Processo Penal, e não, como pretendia o requerente, o prazo previsto 
 na alínea c) do nº 1 deste artigo.
 
  
 
 4. O ora recorrente requereu, então, que sobre a matéria recaísse acórdão, tendo 
 o Supremo Tribunal de Justiça acordado, em conferência, em 1 de Fevereiro de 
 
 2006, ratificar o despacho do relator que indeferiu o requerimento de imediata 
 libertação do arguido A., com os seguintes fundamentos:
 
  
 
 «3.1 São sobejamente conhecidas as posições jurisprudenciais sobre o problema em 
 causa.
 Nesse quadro, a simples leitura do teor do despacho faz ressaltar a evidência de 
 que aí se não formula qualquer nova argumentação sobre o assunto, antes se 
 assumindo a posição jurisprudencial que, de algum tempo a esta parte, concita 
 acolhimento generalizado no Supremo e que, como se diz no despacho, ‘tem caução 
 de constitucionalidade’.
 De modo paralelo, a posição defendida pelo arguido apoia-se, essencialmente, no 
 argumentário de um dos votos de vencido, exarado naquele acórdão do Tribunal 
 Constitucional que, precisamente, constituiu, na tese que fez vencimento, base 
 adjuvante da fundamentação do despacho.
 Por isso, sem embargo da consideração que tais razões merecem, há que concluir 
 que não são de molde a fazer inflectir o sentido da actual jurisprudência deste 
 Tribunal.
 
 4. ‘Por mera cautela’, o arguido veio suscitar ‘a inconstitucionalidade da 
 interpretação normativa que a decisão recorrida fez das alíneas c) e d) do n° 1 
 e também dos n° 2, 3 e 4 do artigo 215° do Código de Processo Penal, na parte em 
 que remetem para elas, interpretadas no sentido de que na locução “... 
 condenação em primeira instância ...” se podem incluir condenações já anuladas, 
 por violação dos artigos 2°, 18°, n° 2, 27°, n° 1 e 3, 28°, n° 1 e 4, 32°, n° 1 
 e 2, todos da CRP.”
 Ora, para defender a conformidade constitucional de tais normativos, não foram 
 avançadas, na presente decisão, outras razões para além daquelas que já constam 
 do acórdão n.º 404/05, de 22.07.05, do Tribunal Constitucional. É de prever, por 
 isso, que o arguido se não conforme com o decidido».
 
  
 
 5. Deste acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, 
 requerendo o recorrente a apreciação da «inconstitucionalidade das alíneas c) e 
 d) do nº 1 e também dos nº 2, 3 e 4 do artigo 215º do CPP, na parte em que 
 remetem para elas, quando interpretadas, como na decisão recorrida, no sentido 
 de que na locução “... condenação em primeira instância ...” se podem incluir 
 condenações já anuladas», por violação dos artigos 2°, 18°, nº 2, 27°, nºs 1 e 
 
 3, 28º, n°s 1 e 4, e 32°, n°s 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
 6. Notificado para alegar, o recorrente apresentou as seguintes alegações:
 
  
 
 «1- O recorrente, cujo julgamento em primeira instância tem de ser repetido por 
 não ter sido possível sindicar a matéria de facto que impugnara, por se ter 
 perdido a gravação, está preso preventivamente há mais de dois anos.
 
 2- Segundo a decisão recorrida, no entanto, tal prisão preventiva deve manter-se 
 por ao seu caso não ser aplicável a alínea c) mas a alínea d) do artigo 215° do 
 CPP.
 
 3- Segundo a decisão recorrida na locução “... condenação em primeira 
 instância;” da alínea c) do n° 1 do artigo 215 do CPP incluem-se condenações já 
 anuladas face ao entendimento doutrinário, remetendo-se para os ensinamentos de 
 Manuel de Andrade, que se diz ter ensinado que “...o acto nulo, embora não 
 produza os efeitos que lhe são próprios, pode produzir efeitos laterais...” 
 
 (Teoria Geral ..., vol II, 415).
 
 4- Antes de mais, clarifique-se que aquilo que o Professor Manuel A Domingues de 
 Andrade ensinou na Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II, pág. 415 é 
 substancialmente diferente do que na citação se deixou exarado.
 
 5- É que o que aí se encontra escrito é o seguinte “... embora o negócio nulo 
 não produza todos os efeitos que devia produzir, no entanto, ainda possa 
 produzir alguns, pelo menos certos efeitos laterais ou secundários, como que – 
 talvez se possa dizer – seus filhos ilegítimos apenas, mas filhos em todo o caso 
 
 (cfr. Borrely Soler)”.
 
 6- A interpretação levada a cabo na decisão recorrida das normas em questão é 
 não só errada ao nível da aplicação do direito ordinário, como conflitua com 
 normas constitucionais.
 
 7- Na verdade, segundo a lei ordinária (artigo 122° do CPP) as nulidades tornam 
 inválidas o acto em que se verificam, bem como os que dele dependerem e aquelas 
 puderem afectar.
 
 8- Se o acto se tornou nulo, bem como os que dele dependerem – no caso concreto, 
 todos os posteriores – não pode naturalmente proceder-se como se o mesmo 
 valesse.
 
 9- No caso, a anulação da decisão de 1ª instância ocorreu na sequência e por 
 causa de vícios imputáveis ao tribunal. Fazer recair sobre o arguido as 
 consequências de tais vícios é incompatível com a ideia definida pela lei 
 constitucional de Estado de Direito Democrático (artigo 2° da CRP).
 
 10- O regime vigente no CPP quanto á prisão preventiva assenta não só na 
 extensão do iter processual mas- sobretudo- no modo de desfecho das suas fases. 
 Não é fixado na conclusão do inquérito e da audiência de julgamento, mas nas 
 decisões que se lhe seguem, a acusação e a condenação.
 
 11- Um processo justo e equitativo como se pretende que é o nosso, não pode 
 negar os efeitos da anulação em matérias que se prendem directamente com os 
 direitos fundamentais, como sucede com a prisão preventiva e o direito à 
 liberdade.
 
 12- Nesse tipo de processo não se podem tirar efeitos de uma condenação em 
 prejuízo de um arguido invalidamente condenado.
 
 13- Por isso, no caso concreto, as normas sobre recurso, com o sentido 
 interpretativo que lhes foi conferido, colidem directamente com direitos e 
 princípios constitucionalmente consagrados:
 
 - princípio do Estado de Direito Democrático;
 
 - restrições aos direitos liberdade e garantias;
 
 - direito à liberdade e segurança;
 
 - natureza excepcional e carácter subsidiário da prisão preventiva;
 
 - princípio da proporcionalidade;
 
 - princípio da legalidade;
 
 - garantias de defesa;
 
 -  presunção da inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.
 
 14- As normas sobre recurso com o sentido interpretativo que lhes foi conferido 
 violam o disposto nos artigos 2°; 18°, n° 2; 27°, n° 1 e 3; 28°, n° 1 e 4; 32°, 
 n° 1 e 2, todos da CRP».
 
  
 
 7. Notificado para o efeito, o Ministério Público junto deste Tribunal 
 contra-alegou da seguinte forma:
 
  
 
 «1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada
 O presente recurso vem interposto pelo arguido A. do acórdão, proferido a fls. 
 
 51 e segs pelo Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu o requerimento de 
 imediata libertação do arguido, com fundamento no esgotamento do prazo de 
 duração máxima da respectiva prisão preventiva.
 Importa analisar detalhadamente a especificidade do caso “sub juditio”. Na 
 verdade, o arguido – condenado no Tribunal de Valença pela prática dos crimes de 
 homicídio simples, detenção de arma ilegal e ofensa à preservação da fauna e 
 espécies cinegética na pena única de 11 anos e 3 meses de prisão – recorreu para 
 o Tribunal da Relação de Guimarães, questionando a decisão proferida, quer sobre 
 a matéria de facto, quer sobre matéria de direito, sendo lavrada informação 
 segundo a qual teria ocorrido falha técnica na gravação do julgamento, 
 impeditiva da transcrição da prova pelos serviços judiciais, considerando as 
 instâncias que tal irregularidade já estaria sanada no momento em que o defensor 
 do arguido a invocou.
 Na sequência do recurso por este interposto de tal decisão da Relação, o Supremo 
 Tribunal de Justiça considerou, porém, que – constituindo a não documentação das 
 declarações prestadas oralmente na audiência irregularidade, sujeita ao regime 
 previsto no artigo 123º do Código de Processo Penal – a sua arguição pelo 
 arguido/recorrente teria sido tempestiva e adequada, obstando à respectiva 
 convalidação.
 Daí que o Supremo Tribunal de Justiça tenha considerado que – face ao relevo de 
 tal documentação das declarações para a efectivação do direito ao recurso e 
 subsequente reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto, 
 prejudicada irremediavelmente por tal omissão – deveriam os autos ser remetidos 
 ao Tribunal de 1ª Instância, “a fim de se proceder à documentação das 
 declarações que, na economia do recurso do arguido A., impõem decisão diversa da 
 recorrida, repetindo-se o julgamento”.
 Como o acórdão recorrido acentua, a fls. 56, “no caso, a decisão de ordenar a 
 
 (parcial) repetição do acto ficou apenas a dever-se à necessidade de se proceder 
 
 à documentação de declarações prestadas oralmente na audiência [vício 
 extrínseco, pois [por] isso, ao especifico acto de julgamento, embora 
 determinante para integral sindicação, em recurso, da matéria de facto 
 considerada provada (imperfeição da gravação, conducente à impossibilidade de 
 transcrição)]”.
 Importa, deste modo, acentuar a essencial diferenciação entre a situação 
 procedimental dos autos e a que esteve na base do Acórdão n° 404/95 [05], em que 
 a 2ª Secção, por maioria, decidiu julgar não inconstitucional a norma constante 
 do artigo 215°, n° 1, alínea c), com referência ao n° 3, do Código de Processo 
 Penal, na interpretação que considera relevante, para efeitos de estabelecimento 
 do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a sentença condenatória 
 proferida em 1ª instância, mesmo que, em fase de recurso, venha a ser anulada 
 por decisão do Tribunal da Relação: no caso dos autos, não estamos perante uma 
 
 “anulação” judicial do julgamento - originando uma condenação “inválida” do 
 arguido condenado – mas perante:
 
 - por um lado, uma mera “irregularidade” procedimental, decorrente de uma “falha 
 técnica” que conduziu à omissão de gravação de certos depoimentos prestados (e 
 não perante uma “nulidade” cometida no decurso da audiência de discussão e 
 julgamento);
 
 - por outro lado, tal irregularidade – sem afectar a validade intrínseca do 
 julgamento e do acórdão condenatório proferido – apenas ganha relevo na fase 
 processual subsequente ao julgamento - o recurso – ao restringir o pleno 
 exercício dos poderes cognitivos pela Relação, ao sindicar a decisão proferida 
 na 1ª instância sobre a matéria de facto: trata-se – apenas e tão somente – de 
 suprir uma omissão do registo de certos depoimentos prestados oralmente, com a 
 estrita finalidade de possibilitar a reapreciação, no âmbito do recurso 
 interposto, da decisão proferida sobre certos pontos da matéria de facto.
 Não estamos, deste modo, confrontados com a extracção de efeitos de uma 
 condenação proferida em prejuízo de um arguido invalidamente condenado, mas 
 apenas com o suprimento de uma omissão que – sem pôr em causa directamente o 
 acerto e justiça da decisão condenatória proferida – deve ser suprida para 
 possibilitar o pleno exercício dos poderes de controlo da matéria de facto pela 
 Relação, no âmbito de um recurso perante ela interposto.
 Ora, nesta específica e particular situação – em que o Tribunal “ad quem” se 
 limita a determinar a renovação de certos meios de prova, com a exclusiva 
 finalidade de os mesmos ficarem registados nos autos, de modo a possibilitar o 
 exercício do duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto – consideramos 
 que não ocorre a apontada inconstitucionalidade, mesmo para quem discorde da 
 orientação que fez vencimento no Acórdão n° 404/05.
 Na verdade, nem se pode considerar, neste caso, que o julgamento e a sentença 
 condenatória estão feridos de “invalidade”, tendo o arguido sido “invalidamente 
 condenado” pelas instâncias; nem a razão de ser da repetição (parcial) do 
 julgamento, com a produção dos depoimentos indevidamente não registados, se 
 repercute na validade do julgamento e condenação do arguido na 1ª instância, 
 mostrando-se a necessidade de renovação de certas provas funcionalmente ligada à 
 fase subsequente do processo: o recurso, sendo certo que, interposto este, já 
 nos situamos no âmbito da alínea d) do n° 1 do artigo 215° do Código de Processo 
 Penal.
 
 2. Conclusão
 Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
 
 1 – A norma constante do artigo 215°, n° 1, alínea c), com referência ao n° 3, 
 do Código de Processo Penal, na interpretação que considera relevante, para 
 efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a 
 sentença condenatória proferida em 1ª instância, num caso em que, na fase de 
 recurso, foi determinada a renovação parcial de certos depoimentos, oralmente 
 prestados, cujo registo tinha sido indevidamente omitido, por falha técnica, e 
 com a estrita finalidade de permitir à Relação o pleno exercício de um segundo 
 grau de jurisdição quanto à matéria de facto, não viola qualquer preceito ou 
 princípio constitucional.
 
 2 – Termos em que deverá improceder o presente recurso».
 
  
 Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. Nos presentes autos cumpre apreciar a norma constante do artigo 215º, nº 1, 
 alínea c), com referência ao nº 2, do Código de Processo Penal, por violação dos 
 artigos 2°, 18°, nº 2, 27°, nºs 1 e 3, 28º, n°s 1 e 4, e 32°, n°s 1 e 2, da 
 Constituição da República Portuguesa, na interpretação que considera relevante, 
 para efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, 
 a decisão condenatória proferida em 1ª instância, ainda que, em fase de recurso, 
 se venha a determinar a repetição do julgamento em 1ª instância, a fim de se 
 proceder à documentação de declarações.
 
 É o seguinte o teor da norma em apreciação:
 
  
 
 “Artigo 215º
 
 (Prazos de duração máxima da prisão preventiva)
 
  
 
  
 
 1.      A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem 
 decorrido:
 a)      (…);
 b)      (…);
 c)      Dezoito meses sem que tenha havido condenação em primeira instância;
 d) (…).
 
 2. Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para 8 
 meses, 1 ano, 2 anos e 30 meses, em casos de terrorismo, criminalidade violenta 
 ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de 
 prisão de máximo superior a oito anos, ou por crime:
 
 (…).
 
 3. (…).
 
 4. (…)”.
 
  
 Das disposições constitucionais invocadas pelo recorrente no requerimento de 
 interposição de recurso para este Tribunal e nas alegações aqui produzidas – 
 artigos 2°, 18°, nº 2, 27°, nºs 1 e 3, 28º, n°s 1 e 4, e 32°, n°s 1 e 2 – 
 importa concluir, à semelhança do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 404/2005 
 
 (não publicado), que aquela que especificamente releva como parâmetro de 
 avaliação da conformidade constitucional da interpretação normativa questionada 
 
 é a do artigo 28º, nº 4, segundo a qual: “A prisão preventiva está sujeita aos 
 prazos estabelecidos na lei”.
 
  
 
 2. Decidindo uma questão de constitucionalidade em tudo idêntica à que é objecto 
 do presente recurso, o Tribunal Constitucional acordou em “não julgar 
 inconstitucional a norma constante do artigo 215.º, n.º 1, alínea c), com 
 referência ao n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação que considera 
 relevante, para efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão 
 preventiva, a sentença condenatória proferida em 1.ª instância, mesmo que, em 
 fase de recurso, venha a ser anulada por decisão do Tribunal da Relação” 
 
 –Acórdão nº 404/2005, no qual a decisão recorrida fundou o juízo de não 
 inconstitucionalidade aí formulado. 
 
 É a seguinte a fundamentação deste aresto:
 
  
 
 «(…) Nas versões anteriores, esse preceito [o artigo 28º, nº 4, da Constituição] 
 dispunha: “A prisão preventiva, antes e depois da formação da culpa, está 
 sujeita aos prazos estabelecidos na lei”. A eliminação, em 1997, da expressão 
 
 “antes e depois da formação da culpa” foi explicada pelo propósito de eliminar 
 
 “conceitos ultrapassados”, como seria o de “prisão sem culpa formada” (José 
 Magalhães, Dicionário da Revisão Constitucional, Lisboa, 1999, p. 163) ou como 
 inserida “na lógica das correcções técnicas” do texto anterior (Luís Marques 
 Guedes, Uma Constituição Moderna para Portugal, Lisboa, 1997, p. 86). No 
 entanto, a utilização da aludida expressão na versão originária da Constituição 
 teve o objectivo de impor a cessação da situação então vigente, em que a 
 legislação processual penal apenas previa prazos máximos de duração para a 
 prisão sem culpa formada (artigo 308.º do CPP de 1929), não havendo qualquer 
 limite legalmente fixado para a prisão preventiva com culpa formada, que duraria 
 
 (sem prejuízo da eventualidade da sua revogação por reapreciação judicial dos 
 seus requisitos) até à decisão final (com a soltura do arguido, se absolutória, 
 ou com passagem a cumprimento de pena, se condenatória), independentemente da 
 extensão da demora na prolação dessa decisão. Foi com o Decreto‑Lei n.º 377/77, 
 de 6 de Setembro, que, através de alteração de redacção do artigo 273.º do CPP, 
 pela primeira vez se estabeleceram limites máximos de duração da prisão 
 preventiva após a formação da culpa: em regra, dois anos (aumentado para três 
 anos pelo Decreto‑Lei n.º 402/82, de 23 de Setembro), ou quando a prisão 
 preventiva igualasse metade da duração máxima da pena correspondente ao crime 
 mais grave imputado ao arguido, ou, no caso de recurso da duração condenatória, 
 quando atingisse a duração da pena de prisão fixada na decisão recorrida, sendo 
 aplicável aquele destes três limites que, no caso concreto, se mostrasse 
 inferior.
 A Constituição impõe, pois, que a duração da prisão preventiva esteja 
 preestabelecida na lei, sendo inadmissíveis situações de indeterminação da 
 duração máxima dessa privação de liberdade. Não fixando a Constituição 
 directamente esses limites, a delegação dessa tarefa no legislador ordinário não 
 pode ser vista, porém, como uma remissão em branco. Na verdade, essa norma há‑de 
 naturalmente ser lida à luz do precedente n.º 2, que proclama a natureza 
 excepcional da prisão preventiva, aliás em consonância quer com o seu carácter 
 de restrição do direito fundamental à liberdade, quer com o princípio da 
 presunção de inocência do arguido. Daqui decorre que o legislador ordinário, no 
 cumprimento dessa incumbência, está sujeito a um princípio de razoabilidade, 
 
 ínsito no princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), e 
 próximo do requisito do “prazo razoável” a que alude o n.º 3 do artigo 5.º da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 
 J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 190), em anotação à redacção originária 
 do preceito, referiam: 
 
 “A prisão preventiva não pode deixar de ser temporalmente limitada (n.º 4) e, de 
 acordo com a sua natureza, estritamente limitada. Antes da formação da culpa, 
 porque não pode deixar de ser pequeno o tempo em que é tolerável que se 
 mantenha privado da liberdade quem, sendo embora arguido de um crime, não está 
 ainda pronunciado ou acusado; depois da formação da culpa, porque mesmo depois 
 disso se mantém a presunção de inocência, devendo o julgamento ocorrer dentro do 
 prazo mais curto possível (artigo 32.º, n.º 2), com libertação do acusado ou 
 início de cumprimento da pena de prisão que haja de cumprir.
 
 É constitucionalmente duvidoso o alargamento dos prazos com base na complexidade 
 do processo e características dos crimes («processos monstruosos»), mas, de 
 qualquer modo, impõe‑se aqui a observância estreita do princípio da proibição 
 do excesso.”
 
  
 Mais recentemente e reflectindo já a jurisprudência do Tribunal Constitucional 
 sobre a matéria, Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, 
 tomo I, Coimbra, 2005, p. 321) assinalam:
 
 “VII – A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei.
 Esta regra exprime, antes de mais, a exigência, derivada da natureza 
 excepcional da prisão preventiva, de que ela seja temporalmente delimitada (v. 
 Acórdão n.º 246/99, embora os prazos se contem para cada processo: Acórdãos n.ºs 
 
 298/99 e 584/01), o que tem como consequência que não pode haver hiatos 
 temporais subtraídos à contagem desses prazos, sob pena de estes serem 
 subvertidos (Acórdão n.º 137/92).
 Por outro lado, os prazos de prisão preventiva estão sujeitos ao princípio 
 geral de proporcionalidade (Acórdãos n.ºs 137/92 e 246/99), muito embora, tal 
 como sucede em casos semelhantes, não seja fácil precisar as exigências 
 concretas que daí derivam para a exacta situação da fronteira entre o 
 constitucionalmente lícito e o constitucionalmente vedado (v., ilustrativo, o 
 Acórdão n.º 246/99).”
 
      
 
 2.3. O Tribunal Constitucional nunca foi directamente confrontado com a questão 
 de constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso. No entanto, já 
 teve oportunidade de emitir pronúncia sobre questões relativas à prisão 
 preventiva, de que é possível extrair contributos úteis parta a decisão do 
 presente caso.
 Assim, logo no Acórdão n.º 246/99 (que não julgou inconstitucional a norma que 
 resulta da conjugação do n.º 3 do artigo 54.º do Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de 
 Janeiro, e do n.º 3 do artigo 215.º do CPP, segundo a qual, quando o 
 procedimento respeita aos crimes de tráfego de droga, desvio de precursores, 
 branqueamento de capitais ou de associação criminosa, os prazos máximos da 
 prisão preventiva são, ope legis, os referidos no n.º 3 do artigo 215.º do CPP, 
 sem necessidade da qualificação do processo, por despacho judicial, como de 
 excepcional complexidade, estando em causa nesses autos o prazo de prisão 
 preventiva até dedução da acusação), o Tribunal Constitucional salientou a 
 natureza excepcional da prisão preventiva, expressamente consagrado no n.º 2 do 
 artigo 28.º da CRP desde a revisão de 1997, a que está ligado o seu carácter 
 subsidiário (mesmo n.º 2) e temporalmente limitado (n.º 4), tendo entendido que 
 este último carácter (único em causa no recurso) não era violado pelas normas 
 impugnadas, “porque o alargamento dos prazos não equivale, como é óbvio, ao seu 
 afastamento, à admissão de prisão preventiva independentemente de limites 
 temporais ou à fixação de limites tão dilatados que, na prática, o frustrassem”. 
 Também na perspectiva do respeito pelo princípio da proporcionalidade, a que 
 deve obedecer o regime legal da prisão preventiva por constituir uma restrição 
 constitucionalmente admitida do direito à liberdade, o Tribunal Constitucional 
 emitiu juízo de não inconstitucionalidade, porquanto, “tendo em conta a natureza 
 dos crimes imputados, os bens jurídicos postos em perigo e o risco de 
 continuação da actividade criminosa, entre outras considerações, afigura‑se 
 constitucionalmente legítima, porque respeitadora do princípio da 
 proporcionalidade, a elevação de prazo indicada” (de 8 para 12 meses).
 No Acórdão n.º 137/92 teve oportunidade o Tribunal Constitucional de afirmar 
 ser incompatível com a imposição constitucional da fixação legal dos prazos da 
 prisão preventiva a interpretação da norma do artigo 273.º, § 2.º, do Código de 
 Processo Penal de 1929, na redacção do Decreto‑Lei n.º 402/82, de 23 de 
 Setembro, que fora feita no acórdão então recorrido, do Supremo Tribunal de 
 Justiça, de que o prazo de 3 anos “após a formação da culpa” coincide com o 
 trânsito em julgado do despacho de pronúncia, enquanto o prazo relativo à fase 
 precedente, fixado no § 2.º do artigo 308.º, que se iniciava com a notificação 
 ao arguido da acusação ou do pedido de instrução contraditória pelo Ministério 
 Público, terminava com a prolação do despacho de pronúncia, pois essa 
 interpretação implicava o surgimento de um “hiato” na contagem dos prazos de 
 prisão preventiva – abarcando o período entre a prolação do despacho de 
 pronúncia e o seu trânsito em julgado, de duração imprevisível, dependente das 
 vicissitudes dos recursos interpostos desse despacho –, que subverteria a 
 limitação legal do tempo de prisão preventiva imposta pelo artigo 28.º, n.º 4, 
 da CRP.
 Mas – como se decidiu no Acórdão n.º 584/2001 – já não existe obstáculo 
 constitucional a que um arguido, cuja libertação foi determinada na sequência da 
 concessão da providência de habeas corpus por excesso de prisão preventiva 
 verificada num processo, possa continuar detido à ordem de outro processo penal. 
 
 É que a Constituição não exige um prazo máximo de prisão preventiva quando 
 estejam em causa vários processos sem conexão entre si, mas sim que “a medida de 
 coacção prisão preventiva, quando aplicada em determinado processo, esteja 
 subordinada aos prazos previstos na lei ordinária”, acrescentando‑se: “E os 
 prazos estabelecidos na lei ordinária, nomeadamente no artigo 215.º, são‑no, não 
 só para as diversas fases processuais nele consideradas (pelo que, por exemplo, 
 libertado um arguido em virtude de, numa dessas fases, ter atingido o 
 correspondente limite da prisão, pode o mesmo voltar a ser preso se se passar a 
 outra fase e se mantiverem as razões para determinar a sua prisão, desde que se 
 não tenha ainda adquirido o máximo global referido), como, sobretudo, estão 
 fixados para terem a sua valência relativamente a cada processo em concreto”.
 Finalmente, no Acórdão n.º 13/2004, o Tribunal Constitucional julgou 
 inconstitucionais, por violação do n.º 4 do artigo 28.º da CRP, as normas 
 constantes dos artigos 215.º, n.ºs 1 a 3, e 217.º, ambos do CPP, “numa dimensão 
 interpretativa de acordo com a qual a prolação de despacho judicial a declarar 
 de especial complexidade o procedimento por um dos crimes referidos no n.º 2 
 daquele artigo 215.º, prolação essa efectuada após ter decorrido o prazo máximo 
 de duração da prisão preventiva prevista nos n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo, não 
 explica a extinção daquela medida de coacção”. No caso, em que já fora excedido 
 o prazo máximo de 30 meses de prisão preventiva sem que tivesse havido trânsito 
 em julgado da condenação por crime referido no n.º 2 do artigo 215.º, a 
 atribuição de “efeito retroactivo” à prolação posterior de despacho a declarar 
 a excepcional complexidade do processo, o que acarretaria a ampliação daquele 
 prazo máximo para 4 anos e a “convalidação” do excesso cometido, significava – 
 no juízo do Tribunal – retirar eficácia prática ao comando constitucional.
 Recordada a jurisprudência relevante do Tribunal Constitucional sobre a matéria, 
 importa salientar que o legislador processual penal de 1987 adoptou modelo 
 diverso do até então vigente quanto à fixação dos limites máximos de prisão 
 preventiva.
 Na vigência do Código de Processo Penal de 1929 e suas diversas modificações, 
 adoptou‑se o sistema de fixação de prazos máximos de prisão preventiva 
 directamente correspondentes a cada fase processual. Esses prazos eram, na 
 redacção do artigo 308.º dada pelo Decreto‑Lei n.º 377/77, de 6 de Setembro, e 
 do artigo 273.º, na redacção do Decreto‑Lei n.º 402/82, de 23 de Setembro: 1.º – 
 desde a captura até à notificação ao arguido da acusação ou do pedido de 
 instrução contraditória pelo Ministério Público: 40 dias por crimes a que caiba 
 pena de prisão maior; 90 dias por crimes cuja investigação caiba exclusivamente 
 
 à Polícia Judiciária ou que legalmente lhe seja deferida; 2.º – desde a 
 notificação ao arguido da acusação ou do pedido de instrução contraditória pelo 
 Ministério Público até ao despacho de pronúncia em 1.ª instância: 4 meses, se 
 ao crime couber pena a que corresponda processo de querela; 3.º – após a 
 formação da culpa: 3 anos (ou, se terminarem antes, quando se igualar metade 
 da duração máxima da pena correspondente ao crime mais grave imputado ao 
 arguido, ou, no caso de recurso da decisão condenatória, quando se atingir a 
 duração da pena de prisão fixada na decisão recorrida). Neste regime, não havia 
 
 “transferências” de tempos de prisão preventiva: se esta fosse determinada 
 apenas após a notificação da acusação, aplicava-se o prazo indicado em 2.º 
 lugar, sendo indiferente que na fase precedente o arguido tivesse estado em 
 liberdade.
 O regime instituído pelo Código de Processo Penal de 1987 é diverso, pois não há 
 contagens separadas de prazos para cada fase. O prazo conta-se sempre do início 
 da prisão preventiva, mas não pode exceder certos limites (acumulados) 
 reportados a quatro marcos processuais: 1.º - dedução da acusação; 2.º – 
 prolação de decisão instrutória quando tenha havido instrução; 3.º – condenação 
 em 1.ª instância; 4.º – trânsito em julgado da condenação. A estes quatro marcos 
 aplicam-se três regimes: o normal (6, 10 e 18 meses e 2 anos), o especial 
 atendendo à gravidade dos crimes (8 meses, 1 ano, 2 anos e 30 meses) e o 
 excepcional quando a essa gravidade dos crimes acresce a excepcional 
 complexidade do procedimento (12 e 16 meses e 3 e 4 anos) – n.ºs 1, 2 e 3 do 
 artigo 215.º do CPP. Como refere Germano Marques da Silva (Curso de Processo 
 Penal, vol. II, 2.ª edição, Lisboa, 1999, p. 289):
 
 “Não há um prazo de prisão preventiva para cada fase processual, há é um limite 
 máximo de duração da prisão preventiva até que se atinja determinado momento 
 processual. Por isso, se o início da prisão preventiva só se verificar já na 
 fase de instrução ou na de julgamento, os limites máximos até à decisão 
 instrutória, condenação em 1.ª instância ou decisão transitada continuam a ser 
 os mesmos. Por idêntica razão, se numa determinada fase se tiver esgotado o 
 limite do prazo de duração da prisão, o arguido pode voltar a ser preso se se 
 passar a outra fase e se se mantiverem as razões para determinar a sua prisão, 
 desde que se não tenha ainda atingido o máximo da correspondente fase.”
 
  
 Na base desta alteração de sistema terá estado o propósito de promover o 
 andamento sem delongas do processo, incentivando os respectivos responsáveis a 
 respeitar os prazos de conclusão de cada fase, sob risco de insubsistência de 
 uma prisão preventiva tida por essencial para a prossecução dos objectivos da 
 justiça criminal. Não se ignora a existência de críticas ao sistema, quer com 
 base em juízos de excesso de alguns dos prazos, quer pela deficiente 
 correspondência entre os prazos máximos de prisão preventiva e os prazos 
 normais de conclusão da cada fase processual (cf. Fernando Gonçalves e Manuel 
 João Alves, A Prisão Preventiva e as Restantes Medidas de Coacção – A 
 Providência do Habeas Corpus em Virtude de Prisão Ilegal, Coimbra, 2003, pp. 
 
 146‑147; Frederico Isasca, “A prisão preventiva e as restantes medidas de 
 coacção”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 13, n.º 3, 
 Julho‑Setembro 2003, pp. 365‑385, e em Maria Fernanda Palma (coord.), Jornadas 
 de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Coimbra, 2004, pp. 99‑118; 
 e Eduardo Maia Costa, “Prisão preventiva: medida cautelar ou pena antecipada?”, 
 Revista do Ministério Público, ano 24.º, n.º 96, Outubro‑Dezembro 2003, pp. 
 
 91‑106). Como também não se ignora a apresentação na Assembleia da República, 
 durante a anterior Legislatura, dos Projectos de Lei n.º 424/IX, do Bloco de 
 Esquerda, e n.º 519/IX, do Partido Socialista, e da Proposta de Lei n.º 150/IX 
 
 (Diário da Assembleia da República, II Série‑A, IX Legislatura, 2.ª Sessão 
 Legislativa, n.º 50, de 3 de Abril de 2004, pp. 2214‑2219, e 3.ª Sessão 
 Legislativa, n.º 20, de 3 de Dezembro de 2004, pp. 6‑267, e n.º 17, de 20 de 
 Novembro de 2004, pp. 20‑40, respectivamente), com os declarados objectivos de 
 aperfeiçoar a correspondência entre os limites máximos de prisão preventiva e a 
 duração normal das fases processuais respectivas e de reduzir a extensão de 
 alguns prazos, sobretudo os mais elevados.
 No entanto, apesar dos ajustamentos pontuais que se venham a mostrar 
 convenientes, em sede de política legislativa, permanece a ideia central do 
 novo sistema de fazer coincidir, ao menos tendencialmente, a duração máxima 
 
 (acumulada) de prisão preventiva com o atingir do termo das sucessivas fases 
 processuais. Os 6, 8 e 12 meses de limite máximo de prisão preventiva até 
 dedução de acusação correspondem aos 6, 8 e 12 meses de duração do inquérito em 
 correspondentes situações (artigo 276.º, n.º 1, primeira parte, e n.º 2, alíneas 
 a) e c)). O acréscimo de 4 meses do limite máximo de prisão preventiva, em todas 
 as situações, até prolação da decisão instrutória, toma em atenção os prazos 
 máximos de 2 e 3 meses para conclusão da instrução, que só se inicia com o 
 requerimento para abertura de instrução, a apresentar no prazo de 20 dias a 
 contar da notificação da acusação e a que acresce o prazo de 10 dias para 
 prolação do despacho de pronúncia (artigos 306.º, n.ºs 1, 2 e 3, 287.º, n.º 1, e 
 
 307.º, n.º 3, todos do CPP). É dentro desta lógica que se fixou o prolongamento 
 da duração máxima da prisão preventiva por mais 8, 12 e 20 meses, tempo estimado 
 como eventualmente necessário para conclusão do julgamento em 1.ª instância, e 
 por mais 6, 6 e 12 meses, tempo estimado para conclusão das fases de recursos 
 até se atingir o trânsito em julgado.
 No presente recurso, porém, não está em causa a apreciação da conformidade 
 constitucional do regime global da prisão preventiva e da sua duração, mas 
 apenas a da específica interpretação normativa acolhida no acórdão recorrido.
 Ora, neste aspecto, não se vislumbra fundamento para emissão de juízo de 
 inconstitucionalidade. Trata‑se de um prazo fixado na lei, de acordo com uma 
 interpretação desta, que, independentemente do juízo sobre a sua correcção, tem 
 na letra da lei suporte suficiente, e não se mostra incongruente com a aventada 
 justificação do sistema instituído de duração da prisão preventiva, nem 
 desrazoável, tendo em atenção os factores relevantes de estar em causa crime de 
 especial gravidade e procedimento de excepcional complexidade.           
 Aliás, o recorrente não suscita, em rigor, a questão da inconstitucionalidade 
 nem do limite de 3 anos de duração máxima de prisão preventiva até à condenação 
 em primeira instância, nem do limite de 4 anos até ao trânsito em julgado da 
 condenação, tratando‑se de situação prevista no n.º 3 do artigo 215.º do CPP, 
 mas apenas o entendimento de que a anulação daquela condenação não tem como 
 efeito o regresso ao primeiro limite. Mas esse entendimento, além de se mostrar 
 juridicamente fundado na distinção entre os efeitos da nulidade e da 
 inexistência (cf., sobre o tema, João Conde Correia, Contribuição para a Análise 
 da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Coimbra, 1999), mostra‑se 
 adequado aos objectivos do legislador, pois respeita a intenção de o processo 
 chegar à fase da condenação em 1.ª instância sem ultrapassar três anos de prisão 
 preventiva, e não se mostra directamente violador de qualquer norma ou princípio 
 constitucionais.
 A regra de que a nulidade torna inválido o acto em que se verificar, bem como os 
 que dele dependerem e aquela puder afectar (artigo 122.º, n.º 1, do CPP), se 
 torna insubsistentes os efeitos típicos do acto nulo e os dele indissociáveis 
 
 (no caso, a aplicação de uma pena e eventualmente a fixação de uma 
 indemnização), não determina o total apagamento de uma actividade processual 
 efectivamente desenvolvida nem dos efeitos ligados a essa realidade. Nesta 
 perspectiva, assume relevo próprio a efectiva realização de um julgamento, por 
 um tribunal, em audiência pública, com produção de prova, sujeita ao princípio 
 do contraditório, que culmina com uma sentença condenatória. A “mera” 
 realização desta actividade, independentemente das vicissitudes que as fases 
 posteriores do processo venham a registar, representa uma significativa e 
 relevante realidade jurídica, constituindo mesmo, em certa perspectiva, o 
 momento culminante do processo, e traduz também a satisfação de direitos do 
 arguido, desde logo o direito a “ser julgado no mais curto prazo compatível com 
 as garantias de defesa”, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 2, 
 da CRP. Esta realidade, que representa o atingir de uma fase específica do 
 processo penal, não “desaparece” totalmente pela eventualidade de o julgamento 
 vir a ser anulado. Esta anulação, que aliás pode ser total ou meramente parcial, 
 com reenvio do processo apenas para novo julgamento das questões concretamente 
 identificadas na decisão de recurso, tal como a confirmação, alteração ou 
 revogação da decisão recorrida, inserem‑se já noutra fase processual, a fase 
 dos recursos, cujo prazo máximo de prisão preventiva é o fixado na alínea d), e 
 não na alínea c), do n.º 1 do artigo 215.º do CPP. A solução que admitisse o 
 
 “retrocesso” à duração máxima prevista na alínea c) encontraria dificuldades no 
 caso de anulação parcial, em que podem coincidir, no mesmo processo e 
 relativamente ao mesmo arguido, decisões já confirmadas pelo tribunal de recurso 
 e decisões reenviadas para novo julgamento.
 Embora a intervenção do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem se insira numa 
 perspectiva diferente da do Tribunal Constitucional (esta incidindo sobre a 
 constitucionalidade de normas e aquela sobre o respeito pela Convenção Europeia 
 dos Direitos do Homem por parte de práticas judiciárias concretas, em que as 
 particularidades de cada caso são especialmente relevantes), não deixam de ser 
 relevantes as considerações tecidas na jurisprudência daquele Tribunal a 
 propósito do requisito do prazo razoável mencionado no n.º 3 do artigo 5.º da 
 referida Convenção (cf. o número especial sobre esse tema da Revue 
 Trimestrielle des Drois de l’Homme, ano 2.º, n.º 5, Janeiro 1991; e Irineu 
 Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição, Coimbra, 
 
 1999, pp. 106‑109), e também a essa luz não se afigura que a interpretação 
 normativa em causa viole o princípio da razoabilidade, ínsito no princípio da 
 proporcionalidade.
 Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o período 
 de tempo a considerar como prisão preventiva “termina com a decisão, em primeira 
 instância, sobre o mérito da acusação” (Irineu Cabral Barreto, obra citada, p. 
 
 107, com citação de diversa jurisprudência nesse sentido), o que está associado 
 ao entendimento de que o que o n.º 3 do artigo 5.º da Convenção garante é que 
 qualquer pessoa presa ou detida tem direito a ser julgada num prazo razoável. 
 Este julgamento é o julgamento em 1.ª instância; efectuado este, entra‑se já na 
 fase dos recursos e aí a regra que valerá é a do artigo 6.º, n.º 1, sendo 
 sabido que prazo razoável para efeitos do artigo 5.º, n.º 3, é diferente de 
 prazo razoável para efeitos do artigo 6.º, n.º 1 (cf. autor e local citados). 
 Salvo o devido respeito pela opinião adversa, o decidido pelo Tribunal 
 Constitucional nos Acórdãos n.ºs 13/2004 e 483/2002, citados nas alegações do 
 Ministério Público, versa sobre situações diversas: no primeiro, já atrás 
 referido, estava em causa a aplicação “retroactiva” da decisão de especial 
 complexidade proferida já depois de esgotado o prazo máximo de prisão 
 preventiva consentido pelo n.º 2 do artigo 215.º do CPP; no segundo, 
 entendeu‑se que, para efeitos de interrupção da prescrição de procedimento 
 criminal, “não bastará (...) atender‑se à ocorrência de uma mera formalidade 
 tabeliónica e instrumental desprendida da substancial validade do acto por 
 intermédio do qual o Estado manifesta a sua vontade de punir”. No presente 
 caso, está o entendimento de que, atingida, sem excesso de prisão preventiva, a 
 fase processual de condenação em 1.ª instância, as vicissitudes que em sede de 
 recurso dessa condenação venham a surgir, já se inserem na fase seguinte, a que 
 se aplica a alínea d) do n.º 1 do citado artigo 215.º. Quanto à razoabilidade 
 do prazo considerado aplicável pela decisão recorrida, basta ponderar que se, 
 por hipótese, o mesmo estivesse explicitamente consagrado na lei (isto é, se o 
 CPP dissesse explicitamente que o prazo máximo de prisão preventiva para este 
 tipo de processos e crimes era de 3 anos até à conclusão do julgamento em 1.ª 
 instância, independentemente de eventuais anulações), ele não se apresentaria 
 como inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade». 
 
  
 
 3. Tal como nos autos que deram origem a este Acórdão, a prisão preventiva do 
 ora recorrente está sujeita a um prazo, o que resulta do artigo 215º, nºs 1, 
 alíneas c) e d), e 2 do Código de Processo Penal – 30 meses –, prazo esse que 
 não desrespeita o princípio da razoabilidade, tendo em atenção que um dos crimes 
 em causa é punível com pena de prisão de máximo superior a oito anos.
 Por outro lado, também nos presentes autos foi proferida decisão condenatória 
 por um tribunal, em audiência pública, com produção de prova sujeita ao 
 contraditório, numa fase processual, finda a qual se iniciou uma outra – a fase 
 de recurso –, na qual se insere a decisão de repetição do julgamento em 1ª 
 instância, a fim de se proceder à documentação de declarações.
 Assim, remetendo para a fundamentação do Acórdão nº 404/2005, importa concluir 
 que a interpretação normativa questionada não viola qualquer disposição 
 constitucional.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando a decisão 
 recorrida no que se refere à questão de constitucionalidade.
 
  
 Custas pelo recorrente, fixando-se em 20 (vinte ) unidades de conta a taxa de 
 justiça.
 
  
 Lisboa, 22 de Março de 2006
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício