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Processo nº 127/94
 
 2ª Secção
 relator: Cons. Messias Bento
 
  
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
                         I. Relatório:
 
  
 
                         1.I... instaurou, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, 
 acção ordinária contra CAMINHOS DE FERRO PORTUGUESES, EP, pedindo a sua 
 condenação no pagamento da quantia de 3.683.972$00, relativa ao trabalho 
 extraordinário que disse ter prestado entre 1 de Novembro de 1959 e 1 de Março 
 de 1990.
 
  
 
  
 
                         Sem êxito, porém. Tal como sem êxito foi também o 
 recurso que interpôs para a Relação da sentença da 1ª instância.
 
  
 
  
 
                         Recorreu, então, de revista para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, invocando, entre o mais, a inconstitucionalidade dos artigos 6º do 
 Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, e 13º do Decreto nº 381/72, de 9 de 
 Outubro, e das cláusulas 83ª, 86ª e 89ª dos Acordos Colectivos de Trabalho de 
 
 1976, 1978, 1981 e 1990; e, bem assim, a ilegalidade daquele artigo 13º do 
 Decreto nº 381/72.
 
  
 
  
 
                         O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 23 de 
 Fevereiro de 1994, negou a revista, depois de ter concluído: 'Não houve pois 
 violação de qualquer princípio da lei fundamental [nomeadamente dos seus artigos 
 
 13º e 59º, nº 1, alíneas a) e d)]. Nem da lei comum'.
 
  
 
  
 
                         2. É deste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (de 23 
 de Fevereiro de 1994) que vem o presente recurso, interposto ao abrigo das 
 alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para 
 apreciar a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 6º do 
 Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, e 13º do Decreto nº 381/72, de 9 de 
 Outubro, e das cláusulas 83ª do Acordo Colectivo de Trabalho de 1976, 86ª do 
 Acordo Colectivo de Trabalho de 1978  e 89ª do Acordo de Empresa de 1981; e, bem 
 assim, a ilegalidade daquele artigo 13º do Decreto nº 381/72.
 
  
 
  
 
                         Neste Tribunal, a recorrente concluiu assim as suas 
 conclusões:
 
  
 A. Sobre a inconstitucionalidade:
 
    1 - As cláusulas dos ACTs que acima se indicaram constituem verdadeiros 
 
 'regulamentos delegados' ou mesmo 'autónomos'. E foram criados à sombra do 
 disposto no artº 6º, nº 2, b), do DL nº 409/71, de 27 de Novembro e do artigo 
 
 13º do Dec. 381/72, de 9 de Outubro.
 
 2 - Segundo os artigos 201º e 202º da CRP (respectivamente versão de 1976 e 
 
 1982) compete exclusivamente ao governo, no exercício das funções 
 administrativas, fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis.
 
 3 - Por outro lado, impõe o artº 114º da CRP de 1976 que: nenhum órgão de 
 soberania, da região autónoma ou de poder local pode delegar os seus poderes 
 noutros órgãos a não ser nos casos expressamente previstos não só na 
 Constituição mas também na lei.
 
 4 - Por sua vez, o artº 115º, nº 5, da CRP (revisão de 1982) veio proibir os 
 regulamentos delegados ao impôr que nenhuma lei pode criar outras categorias de 
 actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com 
 eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar 
 qualquer dos seus preceitos. Isto significa a inadmissibilidade, no direito 
 constitucional português vigente de 'regulamentação de regulamentos delegados' 
 ou 'autónomos', em qualquer das suas manifestações típicas.
 
 5 - O artigo 6º, nº 2, b), do DL 409/71 e os artº 13º e 14º do dec. 381/72 são 
 pois inconstitucionais por ofensa do artº 201º (1976), 202º (1982) - 114º e 
 
 115º, nº 5 da CRP.
 
 6 - E inconstitucionais são ainda as cláusulas 83º-86º e 89º dos ACTs de 
 
 1976-1978-1981, porque criadas à sombra de normas inconstitucionais e ainda 
 porque, de forma indirecta, ofendem os preceitos constitucionais referidos na 
 conclusão que antecede (5).
 
 7 - Tais cláusulas são ainda inconstitucionais (organicamente, formalmente e 
 materialmente) porque as alterações a introduzir nas normas do DL 409/71, 
 relativamente às empresas públicas e concessionárias de serviços públicos, só 
 podiam ser feitas pelo Governo por meio de decreto regulamentar e não por outra 
 via. Assim o impõe o artº 10º, nº 2, do DL 409/71.
 
 8 - E são ainda inconstitucionais ao imporem horários de trabalho diário de 12 
 horas - superior a 12 horas - permanente, pois a recorrente ao ser-lhe negada a 
 possibilidade de se ausentar do seu posto de trabalho ou das proximidades deste, 
 tais normas convencionais violaram o artº 53º, b) e d) da CRP por imporem uma 
 jornada de trabalho sem limite e por impedirem a trabalhadora da sua realização 
 pessoal, familiar e social.
 
 9 - E ofendem ainda o artº 54º, b), da CRP porque a fixação do horário nacional 
 de trabalho é da exclusiva competência do Governo.
 
 10 - E considerando que o salário mensal das guardas de PN é igual para todas, 
 como resulta dos vários ACTs, independentemente de trabalharem 9-12 ou mais de 
 
 12 horas/dia, a recorrente tendo prestado mais de 9 horas/dia ou mais de 12 
 horas/dia, recebendo o mesmo salário, foi discriminada e prejudicada. Tais 
 cláusulas são pois inconstitucionais por ofenderem os princípios contidos no 
 artº 13º da CRP.
 
  
 B - Sobre a ilegalidade:
 
 11 - Para além de inconstitucionais, o artº 6º, nº 2‑b) do DL 409/71 e os 
 artigos 13º e 14º do dec. 381/72 são ainda ilegais - contra legem - porque 
 ofendem o disposto no artigo 1º, nº 2 do DL 409/71 que impõe que as alterações a 
 introduzir no mesmo sejam feitas por uma única via - o decreto regulamentar e 
 não por actos de outra natureza; pelo Governo e não por outros órgãos 
 diferentes.
 
 12 - Ilegais são ainda as ditas cláusulas porque ofendem os princípios contidos 
 nas seguintes disposições legais:
 
                a) Artigo 13º da LCT - DL 49.408 ? de 21.11.69
 
                b) Artigo 4º-c) do DL 164-A/76? de 28 de
 Fevereiro.
 
                c) Artigo 6º, nº 1-c) do DL 519-C1/79, de 29 de Dezembro, os 
 quais proibem os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho de 
 incluírem quaisquer disposições que importem para os trabalhadores tratamento 
 menos favorável do que o estabelecido por lei.
 E um horário de trabalho de 12 horas - superior a 12 horas ou permanente é menos 
 favorável do que o estabelecido no DL 409/71 e dec. 381/72 (48 horas/semana e 8 
 ou 9 horas/dia).
 
  
 
  
 
                         A recorrida, por sua parte, formulou as conclusões que, 
 a seguir, se indicam:
 
 1. A actividade das guardas de passagem de nível deverá ser sobretudo moldada, 
 como refere a cláusula 89ª do ACT de 1981, pelo 'movimento das passagens de 
 nível quanto a peões, veículos e composições ferroviárias'.
 
  
 
  
 
 2. Trata-se, assim, de uma prestação de trabalho marcadamente intermitente, 
 processando-se ao longo da jornada de forma descontínua em função das efectivas 
 necessidades do tráfego ferroviário, alternando períodos de trabalho efectivo 
 com períodos de não trabalho ou inactivos.
 
 3. O esquema de trabalho das guardas de PN não põe, assim, em causa o direito 
 aos lazeres e ao repouso, nem conduz a qualquer tipo de discriminação, antes se 
 apresentando perfeitamente compatível com o sentido dos artºs 59º e 13º da CRP.
 
 4. O artº 6º, nº 2, al. b) do DL nº 409/71, de 27 de Setembro, prevê que, nas 
 hipóteses de trabalho marcadamente intermitente, os limites máximos dos períodos 
 normais de trabalho legalmente fixados possam ser ultrapassados por decreto 
 regulamentar ou instrumentos de regulamentação colectiva.
 
 5. Ao remeter para 'as excepções e adaptações constantes das convenções 
 colectivas de trabalho', o artº 13º do Decreto nº 381/72, de 9 de Outubro 
 
 (diploma que adequa o DL nº 409/71 ao sector dos transportes ferroviários) 
 limita-se, assim, a reproduzir a doutrina da lei geral aplicável que remete, ela 
 própria, para a contratação colectiva a duração dos períodos normais de trabalho 
 
 às situações em que um acréscimo relativamente aos máximos legais é permitido 
 
 (como no caso da intermitência).
 
 6. Semelhante raciocínio vale para o artº 14º do Decreto nº 381/82.
 
 7. Este tipo de reenvios normativos - regulamentos delegados ou autorizados - só 
 vieram a ser postergados da ordem jurídica portuguesa na sequência do artº 115º, 
 nº 5, da CRP, introduzido pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro.
 
 8. A inconstitucionalidade superveniente não afecta na sua consistência jurídica 
 os actos anteriormente publicados ao abrigo da norma inconstitucional.
 
 9. Da mesma forma, o princípio do congelamento do grau hierárquico só foi 
 introduzido com a 1ª revisão da CRP, valendo, neste particular, as razões 
 anteriormente apontadas a propósito da inconstitucionalidade superveniente.
 
 10. O reenvio para as convenções colectivas, para além de não infringir qualquer 
 reserva da lei, já que esta não existe no domínio em apreço, coadunou-se, já 
 nessa altura, com os princípios da autonomia dos organismos sindicais a que se 
 referem os artºs 55º e 56º da CRP.
 
 11. Não se verifica, assim, qualquer inconstitucionalidade do artº 6º, nº 2, al. 
 b), do DL 409/71, dos artºs 13º e 14º do Decreto nº 381/72 e das cláusulas 83ª, 
 
 86ª e 89ª, respectivamente, dos ACTs de 1976, 1978 e 1981.
 
  
 
  
 
 12. Entre o artº 1º, nº 2, e o artº 6º, nº 2, al. b) do DL nº 409/71 não se 
 verifica qualquer colisão: o primeiro visa a possibilidade da adaptação do 
 diploma às empresas concessionárias de serviço público e às empresas públicas e 
 o outro prevê a possibilidade geral de os limites dos períodos normais de 
 trabalho serem ultrapassados em casos de trabalho acentuadamente intermitente.
 
 13. Quanto ao artº 13º do Decreto nº 381/72, sendo - como é - legal o reenvio a 
 que procede para a contratação colectiva, de nenhuma ilegalidade padece, o mesmo 
 valendo para o artº 14º do mesmo diploma.
 
 14. As cláusulas supra referidas dos ACTs têm perfeito suporte na lei (artº 13º 
 da LCT) não aduzindo os artºs 4º, al. c) do DL nº 164-A/76 e 6º, nº 1, al. c) do 
 DL nº 518-C1/79, qualquer argumento que possa ser utilizado pela ora Recorrente.
 
  
 
  
 
                         3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                         II. Fundamentos:
 
  
 
                         4. Delimitação do objecto do recurso:
 
                         Liminarmente, dir-se-á que, das questões que a 
 recorrente colocou nas alegações aqui apresentadas, o Tribunal não apreciará as 
 seguintes:
 
                         (a). a questão da inconstitucionalidade do artigo 14º do 
 Decreto nº 381/72, de 9 de Outubro, nem a da sua ilegalidade;
 
                         (b). a questão da inconstitucionalidade e a da 
 ilegalidade, tendo por objecto as cláusulas 83ª do ACT de 1976, 86ª do ACT de 
 
 1978 e 89ª do ACT de 1981;
 
                         (c). a questão da ilegalidade do artigo 6º, nº 2, alínea 
 b), do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro;
 
                         (d). a questão da ilegalidade da norma do artigo 13º do 
 citado Decreto nº 381/72.
 
  
 
  
 
                         O Tribunal pronunciar-se-á, pois, tão-somente sobre a 
 constitucionalidade do artigo 6º, nº 2, alínea b), do Decreto‑Lei nº 409/71, de 
 
 27 de Setembro, e sobre a do artigo 13º do Decreto nº 381/72, de 9 de Outubro.
 
  
 
  
 
                         As razões são as seguintes:
 
  
 
  
 
                         4.1. Quanto à questão da inconstitucionalidade e à da 
 ilegalidade do artigo 14º do Decreto nº 381/72:
 
                         Para além de tal norma não ter sido indicada no 
 requerimento de interposição do recurso (como se imporia, face ao disposto no 
 artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional), nunca ela fora questionada sub 
 specie constitutionis ou sub specie legis, durante o processo, como o exigem as 
 alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional para que 
 possa recorrer-se para este Tribunal.
 
  
 
  
 
                         4.2. Quanto à questão da ilegalidade do artigo 6º, nº 2, 
 alínea b), do Decreto-Lei nº 409/71:
 
 
 
 
 
  
 
  
 
                         Durante o processo, nunca a recorrente suscitou a 
 ilegalidade deste artigo 6º, nº 2, alínea b), mas apenas a sua 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
  
 
                         Desde logo por aí, não se verificam os pressupostos do 
 recurso por ilegalidade, previstos na alínea f) - com referência à alínea b) - 
 do nº 1 do artigo 70º já citado.
 
  
 
  
 
                         Acresce que, no requerimento de interposição do recurso 
 para este Tribunal, a recorrente apenas pediu a apreciação do referido artigo 
 
 6º, nº 2, alínea b), sub specie constitutionis, e não também sub specie legis.
 
                         O requerimento de interposição do recurso não satisfaz, 
 assim, quanto ao vício de ilegalidade, os requisitos formais impostos pelo 
 artigo 75º-A (já citado) para se conhecer do recurso.
 
  
 
  
 
                         4.3. Quanto à questão da ilegalidade do artigo 13º do 
 Decreto nº 381/72:
 
                         A questão da ilegalidade deste artigo 13º foi suscitada 
 pela recorrente durante o processo. Ao que acresce que a recorrente solicitou a 
 sua apreciação por este Tribunal, também sub specie legis.
 
 
 
 
 
  
 
  
 
  
 
                         Apesar disso, porém, no caso, não se verificam todos os 
 pressupostos necessários ao conhecimento de tal questão de ilegalidade por este 
 Tribunal.
 
  
 
  
 
                         De facto - para além dos casos, que aqui não estão em 
 causa, de aplicação de 'norma constante de diploma regional' [alínea d)] ou cuja 
 ilegalidade se traduza na 'violação do estatuto de uma região autónoma' [alínea 
 e)] ou 'na sua contrariedade com uma convenção internacional' [alínea i)] -, o 
 recurso por ilegalidade, previsto na alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do 
 Tribunal Constitucional, só cabe das decisões de outros tribunais que apliquem 
 
 'norma constante de acto legislativo', cuja ilegalidade se traduza na 'violação 
 de lei com valor reforçado' [alínea c)].
 
  
 
  
 
                         No recurso da alínea f), conjugada com a alínea c), do 
 nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional - que é o que aqui está em 
 causa - o Tribunal só controla, pois, a legalidade reforçada.
 
  
 
  
 
                         Ora, independentemente de o Decreto-Lei nº 409/71, de 27 
 de Setembro, dever ou não merecer o qualificativo de 'lei com valor reforçado' - 
 questão que, aqui, não interessa decidir -, o mencionado artigo 13º do decreto 
 consta de um regulamento, e não de um acto legislativo, pois que só são tais as 
 leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais (cf. artigo 115º, nº 
 
 1, da Constituição). Os decretos, esses são regulamentos [cf. artigo 115º, nº 6, 
 
 202º, alínea b), e 204º, nº 3, da Constituição): contêm normas regulamentares, e 
 não normas legislativas.
 
  
 
  
 
                         4.4. Quanto à questão da inconstitucionalidade e à da 
 ilegalidade das cláusulas 83ª, 86ª e 89ª , atrás indicadas:
 
  
 
                         As cláusulas referidas constam de acordos colectivos de 
 trabalho, sendo, assim, produto da contratação colectiva entre a CP e os 
 sindicatos interessados. Nasceram do livre exercício da autonomia contratual 
 colectiva.
 
  
 
  
 
                         Tais cláusulas não são, porém, normas para os efeitos do 
 disposto no artigo 280º (e 281º) da Constituição - e, assim, para o efeito, que 
 aqui está em causa, dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 
 
 70º da Lei do Tribunal Constitucional -, como este Tribunal, por esta mesma 
 Secção, embora só por maioria, teve ocasião de mostrar no acórdão nº 172/93 
 
 (publicado no Diário da República, II série, de 18 de Junho de 1993).
 
  
 
  
 
                         Para assim concluir (ou seja: para concluir que as 
 cláusulas das convenções colectivas de trabalho não são normas para o efeito de 
 serem submetidas ao específico sistema de controlo de constitucionalidade, 
 constante dos artigos 280º e 281º da Constituição), o Tribunal começou por 
 assinalar que tais convenções, seja qual for a sua natureza jurídica, não têm 
 fixado na Lei Fundamental o regime jurídico da sua eficácia. A Constituição 
 comete à lei ordinária tal encargo (cf. artigo 56º, nº 4).
 
  
 
  
 
                         Ora, o Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro, 
 estabelece, no nº 1 do seu artigo 7º, que 'as convenções colectivas de trabalho 
 obrigam as entidades patronais que as subscreveram e as inscritas nas 
 associações patronais signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que 
 sejam membros quer das associações sindicais celebrantes, quer das associações 
 sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes'. Acrescenta, no 
 nº 2 do mesmo artigo 7º, que 'as convenções outorgadas pelas uniões, federações 
 e confederações obrigam as entidades patronais empregadoras e os trabalhadores 
 inscritos, respectivamente, nas associações patronais e nos sindicatos 
 representados nos termos dos estatutos daquelas organizações [...]'. E, no 
 artigo 8º, preceitua que se consideram 'abrangidos pelas convenções colectivas 
 os trabalhadores e as entidades patronais que estivessem filiadas nas 
 associações signatárias no momento do início do processo negocial, bem como os 
 que nelas se filiem durante o período de vigência das mesmas convenções'.
 
  
 
  
 
                         Portanto, obrigados pelas convenções colectivas de 
 trabalho, apenas ficam as entidades que as celebram e as organizações e os 
 trabalhadores que por elas são ou venham a ser representados. Quaisquer outras 
 organizações e trabalhadores só podem vir a ficar obrigados por tais convenções, 
 se isso vier a ser determinado por uma portaria de extensão, que é um acto 
 normativo público.
 
  
 
  
 
                         De facto, o artigo 29º do citado Decreto-Lei nº 
 
 519‑C1/79 (entretanto, alterado pelo Decreto-Lei nº 209/92, de 2 de Outubro) 
 dispõe que, por portaria, pode 'ser determinada a extensão, total ou parcial, 
 das convenções colectivas [...] a entidades patronais do mesmo sector económico 
 e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga, desde que exerçam a 
 sua actividade na área e no âmbito naquelas fixados e não estejam filiados nas 
 mesmas associações' (nº 1) ou, ainda que exercendo 'a sua actividade em área 
 diversa daquela em que a mesma convenção se aplica, quando não existam 
 associações sindicais ou patronais e se verifique identidade ou semelhança 
 económica e social' (nº 2).
 
  
 
  
 
                         O Tribunal disse, depois, a concluir, no referido 
 acórdão nº 172/93:
 Em resumo: a lei regulamenta a eficácia específica das convenções colectivas 
 impondo a sua obrigatoriedade unicamente quanto àqueles que devem considerar-se 
 representados pelas entidades que as subscrevem, à luz dos princípios do direito 
 do trabalho. As organizações profissionais que as celebram não têm poderes de 
 autoridade mas apenas poderes de representação, isto é, de defesa e de promoção 
 da defesa dos direitos e interesses dos respectivos filiados (cfr. artigo 56º, 
 nº 1, da Constituição). E, assim, o clausulado que elas incorporam não contém 
 normas, entendidas como padrões de conduta emitidos por entidades investidas em 
 poderes de autoridade.
 Ora, se pode discutir-se qual o exacto alcance da palavra norma estabelecida no 
 artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, parece seguro, pelo menos, que 
 com ela se teve em vista apenas os actos dispositivos de entidades investidas em 
 poderes de autoridade, e mais precisamente, os actos dispositivos dos poderes 
 públicos. Por exemplo, esta questão é dada como assente no Acórdão nº 26/85 
 
 (Diário da República, 2ª série, de 26 de Abril de 1985), onde se concluiu que 
 nem todos os actos dos poderes públicos devem considerar-se normas (e, portanto, 
 sujeitos à fiscalização do Tribunal Constitucional): aí se optou por um conceito 
 funcionalmente adequado, segundo o qual não são normas as decisões judiciais e 
 os actos da administração sem carácter normativo, nem os actos políticos ou 
 actos de governo em sentido estrito.  
 Tal conceito funcionalmente adequado seria retomado depois no Acórdão nº 150/86 
 
 (Diário da República, 2ª série, de 26 de Julho de 1986), onde se considerou ser 
 o mesmo aplicável, não só aos casos de fiscalização abstracta, mas também aos 
 casos de fiscalização concreta, e que neste domínio o que importa verificar é se 
 o preceito a examinar tem por parâmetro de validade imediata a lei ou a 
 Constituição, pois que neste último caso nada justificará que esse exame escape 
 
 à jurisdição e à competência do Tribunal Constitucional.
 O Tribunal, contudo, sempre afirmou com clareza que escapam ao seu poder de 
 cognição as normas provenientes da autonomia privada, salvo quando decorrentes 
 da atribuição de poderes ou funções públicas a entidades privadas (Acórdão nº 
 
 472/89, in Diário da República, 2ª série, de 22 de Setembro de 1989; e Acórdãos 
 nº 156/88 e nº 157/88, in Diário da República, 2ª série, de 17 de Setembro e de 
 
 26 de Julho de 1988, respectivamente). 
 Ora, como as normas das convenções colectivas de trabalho não provêm de 
 entidades investidas em poderes de autoridade, e muito menos provêm de poderes 
 públicos, então não estão sujeitas à fiscalização concreta de 
 constitucionalidade que incumbe a este Tribunal exercer, nos termos do artigo 
 
 280º, nº 1, alínea b), da Constituição.
 
 É certo que o artigo 56º, nº 4, da Constituição se refere a normas das 
 convenções colectivas de trabalho. Todavia, com isto não pretende obviamente 
 usar o termo no sentido de normas provenientes dos poderes públicos, as únicas 
 que são consideradas no sistema de fiscalização de constitucionalidade pelo 
 artigo 3º, nº 3, da Constituição, como nota Jorge Miranda [...].
 E esta conclusão não conflitua com o decidido no Acórdão nº 392/89 (Diário da 
 República, 2ª série, de 14 de Setembro de 1989), na medida em que aí se conheceu 
 de uma norma constante de uma convenção colectiva de trabalho objecto de uma 
 portaria de extensão. É que, como então se assinalou, 'a cláusula foi aplicada 
 ex vi de uma portaria de extensão, que, assim, a 'apropriou', fazendo 'seu o 
 respectivo conteúdo normativo'', sendo certo que 'as normas de uma portaria 
 preenchem, seguramente, o conceito de norma para o efeito da sua submissão ao 
 controlo de constitucionalidade'.
 
  
 
  
 
                         Não se estando, pois, em presença de normas, não pode o 
 Tribunal apreciar a constitucionalidade, nem a legalidade das mencionadas 
 cláusulas 83ª, 86ª e 89ª (a apreciação deste último vício sempre, de resto, 
 estaria excluída, além do mais, porque se não estaria em presença de normas 
 legislativas).
 
  
 
  
 
                         Passando ao conhecimento das questões de 
 constitucionalidade.
 
  
 
  
 
                         5. A questão da constitucionalidade do artigo 6º, nº 2, 
 alínea b), do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro:
 
  
 
                         5.1. Mediante o contrato de trabalho que celebra com a 
 entidade patronal, o trabalhador obriga-se a prestar-lhe, sob a autoridade e 
 direcção dela e mediante retribuição, a sua actividade intelectual ou manual 
 
 (cf. artigo 1º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado 
 pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 21 de Novembro de 1969).
 
                         O número de horas de trabalho que o trabalhador se 
 obriga a prestar denomina-se período normal de trabalho, sendo o respectivo 
 limite máximo fixado por lei (cf. artigo 12º do regime Jurídico do Contrato 
 Individual de Trabalho) - lei que é o Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro. 
 
 (Este Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, foi, entretanto, alterado pelo 
 Decreto-Lei nº 398/91, de 16 de Outubro e, no tocante aos mapas de horário de 
 trabalho, pelo Decreto-Lei nº 65/87, de 6 de Fevereiro. E foi revogado pelo 
 Decreto-Lei nº 421/83, de 2 de Dezembro, no que se refere ao trabalho 
 extraordinário e ao trabalho prestado no dia de descanso semanal).
 
  
 
  
 
                         O nº 2 do artigo 1º deste Decreto-Lei nº 409/71 
 prescreve que o regime definido neste diploma (aplicável à duração do trabalho 
 prestado por efeito do contrato de trabalho) se aplica 'ao trabalho prestado às 
 empresa concessionárias de serviço público e às empresa públicas, com as 
 adaptações que nele vierem a ser introduzidas por decretos regulamentares 
 
 [...]'. Dispõe, depois, o artigo 5º (redacção do citado Decreto‑Lei nº 398/91) 
 que 'o período normal de trabalho não pode ser superior a 8 horas por dia e a 44 
 horas por semana' (antes da Lei nº 2/91, de 17 de Janeiro, tal período não podia 
 ultrapassar 48 horas semanais).
 
  
 
  
 
                         É dentro destes limites máximos do período normal de 
 trabalho que a entidade patronal deve estabelecer o horário de trabalho do 
 pessoal ao seu serviço (cf. os artigos 49º da Lei do Contrato Individual de 
 Trabalho e 11º, nº 1, do Decreto-Lei nº 409/71).
 
  
 
                         Os limites do período normal de trabalho, que se deixam 
 apontados, podem, no entanto, 'ser ultrapassados nos casos expressamente 
 previstos por disposição legal' (cf. nº 1 do artigo 6º). E mais: de acordo com o 
 nº 2 deste artigo 6º:
 
 2. O acréscimo dos limites referidos no número anterior poderá ser determinado 
 em decreto regulamentar ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho:
 
                a). [..]
 
                b). Em relação às pessoas cujo trabalho seja acentuadamente 
 intermitente ou de simples presença.
 
  
 
  
 
                         Por conseguinte, salvo nos casos expressamente previstos 
 na lei, o período normal de trabalho não pode exceder 8 horas por dia, nem 44 
 por semana. Só não será assim, quando se tratar de 'trabalho [que] seja 
 acentuadamente intermitente ou de simples presença': num tal caso, aqueles 
 limites podem ser excedidos. Questão é que tal seja 'determinado em decreto 
 regulamentar ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho'.
 
  
 
  
 
                         O acórdão recorrido qualificou o trabalho das guardas 
 das passagens de nível do tipo P (que se estende diariamente, por um período 
 superior a 12 horas: cf. a cláusula 80ª do ACT publicado no Boletim do 
 Ministério do Trabalho, nº 22, de 15 de Junho de 1975), como sendo 
 
 'acentuadamente intermitente'.
 
 
 
 
 
  
 
  
 
                         Como resulta do respectivo preâmbulo, foi ao abrigo do 
 artigo 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro - normativo que, 
 neste recurso, não está em causa - que o Governo editou o Decreto nº 381/72, de 
 
 9 de Outubro, visando adequar aquele Decreto-Lei nº 409/71 ao sector dos 
 transportes ferroviários, entre outros.
 
  
 
  
 
                         Este Decreto nº 381/72, no seu artigo 13º, preceitua 
 como segue:
 
 1. O período normal de trabalho do pessoal, salvo as excepções e adaptações 
 constantes das convenções colectivas de trabalho, não pode ser superior a 
 quarenta e oito horas por semana, que, em princípio, devem ser repartidas por 
 seis períodos de oito horas.
 
 2. Os agentes que prestem a sua actividade profissional sujeitos a escalas de 
 serviço poderão ter as quarenta e oito horas de trabalho normal repartidas em 
 períodos desiguais, nos termos das convenções colectivas, quando a necessidade 
 de assegurar o funcionamento normal do serviço público ferroviário impossibilite 
 a sujeição do seu período de trabalho a horários regulares.
 
 3. Os regimes de interrupção do período normal de trabalho e os critérios de 
 contagem do tempo de trabalho efectivo serão os estabelecidos nas convenções 
 colectivas de trabalho.
 
  
 
  
 
                         5.2. No entender da recorrente, o artigo 6º, nº 2, 
 alínea b), do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, aqui sub iudicio, e o 
 artigo 13º do Decreto nº 381/72 são inconstitucionais. E são-no, porque as 
 cláusulas, atrás referidas, das convenções colectivas de trabalho 'constituem 
 verdadeiros 'regulamentos delegados' ou mesmo 'autónomos'' e 'foram criados à 
 sombra do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 409/71, de 
 
 27 de Setembro (por lapso, escreveu Novembro) e do artigo 13º do Decreto nº 
 
 381/72, de 9 de Outubro'.
 
                         Ora - disse -, só ao Governo compete fazer regulamentos 
 para a boa execução das leis [cf. artigos 201º da CRP (versão de 1976) e 202º 
 
 (versão de 1982)], não podendo delegar tal competência (artigo 114º da CRP). 
 Para além de que - acrescentou - 'o artigo 115º, nº 5, da CRP (revisão de 1982) 
 veio proibir os regulamentos delegados [...]. Isto significa a 
 inadmissibilidade, no direito constitucional português vigente de 
 
 'regulamentação de regulamentos delegados' ou 'autónomos', em qualquer das suas 
 manifestações típicas'.
 
  
 
  
 
                         A recorrida, por sua parte, depois de chamar a atenção 
 para que 'os regulamentos delegados só vieram a ser postergados da ordem 
 jurídica portuguesa na sequência do artigo 115º, nº 5, da CRP, introduzido pela 
 Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro', conclui, dizendo que 'não se 
 verifica [...] qualquer inconstitucionalidade do artigo 6º, nº 2, alínea b), do 
 DL nº 409/71', nem do artigo 13º do Decreto nº 381/72.
 
  
 
  
 
                         A razão está com a recorrida.
 
  
 
                         5.3. Antes de mais, cabe notar que, seja qual for a 
 natureza jurídica das convenções colectivas de trabalho, o que elas, 
 seguramente, não são - contrariamente ao que sustenta a recorrente - é 
 regulamentos: elas não contêm normas jurídicas dimanadas de órgãos 
 administrativos e editadas no exercício da função administrativa [sobre o 
 conceito de regulamento, vide AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, 'Teoria dos 
 Regulamentos', Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXVII (1980), 
 páginas 1 e seguintes, e ano I (2ª série), 1986, páginas 3 e seguintes].
 
  
 
  
 
                         O poder regulamentar é um poder público (cf. A.R.QUEIRÓ, 
 Revista citada, 1986, página 11).
 
  
 
  
 
                         Ora, as organizações profissionais, ao celebrarem as 
 convenções colectivas de trabalho, não se encontram - recorda-se - investidas de 
 qualquer poder de autoridade, antes actuam no exercício da sua liberdade de 
 negociação. E, por isso mesmo, tudo quanto acordarem obriga apenas inter partes, 
 sendo necessária a intervenção do poder regulamentar (portaria de extensão) para 
 tornar obrigatórias as respectivas cláusulas em relação a terceiros.
 
  
 
                         O artigo 6º, nº 2, alínea b), aqui sub iudicio, ao 
 dispôr que, tratando-se de trabalho 'acentuadamente intermitente ou de simples 
 presença', os limites máximos do período normal de trabalho podem ser excedidos, 
 se tal for determinado em decreto regulamentar ou acordado em instrumento de 
 regulamentação colectiva de trabalho, não está, pois - contrariamente ao que 
 pretende a recorrente - a delegar nas organizações profissionais qualquer poder 
 regulamentar externo. O que, em tal preceito, se faz é, de um lado, abrir ao 
 Governo a possibilidade de regulamentar, por decreto (com eficácia externa, 
 portanto), a matéria dos limites máximos do período normal de trabalho; e, de 
 outro, abrir às organizações profissionais a possibilidade de regularem tal 
 matéria por acordo, que apenas vincula as entidades patronais e os 
 trabalhadores, inscritos, uns e outros, nas organizações profissionais 
 subscritoras do mesmo.
 
  
 
  
 
                         Na parte em que abre a possibilidade de intervenção do 
 poder regulamentar do Governo para modificar o regime geral instituído no 
 Decreto-Lei nº 409/71, o mencionado artigo 6º, nº 2, alínea b), fez algo que, no 
 domínio da Constituição de 1933 (e, mesmo, no da versão originária da actual 
 Constituição, ou seja, até à revisão desta aprovada pela Lei Constitucional nº 
 
 1/82, de 30 de Setembro), era tido pela doutrina e pela jurisprudência como 
 constitucionalmente legítimo (como, de resto, a recorrente reconhece, a dado 
 passo das suas alegações: cf. V, A).
 
                         Nesse período - como se escreveu no acórdão nº 266/92, 
 publicado no Diário da República, II série, de 23 de Novembro de 1992 -, 
 entendia-se, de facto, geralmente que, sem restrições, 'o Parlamento e o Governo 
 podiam autorizar o poder regulamentar a editar normas novas sobre matérias que 
 não devessem assumir necessariamente a forma de lei' (cf. AFONSO RODRIGUES 
 QUEIRÓ, Lições de Direito Administrativo, I, 1976, páginas 70, 428 a 430 e 437, 
 e Teoria dos Regulamentos cit., in Revista citada, ano XXVII, página 11. Cf. 
 também os Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2º volume, 1984, páginas 405 e 
 seguintes, respectivamente).
 
  
 
  
 
                         Só após a revisão constitucional de 1982, com a 
 introdução do artigo 115º, nº 5, da Constituição, é que - como também se 
 sublinhou no citado acórdão nº 266/92 - a lei deixou de poder delegar no poder 
 regulamentar a edição de regulamentos modificativos, suspensivos, revogatórios 
 ou derrogatórios de si mesma [cf., sobre este ponto, A.R. QUEIRÓ, Teoria dos 
 Regulamentos cit., página 11; J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição 
 da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, página 511; JORGE 
 MIRANDA, Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990, página 248; e os 
 acórdãos nºs 354/86, 19/87, 384/87 e 1/92, publicados no Diário da República, II 
 série, de 11 de Abril, 31 de Março e 15 de Dezembro de 1987, respectivamente, os 
 três primeiros, e I série, de 20 de Fevereiro de 1992, o último).
 
  
 
  
 
                         Assim sendo, o artigo 6º, nº 2, alínea b) - que não 
 pode, obviamente, ser confrontado com a Constituição de 1933, no domínio da qual 
 foi editado (cf., neste sentido, o citado acórdão nº 266/92) - se, acaso, 
 houvesse de ser avaliado à luz dos artigos 201º (versão de 1976), e 114º da 
 Constituição, a conclusão a extrair era a de que ele não afrontava tais 
 preceitos constitucionais, pois que fora editado antes da revisão constitucional 
 de 1982, e - repete-se -, só a partir de então, é que o legislador ficou 
 constitucionalmente proibido de delegar no poder regulamentar a possibilidade 
 de, entre o mais, editar regulamentos modificativos, suspensivos, revogatórios 
 ou derrogatórios da lei.
 
  
 
                         O artigo 6º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 409/71, 
 de 27 de Setembro, que, aquando da sua edição, não era passível de qualquer 
 censura no plano da constitucionalidade (cf. acórdãos nºs 354/86, 19/87 e 
 
 384/87) - na parte em que contém uma abertura para o Governo, através de 
 decretos regulamentares, modificar o regime geral estabelecido nesse diploma 
 legal em matéria de limites máximos do período normal de trabalho - tornou-se, 
 no entanto, supervenientemente inconstitucional; e, justamente, com a revisão 
 constitucional de 1982.
 
  
 
  
 
                         O artigo 115º, nº 5, da Constituição veio, de facto, 
 como se viu, inconstitucionalizar os preceitos legais que, inter alia, 
 habilitavam a Administração a editar regulamentos modificativos, suspensivos, 
 revogatórios ou derrogatórios de si mesmos.
 
  
 
                         5.4. Na parte em que abre às organizações profissionais 
 a possibilidade de, verificado o condicionalismo nele prescrito, regularem por 
 acordo a matéria dos limites máximos do período normal de trabalho, 
 ultrapassando os que estão fixados no artigo 5º do mesmo diploma legal, o 
 mencionado artigo 6º, nº 2, alínea b), não foi, porém, inconstitucionalizado 
 pelo artigo 115º, nº 5, da Constituição.
 
  
 
  
 
                         É certo que (para além de proibir que a lei autorize a 
 edição de regulamentos interpretativos ou integrativos de si própria - ou seja: 
 de proibir que a interpretação e a integração autêntica das leis seja feita por 
 regulamento, o que aqui não está em causa; e de proibir, bem assim, que ela 
 autorize a edição de regulamentos delegados, modificativos, suspensivos, 
 revogatórios ou derrogatórios de si mesma); o artigo 115º, nº 5, da Constituição 
 proíbe também que a lei confira a 'actos de outra natureza' (para além dos 
 regulamentos) 'o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, 
 modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos'.
 
  
 
  
 
                         Simplesmente, nesses 'actos de outra natureza', a que o 
 artigo 115º, nº 5, se refere, não estão incluídas as convenções colectivas de 
 trabalho.
 
  
 
  
 
                         De facto, as convenções colectivas de trabalho, não só 
 não são regulamentos, como também não são actos dotados de eficácia externa - e 
 só os actos com este tipo de eficácia estão abrangidas pela proibição 
 constitucional (cf., neste sentido, J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. 
 cit., página 511).
 
  
 
  
 
                         As convenções colectivas de trabalho - recorda-se - 
 apenas obrigam inter partes, sendo necessária a edição de uma portaria de 
 extensão (de um regulamento externo, portanto) para tornar obrigatória a sua 
 disciplina para terceiros não subscritores do acordo.
 
  
 
  
 
                         5.5. Na parte em que permite que, tratando-se de 
 trabalho 'acentuadamente intermitente ou de simples presença', as organizações 
 profissionais fixem, por acordo, limites máximos do período normal de trabalho 
 superiores aos estabelecidos no artigo 5º do mesmo diploma legal, o que tão-só 
 resulta do artigo 6º, nº 2, alínea b), é, pois, o seguinte: quando esteja em 
 causa esse tipo de trabalho, o artigo 5º não constitui norma legal imperativa - 
 norma que as convenções colectivas de trabalho (por força do disposto no artigo 
 
 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro) não possam contrariar.
 
  
 
  
 
                         O mencionado artigo 115º, nº 5, não proíbe, no entanto, 
 ao legislador que retire a natureza de norma imperativa a um determinado 
 preceito legal, restritamente a determinadas situações de facto.
 
  
 
  
 
                         Abrir à negociação colectiva a fixação de um regime 
 específico para certo tipo de trabalho (no caso, para o trabalho 'acentuadamente 
 intermitente ou de simples presença') só seria, pois, constitucionalmente 
 ilegítimo, se a norma legal que tal permite violasse outros preceitos ou 
 princípios constitucionais - maxime o princípio da igualdade (consagrado no 
 artigo 13º da Constituição) ou o direito ao descanso e aos lazeres (consagrado 
 na alínea d) do nº 1 do artigo 59º da Constituição), cuja violação a recorrente 
 imputa às cláusulas das convenções colectivas de trabalho atrás mencionadas.
 
  
 
  
 
                         Tal, porém, não acontece.
 
  
 
  
 
                         Quanto ao princípio da igualdade, basta lembrar que ele 
 não proíbe todo e qualquer tratamento diferenciado; proíbe, tão-só, as 
 distinções de tratamento arbitrárias ou irrazoáveis, porque carecidas de 
 fundamento material bastante.
 
  
 
  
 
                         Ora, no caso, existe fundamento suficiente - suficiente, 
 ao menos, para se não poder dizer que se trata de uma distinção irrazoável ou 
 arbitrária - para que o legislador deixe à CP e aos sindicatos, que representam 
 as guardas das passagens de nível, a possibilidade de fixarem, por acordo, 
 limites máximos à duração do período normal de trabalho, que excedam aqueles que 
 ele próprio estabeleceu, no artigo 5º do Decreto-Lei nº 409/71, para valerem 
 para os trabalhadores em geral.
 
  
 
  
 
                         É que, constituindo facto notório, como se diz no 
 acórdão recorrido, 'que a circulação de combóios, mesmo na linha do norte, se 
 faz com consideráveis intervalos de tempo', podendo, por isso, dizer-se que as 
 tarefas das guarda das passagens de nível 'sofrem as correspondentes 
 intermitências, que não podem deixar de ser consideradas predominantes em 
 relação ao tempo de trabalho efectivamente prestado', há-de convir-se que esta 
 situação de trabalho, quando comparada com a dos restantes trabalhadores, 
 apresenta uma especificidade que bem justifica que a lei deixe às 'partes' a 
 porta aberta para acordarem num regime específico (diferente, portanto, do que 
 ela própria fixa para valer quanto à generalidade dos trabalhadores).
 
  
 
  
 
                         Se essa especificidade é (ou não) tal que justifique o 
 regime acordado (a saber: um horário de 9 horas, para as guardas das passagens 
 de nível de tipo A; de 12 horas para as de tipo C; e de mais de 12 horas para as 
 de tipo P - classificação que, conforme ao teor da cláusula 80ª de 2/6/75 e da 
 cláusula 86ª, de 14/4/78, e da cláusula 89ª de 22/1/81, assenta no 'movimento 
 das passagens quanto a peões, veículos e circulações ferroviárias'), é questão 
 que, por não dizer respeito ao artigo 6º, nº 2, alínea b), considerado em si 
 mesmo, mas antes às cláusulas que, no caso, as 'partes' negociaram, aqui não tem 
 que decidir-se.
 
  
 
  
 
                         O artigo 6º, nº 2, alínea b), também não viola o artigo 
 
 59º, nº 1, alínea d), da Constituição.
 
  
 
  
 
                         O 'limite máximo de duração da jornada de trabalho' 
 deve, justamente, ser fixado, tendo em conta, entre o mais, a intensidade e a 
 penosidade do trabalho que estiver em causa.
 
                         Por isso, a possibilidade de os momentos de descanso 
 serem distribuídos por vários períodos ao longo do dia, de acordo, precisamente, 
 com o carácter intermitente do trabalho, não é, em si mesmo, susceptível de 
 violar o direito ao repouso.
 
  
 
  
 
                         Saber se os horários de trabalho, tal como, em concreto, 
 foram acordados, salvaguardam ou não um tal direito dos trabalhadores ao 
 descanso e aos lazeres, é questão que também aqui não tem que ser decidida, pois 
 ela releva das cláusulas negociadas, e não do artigo 6º, nº 2, alínea b), 
 considerado em si mesmo.
 
  
 
                         6. A questão da inconstitucionalidade do artigo 13º do 
 Decreto nº 381/72, de 9 de Outubro.
 
  
 
                         O artigo 115º, nº 5, da Constituição, directamente, 
 dirige-se ao legislador, e não ao poder regulamentar.
 
                         Desse preceito constitucional, não pode, por isso, 
 decorrer, directamente, a inconstitucionalidade do artigo 13º do Decreto nº 
 
 381/72. E esta também não pode derivar da inconstitucionalidade (na medida atrás 
 assinalada) do artigo 6º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de 
 Setembro.
 
  
 
                         É que, desde logo, o artigo 115º, nº 5, apenas proíbe 
 que a lei autorize a Administração a editar (e que esta edite), a partir de 30 
 de Outubro de 1982 (que é a data da entrada em vigor da segunda revisão 
 constitucional), regulamentos que, entre o mais, modifiquem, suspendam, revoguem 
 ou derroguem o regime jurídico por ela própria instituído: isso é, com efeito, o 
 que resulta do que se dispõe no artigo 282º, nº 2, da Constituição.
 
  
 
  
 
                         Assim sendo, aquele artigo 6º, nº 2, alínea b), mantém 
 intocada a sua validade e eficácia para o período anterior a 30 de Outubro de 
 
 1982.
 
  
 
  
 
                         Mas, então, o artigo 13º do Decreto nº 381/82, editado 
 ao abrigo do referido artigo 6º, nº 2, alínea b), foi-o de forma 
 constitucionalmente regular e continua a ter suporte legal (e, assim, a manter o 
 fundamento da sua validade). De base legal careceria um regulamento do tipo do 
 Decreto nº 381/72 que, eventualmente, tivesse sido editado já depois de 30 de 
 Outubro de 1982 à sombra daquele artigo 6º, nº 2, alínea b). Esse, sim, que 
 seria inválido.
 
  
 
  
 
                         Uma outra linha de argumentação da recorrente, para 
 concluir pela inconstitucionalidade do artigo 13º, é, se bem se compreende o seu 
 raciocínio, a seguinte: o artigo 13º, quando reenvia para as convenções 
 colectivas de trabalho o tratamento da matéria atinente aos limites máximos do 
 período normal de trabalho, está a subdelegar nas organizações profissionais, 
 contra o disposto no artigo 114º da Constituição, poderes que o artigo 6º, nº 2, 
 alínea b), delegou no Governo.
 
  
 
  
 
                         Também esta argumentação não é procedente: na verdade, 
 não é o artigo 13º que subdelega poderes que o legislador tenha delegado no 
 Governo; é, antes, o artigo 6º, nº 2, alínea b), ele próprio, que abre o 
 tratamento da matéria em causa à negociação colectiva.
 
  
 
                         7. Uma última questão:
 
  
 
                         Concluiu-se atrás que, com a entrada em vigor em 30 de 
 Outubro de 1982 da Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, a partir 
 daquela data, o artigo 6º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de 
 Setembro (na parte em que contém uma abertura para o Governo, através de decreto 
 regulamentar, modificar o regime geral estabelecido nesse diploma em matéria de 
 limites máximos do período normal de trabalho) se tornou inconstitucional.
 
                         Importa, então, decidir se, no caso, se justifica que o 
 Tribunal profira esse julgamento de inconstitucionalidade.
 
  
 
  
 
                         É que, achando-nos no domínio da fiscalização concreta 
 da constitucionalidade, em que o recurso desempenha uma função instrumental, só 
 faz sentido que o Tribunal profira um julgamento de inconstitucionalidade de uma 
 norma jurídica, quando tal julgamento puder influir na decisão do caso de que 
 emerge o recurso. De contrário, o Tribunal estará a julgar uma pura questão 
 académica.
 
  
 
  
 
                         Ora, o Decreto nº 381/72 foi editado em 1972, numa 
 altura, portanto, em que o artigo 6º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 409/71, 
 de 27 de Setembro, lhe servia de habilitação legal suficiente.
 
                         Por isso, a inconstitucionalidade que, a partir de 30 de 
 Setembro de 1982, atingiu este artigo 6º, nº 2, alínea b), nenhuma repercussão 
 pode ter sobre o referido artigo 13º daquele Decreto nº 381/72, que, assim, 
 continua a ter suporte legal.
 
  
 
  
 
                         Não se vê, por isso, que fizesse sentido um julgamento 
 de inconstitucionalidade de tal normativo. Ele seria res inutilis.
 
  
 
  
 
                         III. Decisão:
 
  
 Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
 
  
 
  
 Lisboa, 22 de Fevereiro de 1995
 Messias Bento
 Bravo Serra
 Guilherme da Fonseca
 Luis Nunes de Almeida