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Proc. nº 394/94
 
 1ª Secção
 Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
                         1. Em processo de execução por custas, que corre termos 
 no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, em que são 
 exequente o Ministério Público e executado M..., para cobrança da quantia de 
 
 58.000$00, foi requerida pelo exequente a penhora de 1/3 da pensão de 
 sobrevivência do executado, por este auferida enquanto deficiente das Forças 
 Armadas Portuguesas.
 
                         Esse requerimento foi indeferido por despacho de 11 de 
 Julho de 1994, com o seguinte teor:
 
  
 
             'Nos termos do artº 45º, nº 1, da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, 
 indefiro a penhora da pensão por impenhorável segundo essa disposição.'
 
  
 
  
 
  
 
                         2. Desta decisão interpôs o Ministério Público o 
 presente recurso para o Tribunal Constitucional, alegando que o fazia ao abrigo 
 da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Afirma-se 
 que na decisão recorrida se fez aplicação da norma constante do nº 1 do artigo 
 
 45º da Lei nº 28/84, a qual já terá sido julgada inconstitucional pelo Tribunal 
 Constitucional, no Acórdão nº 411/93.
 
  
 
                         3. Neste Tribunal, o Magistrado do Ministério Público 
 apresentou alegações, nas quais sustenta que a decisão recorrida não fez 
 aplicação da norma julgada inconstitucional na parte que foi objecto de juízo de 
 inconstitucionalidade no Acórdão nº 411/93, pelo que entende não dever 
 conhecer-se do recurso, por não ocorrerem os pressupostos previstos na alínea g) 
 do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
 
                         As suas conclusões foram assim formuladas: 
 
  
 
     '1º - O acórdão nº 411/93 apenas julgou inconstitucional a norma constante 
 do artigo 45º, nº 1, da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, na medida em que isenta 
 de penhora a parte das prestações devidas pelas instituições de segurança social 
 que exceda o mínimo adequado e necessário a uma sobrevivência condigna.
 
  
 
             2º - Não constitui aplicação deste segmento ideal da norma, já 
 efectivamente inconstitucionalizado por aquele aresto, a consideração, pelo juiz 
 da causa, de que certa pensão percebida pelo executado, atendendo às 
 circunstâncias concretas do caso, é, na totalidade, essencial à garantia do 
 mínimo de sobrevivência condigna - e, como tal, absolutamente impenhorável.'
 
  
 
  
 
  
 
                         4. Foram dispensados os vistos, dada a simplicidade da 
 causa.
 
  
 
                         Cumpre agora apreciar e decidir.
 
  
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
                         5. O presente recurso foi interposto, como se disse, ao 
 abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, 
 segundo a qual cabe recurso para este Tribunal das decisões 'que apliquem norma 
 já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal 
 Constitucional'.
 
                          Nesta previsão cabem, designadamente, as decisões 
 proferidas pelo Tribunal Constitucional no domínio da fiscalização concreta da 
 constitucionalidade. No caso dos autos, foi indicado como acórdão-fundamento o 
 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 411/93 (Diário da República, II, de 19 de 
 Janeiro de 1994), proferido em sede de fiscalização concreta, que terá julgado 
 inconstitucional a norma alegadamente aplicada na decisão recorrida - 
 concretamente, o nº 1 do artigo 45º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto.
 
  
 
                         6. Este preceito legal determina que 'as prestações 
 devidas pelas instituições de segurança social são impenhoráveis e 
 intransmissíveis'.
 
                         Ora, no citado acórdão decidiu-se:
 
  
 
             '(...) Julgar inconstitucional, por violação do preceituado nas 
 disposições conjugadas dos artigos 13º, nº 1, e 62º, nº 1, da Constituição, a 
 norma do artigo 45º, nº 1, da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto (Lei da Segurança 
 Social), apenas na medida em que isenta de penhora a parte das prestações 
 devidas pelas instituições de segurança social que excede o mínimo adequado e 
 necessário a uma sobrevivência condigna. (...)'
 
  
 
  
 
  
 
                         E lê-se na sua fundamentação:
 
  
 
             '(...) A impenhorabilidade das prestações atribuídas pelas 
 instituições de segurança social representa um sacrifício do direito do credor, 
 e portanto uma restrição ao direito à propriedade privada, garantido pelo artigo 
 
 62º, nº 1, da Constituição; todavia, este sacrifício será legítimo na medida em 
 que for necessário para assegurar a sobrevivência condigna do devedor. (...) 
 esta conclusão deve extrair-se do princípio da dignidade da pessoa humana, 
 consagrado no artigo 1º da Constituição; no entanto, na parte em que a pensão  
 exceda o necessário e adequado para assegurar esse mínimo de sobrevivência 
 condigna, já não será constitucionalmente legítimo o sacrifício do direito do 
 credor.
 
  
 
             (...) a consagração, pelo legislador, de um regime de 
 impenhorabilidade total, salvo em processos de execução especial por alimentos, 
 das prestações devidas pelas instituições de segurança social, que, pelo seu 
 montante, devem ser objectivamente consideradas como instrumento de garantia de 
 uma sobrevivência minimamente digna do pensionista, não é materialmente 
 infundada, irrazoável ou arbitrária. (...) se o legislador não estendeu o regime 
 da impenhorabilidade às pensões atribuídas por instituições não pertencentes ao 
 sistema  da  segurança  social,  bem  poderá  questionar-se  se  a 
 inconstitucionalidade não estaria antes nas normas que não consagram o princípio 
 da impenhorabilidade total para estas últimas, cujo montante se contenha dentro 
 dos limites referidos.
 
  
 
             (...) a norma em apreço será inconstitucional na medida - mas apenas 
 na medida - em que consagra a impenhorabilidade de pensões cujo montante  
 ultrapassa o mínimo necessário e adequado para garantir uma sobrevivência digna 
 do pensionista. Nesta medida, ela consagra um privilégio materialmente 
 infundado, face ao preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 13º, nº 1, 
 e 62º, nº 1, da Lei Fundamental.'
 
  
 
  
 
                         Verifica-se, assim, que o Tribunal Constitucional não 
 julgou tal preceito legal totalmente inconstitucional. Apenas julgou 
 inconstitucional essa norma, que consagra a impenhorabilidade total das 
 prestações devidas pelas instituições de segurança social, na medida em que ela 
 seja aplicável a prestações cujo montante ultrapasse manifestamente o mínimo 
 entendido como necessário para garantir uma sobrevivência condigna.
 
                         Por conseguinte, aquela norma já será conforme à 
 Constituição quando aplicável, em concreto, a situações em que o montante de 
 tais prestações não exceda os limites do que deva ser considerado indispensável 
 para garantir uma sobrevivência digna do beneficiário.
 
                         Por isso se entendeu, no Acórdão nº 411/93, que o nº 1 
 do artigo 45º da Lei nº 28/84 seria inconstitucional enquanto aplicável ao caso 
 aí apreciado: estava em causa a impenhorabilidade de uma pensão no montante de 
 
 138.490$00, tida como superior ao limite mínimo necessário para garantir uma 
 sobrevivência condigna. E pelas mesmas razões se entendeu no Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 349/91 (Diário da República, II, de 2 de Dezembro de 1991) que 
 a norma não seria inconstitucional enquanto aplicável a um caso em que se 
 ponderava a penhorabilidade de uma pensão no montante de 46.150$00, considerada 
 claramente abaixo do limiar de sobrevivência do beneficiário.
 
  
 
                         7. Assim, caberá indagar se, no caso concreto, o regime 
 de impenhorabilidade foi aplicado a pensão que se tenha considerado (ou se deva 
 considerar) constituir, na sua totalidade, garantia de um mínimo necessário de 
 sobrevi-vência. Sendo a resposta afirmativa, terá de concluir-se que, nessa 
 hipótese, se fez aplicação da parte (ideal) da norma não julgada 
 inconstitucional pelo Acórdão nº 411/93.
 
                         Com efeito, o tribunal a quo, na sua decisão, teve 
 necessariamente em conta a situação concreta do executado, em face dos elementos 
 de facto que já então constavam dos autos, dos quais resulta que ele é 
 deficiente das Forças Armadas (em 80%) e aufere uma pensão de 58.000$00. E, 
 nesse contexto, decidiu-se aplicar o regime de impenhorabilidade emergente do nº 
 
 1 do artigo 45º da Lei nº 28/84. Subjacente à decisão recorrida estará a 
 ponderação de que a pensão em causa é, na totalidade, indispensável à garantia 
 do mínimo de sobrevivência. Aliás, dado o seu montante, é óbvio que a pensão se 
 encontra integralmente afectada ao cumprimento da função de garantia de uma 
 sobrevivência minimamente condigna do beneficiário. Deste modo, a decisão 
 recorrida respeitou o critério de constitucionalidade formulado por este 
 Tribunal nos arestos acima mencionados.
 
                         Daqui decorre que não houve efectiva aplicação, na 
 decisão recorrida, da dimensão normativa do nº 1 do artigo 45º da Lei nº 28/84 
 julgada inconstitucional, pelo que não se poderá afirmar que tal decisão aplicou 
 
 'norma já anteriormente julgada inconstitucional (...) pelo próprio Tribunal 
 Constitucional'. Nesta conformidade, faltará então um pressuposto processual 
 respeitante ao objecto do recurso de constitucionalidade, exigido pelos artigos 
 
 280º, nº 5, da Constituição e 70º, nº 1, alínea g), da Lei nº 28/82, de 15 de 
 Novembro: concretamente, que a decisão recorrida tenha feito aplicação de norma 
 anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. E a falta 
 desse pressuposto processual é determinante do não conhecimento do recurso.
 
  
 
                         8. Refira-se ainda que, não obstante não se dever 
 conhecer o objecto do recurso pelas razões apontadas, poderia pretender-se que 
 este Tribunal deveria, então, passar a apreciar a constitucionalidade da norma 
 do nº 1 do artigo 45º da Lei nº 28/84 na dimensão em que foi efectivamente 
 aplicada na decisão recorrida, na medida em que sempre teria sido aplicada norma 
 cuja inconstitucionalidade se suscitara: haveria, assim, uma convolação 
 subsequente do fundamento processual do recurso, que passaria a entender-se 
 reportado à previsão da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 
                         Porém, mesmo que se pudesse sustentar tal entendimento, 
 o certo é que nem assim se poderia conhecer o objecto do recurso, na medida em 
 que a pretensa inconstitucionalidade não teria sido suscitada durante o 
 processo, como exigem os artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, 
 nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.
 
                         Na verdade, a questão de inconstitucionalidade do nº 1 
 do artigo 45º da Lei nº 28/84 só foi suscitada no requerimento de interposição 
 de recurso para o Tribunal Constitucional (e não - como se podia e devia ter 
 feito - no requerimento de nomeação à penhora da pensão do executado). Ora, como 
 
 é jurisprudência segura e pacífica deste Tribunal, esse já não era o momento 
 próprio para suscitar a questão de inconstitucionalidade, por se encontrar então 
 esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo, sem que se verificasse a 
 situação excepcional (e ampliadora do conceito de 'inconstitucionalidade 
 suscitada durante o processo') de o recorrente não ter tido oportunidade 
 processual para levantar anteriormente a questão (cf., designadamente, os 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 69/85 e 339/86, Diário da República, II, 
 de 22 de Junho de 1985 e 18 de Março de 1987, respectivamente).
 
                         Visto o recurso nesta perspectiva, ainda assim faltaria, 
 portanto, um requisito processual determinante do não conhecimento do objecto do 
 recurso.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
                         9. Pelo exposto, decide-se atender à questão prévia 
 suscitada pelo Ministério Público neste Tribunal e, em consequência, não 
 conhecer o recurso.
 
 
 Lisboa, 21 de Fevereiro de 1995
 Ass) Maria Fernanda Palma
 Maria da Assunção Esteves
 Alberto Tavares da Costa
 Vitor Nunes de Almeida
 Armindo Ribeiro Mendes
 Antero Alves Monteiro Dinis
 José Manuel Cardoso da Costa