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Processo nº 715/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues 
 
  
 
             Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua 
 actual versão, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Maio de 2007, 
 que rejeitou o recurso interposto pela recorrente do acórdão do Tribunal da 
 Relação do Porto, de 31 de Maio de 2006, pretendendo a apreciação da questão de 
 constitucionalidade das normas constantes dos artigos 399.º, 432.º e 433.º do 
 Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que não é 
 admissível recurso da decisão do Tribunal da Relação proferida em incidente de 
 recusa de juiz.
 
  
 
             2 – Discorrendo sobre a questão da inadmissibilidade de recurso do 
 acórdão da Relação que decida o incidente de recusa de intervenção de juiz, o 
 acórdão recorrido discreteou do seguinte modo:
 
             
 
    «2.2. A questão da admissibilidade de recurso do acórdão da Relação que 
 decida o incidente de recusa de intervenção de juiz não tem recebido resposta 
 uniforme, por parte do Supremo Tribunal de Justiça. No sentido da 
 inadmissibilidade, pronunciaram-se, desde logo, os acórdãos de 28.09.00, proc. 
 nº 2194/00-5ª e o de 15.05.02-3ª, proc. nº 1267/02[1], sendo certo, porém, que a 
 maioria das decisões tinha vindo a aceitar a recorribilidade, assentando a 
 solução, fundamentalmente, na obediência ao princípio geral enunciado no art. 
 
 399º, do C.P.P.[2] : ‘é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos 
 despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei’. 
 
  
 Mas a dúvida voltaria a ser actualizada no âmbito do acórdão de 21.05.05, proc. 
 nº 2818/05[3], que – apesar de ter admitido o recurso, ‘embora no limite das 
 dúvidas, e na perspectiva do critério do favor do recurso’ – tornou a sinalizar 
 que ‘a admissibilidade do recurso da decisão da Relação no incidente de recusa 
 pode efectivamente, ser questionada, pela natureza da decisão que está em causa 
 e pelo paralelismo com o grau hierárquico de decisão final no incidente relativo 
 a impedimento’. 
 
  
 
 2.3. Ao abordar questão de idêntica natureza (recorribilidade de acórdão da 
 Relação que decidiu o incidente previsto no art. 182º, do C.P.P.), o Supremo 
 Tribunal de Justiça, no acórdão de 16.02.05, proc. nº 4551/04[4], elaborou o 
 seguinte raciocínio: 
 
 (...) 
 
 “... Da conjugação das normas dos artigos 400º, 427º e 432º do Código de 
 Processo Penal resulta que decisões de natureza processual ou que não ponham 
 termo ao processo não são recorríveis para o Supremo Tribunal. Pressuposto do 
 recurso para o Supremo Tribunal (salvo casos específicos que a lei especialmente 
 preveja - artigo 433° do Código de Processo Penal) é, pois, a natureza da 
 decisão de que se recorre: decisões finais e não decisões sobre questões 
 processuais avulsas (salvo, por razões de racionalidade intraprocessual, quando 
 o recurso de decisões interlocutórias suba com recurso que deva ser do 
 conhecimento do Supremo Tribunal - artigo 432°, alínea f) do CPP). 
 
 É a razão e o sentido da norma do artigo 400°, n°1, alínea c), do Código de 
 Processo Penal. Como pode haver recurso de todas as decisões que não sejam de 
 expediente ou que não dependam da livre discricionariedade do juiz, e, por 
 regra, o recurso é interposto para as relações, as decisões proferidas por 
 estas, em recurso, que não ponham termo à causa, não são recorríveis, pois o 
 processo não termina, podendo ter, na sequência, outras decisões, designadamente 
 a decisão final, submetida, então, às regras gerais dos recursos. Em tais casos, 
 a garantia do recurso não exige e a racionalidade do modelo não seria compatível 
 com a previsão de recurso até ao Supremo Tribunal para decisão de questões 
 processuais intermédias que não definem o direito do caso, mas apenas determinam 
 um certo modo de ordenação e sequência processual.
 Mas se é assim, a mesma razão valerá para os casos em que a relação intervenha, 
 não como instância formal de recurso, mas como instância de decisão no processo, 
 em outro grau, para questão incidental cujo conhecimento a lei lhe defira. Na 
 coerência e racionalidade do sistema, não há razão para distinguir entre uns e 
 outros casos. 
 Deste modo, a decisão que concretamente está em causa [decisão de não tomar 
 conhecimento do incidente previsto no art. 182°] não se integra em qualquer das 
 hipóteses previstas de recurso para o Supremo Tribunal (artigo 432° do CPP). 
 Não se trata de decisão proferida pela relação em primeira instância (artigo 
 
 432°, nº 1, alínea a), do CPP), isto é, em que a competência em razão da matéria 
 e da hierarquia para a decisão do caso e do objecto do processo caiba, em 
 primeiro grau de conhecimento, e segundo as leis de organização e competências 
 dos tribunais, aos tribunais da relação, 
 Não constitui também, é manifesto, situação que se enquadre nas alíneas c), d) e 
 e) do artigo 432° do CPP. 
 Resta a alínea b) desta disposição. Mas, a conjugação das normas da alínea b) do 
 artigo 432° e do artigo 400°, nº 1, alínea c), do CPP tem de ser interpretada em 
 equilíbrio sistémico do regime dos recursos. Nesta perspectiva, a norma da 
 alínea c) do nº 1 do artigo 400°, quando se refere a decisões proferidas, em 
 recurso, pelas relações, que não tenham posto termo à causa, quer significar, 
 salvo contradição interna do sistema, que a competência em razão da hierarquia 
 para proferir decisões que não ponham termo à causa cabe às relações, que 
 decidem, em matérias interlocutórias, em última instância – quer seja decisão 
 proferida em recurso, quer seja por ocasião de um recurso ou por intervenção 
 incidental directamente deferida pela lei. 
 
  
 
 …
 O artigo 400°, nº 1, alínea c), do CPP abrange, assim, todas as decisões 
 interlocutórias, subtraindo-as à competência do Supremo Tribunal (salvo, como se 
 referiu e por razões de eficácia e racionalidade processual, quando o recurso de 
 decisões interlocutórias tenha de subir com o recurso para cujo conhecimento 
 seja competente o Supremo Tribunal). 
 Só assim não será, por razões de conformidade constitucional com a garantia de 
 defesa que o recurso também constitui, quando seja caso de decisões que afectem 
 directa, imediata e substancialmente, direitos fundamentais do arguido, como 
 sejam as decisões relativas à aplicação de medidas de coacção privativas da 
 liberdade (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional de 30 de Novembro de 2004, 
 DR, II série, de 18 de Janeiro de 2005)”. 
 
  
 
 2.3.1. Posto isto, é altura de concluir como se concluiu no citado ac. nº 
 
 2322/06: 
 
  
 
 “Cremos que esta doutrina se aplica por inteiro à decisão aqui impugnada, em que 
 o Tribunal da Relação indeferiu o requerimento de recusa. 
 
 É certo, repete-se, que o art. 399° do CPP fixou o princípio geral de que é 
 permitido recurso das decisões cuja irrecorribilidade não estiver prevista na 
 lei. 
 Mas também é verdade que as possibilidades de recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiça são as taxativamente previstas no art. 432° ou, por força do artigo 
 seguinte, os ‘outros casos que a lei especialmente preveja’. 
 
  
 Norma especial que autorize o recurso deste tipo de decisões da relação ao 
 abrigo do art. 433° não a encontramos, designadamente no local mais apropriado, 
 no capítulo do CPP que regula a matéria dos impedimentos, recusas e escusas – o 
 que não deixa de ser sintomático quando comparado com o regime do CPP de 1929, 
 em cujo art. 114°, §7°, se previa expressamente uma hipótese de recurso para o 
 tribunal da relação, no caso de a suspeição ter sido deduzida contra juiz da 1ª 
 instância. 
 
  
 Quanto às possibilidades de recurso abertas pelo art. 432°, estando 
 inquestionavelmente afastadas, pela própria natureza das coisas, as das alíneas 
 e), d) e e), resta ponderar as das alíneas a) e b). 
 
  
 Como sublinhou o Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, a decisão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa não constitui decisão proferida em primeira 
 instância porque este Tribunal não funcionou como tribunal de 1ª instância 
 segundo as regras de organização, funcionamento e competência dos tribunais. 
 Enfim, não se trata de decisão proferida em processo que, pelo seu objecto, seja 
 da competência, em 1ª instância, do Tribunal da Relação. Está, assim, igualmente 
 afastada a possibilidade de recurso por via da alínea a).
 Por outro lado, embora também não se trate de uma decisão proferida, em recurso, 
 porquanto o Tribunal da Relação não interveio como instância formal de recurso, 
 
 é sempre uma decisão interlocutória, sobre questão processual avulsa que não pôs 
 termo à causa e, assim, abrangida, de acordo com aquela interpretação, pela 
 alínea c) do nº 1 do art. 400º do CPP, que dita a sua irrecorribilidade. 
 
  
 Dir-se-á que, neste modo de ver as coisas, estaremos face a decisão não 
 controlável por via de recurso, o que traduzirá uma solução conflituante com o 
 direito ao recurso, instituído como uma das garantias de defesa que o processo 
 penal tem de assegurar, nos termos do nº 1 do art. 32° da CRP, ou até que 
 postergará o direito de acesso aos tribunais, igualmente consagrado na 
 Constituição, no seu art. 20°. 
 
  
 Bem. 
 
  
 Em relação à primeira garantia, a garantia do duplo grau de jurisdição, 
 relembramos, como o acórdão acima invocado, que apenas tem sido defendida pela 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional relativamente a decisões penais 
 condenatórias e a decisões respeitantes à situação do arguido face à privação ou 
 restrição de liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais. “A garantia 
 de um duplo grau de jurisdição tem que ver essencialmente com a definição da 
 situação jurídico-criminal do arguido em matéria que contenda com a privação, 
 limitação ou restrição dos seus direitos e garantias fundamentais da liberdade e 
 segurança (...) e não, directamente, com o cumprimento das regras procedimentais 
 ou processuais a que o legislador subordine as decisões judiciais sobre tal 
 matéria” (ac. do TC nº 390/04, de 2 de Junho, em “Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 59° vol., 543). Aliás, “sempre se entendeu, na jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional que a faculdade de recorrer em processo penal constitui 
 uma tradução da expressão do direito de defesa, correspondendo mesmo a uma 
 imposição constitucional a consagração do recurso de sentenças condenatórias ou 
 de actos judiciais que durante o processo tenham como efeito a privação ou a 
 restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais, mas sempre recusou 
 que a Constituição impusesse a recorribilidade de todos os despachos proferidos 
 em processo penal» (ac. também do TC, nº 30/2001, de 30 de Janeiro, DR, II 
 Série, de 23.03.01, pág. 5268 e segs.) 
 
  
 Por outro lado, a garantia constitucional de acesso aos Tribunais apenas demanda 
 que o grau de jurisdição único previsto para determinada situação se possa 
 pronunciar de modo formalmente válido sobre a questão. 
 No caso, não se vê que Tribunal da Relação não estivesse em condições de se 
 pronunciar validamente sobre o pedido de recusa, sendo de sublinhar, como mais 
 uma vez o fez o Senhor Procurador-Geral Adjunto, que a decisão do incidente 
 concretamente deduzido é, nos termos da lei, da competência do tribunal 
 imediatamente superior, e não do seu presidente, como sucede no âmbito do 
 processo civil, onde, apesar disso, se exclui expressamente o recurso (cfr. 
 arts. 130°, nº 3 e 13.º, nº 1°, do CPC) – o que sem dúvida constitui garantia 
 processual satisfatória, dado o distanciamento do Tribunal da Relação 
 relativamente ao caso concreto. 
 
  
 Curiosamente, para o caso de impedimento, a lei consagra expressamente o direito 
 ao recurso, na hipótese de o juiz o não reconhecer, no nº 1 do art. 42° do CPP – 
 o que se compreende, porquanto, ao contrário da recusa, em que o juiz responde 
 ao requerimento e o tribunal superior decide (art. 44°) aqui, é o próprio juiz 
 visado que decide se se considera ou não impedido. 
 
  
 Enfim, chegamos à conclusão de que o acórdão por que o Tribunal da Relação (...) 
 decidiu o requerimento de recusa (...) não é susceptível de recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça.’[5] 
 
  
 
 2.3.2. Na resposta à questão da inadmissibilidade de recurso, suscitada pelo 
 Ministério Público, a arguida veio arguir ‘a inconstitucionalidade da 
 interpretação dos artigos 399º, 432° e 433º do CPP, quando interpretados no 
 sentido de que não é admissível recurso de decisão da Relação proferida em 
 incidente de recusa de juiz, por violação dos artigos 20.º, nº 1 e 32°, nº 1 da 
 CRP’. 
 Para lá do que ficou dito sobre a jurisprudência firme do Tribunal 
 Constitucional, haverá que ter presente o ensinamento de Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, em anotação a tais disposições[6] 
 
 (...) “ A LC nº 1/97 incluiu expressamente como candidato positivo das garantias 
 de defesa o direito ao recurso (nº 1, II parte). Trata-se de explicitar que, em 
 matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de 
 jurisdição, na medida em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das 
 garantias de defesa constitucionalmente asseguradas. Na falta de especificação, 
 o direito ao recurso traduz-se na reapreciação da questão por um tribunal 
 superior, quer quanto à matéria de direito quer quanto à matéria de facto. Era 
 esta, de resto, a posição já defendida pela doutrina e acolhida pela 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional desde sempre (cfr., por último, Acs TC 
 nºs 638/98, 202/99 e 415/01)” 
 
  
 
 (...) “O direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva não 
 fundamenta um direito subjectivo ao duplo grau de jurisdição. Discute-se em que 
 medida o direito de acesso aos tribunais inclui o direito ao recurso das 
 decisões judiciais, traduzido no direito ao duplo grau de jurisdição. A chamada 
 doutrina de ‘2ª instância em matéria penal’ encontra-se expressamente consagrada 
 no art. 14°-5 do PIDCP e resulta já do art. 32°-1 da CRP (cfr. Acs TC nºs 210/86 
 e 8/87). Não existe, porém, um preceito constitucional a consagrar a ‘dupla 
 instância’ ou o duplo grau de jurisdição em termos gerais (cfr. Acs. TC nºs 
 
 31/87, 65/88, 163/90, 259/97 e 595/98). Todavia, o recurso das decisões 
 judiciais que afectem direitos fundamentais, designadamente direitos, liberdades 
 e garantias, mesmo fora do âmbito penal, pode apresentar-se como garantia 
 imprescindível destes direitos. Em todo o caso, embora o legislador disponha de 
 liberdade de conformação quanto à regulação dos requisitos e graus de recurso, 
 ele não pode regulá-lo de forma discriminatória, nem limitá-lo de forma 
 excessiva. (...)‘ 
 
  
 
 2.4. A decisão que admita o recurso (...) não vincula o tribunal superior (nº 
 
 3., do art. 414°, do C.P.P.), sendo que o recurso é rejeitado sempre que (...) 
 se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do 
 artigo 414º, nº 2. 
 
  
 
             3. Nos termos expostos – e na procedência da questão suscitada pelo 
 Ministério Público – decide-se rejeitar o recurso interposto por A., por         
 inadmissibilidade.».
 
  
 
             3 – Alegando no Tribunal Constitucional, a recorrente rematou o seu 
 discurso argumentativo com as seguintes conclusões:
 
  
 
 «1 - A decisão sobre incidente de recusa de juiz é tomada, como o foi, em sede, 
 em 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação. 
 
  
 
 2 - Segundo a lei ordinária, são recorríveis todos os acórdãos, sentenças e 
 despachos cuja irrecorribilidade não esteja prevista na lei. 
 
  
 
 3 - Não está prevista na lei a irrecorribilidade da decisão da Relação que tome 
 posição sobre incidentes de recusa. Antes pelo contrário, a mesma está prevista 
 
 (artigo 42°, nº 3 do CPP). 
 
  
 
 4 - Assim, carece de sentido a interpretação que a decisão recorrida fez dos 
 artigos 399°, 432° e 433°, todos do CPP. 
 
  
 
 5 - Mas, para além disso, tal interpretação é violadora, nomeadamente, dos 
 artigos 20°, nº 1 e 32°, nº 1, ambos da CRP, por impedir quer a defesa dos 
 direitos, quer o direito ao recurso e ao duplo grau de jurisdição, que 
 consubstancia aquele, garantido constitucionalmente desde a revisão de 1997. 
 
  
 
 6 - Impõe-se, pois, que sejam proferidos juízos de inconstitucionalidade da 
 interpretação dos normativos questionados, nos termos reclamados. 
 
  
 
 7 - Assim se fará justiça.».
 
  
 
             4 – Por sua vez o Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal 
 Constitucional concluiu as suas contra-ordenações dizendo:
 
  
 
                «1. Não viola a Lei Fundamental a interpretação normativa que não 
 admite a impugnação, perante o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão da 
 Relação que haja rejeitado o incidente de recusa do juiz. 
 
  
 
                2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.».
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             5 – Do objecto do recurso de constitucionalidade.
 
  
 
             Antes de mais cumpre notar que o objecto do recurso de 
 constitucionalidade surge como um dado para o Tribunal Constitucional. 
 
             Na verdade, não cabe na sua competência sindicar o juízo de 
 determinação do direito infraconstitucional que constituiu o fundamento 
 normativo da decisão levado a cabo pelo acórdão recorrido. Se o melhor direito, 
 em face dos preceitos legais, é aquele a que se arrimou a decisão recorrida ou é 
 aquele que a recorrente defende é questão que o Tribunal Constitucional não pode 
 resolver. A sua competência queda-se apenas por saber se o direito aplicado é ou 
 não direito válido à face da Constituição.
 
             Por outro lado, há-de notar-se que a recorrente, conquanto tenha 
 definido correctamente a concreta norma que foi aplicada pelo acórdão recorrido 
 como ratio decidendi do seu julgado, a distraiu de um arco legislativo em parte 
 diverso daquele em que, em rectas contas, se baseou a decisão recorrida.
 
             Na verdade, do discurso desenvolvido pelo acórdão recorrido resulta 
 que o resultado interpretativo aplicado foi por ele inferido, essencialmente, da 
 
 “conjugação” dos art.s 400.º, n.º 1, alínea c), e 432.º, alínea b), do Código de 
 Processo Penal (CPP) e não, como alegou a recorrente no seu requerimento de 
 interposição de recurso de constitucionalidade e nas suas alegações, dos art.s 
 
 399.º, 432.º e 433.º do CPP”.
 
             Tal facto não impede, porém, que se conheça da questão de 
 constitucionalidade.             É que, por um lado, não pode deixar de 
 considerar-se como, também, havendo sido aplicados tais preceitos, na medida em 
 que os mesmos foram convocados como instrumentos da actividade hermenêutica 
 desenvolvida tendente à determinação, no âmbito do sistema legal, da concreta 
 norma a aplicar à decisão do caso.
 
             Por outro lado, estando nitidamente recortada a questão de 
 constitucionalidade, não se afigura decisivo o facto de o critério normativo 
 aplicado poder ser inferido de modo mais preciso ou directo de outro ou outros 
 preceitos legais: tal circunstância, para além de contender com a interpretação 
 que a recorrente fez da decisão recorrida, respeita também à bondade da 
 actividade interpretativa levada a cabo, no plano do direito 
 infraconstitucional, e já se disse que essa escapa à competência sindicante do 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 
             6 – Do mérito do recurso.
 
  
 
             6.1 – Como se vê dos autos, a recorrente requereu a declaração de 
 impedimento da juíza de instrução criminal (incidente de recusa de juiz), por 
 considerar verificada uma situação da sua falta de imparcialidade (cf. art. 
 
 41.º, n.º 2, do CPP).
 
             A juíza, por despacho, não reconheceu a existência de um tal 
 impedimento para intervir na instrução criminal.
 
             Inconformada com esta decisão, a recorrente recorreu para o Tribunal 
 da Relação, mas sem êxito porquanto esse tribunal julgou improcedente o pedido 
 de recusa do juiz, “mantendo-se a Sr.ª Juíza como titular da instrução em 
 causa”.
 
             Discordando dessa decisão, a ora recorrente recorreu para o Supremo 
 Tribunal de Justiça (STJ).
 
             Esse recurso foi, todavia, rejeitado com base na sua 
 inadmissibilidade legal, nos termos da fundamentação acima transcrita.
 
             A questão que vem posta é, assim, a de saber se “as normas 
 constantes dos artigos 399.º, 432.º e 433.º [e 400.º, n.º 1, alínea c)] do 
 Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que não é 
 admissível recurso da decisão do Tribunal da Relação proferida em incidente de 
 recusa de juiz” são conformes ou não à Lei fundamental.
 
             Sustenta a recorrente que elas violam “nomeadamente, os artigos 
 
 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, ambos da CRP, por impedir[em] quer a defesa dos 
 direitos, quer o direito ao recurso e ao duplo grau de jurisdição, que 
 consubstancia aquele, garantido constitucionalmente desde a revisão de 1997”.
 
  
 
             6.2 – Mas tal posição não merece acolhimento. É certo que o art. 
 
 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra, agora 
 expressamente depois da revisão de 1997, o direito ao recurso como uma garantia 
 fundamental própria do processo criminal inserida na garantia constitucional de 
 asseguramento de todos os meios de defesa. 
 
             O preceito limitou-se, assim, a acolher a tese que a jurisprudência 
 anterior do Tribunal Constitucional, bem como a doutrina, tinham vindo a 
 desenvolver sobre a matéria. 
 
             Nesta medida a explicitação densificou eo nomine, neste domínio do 
 processo criminal, um dos postulados normativos constitucionais que já 
 decorriam, de acordo com o princípio da máxima expansividade e efectividade dos 
 direitos e garantias constitucionais, da garantia constitucional do 
 asseguramento de “todas as garantias de defesa”, conferindo-lhe, todavia, por 
 esta via, uma expressão própria.
 
             O Tribunal Constitucional tem, porém, construído uma sólida 
 jurisprudência no sentido de que o direito constitucional ao recurso que é 
 postulado pela garantia do asseguramento de todas as garantias de defesa se 
 basta com a existência de um duplo grau de jurisdição relativamente a decisões 
 penais condenatórias e a decisões respeitantes à situação do arguido face à 
 privação ou restrição de liberdade ou a quaisquer outros direitos fundamentais 
 
 (cf., entre outros, os Acórdãos n.º 265/94, publicado nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional 27.º vol., p. 751, n.º 189/01, publicado nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 50º vol., p. 285, n.º 369/01 (inédito), n.º 435/01 (inédito), 
 n.º 49/03, publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Abril de 2003), 
 n.º 377/03 (inédito), e n.º 390/04, publicado no Diário da República II Série, 
 de 7 de Julho de 2004, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 59.º vol., p. 543. 
 
 
 
             Como se escreveu no último aresto:
 
  
 
             “A consagração de um duplo grau de jurisdição em matéria penal 
 decorre essencialmente da exigibilidade constitucional de se conferir um grau 
 elevado de asseguramento, de concretização e de realização aos direitos e 
 garantias fundamentais da liberdade e segurança dos cidadãos (sendo igualmente 
 invocável relativamente a outros direitos e garantias fundamentais), dado que 
 estes são directamente atingidos pelas decisões condenatórias e outras decisões 
 judiciais que limitem ou restrinjam a liberdade. A existência de um segundo grau 
 de reexame jurisdicional das medidas de privação, limitação ou restrição desses 
 direitos fundamentais corresponde assim ao patamar que a Constituição tem como 
 minimamente tolerável para que se possam haver por arredados os perigos de uma 
 ofensa inconsistente de tais direitos”.
 
  
 
             Posicionando-se dentro desta linha de pensamento, o Tribunal 
 Constitucional reconheceu, por outro lado, a não obrigatoriedade constitucional 
 da existência de um duplo grau de jurisdição relativamente a determinadas normas 
 processuais que denegam a possibilidade de o arguido recorrer de determinados 
 despachos ou decisões proferidas na pendência do processo (v.g., quer de 
 despachos interlocutórios, quer de outras decisões, Acórdãos n.º 259/88, n.º 
 
 118/90 e n.º 353/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12º vol., p. 735; 
 
 15º vol., p. 397, e 19º vol., p. 563, Acórdão n.º 30/01, publicado no Diário da 
 República II Série, de 23 de Março de 2001 - também in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 49º vol., pp. 171 - relativo à irrecorribilidade da decisão 
 instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação 
 particular quando o Ministério Público acompanhe essa acusação particular).
 
             Abordando a questão na perspectiva da resposta a dar ao caso de 
 arguição da nulidade do acórdão de 2.ª instância, escreveu-se no referido 
 Acórdão n.º 390/04:
 
  
 
            «O Tribunal Constitucional sempre entendeu a garantia do duplo grau 
 de jurisdição enquanto respeitando ao direito ao recurso relativo a decisões 
 penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação 
 do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros 
 direitos fundamentais.
 
            Paradigmático de uma tal leitura da Constituição é o discurso 
 expendido no Acórdão n.º 265/94 (Diário da República, II Série, de 19 de Julho 
 de 1994), mas cujo sentido informa igualmente a fundamentação, entre outros, dos 
 Acórdãos n.º 610/96, n.º 468/97, n.º 216/99 e nº 113/00 (todos disponíveis em 
 
 www.tribunal constitucional.pt/jurisprudencia, estando ainda o primeiro e o 
 terceiro publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 6 de 
 Julho de 1996 e 6 de Agosto de 1999):
 
  
 
            “A garantia do duplo grau de jurisdição existe quanto às decisões 
 penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação 
 do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros 
 direitos fundamentais.
 Sendo embora a faculdade de recorrer em processo penal uma tradução da expressão 
 do direito de defesa (veja-se nesse sentido o Acórdão n.º 8/87 do Tribunal 
 Constitucional, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º volume, pág. 235), a 
 verdade é que, como se escreveu no Acórdão n.º 31/87 do mesmo Tribunal, “se 
 há-de admitir que essa faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em 
 certas fases do processo e que, relativamente a certos actos do juiz, possa 
 mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial 
 dessa mesma faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido”. E, mais à 
 frente, lê-se no mesmo aresto:
 
 “Ora, a salvaguarda desse direito de defesa impõe seguramente que se consagre a 
 faculdade de recorrer da sentença condenatória, como se determina, aliás, de 
 forma expressa no n.º 5 do artigo 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos 
 Civis e Políticos, aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12 de Junho: 
 
 «Qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por 
 uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença, em 
 conformidade com a lei»; como imporá, também, que a lei preveja o recurso dos 
 actos judiciais que, durante o processo, tenham como efeito a privação ou a 
 restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido. Mas já não 
 impõe que se possibilite o recurso de todo e qualquer acto do juiz” (in Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, 9º vol., págs. 467-468; no mesmo sentido, veja-se o 
 Acórdão n.º 178/88, in Acórdãos, vol. 12º, págs. 569 e seguintes).”.
 
  
 
            A garantia de um duplo grau de jurisdição traduz-se, deste modo, na 
 possibilidade de a situação de eventual ofensa ao direito de liberdade e 
 segurança poder ser reexaminada, concernentemente a todos os fundamentos que 
 poderão determinar a decisão da causa, por um tribunal diferente 
 hierarquicamente superior. Dito de uma forma simplista, a garantia de um duplo 
 grau de jurisdição tem que ver essencialmente com a definição da situação 
 jurídico-criminal do arguido em matéria que contenda com a privação, limitação 
 ou restrição dos seus direitos e garantias fundamentais da liberdade e segurança 
 
 (como é, por exemplo, o caso das decisões condenatórias ou aplicação de medidas 
 de coacção), e não, directamente, com o cumprimento das regras procedimentais ou 
 processuais a que o legislador subordine as decisões judiciais em tal matéria. 
 
            Sendo assim, não decorre forçosamente da garantia constitucional de 
 um duplo grau de jurisdição que haja de ser sempre admissível o recurso para o 
 tribunal superior nos casos em que o tribunal de recurso se pronuncie, pela 
 primeira vez, sobre questões que influam na decisão da causa (ressalvando-se o 
 recurso de constitucionalidade para o órgão jurisdicional específico não 
 enquadrado na hierarquia dos tribunais) ou nos de, ao proferir a decisão, 
 incorrer na violação de lei processual ou procedimental que seja sancionada com 
 o estigma da nulidade.
 
            Nada impõe que se leve a autonomização da questão da nulidade da 
 decisão em relação à questão de fundo tão longe que seja constitucionalmente 
 exigível a existência de um 2º grau de jurisdição especificamente para esta 
 questão, considerando o regime de arguição e conhecimento das nulidades em 
 processo penal por via de recurso, a possibilidade de arguir as nulidades 
 perante o órgão que proferiu a decisão, quando aquele recurso não existir, e, 
 como no presente caso, a existência de duas decisões concordantes em sentido 
 condenatório (o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse 
 sentido).
 
            É claro que o legislador poderia, na sua discricionariedade 
 legislativa, admitir esse recurso, mesmo nas hipóteses em que o fundamento deste 
 resida na arguição de nulidades processuais, assim ampliando o âmbito material 
 do direito de recurso, mas a sua inadmissibilidade não será constitucionalmente 
 intolerável.».
 
             
 
             De notar, ainda, é a posição tomada no recente Acórdão n.º 589/05, 
 publicado no Diário da República II Série, de 4 de Janeiro de 2006, e Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, 62.º vol. p. 223, em que tal, como no presente caso, 
 estava em causa uma questão incidental relativa não ao arguido no processo mas a 
 outro interveniente (aqui refere-se à recusa de juiz, aí referia-se à quebra de 
 sigilo profissional de testemunha jornalista), tendo o Tribunal Constitucional 
 entendido que a matéria não respeitava sequer às garantias de defesa do arguido, 
 por a recorrente não ser arguida e por isso não estava abrangida pelo âmbito 
 normativo do art. 32.º, n.º 1, da CRP, e que o segundo grau de jurisdição também 
 não decorria do direito de acesso aos tribunais em qualquer das dimensões 
 retratadas no art. 20.º, nºs 1, 4 e 5, da CRP.
 
  
 
             Segundo resulta do recorte normativo da situação em causa no 
 presente recurso, a questão do impedimento do juiz no processo penal é decidida 
 em primeira mão pelo próprio juiz cujo impedimento haja sido arguido e só no 
 caso dele não reconhecer o seu impedimento legal é que cabe recurso para o 
 tribunal imediatamente superior (art. 41.º e 42.º do CPP).
 
             Porém, – e tal como se passa no caso decidido pelo referido Acórdão 
 n.º 589/05 – trata-se de matéria que não diz respeito especificamente aos meios 
 de defesa do arguido.
 
             Estamos perante matéria que não diz respeito propriamente ao objecto 
 da causa, ao thema do processo, mas à legitimidade substantiva de um dos 
 sujeitos ou intervenientes na relação processual penal, à legitimidade 
 substantiva do juiz para exercer as suas funções no processo, e que, como tal 
 tanto se pode configurar em relação ao arguido como em relação ao ofendido ou 
 pessoa com a faculdade de se constituir assistente, seja directamente, seja 
 mediatamente, aqui por referência a um determinado leque de pessoas que com eles 
 poderão estar em relação familiar ou análoga.
 
             Assim sendo, tem de concluir-se que, pela sua natureza, a situação 
 normativa em causa não cabe no âmbito de protecção de um segundo grau de 
 jurisdição postulado pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP.
 
  
 
             6.3 – Sustenta, ainda, a recorrente que norma em causa no presente 
 recurso viola, também, o art. 20.º, n.º 1, da CRP, “por impedir quer a defesa 
 dos direitos, quer o direito ao recurso e ao duplo grau de jurisdição”.
 
             Mas mais uma vez sem razão.
 
             Discorrendo sobre este parâmetro constitucional, a propósito do caso 
 aí analisado, afirmou-se, no já referido Acórdão n.º 589/05, o seguinte:
 
  
 
          «Como o Tribunal Constitucional afirmou no acórdão n.º 163/90, de 23 de 
 Maio (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º volume, 1990, p. 301 
 ss), o direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses 
 legítimos “é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a 
 que se deve chegar em prazo razoável e com observância das regras da 
 imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto 
 funcionamento do contraditório”. Mas esse acesso aos tribunais não tem que ser 
 assegurado sempre em mais de um grau de jurisdição: mesmo no domínio do processo 
 penal, “[a] Constituição não impõe [...] que o legislador consagre a faculdade 
 de recorrer de todo e qualquer acto do juiz”. 
 
  
 
          Por outro lado, disse este Tribunal, no acórdão n.º 673/95 (Diário da 
 República, 2ª Série, n.º 68, de 20 de Março de 1996, p. 3786 ss):
 
  
 
 “[...]
 Que não há aí violação do artigo 20º e mais rigorosamente do seu n.º 1, da 
 Constituição – [...] – é um dado que ressalta de posições ditas e reafirmadas 
 por este Tribunal Constitucional, apoiando‑se na doutrina e na sua já vasta 
 jurisprudência a propósito tirada, no sentido de que o direito de acesso aos 
 tribunais postulado pelo artigo 20º, n.º 1, da Lei Fundamental não garante, 
 necessariamente, em todos os casos e por si só, o direito a um duplo ou a um 
 triplo grau de jurisdição, sendo que a garantia de um duplo grau de jurisdição 
 referentemente a réus condenados em processo criminal não é imposta por aquele 
 normativo constitucional, antes decorrendo do que se preceitua no n.º 1 do 
 artigo 32º da Constituição.
 E, igualmente, tem defendido que aquela Lei não consagra um direito geral de 
 recurso das decisões judiciais (afora aquelas de natureza criminal condenatória, 
 recurso esse, porém, que deflui da necessidade de previsão de um segundo grau de 
 jurisdição, necessidade essa, repete‑se, imposta pelo n.º 1 do artigo 32º). 
 Acrescenta, todavia, com suporte na própria doutrina, que, uma vez que a 
 Constituição prevê «a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais 
 judiciais» – o mesmo acontecendo na ordem dos tribunais administrativas e 
 fiscais – e que lei infra constitucional, designadamente os diplomas adjectivos 
 fundamentais e os que regem a organização judiciária, [...], também prevêem 
 esses órgãos de administração de justiça funcionando como tribunais também 
 vocacionados para decidir em sede de impugnação das decisões emanadas de 
 tribunais de hierarquia inferior, então não será lícito ao legislador ordinário 
 suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos ou ir até ao 
 ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer, que, na prática, se tivesse 
 de concluir que os recursos tinham sido suprimidos (as expressões em itálico são 
 extraídas da obra Recursos em Processo Civil, de Armindo Ribeiro Mendes, Lisboa 
 
 1992, pp. 100, 101 e 102; cfr., como exemplo da jurisprudência do Tribunal, e 
 com mais recente publicação, quanto ao tema em análise, o Acórdão n.º 447/93, no 
 Diário da República, 2ª Série, de 23 de Abril de 1994).
 
 [...].”.
 
  
 
          É, portanto, entendimento pacífico na jurisprudência constitucional que 
 o direito de acesso à justiça não comporta o sistemático exercício do direito ao 
 recurso, visando assegurar o duplo grau de jurisdição perante todas as decisões 
 que afectem determinado interveniente processual.
 
          Logo, não é possível sustentar que do artigo 20º, n.º 1, da 
 Constituição decorre, sem mais, o direito do titular do direito ao sigilo 
 profissional, a quem foi ordenada a prestação de depoimento em processo penal 
 com quebra desse mesmo sigilo, de interpor recurso da correspondente decisão 
 judicial, para obter a reapreciação dessa decisão.». 
 
  
 
             Estas considerações são totalmente transponíveis para o caso dos 
 autos. Mesmo configurando o problema como uma questão de defesa ou de 
 reconhecimento de um direito do arguido [como de outros sujeitos do processo] – 
 o direito à decisão da causa por um órgão independente, imparcial e isento (cf. 
 art. 202.º e 203.º da CRP) – sempre terá de concluir-se que essa pretensão ou 
 esse direito é apreciado, na situação dos autos, pelo menos, por um órgão dotado 
 dessas exigências constitucionais.
 
             Na verdade, mesmo descaracterizando a decisão do juiz cuja 
 intervenção se recurso de negação da existência do impedimento alegado, sempre 
 ocorre a intervenção de um tribunal superior [ou no caso do n.º 2 do art. 42.º 
 do CPP, de uma formação judicial do Supremo Tribunal de Justiça sem intervenção 
 do juiz visado].
 
             E não decorrendo do art. 20.º, n.º 1, da CRP uma exigência de 
 acautelamento, em todos os casos, da existência de um segundo grau de 
 jurisdição, há-de concluir-se caber na discricionariedade do legislador 
 ordinário admiti-lo ou não em função dos diversos interesses concorrentes, como 
 a celeridade na obtenção de uma decisão definitiva, a natureza e valor dos 
 direitos a que respeita, a capacidade de resposta dos tribunais, etc.
 
             Assim sendo, a norma em causa, ao não admitir, na dimensão 
 interpretativa aplicada como ratio decidendi, recurso do acórdão da relação que 
 decidiu o incidente de recusa do juiz de instrução criminal de 1.ª instância, 
 não viola o convocado parâmetro constitucional.
 
  
 C – Decisão 
 
  
 
             7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide:
 
  
 
             a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 
 
 399.º, 432.º e 433.º do Código de Processo Penal, quando interpretadas no 
 sentido de que não é admissível recurso da decisão do Tribunal da Relação 
 proferida em incidente de recusa de juiz de 1.ª instância;
 
  
 
             b) Negar provimento ao recurso.
 
  
 
             c) Condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 25 
 UCs.
 Lisboa, 13/11/2007
 Benjamim Rodrigues
 João Cura Mariano
 Joaquim Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 [1] Citados no ac. de 27.09.06, proc. nº 2322/06 (relatado pelo Cons. Sousa 
 Fonte), e que, aqui, se seguirá de perto. 
 
 [2] 2 Como anota Maia Gonçalves (Código de Processo Penal, Anotado e Comentado), 
 
 ‘neste artigo estabelece-se o princípio geral da admissibilidade de recurso das 
 sentenças e dos despachos judiciais, sempre que a irrecorribilidade não esteja 
 prevista na lei 
 Trata-se de uma norma idêntica à do art. 654º do CPP de 1929. Porém, se as 
 normas são idênticas, sucede que os casos de irrecorribilidade previstos na lei 
 são agora mais numerosos que aqueles que a lei anterior previa. …’
 
 [3] Dúvidas retomadas, por exemplo, nos acórdãos de 31.05.06, proc. nº 1597/06 e 
 
 03.05.06. proc. nº 3894/06 : ‘é duvidosa a admissibilidade do recurso da decisão 
 que conheça do incidente de recusa, por já ter sido conhecido pelo tribunal 
 imediatamente superior àquele em que o incidente é deduzido’
 
 [4] Com o seguinte sumário: 
 
 1ª A decisão do tribunal da Relação proferida, não como instância formal de 
 recurso, mas como instância de decisão no processo, em outro grau, sobre questão 
 incidental cujo conhecimento a lei lhe defira, não se integra em qualquer das 
 hipóteses de recurso para o Supremo Tribunal do Justiça previstas no artigo 432° 
 do Código de Processo Penal (CPP). 
 
 2ª Não se trata de decisão proferida pela relação em primeira instância (artigo 
 
 432°, nº 1 alínea a), do CPP), isto é, em que a competência em razão da matéria 
 e da hierarquia para a decisão do caso e do objecto do processo caiba, em 
 primeiro grau de conhecimento, e segundo as leis de organização e competências 
 dos tribunais, aos Tribunais da relação, e não constitui também situação que se 
 enquadre nas alíneas c), d) e e) do artigo 432° do CPP. 
 
 3ª A alínea b) do artigo 432° do CPP tem de ser interpretada em equilíbrio 
 sistémico com o artigo 400°, nº 1, alínea c) do CPP. 
 
 4ª A norma da alínea e) do nº 1 do artigo 400°, quando se refere a decisões 
 proferidas, em recurso, pelas relações, que não tenham posto termo à causa, quer 
 significar que a competência em razão da hierarquia para proferir decisões que 
 não ponham termo à causa cabe às relações, que decidem, em matérias 
 interlocutórias, em última instância – quer seja decisão proferida em recurso, 
 quer seja por ocasião de um recurso ou por intervenção incidental directamente 
 deferida pela lei.
 
  
 
 [5] No mesmo sentido decidiu, por exemplo, o acórdão de 11.04.07, proc. nº 
 
 1130/07.
 
 [6] Constituição da República Portuguesa, Anotada, 4ª Ed., p. 516 e 418.