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Processo n.º 445/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
 
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
             I – Relatório
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é 
 recorrente A. e recorrida B., C.R.L., foi interposto recurso de fiscalização 
 concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 
 
 07.03.2007, visando a apreciação da constitucionalidade da norma contida no     
 n.º 1 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
 
  
 
 2. A decisão recorrida surge na sequência de acção declarativa emergente de 
 contrato de trabalho que A. intentou contra B., pedindo que fosse declarado 
 ilícito o seu despedimento e a ré condenada a reintegrá-lo no seu posto de 
 trabalho, bem como a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir e uma 
 indemnização por danos não patrimoniais.
 Para fundamentar a acção, alegou que, tendo sido eleito para a Direcção da ré em 
 
 23.03.1989 e celebrado com esta, no dia 1 de Abril seguinte, um contrato de 
 trabalho para o exercício do cargo de Director Executivo, veio a pedir, em 
 
 07.03.1996, demissão do cargo electivo e a passagem à situação de reforma por 
 invalidez relativamente ao vínculo laboral. E depois de tal proposta ter sido 
 aceite e o autor ter entrado em situação de baixa por doença, a ré, na sequência 
 de uma intervenção do Conselho de Administração da B., veio a declarar a 
 nulidade do contrato de trabalho, com fundamento no disposto no artigo 398.° do 
 Código das Sociedades Comerciais, o que corresponderia a um despedimento ilícito 
 por este preceito não ser aplicável ao caso. Subsidiariamente, alegou a 
 inconstitucionalidade, orgânica e formal, do citado artigo 398.º do CSC.
 A acção foi julgada improcedente em primeira instância, também quanto à questão 
 da inconstitucionalidade e, em consequência, absolvida a ré dos pedidos.
 Inconformado, o autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, 
 renovando a questão da constitucionalidade, tendo este tribunal, após uma 
 sucessão de vicissitudes processuais, confirmado o decidido em primeira 
 instância através de acórdão de 04.07.2006.
 Novamente inconformado e reafirmando a questão da inconstitucionalidade orgânica 
 e formal e, ainda, aduzindo novos argumentos no sentido da inconstitucionalidade 
 material, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 
 
 07.03.2007, negou a revista e confirmou a decisão recorrida.
 
  
 
 3. Neste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, do qual vem interposto o 
 presente recurso, pode ler-se o seguinte:
 
 «(…)Seja como for, a declaração de nulidade do contrato de trabalho com 
 fundamento no disposto no digo 398°, n.° 1, do CSC não envolve qualquer violação 
 da garantia de segurança no emprego e do direito ao trabalho a que se referem as 
 mencionadas disposições dos artigos 53° e 58°, n° 1, da Constituição. 
 A primeira e mais importante dimensão do direito à segurança no emprego é a 
 proibição dos despedimentos sem justa causa, o que se traduz no reconhecimento 
 de que as entidades patronais não gozam da liberdade de disposição sobre as 
 relações de trabalho. Uma vez obtido um emprego, o trabalhador tem direito a 
 mantê-lo, não podendo a entidade empregadora pôr-lhe fim por sua livre vontade, 
 mas apenas com invocação de um motivo justificado (GOMES CANOTILHO/ VITAL 
 MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, 
 Coimbra, pág. 287). Por seu turno, o direito ao trabalho, para além do seu 
 carácter programático de direito de obter emprego ou de exercer uma actividade 
 profissional, releva essencialmente na sua dimensão negativa ou de garantia: a 
 liberdade de procurar trabalho; o direito de igualdade no acesso a quaisquer 
 cargos, tipos de trabalho ou categorias profissionais; o direito a exercer 
 efectivamente a actividade correspondente ao posto de trabalho; o direito a não 
 ser privado do posto de trabalho (idem, pág. 315). 
 No caso dos autos, o âmbito de protecção constitucional, na dupla vertente de 
 segurança no emprego e do direito ao trabalho − tal como o recorrente o 
 configura −, converge no direito à manutenção do emprego e conduziria a 
 considerar — segundo o recorrente entende − que a declaração de nulidade do 
 contrato de trabalho, nas circunstâncias enunciadas no artigo 398°, n.° 1, do 
 CSC, corresponde a um despedimento sem justa causa. 
 
 É patente que a norma não pode ter essa leitura. 
 O que está em causa não é a ruptura da relação laboral sem qualquer motivo 
 justificativo — única situação que se encontra abrangida pela proibição 
 constitucional -, mas simplesmente a proibição da celebração de contrato de 
 trabalho ou de prestação de serviços entre o administrador e a sociedade por 
 razões de política legislativa que assentam na necessidade de preservar a 
 empresa de medidas de gestão que possam implicar um favorecimento pessoal do 
 administrador. A norma reflecte um princípio da imparcialidade, exigindo do 
 administrador um distanciamento em relação aos interesses pessoais, em vista a 
 garantir o exercício isento e desinteressado da função. Limita-se, por isso, a 
 estabelecer um regime de impedimentos, que obsta a que o administrador possa 
 aproveitar-se da sua posição de autoridade para impor à sociedade a realização 
 de negócios que possam conflituar com o interesse empresarial. 
 A declaração de nulidade do contrato de trabalho celebrado em preterição do 
 estabelecido na norma resulta, por sua vez, da aplicação de um princípio 
 civilístico que se supõe não ter sido alguma vez suspeito de 
 inconstitucionalidade − artigo 294° do Código Civil. 
 A extinção da relação laboral não ocorre, por isso, por livre vontade da 
 entidade empregadora, mas antes por simples aplicação dos critérios legais e com 
 fundamento em clara violação do direito societário. 
 Acresce que a declaração de nulidade do contrato não desprotege o trabalhador, 
 uma vez que o contrato produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo 
 durante o qual esteve em execução, não tendo por isso consequência quanto aos 
 direitos remuneratórios que se venceram na sua vigência (artigo 15° da LCT). E 
 apenas ocorreu quando o Autor tinha já chegado ao termo da sua vida activa. 
 Em qualquer caso, a norma do artigo 398°, n.°1, do CSC não pode ser vista como 
 inconstitucional no ponto em que se limita a garantir a aplicação de um 
 princípio de imparcialidade, quando é certo que esse é um princípio que tem 
 também consagração constitucional — artigo 266°, n.° 2, da CRP. Não se põe 
 sequer em causa, nesse caso, o direito ao trabalho, visto que a norma apenas 
 restringe o duplo emprego quando venha a ser constituído em circunstâncias que 
 possam representar um favorecimento pessoal do administrador, pelo que não há 
 também qualquer violação do disposto no artigo 18°, n.° 2, da Constituição. 
 Assim se compreende também que a norma em causa não represente, em rigor, uma 
 restrição ao direito de liberdade de escolha de profissão, cuja violação o Autor 
 também invoca por referência ao disposto no artigo 47°, n.° 1, da Lei 
 Fundamental. 
 Como resulta desse preceito, “Todos têm o direito de escolher livremente a 
 profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo 
 interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade”. A liberdade de 
 profissão que aqui se consagra é uma componente da liberdade de trabalho e tem 
 vários níveis de realização: a obtenção das habilitações necessárias ao 
 exercício da profissão; o ingresso na profissão; o exercício da profissão; a 
 progressão na carreira profissional. Ela não se confunde, no entanto, com o 
 exercício livre da profissão. Há liberdade de escolha de profissão, mas isso não 
 impede que o exercício da profissão escolhida se encontre institucionalmente 
 constrangido através de certos limites de actuação. É o direito de livre escolha 
 que pressupõe, nesse caso, a assunção de um estatuto profissional que poderá 
 estar sujeito a um conjunto de condicionantes. 
 Por isso se considera não constitucionalmente ilícito, nem a atribuição de um 
 estatuto público a certas profissões, nem, muito menos, a submissão de certas 
 profissões a um estatuto mais ou menos publicamente condicionado ou vinculado 
 
 (idem, págs. 262-263). 
 
 É o que sucede, por efeito do preceituado no citado artigo 398°, n.° 1, do CSC, 
 relativamente ao exercício de cargos de administração de sobriedades anónimas. 
 Os respectivos titulares não se encontram impedidos de aceder a esses cargos e 
 de os exercerem. Do mesmo modo que não existe qualquer obstáculo a que abandonem 
 a sua posição profissional e passem a desempenhar outras funções, na mesma 
 empresa ou noutra que esteja com ela em relação de domínio ou de grupo, mediante 
 a celebração de contrato de trabalho ou de prestação de serviços. Mantêm-se, por 
 isso, plena liberada de escolha de profissão; o que não podem é preferir o 
 exercício de cargo de administrador sem se sujeitarem às limitações que para 
 esse exercício a lei impõe. 
 Assim, a norma do artigo 398°, n° 1, do CSC não sofre de inconstitucionalidade 
 por violação do artigo 47°, n.° 1, da CRP. 
 O recorrente invoca, por fim, a inconstitucionalidade formal da norma do digo 
 
 398°, n° 1, do CSC, por se enquadrar em matéria de legislação de trabalho e ter 
 sido aprovada sem a participação das comissões de trabalhadores e das 
 associações sindicais, em violação do disposto nos artigos 54º, n° 5, alínea d), 
 e 56°, n° 2, alínea a), da CRP), e, bem assim, a sua inconstitucionalidade 
 orgânica, neste caso, por a referida norma incidir sobre matéria atinente aos 
 direitos, liberdades e garantias e constituir reserva relativa de competência da 
 Assembleia da República, segundo o disposto no artigo 165º, n.º 1, alínea b), da 
 CRP), e ter emanado do Governo sem prévia autorização legislativa. 
 Quanto ao primeiro dos aspectos em questão, basta relembrar o que se afirmou no 
 acórdão recorrido, que não vem minimamente posto em causa no recurso. Sendo 
 embora certo que, nos termos das citadas disposições constitucionais, constitui 
 direito das comissões de trabalhadores e das associações sindicais participar na 
 elaboração da legislação do trabalho, o ponto é que, segundo a Lei n.° 16/79, de 
 
 26 de Maio, que estabelece o regime em que deverá processar-se essa 
 participação, por legislação de trabalho entende-se a que “vise regular as 
 relações individuais e colectivas de trabalho, bem como os direitos dos 
 trabalhadores, enquanto tais, e suas organizações” (artigo 2°, n.° 1). E o mesmo 
 preceito exemplifica o tipo de questões que poderão estar em causa, referindo-se 
 aos seguintes temas: contrato individual de trabalho; relações colectivas de 
 trabalho; comissões de trabalhadores; associações sindicais e direitos 
 sindicais; exercício do direito à greve; salário mínimo e máximo nacional; 
 horário de trabalho; formação profissional; acidentes de trabalho e doenças 
 profissionais. 
 No caso, porém, como se ponderou na decisão sob recurso, “não estão aqui em 
 causa direitos ou interesses dos trabalhadores enquanto tais, e muito menos 
 direitos ou interesses das suas associações representativas. Estarão sim em 
 causa, e tão só, direitos dos administradores das sociedades, que ficarão 
 afectados na medida em que dessa actividade resultam incompatibilidades, 
 definidas na lei, para o desempenho de funções como trabalhadores subordinados”. 
 
 
 Não se trata, pois, de legislação de trabalho e não havia que fazer intervir, no 
 respectivo processo legislativo as estruturas representativas dos trabalhadores. 
 
 
 Por outro lado, e pelas razões já anteriormente expendidas, não procede o 
 invocado vício de inconstitucionalidade orgânica. 
 Não se põe em dúvida que a reserva legislativa da Assembleia da República vale 
 para toda a intervenção legislativa no âmbito dos direitos, liberdades e 
 garantias, e necessariamente também para as restrições, aí se incluindo as 
 situações em que a Constituição autoriza a lei a estabelecer restrições à 
 liberdade de escolha de profissão com fundamento no interesse colectivo, a que 
 se reporta o artigo 47°, n.° 1, da Lei Fundamental. 
 Simplesmente, só pode falar-se de restrição de direitos, liberdades e garantias 
 depois de se conhecer o âmbito de protecção das normas constitucionais que 
 consagrem esses direitos. Isto é, é necessário antes de mais analisar a 
 estrutura da norma constitucional concretamente aplicável para determinar quais 
 os bens jurídicos que por ela são protegidos e qual a extensão dessa protecção 
 
 (GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2ª edição, 
 Coimbra, 1141). 
 Já vimos que o direito de liberdade de profissão que o artigo 47°, n.° 1, da CRP 
 consigna, não se confunde com o exercício livre da profissão. As limitações e 
 condicionamentos que possam ser instituídos relativamente ao exercício de um 
 determinado cargo ou função não constituem restrições ao direito de escolha de 
 um género de trabalho, e apenas o seriam se, em si, fossem impeditivas do acesso 
 em liberdade à profissão. 
 No que se refere à norma do artigo 398° do CSC, ela fixa um condicionamento ao 
 exercício do cargo de administrador de sociedades anónimas, mas não limita, de 
 nenhum modo, a escolha da profissão. As restrições instituídas nesse preceito 
 quanto ao exercício não estão, por isso, abrangidas pelo âmbito de protecção da 
 norma do artigo 47°, n° 1, da CRP. E, nesses termos, não se integram na reserva 
 legislativa parlamentar.»
 
  
 
 4. Notificado para alegar, o recorrente formulou as seguintes conclusões, na 
 parte que interessa ao objecto do presente recurso de constitucionalidade:
 
 «(…) 9. Não se conformando o Recorrente com esta decisão proferida pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça, e quanto às inconstitucionalidades invocadas, apresenta 
 agora este Recurso para o Tribunal Constitucional com os seguintes fundamentos: 
 
 10. Com efeito, é com base na decisão sobre a aplicação ao caso sub judice do 
 disposto no art. 398°, n°1 do CSC e sua interpretação de que existe nulidade 
 insanável do Contrato de Trabalho celebrado entre o A. e a R. por aplicação 
 automática do art. 294° do Código Civil, afastando-se, em primeiro lugar a 
 aplicação do art. 397° n°2 do CSC e, em segundo lugar as próprias normas 
 contidas nos arts. 15° e 17° da LCT e 335° do CC.. que se verificam as alegadas 
 inconstitucionalidades. 
 
 11. Efectivamente, aos casos previstos no art. 398° n°1 do CSC deverá aplicar-se 
 o disposto no art. 397° n°2 do CSC pois trata-se expressamente de um contrato 
 celebrado entre a sociedade e os seus administradores e não o art. 294° do CC. 
 
 12. E, aplicando-se o art. 397º  n° 2 do CSC verifica-se que no caso dos Autos o 
 contrato foi formalizado por deliberação da Direcção e do Conselho Fiscal onde 
 não interveio o A. (Acta n° 69/90 de 28/11/90 da Direcção) e foram ainda, 
 posteriormente, todos os actos da Direcção relativos à celebração do referido 
 Contrato de Trabalho, sua formalização, remunerações, etc..., ratificados pela 
 Assembleia Geral (Acta n° 2/92 de 05/12/92) onde este ponto da ordem de 
 trabalhos foi aprovado por maioria, com a abstenção dos membros da direcção 
 presentes, entre eles o A., que consignaram em acta que se abstiveram porque a 
 matéria em causa lhes dizia respeito, 
 
 13. Pelo que, nessa medida, mesmo por aplicação ilícita do regime contido no 
 Código das Sociedades Comerciais, nunca o Contrato celebrado entre A. e R. 
 poderia ser considerado nulo face aos preceitos em causa e matéria factual dos 
 presentes Autos sob pena de se verificar a inconstitucionalidade da norma 
 contida no art 398° n° 1 do CSC assim interpretada por violação do disposto nos 
 Arts. 53º, 58° N° 1, 18° N° 2 e 17°, e Art. 47º N° 1 todos da CRP. 
 
 14. Acresce que, sempre se deve entender que é manifestamente ilegal e 
 inconstitucional aplicar ao caso dos autos (contrato de trabalho executado) o 
 art. 398° nº 1 do CSC conjugado apenas com o art 294° do CC (cominação de 
 nulidade insanável) afastando-se, igualmente, a aplicação do art. 17° nº 1 da 
 LCT, mesmo o contrato tendo sobrevivido ao desempenho das funções de 
 administração, porque não cessou a causa de invalidade. 
 
 15. Com efeito, o regime do art. 17° n°1 da LCT encontra respaldo em normas 
 constitucionais, seja o Art. 53° e 58° N° 1 da CRP, ao passo que os interesses 
 tutelados pelo art. 398° do CSC não merecem tal protecção. 
 
 16. E, nessa medida, o Acórdão Recorrido desvalorizou ilicitamente os interesses 
 sociais a privilegiar, ou seja, tutelou os interesses societários (para mais 
 ilicitamente suscitados) sacrificando o direito ao trabalho e a proibição dos 
 despedimentos sem justa causa.
 
  17. Além do mais, mesmo a entender-se que existe no caso dos Autos colisão de 
 direitos (o direito particular da sociedade R. a não ver celebrados contratos de 
 trabalho entre os seus administradores que o direito da sociedade R visa a 
 defesa de interesses colectivos ou mesmo bons costumes), teria aplicação ao caso 
 dos Autos o disposto no art. 335º n°1 do CC, concluindo-se, também assim, pela 
 validade do contrato de trabalho celebrado entre A. e R.. 
 
 18. Esta é, aliás, uma das consequências jurídicas que se pode retirar da 
 alegada conduta abusiva da R. na modalidade de “venire contra factum proprium”— 
 a aplicação do art. 335° do CC considerando prevalente o direito do A., uma vez 
 que, como se disse, não existiram quaisquer novos elementos de informação com 
 base nos quais fosse legítimo à R. alterar a sua decisão/posição. 
 
 19. Tal via interpretativa agride o que o Art. 18° N° 2 da CRP impõe, ex vi do 
 que dispõe o Art 17°, também da Lei Fundamental. 
 
 20. E face a esta conclusão é legitimo defender que releva a questão de apurar 
 se o contrato de trabalho do A. foi ou não executado e se sobreviveu ao 
 desempenho de funções de administração. 
 
 21. Ora, face à matéria dada como provada, dúvidas não podem subsistir que tal 
 contrato foi executado e que sobreviveu ao desempenho de funções de 
 administração. 
 
 22. Nessa medida, forçoso é concluir que mesmo a considerar-se tal contrato 
 ferido de nulidade (o que não se admite face a tudo o que já se expôs) o 
 contrato revalidou-se com efeitos retroactivos — art. 17° n°1 da LCT. 
 
 23. A assim não se entender, ter-se-á forçosamente concluir que a norma contida 
 no art. 398° nº 1 do CSC interpretado no sentido de poder destruir a 
 subsistência de um contrato de trabalho executado e que sobreviveu às funções de 
 administração (afastando a aplicação, por um lado da norma contida no art. 335° 
 do CC e, por outro lado, da norma constante do art. 17° n° 1 da LCT), está 
 ferida de inconstitucionalidade material por violação por violação dos arts. 
 
 53°, 58° N°1, 18° N°2 e 17° e 47° nº 1 todos da CRP. 
 
 24. Acresce que quanto à invocação do Principio constitucional da 
 Imparcialidade, apenas se pode concluir que se esquece, mais uma vez, no Acórdão 
 Recorrido o disposto no art. 397° n° 2 do CSC bem como a situação concreta e 
 factual dos presentes autos uma vez que por aplicação do disposto no art. 397° 
 n° 2 do CSC às violações do disposto no art. 398° n° 1 ficaria imediatamente 
 garantido tal Principio constitucionalmente consagrado. 
 
 25. Além do mais, ao invocar a violação do disposto no art. 47° da CRP 
 referia-se o Recorrente à interpretação da norma contida no art. 398° n° 1 no 
 sentido em que estabelece proibição de celebração de contratos de trabalho sem 
 mais, com a cominação para a violação desta proibição a nulidade insanável por 
 aplicação directa e imediata do art. 294° do CC (entendendo-se não aplicável o 
 disposto no art. 397º n° 2 do CSC e afastando-se, igualmente, a aplicação do 
 art. 15° e 17° da LCT e ainda, do regime contido no art. 335° do C.C.)
 
  26. A liberdade aqui violada é a da escolha das funções de trabalhador e não 
 das de administrador, e nessa medida tal preceito legal assim interpretado, 
 viola, indubitavelmente, entre outros, o art. 47° n° 1 da Constituição uma vez 
 que impede a celebração de actos jurídicos constitutivos de relações de trabalho 
 
 (in Manual de Direito Constitucional, Prof. Dr. Jorge Miranda, Tomo IV, págs. 
 
 410 e 411, 1988, Coimbra Editora) 
 
 27. E nem sequer se pode inserir tal preceito assim interpretado nas restrições 
 admitidas pela própria Constituição uma vez que estas só são admitidas se forem 
 legalmente imposta pelo interesse colectivo (Arts. 47º N° 1, 18° N° 2 e 17° da 
 CRP) e como, também nos ensina o Prof Dr. Jorge Miranda (na obra já citada, 
 págs. 411 e 412 que “(...) em nome do interesse colectivo nunca poderá 
 frustrar-se o conteúdo essencial da liberdade de profissão impondo a alguém 
 certa profissão contra sua vontade ou impedindo arbitrariamente alguém de vir a 
 exercer ou continuar a exercer a sua profissão”. 
 
 28. E, embora tal preceito apenas vise defender os interesses particulares de 
 uma sociedade, mesmo que se entendesse que visava defender interesses 
 colectivos, como, por exemplo os bons costumes conforme está na base da tese 
 defendida no Acórdão Recorrido, nunca se poderiam considerar nulos os contratos, 
 sem mais, uma vez que para a defesa dos bons costumes e mesmo para defesa do 
 Principio constitucional da Imparcialidade invocado sempre bastaria aplicar a 
 solução sufragada no art. 397° n° 2 do CSC. 
 
 29. Logo o art. 398° n° 1 do CSC interpretado no sentido de que o contrato de 
 trabalho celebrado entre a sociedade e um administrador, posteriormente à 
 aquisição dessa qualidade de administrador, é nulo por aplicação do art. 294° do 
 CC é, igualmente, materialmente inconstitucional por violação do Art. 47° N° 1 
 e, como supra se alegou, de um lado, e também o é face ao afrontamento do que 
 dispõem os Arts. 53°, 58° N° 1, 18° N° 2 e 17° da CRP.
 
 30. Ora, face a tudo o que se expôs inequívoca é a conclusão de que o 
 impedimento e suposta restrição previsto no art. 398° n° 1 do CSC assim 
 interpretado cai no âmbito do conceito de “Legislação de Trabalho”, uma vez que 
 restringe o âmbito da capacidade e legitimidade substantiva para a celebração de 
 um contrato de trabalho e integra-se na reserva legislativa parlamentar uma vez 
 que mexe com matéria atinente aos direitos, liberdades e garantias 
 constitucionalmente previstos. 
 
 31. E, nessa medida, por um lado, a norma contida em tal preceito é formalmente 
 inconstitucional por violação dos Arts. 54º N° 5 Al. d) (anterior Art. 55º Al. 
 d)), 56° N° 2 Al. a) (anterior Art. 57° N° 2 Al. a)) da CRP, e por outro lado, 
 organicamente inconstitucional por violação do Art. 165° N° 1 Al b) (anterior 
 Art. 167° N° 1 AI. d)), da CRP.
 
  32. Aliás, o Ac. N° 1018/96 do TC de 09.10.1996 (DR, II, de 13.12.1996, págs. 
 
 17 305 e seg. BMJ 460.°-238) ao “julgar inconstitucional por violação do 
 disposto na al. d) do art. 55° e na al. a) do n° 2 do art. 57º, um e outro da 
 Constituição, na versão operada pela Lei Constitucional n° 1/82, de 30.09, a 
 norma constante do n° 2 do at. 398° do CSC, aprovado pelo D. L. n° 262/86 de 
 
 02.09, na parte em que considera extintos os contratos de trabalho, subordinado 
 ou autónomo, celebrados há menos de um ano contado desde a data de designação de 
 uma pessoa como administrador e a sociedade ou sociedades que com aquela estejam 
 em relação de domínio ou de grupo”, só vem confirmar a tese do Recorrente de que 
 o art. 398° nº 1 do CSC padece das diversas inconstitucionalidades invocadas, 
 nomeadamente, formal e orgânica, na interpretação que lhe foi dada no Acórdão 
 Recorrido 
 
 33. Efectivamente, e analisando a fundamentação deste Acórdão, perfilha-se a 
 tese de que, pese embora, o art. 398° (na sua globalidade) integre “...um 
 conjunto de disposições visando o estabelecimento de um regime de 
 incompatibilidades entre o exercício das funções de administrador de uma 
 sociedade anónima e a realização de negócios jurídicos com ela ou com sociedades 
 que estejam numa relação de domínio ou de grupo com a mesma e, bem assim, o 
 desempenho, nelas, de funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato 
 de trabalho, autónomo ou subordinado, ou ao abrigo de contrato de prestação de 
 serviços, neste último caso cessadas que sejam as funções de administração, para 
 além, ainda, do estabelecimento da proibição de os administradores, sem 
 consentimento, exercerem, por conta própria ou alheia, actividade concorrente 
 com a da sociedade … tendo em vista impedir que os interesses da sociedade se 
 não vejam eventualmente preteridos por outros interesses, estes dos 
 trabalhadores, dos quais aquela pessoa dificilmente se poderia ver desligado.... 
 o que é certo é que não deixa tal norma de ter um reflexo directo e imediato no 
 conteúdo das relações laborais existentes entre aquele que é trabalhador da 
 sociedade (e que veio a ser designado administrador) e esta mesma. 
 
 34. E, embora, no caso do disposto no art. 398° nº 1 do CSC se preveja 
 impedimentos e incompatibilidades ainda antes da respectiva celebração, o que é 
 certo é que interpretando tal norma no sentido em que a violação da mesma pela 
 celebração de um contrato de trabalho que esteve em execução por anos “a fio” 
 reconhecido pela própria R. sua Assembleia Geral, etc..., implica a nulidade 
 pura e simples, insanável deste contrato de trabalho, afastando-se a aplicação 
 dos arts. 397° n° 2 e 15° e 17° da LCT não deixa esta norma, assim interpretada 
 e aplicada ao caso sub judice de ter “... um reflexo directo e imediato no 
 conteúdo das relações laborais existentes entre aquele que é trabalhador da 
 sociedade (...) e esta mesma.” 
 
 35. E nessa medida, também por esta razão se deverá concluir mas agora quanto ao 
 disposto no art. 398° n° 1 do CSC assim interpretado e aplicado ao caso dos 
 Autos que “... a norma em apreciação padecer de vício de inconstitucionalidade 
 formal, por ofensa dos preceitos acima indicados”. 
 Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser concedido provimento ao 
 recurso e, consequentemente: 
 a) Declarada materialmente inconstitucional a norma contida no art. 398° n° 1 do 
 C.S.C. por violação do disposto nos Arts. 53°, 58° N° 1, 18° N° 2 e 17°, e Art. 
 
 47° N° 1 todos da CRP na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão Recorrido 
 no sentido de que o contrato de trabalho celebrado entre a sociedade e um 
 administrador posteriormente à aquisição dessa qualidade de administrador é 
 imediatamente nulo por aplicação do art. 294° do CC (afastando a aplicação da 
 norma constante do art. 397° n° 2 do CSC); 
 
             b) Declarada materialmente inconstitucional a norma contida no art. 
 
 398° nº1 do CSC interpretado no sentido de poder destruir a subsistência de um 
 contrato de trabalho executado e que sobreviveu às funções de administração 
 
 (afastando a aplicação, por um lado, da norma contida no art. 335° do CC e, por 
 outro lado, afastando a aplicação da norma constante do art. 17° n° 1 da LCT) 
 por violação dos Arts. 53°, 58° N° 1, 18° N° 2 e 17°, e 47° n° 1 todos da CRP. 
 c) Declarada formalmente inconstitucional a norma contida no art. 398° n° 1 do 
 C.S.C. por violação do disposto nos Arts. 54° N° 5 Al. d) e 56° N° 2 Al. d) da 
 CRP; 
 d) Declarada organicamente inconstitucional a norma contida no art. 398° n° 1 
 por violação do Art. 165° N° 1 Al. b) da CRP;
 
  e) Em consequência, revogada o Acórdão Recorrido, e a R. condenada a pagar ao 
 A. todas as quantias peticionadas e ainda condenada na reintegração do mesmo com 
 todos os direitos a esta reintegração inerentes.(…)»
 
  
 
 5. A recorrida contra-alegou, concluindo o seguinte:
 
 «(…) 2 - Diz o Autor — conclusões 10 a 13 — que o artigo 398º do CSC, deverá ser 
 interpretado no sentido de que às situações nele previstas se deverá aplicar o 
 disposto no artigo 397°/2 do CSC e não o artigo 294° do CC: sob pena de o mesmo 
 ser inconstitucional por, neste caso, violar os artigos 53°, 58°/1, 18°/2 e 17° 
 e 47°/1 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.). 
 
 3 - É evidente que a norma do artigo 398°/1 do CSC é uma norma especial em 
 relação à do artigo 397°/2 CSC. 
 O artigo 397°/2 CSC refere-se à generalidade dos contratos celebrados entre a 
 sociedade e os seus administradores. 
 
 4.1 - O artigo 398°/1 CSC refere-se a contratos de natureza especial: contrato 
 de trabalho subordinado ou autónomo. A primeira daquelas normas, visa acautelar 
 a sociedade num conflito de interesses em que esteja em causa o património da 
 sociedade e o património do administrador: neste caso a lei presume que a 
 deliberação do Conselho de Administração e o parecer favorável do Conselho 
 Fiscal são suficientes para acautelar o interesse e, por isso, o património da 
 sociedade. 
 
 4.2 - Já quando, o que está em causa não é simplesmente o conflito entre dois 
 patrimónios, mas a própria pessoa do administrador — no contrato de trabalho 
 
 (subordinado ou autónomo) está em causa a própria pessoa — então a lei é mais 
 restritiva: pura e simplesmente proíbe não só o exercício de funções, mas a 
 própria celebração do contrato. 
 
 5 - E não se vêem que é que o n° 1 do artigo 398° do CSC seja inconstitucional. 
 
 5.1 - Ele não viola o artigo 53° da CRP, pois não havendo qualquer contrato de 
 trabalho válido, a cessação da relação de administração não consubstancia 
 despedimento — isto é, cessação unilateral do contrato de trabalho por 
 declaração da entidade empregadora. 
 
 5.2 - Ele não viola o artigo 58° n° 1 da CRP, pois esta norma é apenas 
 programática e não significa que o direito ao trabalho tenha ou possa ser 
 exercido contra tudo e contra todos: “Todos têm direito ao trabalho desde que o 
 exerçam nos termos prescritos na lei.” 
 Não é este o caso dos autos: o Autor tem direito a trabalhar, não tinha era 
 direito a, enquanto Director da CCAM, celebrar com esta um contrato de trabalho. 
 
 
 
 5.3 - E o mesmo se diga quanto ao artigo 47°/1 da CRP. Aliás, é esta própria 
 norma — na medida em que ele própria ressalva as restrições legais ditadas pelo 
 instrumento colectivo ou inerentes à capacidade do cidadão. 
 Ou seja, o artigo 398°/1 do CSC é precisamente uma das concretizações da segunda 
 parte do n° 1 do artigo 47° da CRP. 
 
 6 - E não se vislumbra, pois, em que é que o artigo 398°/1 do CSC viole os 
 artigos 18°/2 e 17° do CRP. 
 Diz o Autor que é ilegal e inconstitucional por violação dos artigos 53° e 58°/1 
 da CRP aplicar ao caso dos autos o artigo 398°/1 do CSC conjugado com o artigo 
 
 294° do CC, afastando-se a aplicação do artigo 17°/1 da LCT. 
 E isto porque, diz, o artigo 17°/1 da LCT está respaldado nos artigos 53° e 58°1 
 da CRP, o que não acontece com o artigo 398° do CSC, que não merece protecção 
 constitucional.  
 Conclusão 14 a 16. 
 
 7 - O artigo 17°/1 da LCT dispunha que “cessando a invalidade durante a execução 
 do contrato, este considera-se revalidado desde o início.”
 
 8 - Não é, manifestamente, o caso dos autos: o A. nunca executou o contrato de 
 trabalho; o que o A. executou na sua relação com a Ré foi o contrato de 
 administração que teve início em 18.03.1989 e terminou em 07.03.96 com o seu 
 pedido de demissão do cargo de Presidente da Direcção da Ré. E entre 07.03.96 e 
 
 30.04.96 o A. esteve de baixa por doença, não tendo exercido quaisquer funções 
 na Ré.
 
 9 — Aliás, se se entendesse que, em 07.03.96, com o seu pedido de demissão do 
 cargo de Presidente da Direcção, renasceu o contrato de trabalho, então 
 ter-se-ia que concluir que a desvinculação do A. teve lugar durante o período 
 experimental. 
 
 10 - Mas isso não consubstancia qualquer inconstitucionalidade. 
 A decisão recorrida não afastou nem deixou de afastar a aplicação do artigo 
 
 17°/1 da LCT. 
 
 11 - Também nesta parte se não vislumbra qualquer inconstitucionalidade e 
 nomeadamente a violação dos artigos 53° e 58°/1 da CRP. 
 
 12 - A afirmação que o A. faz de que a entender-se haver colisão de direitos — 
 Conclusão 17- então deveria prevalecer o direito do A. a ver convalidado o 
 contrato de trabalho, com efeito retroactivo — conclusão 22 — sob pena de o 
 artigo 398°/l CSC interpretado no sentido de poder destruir a subsistência de um 
 contrato de trabalho executado e que sobreviveu às funções de administração, 
 violar os artigos 53º, 58°/1, 18°/2, 17° e 47°/1 da CRP, não faz qualquer 
 sentido.
 
 13 - A tal tese já a Recorrida respondeu: na relação do A. com a Ré nunca houve 
 execução de qualquer contrato de trabalho. 
 E 
 
 14 - Ao contrário do que parece ser o entendimento do A., a norma do artigo 
 
 398°/1 do CSC além de visar proteger o interesse da sociedade, visa proteger o 
 interesse público : o negócio celebrado seria até contrário à ordem pública e 
 ofensivo dos bons costumes: é a credibilidade da(s) empresa(s) e, com ela, a de 
 toda a vida económica, que está em causa. Tal como ensina o Professor Raul 
 Ventura, a norma do artigo 398°/1 do CSC é imperativa e a sua violação provoca a 
 nulidade do contrato, nulidade essa que, se tal norma não existisse, decorreria 
 da contradição com os bons costumes. 
 
 15 - E é óbvio que a norma do artigo 398°/1 do CSC não pode ser considerada 
 legislação de trabalho, nem face à Lei 16/79 de 26 de Maio, nem face, agora, ao 
 Código do Trabalho — artigo 524°: manifestamente o artigo 398°/1 do CSC não 
 regula, nem visa regular os direitos e obrigações dos trabalhadores enquanto 
 tais e suas organizações.
 
  O que no artigo 398°/1 do CSC está em causa são incompatibilidades dos 
 administradores de sociedades anónimas, no caso dos Directores de uma CCAM. 
 Tal norma nem viola o artigo 54º n.º 5 alínea d), nem o artigo 56° n° 2 alínea 
 a), nem o artigo 165° n° 1 alínea b) da CRP. 
 
 16 - Ao contrário do alegado na conclusão 34, o contrato de trabalho do A. não 
 esteve em execução “anos a fio”. O contrato de trabalho do A. nunca esteve em 
 execução como já se disse (…)».
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II − Fundamentação
 
  
 
 6. No presente recurso vem questionada a constitucionalidade da norma contida no 
 n.º 1 do artigo 398.º do CSC, nas seguintes vertentes:
 
  
 a) (In)constitucionalidade material da norma, na interpretação que lhe foi dada 
 pelo acórdão recorrido no sentido de que o contrato de trabalho celebrado entre 
 a sociedade e um administrador posteriormente à aquisição dessa qualidade de 
 administrador é imediatamente nulo por aplicação do art. 294° do Código Civil 
 
 (afastando a aplicação da norma constante do art. 397.°, n.° 2, do CSC), por 
 violação do disposto nos artigos 17.º, 18.º, n.º 2, 47.º, n.º 1, 53.° e 58.°, 
 n.° 1, todos da Constituição; 
 
             b) (In)constitucionalidade material daquela norma, quando 
 interpretada no sentido de poder destruir a subsistência de um contrato de 
 trabalho executado e que sobreviveu às funções de administração (afastando a 
 aplicação, por um lado, da norma contida no artigo 335° do CC e, por outro lado, 
 afastando a aplicação da norma constante do art. 17.°, n.° 1, da LCT), por 
 violação dos mesmos preceitos legais da Constituição;
 c) Inconstitucionalidade formal, por violação do disposto nos artigos 54.°, n.° 
 
 5, alínea d), e 56.° n.° 2, alínea d), da Constituição; 
 d) Inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 165.°, n.° 1, alínea 
 b), da Constituição.
 
  
 O n.º 1 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais (aprovado pelo 
 Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, com as alterações posteriores) tem o 
 seguinte teor:
 
 «Artigo 398.º
 Exercício de outras actividades
 
 1 − Durante o período para o qual foram designados, os administradores não podem 
 exercer, na sociedade ou em sociedades que com esta estejam em relação de 
 domínio ou de grupo, quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de 
 contrato de trabalho, subordinado ou autónomo, nem podem celebrar quaisquer 
 desses contratos que visem uma prestação de serviços quando cessarem as funções 
 de administrador.
 
 2 − (…)
 
 3 − (…)
 
 4 − (…)
 
 5 − (…)».
 
  
 
 7. Entende o recorrente que a norma em causa é formalmente inconstitucional, por 
 ter sido aprovada sem a participação das comissões de trabalhadores e das 
 associações sindicais, em violação do disposto nos artigos 54.°, n.° 5, alínea 
 d), e 56.°, n.° 2, alínea a), da Constituição.
 Sem razão, porém.
 A Constituição prevê a participação das estruturas de representação colectiva 
 dos trabalhadores na elaboração de legislação do trabalho (regulamentada na Lei 
 n.º 16/79, de 26 de Maio, entretanto revogada e, actualmente, nos artigos 524.º 
 e s. do Código do Trabalho), não definindo, porém, a noção de legislação do 
 trabalho.
 Para além da noção que nos é dada pelo legislador infraconstitucional (artigo 
 
 2.º da Lei n.º 16/79 e actual artigo 524.º do Código do Trabalho), o conceito 
 tem sido densificado pela doutrina e pela jurisprudência, podendo dizer-se que 
 nele se inclui a legislação que «verse qualquer ponto do estatuto jurídico dos 
 trabalhadores e das relações de trabalho em geral, incluindo, naturalmente, os 
 trabalhadores da função pública» (GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituição 
 da República Portuguesa anotada, I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, 724).
 Em sentido próximo, tem-se pronunciado o Tribunal Constitucional − v., entre 
 outros, os Acórdãos n.º 201/90 e n.º 362/94, publicados, respectivamente, no DR 
 
 – II Série, de 21 de Janeiro de 1991, e no DR – I Série, de 15 de Junho de 1994, 
 e demais arestos neles citados.
 No Acórdão n.º 1018/96 (DR – II Série, de 13 de Dezembro de 1996), citado pelo 
 recorrente, considerou-se que a norma do n.º 2 do artigo 398.º do CSC − na parte 
 em que considera extintos os contratos de trabalho celebrados há menos de um ano 
 contado desde a data da designação de uma pessoa como administrador da sociedade 
 
 − era incluível no conceito de legislação do trabalho, por ter uma repercussão 
 directa e imediata no conteúdo das relações laborais existentes entre aquele que 
 
 é trabalhador da sociedade (e que veio a ser designado administrador) e esta 
 mesma.
 Já no Acórdão n.º 259/2001, que se debruçou sobre n.º 2 do artigo 398.º − na 
 parte que determina a suspensão dos contratos de trabalho celebrados há mais de 
 um ano com pessoa nomeada administrador da sociedade − decidiu-se não julgar 
 inconstitucional esta dimensão normativa do n.º 2, por não implicar uma directa 
 repercussão na situação jurídica dos trabalhadores, na medida em que não inova 
 na regulamentação jurídica substantiva desses trabalhadores.
 As situações previstas no n.º 2 do artigo 398.º são diversas das contempladas no 
 seu n.º 1: enquanto que naquele estão em causa duas situações em que a pessoa 
 que foi designada administrador da sociedade detinha, à data da designação, um 
 vínculo laboral com a mesma sociedade, já na hipótese em apreço (a do n.º 1), 
 previne-se a circunstância de o administrador designado adquirir, durante o 
 exercício das funções de administração ou mesmo após a sua cessação, qualquer 
 vínculo (laboral ou de prestação de serviços) com a sociedade administrada ou 
 sociedades que com esta estejam numa relação de domínio ou de grupo.
 Ou seja, na hipótese do n.º 1 do artigo 398.º não se verificam as razões em que 
 o citado Acórdão n.º 1018/96 se fundamentou para incluir o n.º 2 do preceito, na 
 parte citada, no conceito de legislação laboral.
 Na verdade, o n.º 1 não regula posições jurídicas de trabalhadores, enquanto 
 tais, nem tem qualquer efeito directo e imediato numa relação de índole laboral. 
 Pelo contrário, a norma tem como destinatário o administrador da sociedade − 
 nessa exacta qualidade − e visa obstar a que este adquira a qualidade de 
 trabalhador ou prestador de serviços da sociedade. Trata-se, assim, de vedar ao 
 administrador a vinculação a outras actividades de colaboração pessoal na 
 sociedade administrada, dado o risco que a confusão no mesmo sujeito das 
 qualidades de administrador e administrado  podia acarretar para a prossecução, 
 de forma idónea, dos interesses sociais. 
 
 É, pois, manifesto, que tal norma não pode incluir-se no conceito de legislação 
 do trabalho e, portanto, não havia que facultar a participação dos organismos 
 representativos dos trabalhadores no respectivo processo legislativo.
 Pelo que improcede a alegada inconstitucionalidade formal.
 
  
 
 8. Também carece de razão o recorrente quando invoca a inconstitucionalidade 
 orgânica do n.º 1 do artigo 398.º, com base no entendimento de que a referida 
 norma incide sobre matéria atinente a direitos, liberdades e garantias e, por 
 isso, constituiria reserva relativa de competência da Assembleia da República 
 
 (artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da CRP), tendo sido emanada do Governo sem 
 prévia autorização legislativa.
 O entendimento do recorrente parte do pressuposto de que a norma em causa, 
 estabelece uma restrição à liberdade de escolha de profissão, enquanto direito 
 fundamental acolhido no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição.
 Mas como é sabido − e bem salientado na decisão recorrida − para que se possa 
 falar em restrição a um direito fundamental, há primeiro que definir o conteúdo 
 desse mesmo direito.
 A norma que está em discussão prevê um impedimento de exercer “funções de 
 trabalhador” numa sociedade, por parte daquele que escolheu, de acordo com a sua 
 autodeterminação, aceitar as funções de administrador dessa mesma sociedade. O 
 que significa que a incompatibilidade prevista no n.º 1 do artigo 398.º nasce de 
 uma escolha (opção pelo cargo de administrador) do próprio interessado e, além 
 disso, apenas se verifica no seio da sociedade onde exerce o cargo de 
 administrador ou de sociedades que com esta estejam numa relação de domínio ou 
 de grupo.
 Assim, tal norma não é susceptível de interferir com a liberdade de escolher 
 livremente uma profissão ou com a «escolha das funções de trabalhador», na 
 expressão utilizada pelo recorrente. Na verdade, o âmbito da norma é antes o de 
 associar, ao cargo de administrador (a que o interessado acedeu no exercício da 
 sua liberdade de escolha), uma incompatibilidade ou proibição de exercício de 
 outras funções, por razões que se prendem com a própria natureza do cargo. 
 Em sentido próximo, no que respeita à delimitação do âmbito da liberdade de 
 escolha da profissão, embora versando situações diversas, vejam-se os Acórdãos 
 n.º 328/94 e n.º 368/2003, publicados, respectivamente, no DR – II Série, de 9 
 de Novembro de 1994, e de 21 de Outubro de 2003.
 
             Conclui-se, assim, que esta norma não versa sobre direitos, 
 liberdades e garantias, designadamente, sobre o direito de livre escolha da 
 profissão, pelo que não se integra a reserva legislativa parlamentar.
 
  
 
 9. O recorrente sustenta a inconstitucionalidade material da interpretação dada 
 pelo acórdão recorrido ao n.º 1 do artigo 398.º, por violação dos artigos 17.º, 
 
 18.º, n.º 2, 47.º, n.º 1, 53.° e 58.°, n.° 1, da Constituição.
 A interpretação normativa questionada é, por um lado, a que considerou o 
 contrato de trabalho, celebrado entre o administrador e a sociedade após o 
 início das funções de administrador, como imediatamente nulo, por aplicação do 
 artigo 294.º do Código Civil, afastando-se a aplicação da norma do n.º 2 do 
 artigo 397.º do CSC; e, por outro, a norma interpretada no sentido de poder 
 destruir a subsistência de um contrato de trabalho executado e que sobreviveu às 
 funções de administração, afastando a aplicação da norma contida no artigo 335° 
 do CC e da norma constante do artigo 17.°, n.° 1, da LCT.
 A questão de constitucionalidade colocada pelo recorrente, é, assim, a de saber 
 se a cominação de nulidade do contrato de trabalho (celebrado pelo administrador 
 com a sociedade, após o início das respectivas funções de administração), com 
 fundamento no n.º 1 do artigo 398.º do CSC, colide com a protecção 
 constitucional da liberdade de escolha da profissão, da garantia de segurança no 
 emprego e do direito ao trabalho (artigos 47.º, n.º 1, 53.º e 58.º, n.º 1, 
 conjugados com os artigos 17.º e 18.º, n.º 2, todos da CRP). Nesse sentido, e no 
 entender do recorrente, a declaração de nulidade do contrato de trabalho, por 
 aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 398.º do CSC, corresponde a um 
 despedimento sem justa causa.
 Tal leitura não tem qualquer fundamento.
 Como se salienta na decisão recorrida, não está em causa uma extinção do 
 contrato de trabalho, por exercício da vontade da entidade empregadora, mas 
 antes a aplicação das normas que impõem a invalidade do contrato celebrado, por 
 violação de regras do direito societário. 
 Como já se teve oportunidade de salientar, a norma do n.º 1 do artigo 398.º do 
 CSC contém uma proibição de os administradores em exercício celebrarem qualquer 
 contrato de trabalho ou de prestação de serviços (para valer no decurso ou após 
 a cessação das funções) com a sociedade administrada ou com outra que com esta 
 esteja numa relação de domínio ou de grupo. 
 A ratio subjacente à norma é, evidentemente, a de impedir qualquer 
 aproveitamento daquelas funções em benefício próprio, estabelecendo-se tal 
 proibição independentemente de se saber se, em concreto, tal situação era ou não 
 susceptível de causar prejuízos à sociedade. Mas é também um impedimento que se 
 destina a salvaguardar o exercício desinteressado (imparcial) das competências 
 que estão atribuídas à administração de uma sociedade e que, em muitos casos, 
 serão conflituantes com um vínculo de subordinação jurídica com essa mesma 
 sociedade.
 Assim, a declaração de nulidade de contrato, celebrado em violação do disposto 
 no n.º 1 do artigo 398.º, na medida em que traduz a sanção prevista no 
 ordenamento jurídico para a violação de uma proibição legal, fundada em razões 
 do direito societário, em nada contende com a protecção constitucional da 
 segurança no emprego e do direito ao trabalho.
 Finalmente, no que respeita à liberdade de escolha da profissão, remete-se para 
 a análise efectuada a propósito da (in)constitucionalidade orgânica da norma, 
 concluindo-se, sem necessidade de outros considerandos, que o campo de 
 intervenção da norma, mesmo na dimensão que determina a nulidade do contrato de 
 trabalho celebrado, não é susceptível de afectar tal liberdade, por nem sequer 
 se poder concluir que está incluída no seu âmbito de protecção, pelas razões 
 acima explicitadas.
 
  
 
  III − Decisão
 Nestes termos, acordam em negar provimento ao recurso.
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) 
 unidades de conta. 
 Lisboa, 30 de Outubro  2007
 Joaquim Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 João Cora Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos