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Processo n.º 243/06
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
 1. No presente processo em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, 
 o relator proferiu a seguinte decisão:
 
  
 
 “1. O presente recurso é interposto do acórdão do Tribunal da Relação de 
 Coimbra, de 17 de Fevereiro de 2006, que negou provimento a recurso de sentença 
 do Tribunal Judicial de Castelo Branco (1.ºJuízo) que, julgando improcedente a 
 impugnação de decisão administrativa, confirmou a aplicação ao recorrente da 
 sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 365 dias, pela prática 
 de uma contra-ordenação prevista e punida nos termos das disposições conjugadas 
 dos artigos 27.º, n.º 4 e 146.º, alínea b) do Código da Estrada (excesso de 
 velocidade, com reincidência).
 
  O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, e visa a apreciação da constitucionalidade da 
 norma do artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, tal como foi 
 interpretada e aplicada pela autoridade administrativa recorrida, pelo Tribunal 
 a quo e por esse Tribunal da Relação”.
 
 2. Constitui pressuposto do recurso interposto ao abrigo da referida alínea b) 
 que a questão da inconstitucionalidade da norma submetida ao Tribunal 
 Constitucional tenha sido suscitada, de modo processualmente adequado, perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a 
 dela conhecer (Cf. artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 72.º, n.º 2, da LTC).
 
  É instrumental da verificação do cumprimento deste ónus que o requerimento de 
 interposição do recurso contenha a indicação da peça processual em que o 
 recorrente suscitou a questão de constitucionalidade. No caso, o requerimento de 
 interposição de recurso não satisfaz este requisito. Não se justifica, porém, o 
 convite a completá-lo, seja quanto a esse requisito, seja para precisar o 
 sentido normativo cuja conformidade à Constituição está em causa (cfr. n.º 6 do 
 artigo 75.º-A da LTC), porque é evidente não ter sido suscitada a questão de 
 constitucionalidade da norma indicada, de modo a satisfazer o referido ónus.
 
 É certo que, na motivação do recurso perante o Tribunal da Relação, a propósito 
 da questão da “nulidade (insanável) resultante da não audição pela autoridade 
 administrativa das testemunhas arroladas pelo arguido, no âmbito do exercício do 
 seu direito de defesa, na fase administrativa do processo de contra-ordenação”, 
 o recorrente censura a decisão recorrida – que aí é a sentença de 1ª instância, 
 na medida em que julgou improcedente o correspondente vício imputado à decisão 
 administrativa impugnada – por violação do direito de defesa com o alcance que 
 entende consagrado no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição e no artigo 50.º do 
 Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro. Porém, a referência à violação de 
 normas e princípios constitucionais não surge reportada, seja no texto da 
 motivação, seja nas conclusões, à norma do artigo 50.º do R.G.C.O. ou a uma 
 interpretação dela, em ordem a convocar o Tribunal da Relação a recusar a 
 aplicação da norma com esse sentido. Não se vislumbra um mínimo de argumentação 
 perante a qual o Tribunal da Relação devesse saber que tinha uma questão desta 
 natureza para decidir, i.e., que se pretendia convocar esse Tribunal a recusar a 
 aplicação de determinado sentido da norma, usando dos poderes conferidos pelo 
 artigo 204.º da Constituição. Foi directamente à decisão recorrida, e não à 
 norma ou a uma certa interpretação de que se tenha feito aplicação, que na 
 motivação do recurso o recorrente imputou a violação do n.º 10 do artigo 32.º da 
 Constituição. 
 Assim, por falta do referido pressuposto, não pode tomar-se conhecimento do 
 objecto do recurso.
 
 3. Decisão
 Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decido não tomar 
 conhecimento do objecto do recurso e condenar o recorrente nas custas, fixando a 
 taxa de justiça em 7 (sete) unidades de conta.”
 
  
 
  
 
 2. O recorrente reclama desta decisão, nos termos seguintes:
 
  
 
 “Expende-se, para além do mais, na diserta decisão sumária de fls. que o 
 requerimento de interposição do presente recurso, apresentado pelo recorrente 
 junto do Tribunal a quo, não satisfaz os requisitos exigidos pelo artigo 75.º-A 
 da L.T.C., na medida em que, por um lado, não contém a indicação da peça 
 processual em aquele suscitou a questão de (in)constitucionalidade perante as 
 instâncias, sendo que, por outro lado, não se mostra indicado, de forma precisa, 
 o sentido normativo cuja conformidade à Constituição está em causa no caso 
 vertente.
 A verdade, porém, é que tal requerimento veio a merecer o douto despacho de 
 admissão do recurso proferido pelo Exmo. Juiz relator junto do Tribunal da 
 Relação de Coimbra; e isto, sem que, previamente, o recorrente tivesse sido 
 convidado a completar o seu requerimento, a despeito, aliás, do comando ínsito 
 no n.º 5 do artigo 75.º-A da L.T.C..
 Decorre do estatuído no n.º 6 da predita norma legal (artigo 75.º-A da L.T.C.) 
 que o relator no Tribunal Constitucional convidará o recorrente a completar o 
 seu requerimento de recurso nos casos em que esse convite não tenha sido 
 efectuado pelo juiz ou relator que admitiu o recurso.
 No que tange ao caso sub specie, constata-se que houve lugar à prolação de 
 decisão sumária ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1 da L.T.C., sem que antes o 
 recorrente tivesse sido convidado a completar o seu requerimento de interposição 
 de recurso.
 Somos, pois, de parecer que ao não ter sido dado cumprimento ao disposto no 
 citado n.º 6 do artigo 75.-ºA da L.T.C., omitiu-se in casu um acto/formalidade 
 que a lei prescreve, com influência directa e imediata no exame e na decisão da 
 causa, rectius do presente recurso de constitucionalidade, omissão essa que, 
 como é consabido, consubstancia a nulidade prevista no artigo 201º, n.º 1 do 
 Código de Processo Civil (C.P.C.), a qual aqui, expressamente, se argúi para os 
 devidos e legais efeitos.
 Em consequência, deve a decisão sumária em crise ser anulada e substituída por 
 outra que, dando cumprimento ao artigo 75.º-A, n.º 6 da L.T.C., convide o 
 recorrente a completar o seu requerimento de interposição de recurso, no prazo 
 de dez dias – cfr. artigo 201º, nº 2 do C.P.C.
 Nestes termos, nos mais de direito e nos que, doutamente, vierem a ser supridos 
 por V. Exa. deve a presente arguição de nulidade ser deferida e, por via disso, 
 anular-se a decisão sumária proferida a fls., substituindo-a por outra que 
 convide o recorrente a completar o seu requerimento de interposição de recurso, 
 no prazo de dez dias – com as legais consequências.”
 
  
 
  
 
             O Ministério Público responde nos termos seguintes:
 
  
 
 “1º
 A presente reclamação/arguição de pretensa “nulidade” é manifestamente 
 infundada, radicando singelamente no facto de o reclamante ignorar, de forma 
 indesculpável, a diferença entre a falta de pressupostos de admissibilidade do 
 recurso e a mera deficiência formal do respectivo requerimento de interposição.
 
 2º
 E sendo óbvio que não faria sentido convidar o recorrente a “aperfeiçoar” uma 
 irremediável falta de pressupostos processuais do recurso, decorrente da 
 deficiente estratégia processual adoptada perante as instâncias.”
 
  
 
  
 
             3. Na presente reclamação, o recorrente limita-se a arguir a 
 nulidade que, a seu ver, decorre de ter sido proferida decisão sumária de não 
 conhecimento do objecto do recurso sem que previamente se tivesse proferido 
 despacho a convidá-lo a completar o requerimento de interposição do recurso, nos 
 termos do n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC, omissão que teria influencia directa na 
 decisão da causa. Arguiu, portanto, uma nulidade processual. Sobre os 
 fundamentos da decisão sumária, isto é, sobre a razão que levou ao não 
 conhecimento do objecto do recurso, o reclamante nada diz.
 
  
 
             Como salienta o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, a arguição da 
 pretensa nulidade só se explica porque o reclamante não teve presente que a 
 decisão de não conhecimento se funda na não verificação insuprível de um 
 pressuposto do recurso interposto e não na deficiência do requerimento de 
 interposição. Só a sanação de vícios desta natureza e não a falta de 
 pressupostos do recurso interposto pode ser alcançada mediante a prática do acto 
 alegadamente omitido. Assim, se o recurso deve ser liminarmente rejeitado ou 
 decidido por causa cuja apreciação a deficiência do requerimento de interposição 
 não possa influenciar, seja pela natureza da causa operante (p. ex., a 
 intempestividade do recurso ou a irrecorribilidade da decisão), seja pelas 
 circunstâncias do caso (p. ex., v. gr. por ser evidente que nenhuma questão de 
 constitucionalidade foi suscitada), nenhum efeito útil poderia resultar do 
 cumprimento da formalidade, pelo que cessa a imposição legal do convite (ubi 
 cessat ratio legis, ibi cessat ejus dispositio).
 
  
 Ora, na decisão sumária chegou-se à conclusão, sem que para isso tenha 
 contribuído a circunstância de o recorrente não ter dado cabal cumprimento ao 
 disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A da LTC, que o recurso para o Tribunal 
 Constitucional não é admissível, uma vez que o recorrente não suscitou a questão 
 de constitucionalidade, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, como exigem as disposições conjugadas da alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 2 do artigo 72.º da LTC. Por isso – e de caso 
 pensado, como na decisão sumária expressamente se dá conta, o que, desde logo, 
 implica que, se tal juízo estivesse errado, não houvesse, propriamente, uma 
 nulidade processual, mas um erro de julgamento, embora de efeitos equivalentes – 
 se considerou não dever ter lugar o convite a que se refere o n.º 6 do artigo 
 
 75.º-A da LTC, uma vez que essa formalidade e a hipotética resposta do 
 recorrente se apresentavam como insusceptíveis de ter qualquer reflexo na 
 decisão a proferir. Seriam, na circunstância, actos inúteis. E efectivamente 
 assim é, pelo que não se tendo omitido acto que pudesse influir no exame ou 
 decisão da causa (n.º 1 do artigo 201.º do Código de Processo Civil), não foi 
 cometida a nulidade que motiva a presente reclamação.
 
  
 
  
 
             4. Decisão
 
  
 
             Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação e condenar o 
 recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) UCs.
 
  
 Lisboa, 27 de Abril de 2006
 
  
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Artur Maurício