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Processo n.º 774/2007
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
 1. Relatório
 
  
 A. veio reclamar para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo 
 do disposto no artigo 688º do Código de Processo Civil, de um despacho de 
 retenção de um recurso interposto de uma anterior decisão de desentranhamento de 
 peça processual que havia sido proferida pelo 1º juízo de Família e Menores de 
 Sintra.
 
  
 A reclamação foi indeferida, por despacho de 11 de Junho de 2007, nos termos que 
 seguem:
 
  
 
 1. A., identificada nos autos, ao abrigo do disposto no artigo 688.° do Código 
 do Processo Civil, reclama do despacho do Mmo. Juiz da 1ª Instância que admitiu 
 um recurso qualificando-o de agravo em vez de, como a reclamante pretendia, de 
 apelação. Entende que, como recurso de agravo, devia subir imediatamente, por a 
 sua retenção o tornar absolutamente inútil, e não diferidamente como foi 
 determinado. Entende que a tal recurso devia ter sido fixado efeito suspensivo e 
 não devolutivo. Por fim entende que a conduta do Exmo. Juiz da 1ª Instância a 
 impede de exercer em juízo a defesa dos seus direitos, tal como a Constituição 
 lho permite. 
 Recebida a reclamação, foi mantido o despacho reclamado. 
 A reclamação foi instruída com as peças processuais relevantes para a sua 
 decisão. 
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
 2. Nos termos do disposto no artigo 688.° do Código de Processo Civil apenas nos 
 cabe decidir nos casos em que o recurso não foi admitido ou retido e não sobre a 
 qualificação do recurso. 
 No caso concreto o recurso da reclamante foi admitido. O Exmo. Juiz da 1ª 
 Instância entendeu que a espécie do recurso é de agravo e não apelação e 
 admitiu-o e mandou-o subir nos termos que julgou apropriados (artigo 687°, n.° 
 
 3, do Código de Processo Civil). 
 Esta questão só pode ser impugnada nas alegações do recurso, não sendo por isso 
 susceptível de reclamação (n.° 4 do mesmo artigo). 
 Também no que respeita ao efeito do recurso não nos cabe tomar qualquer posição. 
 
 
 
 3. Mas entende a reclamante que a subida do recurso admitido como agravo deve 
 ser imediata, porquanto a sua retenção o torna absolutamente inútil. 
 Das normas conjugadas dos artigos 734.° e 735.° do Código do Processo Civil 
 resulta que a regra para a subida dos agravos é a subida diferida. Só quando se 
 verifiquem algumas situações expressamente previstas na lei, como é o caso das 
 previstas no artigo 734°, é que os recursos de agravo subirão imediatamente. 
 Com o devido respeito, entendemos que ao caso não é aplicável qualquer das 
 excepções previstas para que ao recurso admitido tivesse sido fixada a subida 
 imediata. 
 Como justificação da subida imediata invoca a reclamante a absoluta inutilidade 
 do recurso no caso da sua retenção (artigo 734.° n.° 2, do Código de Processo 
 Civil). 
 Entendemos que não é o caso dos autos. 
 O recurso cuja retenção o torna absolutamente inútil é apenas aquele cujo 
 resultado, seja ele qual for, devido à sua retenção, já não pode ter qualquer 
 eficácia dentro do processo. 
 Não pode dizer-se que a subida diferida de um recurso o torna absolutamente 
 inútil pelo simples facto de o seu provimento possibilitar a anulação de alguns 
 actos, incluindo até o próprio julgamento. Esta é a consequência normal do 
 provimento de qualquer recurso de agravo. 
 No caso concreto, não obstante a subida diferida e na hipótese de provimento do 
 agravo, a consequência da revogação do despacho reclamado consistiria em 
 anularem-se diligências já realizadas e até o próprio julgamento. Mas, embora se 
 trate de uma consequência que implica retrocesso no andamento dos autos e que 
 pode acarretar a anulação ou reformulação de actos praticados no desenvolvimento 
 de tal despacho, nem por isso se pode concluir que o recurso se tornou 
 absolutamente inútil. 
 Assim sempre tal recurso manteria plena utilidade, apesar das consequências no 
 andamento dos autos. 
 
 3. Invoca a reclamante que a decisão do Exmo Juiz da 1ª Instância viola direitos 
 fundamentais, de natureza substantiva e processual, legal e constitucionalmente 
 consagrados. 
 No âmbito da reclamação não nos compete apreciar a correcção da decisão 
 recorrida mas apenas decidir se o recurso deve subir imediatamente ou manter a 
 subida diferida já fixada. 
 E, com o devido respeito, a subida diferida, não ofende qualquer direito 
 constitucionalmente garantido à reclamante. A sua pretensão será sempre 
 apreciada em recurso seja de apelação seja de agravo. E, como já ficou referido, 
 a qualificação da espécie do recurso nem sequer vincula o Tribunal de recurso. 
 
 4. Pelo exposto indefere-se a presente reclamação. 
 
  
 Desta decisão a reclamante recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, dizendo que “[e]m suma, o presente recurso tem por objectivo a 
 declaração de inconstitucionalidade dos artigos 3º, 3º-A, 691º, 692º, n.º 2, 
 alínea a), 734º, n.º 2, e 740º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, 
 interpretados no sentido de que a retenção do recurso não viola o princípio do 
 Estado de direito democrático baseado no respeito e na garantia de efectivação 
 dos direitos e liberdades fundamentais, constitucionalmente consagrado no artigo 
 
 2º da CRP”, bem como de outras normas e princípios constitucionais, sendo “ainda 
 fundamento do presente recurso a recusa da aplicação do artigo 734º, n.º 2, do 
 CPC, sendo essa recusa inconstitucional por consubstanciar a violação dos 
 princípios e normas constitucionais, supra referidas, com os mesmos 
 fundamentos”.
 
  
 Tendo o recurso sido admitido pela entidade recorrida, no Tribunal 
 Constitucional, por decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no artigo 
 
 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, o relator dele não tomou 
 conhecimento com os seguintes fundamentos:
 
  
 O presente recurso foi interposto ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do 
 artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
 Sucede, porém, que o recurso previsto na mencionada alínea a) pressupõe que o 
 tribunal recorrido tenha recusado a aplicação de uma norma com fundamento na 
 inconstitucionalidade dessa mesma norma, o que manifestamente não ocorreu no 
 caso: percorrendo o texto da decisão recorrida não se vislumbra, na verdade, 
 qualquer juízo de inconstitucionalidade de uma norma, que tenha ditado qualquer 
 decisão de recusa da sua aplicação ao caso concreto.
 Não pode, assim, conhecer-se do objecto do presente recurso, na parte em que foi 
 interposto ao abrigo da citada alínea a) do n.º 1 do artigo 70º, por não se 
 encontrarem preenchidos os correspondentes pressupostos processuais.
 Mas também não se verificam os pressupostos processuais do recurso previsto na 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
 Com este outro fundamento, o recurso de constitucionalidade implica que a 
 decisão recorrida aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada 
 durante o processo de modo processualmente adequado (artigos 70º, n.º 1, alínea 
 b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
 Desde logo, a recorrente não suscitou, durante o processo, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa: isto é, perante o tribunal ora recorrido, a 
 recorrente não imputou qualquer inconstitucionalidade a uma norma ou 
 interpretação normativa, designadamente àquelas que identifica no requerimento 
 de interposição do presente recurso de constitucionalidade (cfr. o artigo 72º, 
 n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
 Perante o tribunal recorrido, limitou-se a ora recorrente a imputar a violação 
 de certos preceitos constitucionais ao próprio juiz (e, portanto, à decisão por 
 ele proferida), e não a qualquer norma ou interpretação normativa que o juiz 
 tenha perfilhado.
 Não estando preenchidos os pressupostos processuais do recurso previsto na 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, não pode 
 também conhecer-se do objecto do presente recurso, na parte em que foi 
 interposto ao abrigo dessa alínea.
 
  
 Discordando deste entendimento, a recorrente deduziu reclamação para a 
 conferência, dizendo, na parte útil, o seguinte:
 
  
 
 1. Serviu de fundamento à decisão de não reconhecimento do recurso o facto de 
 não estarem preenchidos os pressupostos processuais do recurso previstos nas 
 alíneas a) e b) do n° 1 do art. 70º da LTC.
 
 2. Nomeadamente, por a douta decisão ter considerado que no processo não tinha 
 sido recusada a aplicação de uma norma com fundamento na sua 
 inconstitucionalidade, nos termos da alínea a), referida.
 
 3. E, ainda, por a recorrente não ter suscitado, durante o processo, qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa, nos termos da alínea b) do mesmo 
 art. 70°. 
 
 4. Ainda que o primeiro desses fundamentos possa merecer algum acolhimento e 
 conformação, por parte da recorrente, uma vez que na recusa da não aplicação, no 
 caso em concreto, dos art. 691° e 692°, n° 2, alínea a), e ainda do art. 734º, 
 n° 2, todos do Código de Processo Civil, nunca tenha sido invocada a 
 inconstitucionalidade da mesma, pelo Tribunal de Família e Menores de Sintra. 
 
 5. Apesar de nessa sua recusa, nunca esse Tribunal se ter pronunciado pela sua 
 não aplicação, como deveria, o que levou a recorrente a presumir que nessa 
 recusa estaria subjacente uma qualquer inconstitucionalidade, não invocada. 
 
 6. Já o segundo desses fundamentos não tem nenhuma correspondência factual ou 
 normativa com o processo, salvo o devido respeito. 
 
 7. Pois, este demonstra, sem margem para qualquer dúvida que a recorrente, desde 
 o seu início, tem insistido sobre a manifesta interpretação inconstitucional que 
 o Tribunal de Família e Menores de Sintra desde logo imprimiu à decisão de 
 mandar desentranhar todos os articulados da Ré, ora recorrente, no processo de 
 divórcio que a opõe ao Autor, seu marido. 
 
 8. Senão vejamos, através da sequência ordenada dos factos e das normas 
 aplicadas e invocadas durante todo o processo: 
 I. Do desentranhamento da contestação e dos articulados supervenientes a esta
 
 […]
 II. Da inconstitucionalidade suscitada no Tribunal da Relação de Lisboa, 
 enquanto Tribunal recorrido
 
 20. Contrariamente ao explanado na decisão sumária de não reconhecimento do 
 recurso por parte deste Tribunal Constitucional, a Ré, reclamante, desde logo 
 suscitou, na reclamação dessa decisão de não admissão da apelação e de retenção 
 do recurso, a questão da errada e inconstitucional interpretação dos artigos 3°, 
 
 3°-A, 691°, 692°, nº 2, alínea a), 734°, n° 2, e 740°, n° 1, todos do CPC. 
 
 21. Invocando que com essa interpretação, o Tribunal de Família e de Menores de 
 Sintra estava a violar os artigos 2°, 20º, 202º, 203° e 216°, todos da CRP. 
 
 22. 0 reconhecimento dessa invocação está manifestamente expresso no trecho 
 dessa reclamação que passamos a transcrever: 
 
 “40. É por demais evidente que o reiterado recurso do argumento a contrario 
 sensu utilizado pela meritíssima Juíza a quo visa, em última análise, impedir 
 que a reclamante possa exercer, em juízo, todas as prerrogativas que a lei e a 
 Constituição lhe confere. 
 
 41. Nomeadamente, o acesso ao direito e aos tribunais na defesa dos seus 
 direitos e interesses legalmente protegidos, nos termos do artigo 20º da CRP. 
 
 42. Pois, é por demais evidente que ao agendar uma audiência de julgamento sem 
 dar qualquer hipótese de a reclamante responder ao pedido do A., com novo 
 pedido, ou alegando o que considerar por conveniente, a meritíssima Juíza a quo 
 mais não pretende que denegar à Ré, ora reclamante, o constitucionalmente 
 consagrado acesso ao direito e aos tribunais. 
 
 43. Mais, a decisão da meritíssima Juíza a quo é uma manifesta denegação do 
 princípio do contraditório previsto no artigo 3º, n° 3, do CPC. 
 
 44.Segundo este princípio do contraditório (direito da defesa), o processo 
 reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera 
 pars), em que cada uma das partes é chamada a deduzir as suas razões (de facto e 
 de direito) e a oferecer as suas provas. 
 
 45. Ou seja, este preceito obriga o juiz a observar e fazer cumprir, ao longo de 
 todo o processo o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito decidir de 
 questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as 
 partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. 
 
 46. Por outro lado, através do despacho reclamado, a meritíssima Juíza a quo 
 manifesta que não pretende dirimir, com isenção e imparcialidade o conflito que 
 opõe o A. à Ré, violando com isso os artigos 202°, n°2, 2O3º e 216° da CRP.” 
 
 23. Aliás, contrariando a tese defendida na decisão sumária de que agora se 
 reclama, o Venerando Juiz Desembargador, Presidente do Tribunal da Relação de 
 Lisboa identificou essas questões inconstitucionais suscitadas na reclamação do 
 despacho de retenção do recurso, cfr. decisão singular que se junta como doc. 8. 
 
 
 
 24. Pois, no ponto 3. da douta decisão de indeferimento da reclamação, é 
 expressamente identificada a questão suscitada pela reclamante de a decisão 
 reclamada violar ... direitos fundamentais, de natureza substantiva e 
 processual, legal e constitucionalmente consagrados.” 
 
 25. Mesmo que essa invocação não tenha obtido qualquer acolhimento por parte do 
 Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, por considerar que “... a subida 
 diferida não ofende qualquer direito constitucionalmente garantido à 
 reclamante.” 
 
 26. Porém, a competência para apreciar e declarar a inconstitucionalidade e a 
 ilegalidade de qualquer norma não pertence ao Tribunal da Relação de Lisboa, 
 recorrido, mas ao Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 6° e 70º da 
 LCT e, ainda, dos artigos 277° e 280º da CRP. 
 
 27. Ora, ao recorrer para este Tribunal Constitucional, a reclamante mais não 
 faz do que utilizar as prerrogativas que a lei e a Constituição lhe conferem na 
 defesa dos seus direitos e legítimos interesses. 
 
 28. Aliás, o recurso para este Tribunal Constitucional foi admitido pelo próprio 
 Tribunal da Relação de Lisboa, enquanto Tribunal recorrido, nos termos do art. 
 
 76° da LTC. 
 
 29. A recorrente ainda não apresentou as suas alegações. 
 
 30. Nem a recorrente, foi notificada para indicar integralmente os elementos 
 exigidos nos n° 1 a 4 do art. 75°-A dessa mesma LTC, nem nunca tal lhe foi, 
 alguma vez, requerido. 
 
 31. Pelo que, o disposto no n° 1 do art. 78-A da LTC e salvo melhor opinião, não 
 tem qualquer aplicabilidade no presente recurso, por não estarem minimamente 
 preenchidos os requisitos exigidos no n° 2 desse mesmo art. 78°-A. 
 
 32. Logo, não existe qualquer fundamento, legal e muito menos Constitucional, 
 que impeça este Tribunal Constitucional de conhecer o objecto do presente 
 recurso. 
 
 33. Pelo exposto, requerer-se que este Tribunal Constitucional decida que deve 
 conhecer o objecto do presente recurso, notificando a recorrente para apresentar 
 as suas alegações, nos termos dos n°s 4 e 5 do artigo 78°-A da LTC. 
 
 34. Aliás, sem a possibilidade de a recorrente apresentar as suas alegações, não 
 pode o Tribunal Constitucional decidir, salvo melhor opinião, se as mesmas 
 correspondem ou não àquelas que identificou no requerimento de interposição do 
 presente recurso. 
 
 35. Requerimento que não mereceu, do Colendo Juiz Conselheiro, relator da 
 decisão reclamada, qualquer comentário sobre a desconformidade ou irregularidade 
 do mesmo com os requisitos expressos nos n°s 1 a 4 do art. 75°-A da LTC. 
 
 36. Ademais, o Tribunal recorrido não é o Tribunal de Família e Menores de 
 Sintra, contrariamente ao alegado na decisão sumária de não conhecimento do 
 recurso, mas sim o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, onde foram 
 suscitadas as questões das inconstitucionalidades invocadas. 
 
 37. Porquanto, a recorrente nunca poderia ter suscitado essas questões no 
 primeiro desses tribunais, devido à manifesta limitação legal e processual 
 prevista na própria lei. 
 
 38. Nomeadamente, a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 3°, 3°-A, 
 
 691°, 692°, n° 2, alínea a), 734°, nº 2 e 740º, n° 1, todos do CPC, 
 interpretados no sentido de que a retenção do recurso não viola o princípio do 
 Estado de direito democrático baseado no respeito e na garantia de efectivação 
 dos direitos e liberdades fundamentais, constitucionalmente consagrado no art. 
 
 2° da CRP. 
 
 39. A declaração de inconstitucionalidade dos artigos 3°, 3°-A, 691°, 692°, n° 
 
 2, alínea a), 734°, n° 2, e 740°, n° 1, todos do CPC, interpretados no sentido 
 de que a retenção do recurso não viola o acesso ao direito e aos tribunais da 
 recorrente, no qual se inclui o direito ao recurso, constitucionalmente 
 consagrado no art. 20º da CRP. 
 
 40. A declaração de inconstitucionalidade dos artigos 3º, 3°-A, 691°, 692°, n° 
 
 2, alínea a), 734°, n° 2, e 740º, nº 1, todos do CPC, interpretados no sentido 
 de que a retenção do recurso não viola o dever fundamental de imparcialidade que 
 os Tribunais devem assegurar aos cidadãos na administração da justiça em nome do 
 povo, constitucionalmente consagrado nos artigos 202º, n° 2, 203º e 216°, todos 
 da CRP. 
 
  
 Vem o processo à conferência sem vistos.
 
  
 
  
 
 2. Fundamentação
 
  
 A reclamante parece ter-se conformado com o entendimento de que o despacho do 
 Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, que foi objecto de recurso de 
 constitucionalidade não contém qualquer decisão positiva de constitucionalidade 
 que possa justificar o recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento na 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 E, com efeito, percorrendo a decisão recorrida, constata-se que nenhum juízo de 
 inconstitucionalidade é formulado relativamente à norma do artigo 734º, n.º 2, 
 do Código de Processo Civil (que poderia estar em causa), assim como não existe 
 qualquer decisão de recusa de aplicação dessa norma, pelo que, por manifesta 
 ausência do respectivo pressuposto processual, não poderia conhecer-se do 
 recurso, com um tal fundamento.
 
  
 Relativamente ao recurso fundado na alínea b) do nº 1 do mesmo artigo 70º, a 
 reclamante insurge-se contra o não prosseguimento do recurso de 
 constitucionalidade por entender, neste ponto, que se encontram preenchidos os 
 respectivos pressupostos processuais, e especificadamente o requisito da 
 suscitação da questão de constitucionalidade no decurso do processo.
 
  
 E para o comprovar, invoca o que se encontra exposto nos n.ºs 40 a 46 da 
 reclamação apresentada perante o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, 
 que – em seu entender – constituiria a demonstração cabal de que a questão de 
 constitucionalidade foi suscitada de modo processualmente adequado. 
 
  
 Ora esse excerto da peça processual, há pouco transcrito, apenas evidencia – 
 conforme se refere na decisão sumária reclamada –, que a recorrente se limitou a 
 imputar a violação de certos preceitos constitucionais ao próprio juiz (e, 
 portanto, à decisão por ele proferida), e não a qualquer norma ou interpretação 
 normativa que o juiz tenha adoptado. Com efeito, na reclamação deduzida ao 
 abrigo do artigo 688º do Código de Processo Civil, a interessada não identifica 
 uma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada pela juíza de 
 Família e Menores, no seu despacho de retenção de recurso, e que se encontre 
 ferida de inconstitucionalidade. Antes se limita a imputar a violação de lei 
 constitucional à própria decisão judicial, como sucede quando refere que «o 
 argumento a contrario sensu utilizado pela juíza a quo visa, em última análise, 
 impedir (…) o acesso ao direito e aos tribunais na defesa dos seus direitos e 
 interesses legalmente protegidos, nos termos do artigo 20º da CRP»; que ao 
 agendar uma audiência de julgamento sem dar qualquer hipótese de a reclamante 
 responder ao pedido do A., com novo pedido, ou alegando o que considerar por 
 conveniente, «a juíza a quo mais não pretende que denegar à Ré, ora reclamante, 
 o constitucionalmente consagrado acesso ao direito e aos tribunais»; que «a 
 decisão da Juíza a quo é uma manifesta denegação do princípio do contraditório 
 previsto no artigo 3º, n° 3, do CPC»; que «através do despacho reclamado, a 
 juíza a quo manifesta que não pretende dirimir, com isenção e imparcialidade o 
 conflito que opõe o A. à Ré, violando com isso os artigos 202°, n°2, 2O3º e 216° 
 da CRP».
 
  
 Como é sabido e resulta com evidência do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea 
 b), da Lei do Tribunal Constitucional, o recurso previsto nessa disposição não 
 se caracteriza como um recurso de amparo e, como tal,  não pode ser utilizado 
 para sindicar actuações processuais ou decisões judiciais que sejam elas 
 próprias inconstitucionais, mas antes, apenas, para dirimir a questão de 
 constitucionalidade que tenha sido apreciada em decisão judicial. Por isso mesmo 
 se exige na referida disposição da Lei do Tribunal Constitucional, como também 
 no subsequente artigo 72º, n.º 2, que a inconstitucionalidade de uma norma (ou 
 de um interpretação normativa) seja suscitada durante o processo e de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Ou 
 seja, em caso de recurso jurisdicional ou de reclamação de despacho de retenção 
 de recurso (como é o caso) seria necessário que o interessado identificasse uma 
 norma (ou uma certa dimensão interpretativa de uma norma) que, tendo sido 
 aplicada pelo tribunal inferior, se encontre ferida de violação de lei 
 constitucional, e que suscitasse a questão de inconstitucionalidade assim 
 precisamente delimitada perante o órgão jurisdicional hierarquicamente superior, 
 por forma a que este sobre ela pudesse pronunciar-se. Não bastando que se 
 atribua à própria decisão recorrida ou despacho reclamado (ou a um procedimento 
 processual que tenha sido adoptado no tribunal a quo) a infracção a disposições 
 constitucionais.
 
  
 A suscitação da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado 
 
 é, por outro lado, um requisito material do recurso previsto na artigo 70º, n.º 
 
 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que a sua inverificação 
 conduz, desde logo, ao não conhecimento do seu objecto. Esse pressuposto 
 processual nada tem a ver com os requisitos formais do requerimento de 
 interposição de recurso a que se refere o artigo 75º-A da Lei do Tribunal 
 Constitucional (a indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70º ao abrigo do qual o 
 recurso é interposto, da norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver 
 apreciada e da peça processual em que se suscitou a questão de 
 inconstitucionalidade), sendo que só o eventual incumprimento destes requisitos 
 
 é que justifica o despacho de aperfeiçoamento para efeito de serem supridas, 
 ainda em tempo útil, as deficiências do requerimento (como, alíás, decorre do 
 disposto no n.º 5 do citado artigo 75º-A).
 
  
 
 É patente, neste contexto, que não há lugar ao convite do tribunal quando se 
 trate da falta, não de um mero requisito externo do requerimento de interposição 
 de recurso, mas de um pressuposto processual de que depende a apreciação do 
 mérito; e menos se justificaria esse convite se a deficiência, pela natureza das 
 coisas, é insuprível. A suscitação da questão da constitucionalidade apenas 
 poderia ter lugar no momento processual próprio, isto é, na reclamação deduzida, 
 ao abrigo do disposto no artigo 688º do Código de Processo Civil, para o 
 Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa. Não tendo sido suscitada essa 
 questão – e sendo esse um elemento essencial do recurso de constitucionalidade – 
 não é agora possível a renovação do processado para esse efeito, pelo que se 
 encontra completamente precludido o direito processual de invocar, naquela peça 
 processual, a questão de constitucionalidade.
 
  
 Resta acrescentar que a decisão sobre a admissibilidade do recurso por parte da 
 entidade recorrida, tal como o previsto no artigo 76º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, não impede que o relator, no Tribunal Constitucional, efectue o 
 exame preliminar do processo e profira decisão sumária, caso entenda que não se 
 pode conhecer do objecto do recurso, poderes que lhe são conferidos 
 autonomamente pelo artigo 78º-A, n.º 1, da mesma lei.
 
  
 Não tem, por outro lado, qualquer cabimento o que se afirma no n.º 34 da 
 reclamação. O processo só poderia prosseguir para alegações se fosse viável a 
 apreciação do seu objecto. Acresce que as alegações se destinam a permitir às 
 partes discutir a questão de fundo e, assim, argumentar sobre a conformidade 
 constitucional da norma ou interpretação normativa que tenha sido adoptada pelo 
 tribunal recorrido. E naturalmente que não pode atribuir-se qualquer finalidade 
 
 útil às alegações quando o recurso não pode sequer prosseguir por se não 
 encontrarem preenchidos os respectivos pressupostos processuais.
 
  
 Por fim, cabe referir que a decisão sumária não enferma de qualquer lapso 
 material ou erro de interpretação susceptível de interferir na bondade da 
 posição que veio a adoptar. Ao afirmar que «[P]erante o tribunal recorrido, 
 limitou-se a ora recorrente a imputar a violação de certos preceitos 
 constitucionais ao próprio juiz (e, portanto, à decisão por ele proferida), e 
 não a qualquer norma ou interpretação normativa que o juiz tenha perfilhado», o 
 relator está obviamente a referir-se à entidade perante a qual foi apresentada a 
 reclamação do despacho de retenção do recurso, e não ao tribunal de Família e 
 Menores de Sintra que proferiu esse despacho. Por outro lado, nesse local, o 
 relator está justamente a reportar-se aos n.ºs 40 a 46 da reclamação para 
 Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa para concluir pela imprestabilidade 
 dessa alegação para efeito de se considerar suscitada a questão de 
 constitucionalidade. Como resulta de toda a contextualização dessa passagem da 
 decisão sumária, tribunal recorrido é o Tribunal da Relação de Lisboa 
 representado, no caso, pelo seu Presidente, que proferiu a decisão sobre a 
 matéria da reclamação, nada autorizando a concluir que o relator se estava a 
 referir equivocamente a qualquer outra peça processual que tenha sido 
 apresentada perante o juiz de primeira instância, que, de resto, os autos nem 
 sequer patenteiam. 
 
  
 
 3. Decisão
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a reclamação e 
 confirmar a decisão reclamada.
 
  
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 
  
 Lisboa, 7 de Novembro de 2007
 
  
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Gil Galvão